Página 1225 do Diário de Justiça do Estado de Pernambuco (DJPE) de 21 de Setembro de 2018

como pessoa absolutamente incapaz somente o menor de 16 anos. Embora essa lei suscite muita dúvida e controvérsia, o fato é que buscou a inclusão social da pessoa com deficiência com fincas a sua igualdade perante as demais pessoas, tutelando a sua dignidade-liberdade em detrimento do que antes se protegia, a sua dignidade-vulnerabilidade, definindo pessoa com deficiência no seu art. 2º como sendo “...aquela que tem impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas.” Sendo assim, a partir dessa lei, a pessoa com deficiência tem capacidade plena para prática de todos os atos da vida civil, especialmente os chamados atos existenciais, que estão assim elencados nos arts 6º e 85 do Estatuto. [3] No entanto, excepcionalmente, uma pessoa com deficiência pode ser relativamente incapaz [4] , mas tão somente para a prática dos atos patrimoniais ou negociais e ficarão sujeitos à curatela neste último caso. Em suma, podemos ter numa só pessoa com deficiência a capacidade plena para prática dos atos existenciais e a capacidade ou incapacidade relativa para o exercício dos atos patrimoniais ou negociais, com a incapacidade relativa positivada, com conceito aberto para espécie, no art. , inciso III, do CC [5] , também alterado pela novel lei. No caso sob exame, a interdição foi requerida de forma a declarar a interdição do (a) promovido (a), por apresentar doença mental que o torna incapaz para todos os atos da vida civil, o que não é mais possível a não ser sob sua forma relativa. Neste diapasão, o art. 1.767, I, do Código Civil, com redação dada pela Lei nº 13.146, de 2015 , elenca as pessoas sujeitas à curatela, entre elas, “aqueles que, por causa transitória ou permanente, não puderem exprimir sua vontade” . Primeiramente, é de observar que a parte autora é legítima para requerer a interdição , pois, além do vínculo familiar (se encontra dentro do rol de pessoas que podem e devem requerer a interdição, estatuído no art. 1.768, do Código Civil e art. 1.177, do CPC), demonstrou possuir vínculo afetivo com a parte curatelanda. Satisfeitos estes requisitos legais, passemos à análise da prova considerando o pressuposto jurídico erigido como causa petendi . Neste diapasão, entendo que a parte autora logrou provar todo o articulado na inicial. De fato, a documentação ínsita, de par com o laudo médico acostado , comprovam estar a parte curatelanda incapacitada para gerir seus direitos patrimoniais e negociais , já que, nos termos do referido laudo, possui transtorno de personalidade, cuja deficiência é permanente , sendo esta incapaz de levar uma vida independente . Tal fato se encontra comprovado no ventre dos autos. Esclarece, com acuidade, Washington de Barros Monteiro: “Ao magistrado cabe, em regra, acatar as conclusões dos especialistas, a menos que o laudo seja incongruente, contraditório ou imprestável”. [6] Nesta ótica, o laudo médico se apresenta contundente e não merece reparos, pelo menos para o que ficou destinado a atestar. Tudo que se produziu foi no sentido aferir a incapacidade absoluta ou relativa do curatelado, o que não é mais possível, como dito alhures, devendo haver modulação por parte do magistrado para adequação à nova realidade do Estatuto da Pessoa como Deficiência no sentido de reconhecer o deficiente como relativamente incapaz tão somente para prática dos atos patrimoniais, mesmo que o laudo indique sua incapacidade absoluta. Com efeito, o promovido se enquadra perfeitamente na hipótese legal do art. 1.767, I, e art. , III, do CC/02. Neste caso, na égide do sistema atual trazido pelo Estatuto da Pessoa com Deficiência, não cabe mais ao juiz aferir se há incapacidade absoluta ou relativa, mas se existe ou não incapacidade relativa para os atos negociais ou patrimoniais , mas na presente hipótese, entendo que os autos indicam que aquele possui incapacidade absoluta, vez que, em razão de sua doença mental, é incapaz de reger sua pessoa e seus bens em todos os atos da vida civil. Sendo assim, como não se pode ir pela a incapacidade absoluta, reconhece-se aquela incapacidade relativa. Todos nós sabemos que na hipótese de incapacidade relativa, o curatelado deve ser assistido pelo curador, participando conjuntamente do ato com aquele. Pois bem, estamos dentro de um impasse: se devido ao alto grau de deficiência mental o curatelado não puder exprimir sua vontade, como vai praticar o ato em conjunto com o curador? Esta é umas das intrincadas questões não resolvidas pelo Estatuto. Sobre esse tema lecionou o Juiz e Professor Atalá Correa: Hoje, centenas de pessoas são declaradas por peritos judiciais absolutamente incapazes, no sentido biológico, de compreender a realidade que as cercam e de manifestar vontade. A triste realidade das demências senis, que se torna mais frequente com o envelhecimento da população, é apenas um dos exemplos possíveis. A pessoa que se tornou deficiente por moléstia incurável e que não consegue sequer escrever seu nome não passará, após a vigência da lei, a manifestar sua vontade. Ocorre que essa hipótese fática, de incapacidade de manifestação de vontade, foi deslocada do artigo , III, CC, para o artigo , III, CC e, com isso, ensejará mera incapacidade relativa. Como se sabe, a validade do ato jurídico, nessas situações, exige a assistência do curador. Isso quer dizer que o curatelado deve manifestar, conjuntamente com o curador, seus interesses, não podendo a vontade deste substituir a daquele. Contudo, se o interditado não detém qualquer possibilidade de manifestação de vontade, a nova legislação o colocou diante de um impasse: seu curador não pode representá-lo, pois ele não é absolutamente incapaz, e tampouco conseguirá praticar qualquer ato da vida civil, pois não conseguirá externar seus interesses para que alguém lhe assista. Caso o quadro legislativo não se altere, será razoável tolerar uma hibridização de institutos, para que se admita a existência de incapacidade relativa na qual o curador representa o incapaz, e não o assiste . Entendida a questão de maneira literal, a interdição de pessoas teria pouco significado prático. [7] No mesmo sentido, José Fernando Simão publicou no Conjur artigo com o título “Estatuto da Pessoa com Deficiência causa perplexidade (Parte II)”, onde comenta o art. 85 