Página 100 da Caderno Judicial da Comarca da Capital do Diário de Justiça do Estado do Mato Grosso (DJMT) de 10 de Maio de 2021

necessidade de intervenção imediata. Assim sendo, postulou a concessão de liminar para o fim de determinar que as rés apresentem proposta de reparos definitivos na tubulação e medidor do gás, no prazo de 30 dias, sob pena de aplicação de multa diária no descumprimento da ordem judicial. Ao final, a condenação da ré no valor de R$ 60.000,00 (sessenta mil reais) a título de danos morais aos autores. A antecipação de tutela foi deferida (Id. 11186285). Citada, as rés ofertaram contestação (Id. 1239587), arguindo preliminar de ilegitimidade ativa e decadência. No mérito, defende a improcedência dos pedidos, ao argumento de que a responsabilidade pela manutenção do sistema de gás é do condomínio e que o empreendimento foi construído segundo as normas técnicas da construção civil, editadas pela Associação Brasileira de Normas Técnicas –ABNT. Realizada a audiência de conciliação, a tentativa de composição amigável das partes restou infrutífera (Id n. 12405731) Impugnação à contestação nos autos (Id n. 12736279). Visando ao saneamento do feito, as partes foram intimadas para manifestação, tendo a autora pugnado pelo depoimento testemunhal e a parte ré pelo julgamento antecipado da lide. Pedido de produção de prova testemunhal indeferido (Id. 34100642). É o relatório. Fundamento. Decido. Da preliminar de ilegitimidade ativa Ab initio, a ré suscita preliminarmente a ilegitimidade ativa dos autores para pleitear os reparos no sistema de gás do condomínio, cuja competência deveria ser do síndico, consoante o que estabelece a Lei 4591/64. Quanto a preliminar de ilegitimidade ativa arguida pela ré, a indicação na petição inicial trazendo como causa de pedir fundamentos que evidenciam a existência de uma suposta relação jurídica de direito material da parte autora contra a construtora é suficiente para sustentar a legitimidade das partes, como preconizado pela Teoria da Asserção, amplamente aceita no Colendo Superior Tribunal de Justiça: AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. AQUISIÇÃO DE VALORES MOBILIÁRIOS POR INTERMÉDIO DE INSTITUIÇÃO FINANCEIRA. LEGITIMIDADE PASSIVA DA INSTITUIÇÃO FINANCEIRA. TEORIA DA ASSERÇÃO. PRECEDENTES. PRESCRIÇÃO. PRAZO. TERMO INICIAL. CIÊNCIA DA LESÃO. TEORIA DA ACTIO NATA. MOMENTO DA OCORRÊNCIA DA CIÊNCIA INEQUÍVOCA. SÚMULA N. 7 DO STJ. AGRAVO REGIMENTAL IMPROVIDO. 1. Não há ilegitimidade passiva nas hipóteses em que a pertinência subjetiva do réu em relação à pretensão deduzida em juízo torna­ se evidente à luz da teoria da asserção, segundo a qual as condições da ação devem ser aferidas tomando como pressuposto, provisoriamente, apenas em juízo de admissibilidade da demanda, as próprias afirmações ou alegações contidas na petição inicial, dispensando­se qualquer atividade probatória. (...) 3. Agravo regimental a que se nega provimento. (STJ AgRg no AREsp 740.588/SP, Rel. Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, TERCEIRA TURMA, julgado em 27/10/2015, DJe 16/11/2015). (grifei e destaquei) Diante do exposto, em exame apenas das alegações contidas na inicial, nota­se que as partes da relação jurídica de direito material coincidem com as partes desta demanda, tornando­as partes legítimas para figurar nos polos ativo e passivo. Portanto, rejeito a preliminar de ilegitimidade ativa. Da alegação de decadência. A tese de decadência também não se sustenta, eis que o defeito na construção das tubulações, somente foi detectado após a ocorrência de vazamento de gás, tendo a autora, neste feito, pleiteado indenização por dano moral, a qual se sujeita a prazo prescricional, e não a decadência. A jurisprudência pacífica do STJ a respeito do assunto é uníssona no sentido de que a prescrição para a reparação civil contratual é decenal, conforme se extrai da ementa do julgado abaixo: “AGRAVO INTERNO NOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO RECURSO ESPECIAL ­ AÇÃO CONDENATÓRIA ­ DECISÃO MONOCRÁTICA QUE NEGOU PROVIMENTO AO RECLAMO. INSURGÊNCIA DA DEMANDADA. (...) 4. O evento danoso, para caracterizar a responsabilidade da construtora, deve apresentar­se dentro dos 5 (cinco) anos previstos no art. 618 do Código Civil de 2002 (art. 1.245, CC/16). Uma vez caracterizada tal hipótese, o construtor poderá ser acionado no prazo prescricional de vinte (20) anos na vigência do CC/16, e 10 (anos) na vigência do CC/02. Precedentes. (...) 6. Agravo interno desprovido”. (AgInt nos EDcl no REsp 1814884/SP, Rel. Ministro MARCO BUZZI, QUARTA TURMA, julgado em 23/03/2020, DJe 25/03/2020). (Destaquei) “PROCESSO CIVIL. ADMINISTRATIVO. RESPONSABILIDADE DA ADMINISTRAÇÃO. ALEGAÇÃO DE VIOLAÇÃO DO ART. 618 DO CC. VIOLAÇÃO DO ART. 70 DO CPC/73. ART. 125 DO CPC/15. NÃO CONFIGURADA. DENUNCIAÇÃO DA LIDE. PRESCRIÇÃO. ENTENDIMENTO DO TRIBUNAL A QUO EM CONSONÂNCIA COM A JURISPRUDÊNCIA DO STJ. INCIDÊNCIA DO ENUNCIADO N. 568 DA SÚMULA DO STJ. (...) II ­ No que trata da alegação de violação do art. 618, parágrafo único, do Código Civil, sem razão a recorrente na pretensão de reforma do aresto vergastado, visto que este se encontra em perfeita consonância com a jurisprudência desta Corte, no sentido de que o prazo quinquenal disposto no referido dispositivo é de garantia da solidez e segurança da obra, não se confundindo com o prazo prescricional de dez anos, previsto no art. 389 do CC de 2002, ou de vinte anos, nos termos da previsão do art. 1.056 do CC/1916, para obter do construtor indenização por defeitos na obra. Nesse sentido, os seguintes julgados: REsp n. 1.717.160/DF, Relator Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 22/3/2018, DJe 26/3/2018; AgRg no REsp n. 1.344.043/DF, Rel. Ministra Maria Isabel Gallotti, Quarta Turma, julgado em 17/12/2013, DJe 4/2/2014. (...) V ­ Agravo interno improvido”. (AgInt nos EDcl no AREsp 1191201/SP, Rel. Ministro FRANCISCO FALCÃO, SEGUNDA TURMA, julgado em 14/05/2019, DJe 21/05/2019). Portanto, rejeito a alegação de decadência. Mérito. O feito prescinde da produção de provas para prolação de sentença com mérito. Assim, passo ao julgamento antecipado da lide, conforme me permite o art. 355, inc. I, e artigo 12, § 2º, inciso VII (Meta 02/CNJ), do Código de Processo Civil. Inicialmente, vale ressaltar que os contratos de compra e venda, nos quais a incorporadora se obriga a construir unidades imobiliárias, submetem­se à legislação consumerista, consoante entendimento do STJ, in verbis: “AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL CIVIL. CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. SÚMULA Nº 83/STJ. 1. O Código de Defesa do Consumidor atinge os contratos de compra e venda nos quais a incorporadora se obriga a construir unidades imobiliárias mediante financiamento. Acórdão em harmonia com a jurisprudência deste Superior Tribunal. Precedentes. Incidência da Súmula nº 83/STJ. 2. Agravo regimental não provido.” (STJ, 3ª Turma, AgRg no AREsp nº 120.905/SP, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, j. em 06/05/2014). Portanto, o contrato firmado entre as partes se submete à legislação consumerista, estando tal matéria pacificada pela doutrina e jurisprudência. Sendo assim, defiro a inversão do ônus da prova aos autores ante a demonstração de sua situação de hipossuficiência na presente demanda. É incontroverso que a parte autora adquiriu da ré uma Unidade Residencial do Empreendimento denominado Condomínio Chapada Diamantina, cujo apartamento foi entregue em outubro 2015. Sabe­se que, em se tratando de responsabilidade civil por dano moral embasada no Código Civil, para sua caracterização, há que se provar o dano, a conduta culposa ou ilícita e o nexo de causalidade (artigos 186 e 927 do CC), por se tratar de responsabilidade subjetiva. Diferentemente, se fundada no Código de Defesa do Consumidor, trata­se de responsabilidade objetiva e para tanto, basta a comprovação do dano e do nexo de causalidade entre a conduta e o resultado, independentemente de demonstração de culpa do agente (art. 14 do CDC). In casu, a parte autora ingressou com a ação, sob o argumento de que a empresa ré lhe causou transtornos, requerendo reparação por danos morais, em razão da falta de gás no seu apartamento, várias interrupções e vazamento que exalava cheiro em todo o Condomínio, atingindo seu imóvel. A ré não se desincumbiu do ônus em comprovar a inexistência do defeito ou culpa exclusiva de terceiros para isentar sua responsabilidade no feito. Consigno que o laudo técnico e demais documentos carreados aos autos, através de petição de ID 33744919 pela ré, refere­se a adequação do sistema de gás do condomínio por determinação da medida liminar conferida por este juízo, restando incontroverso o prazo considerável sem o fornecimento de gás a unidade da pare autora. In casu, a reparação civil no que concerne aos danos morais a ser feito pela parte ré é evidente, nos termos do artigo 14 do Código de Defesa do Consumidor, que prevê a responsabilidade objetiva, ou seja, independente de culpa: “Art. 14. O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos.” Infere­se dos autos, ainda, que a parte autora sofreu com a ausência no fornecimento de gás de cozinha em razão de um problema identificado na tubulação. Estando, portanto, evidente que a falha da prestação dos serviços por parte da ré ocasionou a parte autora transtornos que ultrapassam os limites do mero aborrecimento, pertinente sua condenação à reparação civil. O Código Civil, em seu artigo 186 dispõe que aquele que causa dano a outrem, seja por ação ou omissão, comete ato ilícito, in verbis: “Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.” Em complemento, o artigo 927 do Código Civil prevê a obrigação de reparar civilmente os danos causados e decorrentes de ato ilícito: Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará­lo. Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.” (Negritei) Por fim, a Constituição Federal do Brasil ratifica o dever de reparação civil, ainda que exclusivamente moral (art. , inc. X, CF/88). Trago a lume o entendimento do TJMT a respeito do assunto: RECURSO INOMINADO. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. RELAÇÃO DE CONSUMO. SENTENÇA IMPROCEDÊNCIA. PRELIMINAR. IMPUGNAÇÃO AO DEFERIMENTO DA JUSTIÇA GRATUITA. REJEITADA. MÉRITO. AQUISIÇÃO DE IMÓVEL. FALHA NO SISTEMA DE ABASTECIMENTO DE GÁS. VAZAMENTO. INTERRUPÇÃO NO ABASTECIMENTO. VÍCIO E FALHAS DA CONSTRUÇÃO. DESRESPEITO ÀS NORMAS TÉCNICAS. RESPONSABILIDADE DA CONSTRUTORA. RESPONSABILIDADE OBJETIVA E SOLIDÁRIA. DANOS MORAIS CONFIGURADOS. QUANTUM INDENIZATÓRIO FIXADO DE ACORDO COM A RAZOABILIDADE. DANOS MATERIAIS NÃO COMPROVADOS. SENTENÇA REFORMADA. RECURSO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO. [...] 3. Incumbe ao impugnante apresentar provas que desconstituam a hipossuficiência alegada com intuito de revogar a assistência judiciária gratuita deferida, situação não evidenciada no caso em exame. 4. Restou comprovada a responsabilidade das Recorridas, haja vista que foram responsáveis pela construção do empreendimento e a instalação da rede de abastecimento de gás. Em se tratando de empreendimento particular, cabe à construtora deixar o empreendimento pronto para uso, com segurança, segundo as normas técnicas e com material de boa qualidade. 5. Apresentação de laudo pericial que comprova a existência do vazamento de gás, sendo as recorridas orientadas na regularização da canalização, de acordo com o projeto para oferecer a segurança, o que comprova a responsabilidade das empresas, já que eram delas a obrigação de instalação da rede de abastecimento de gás.

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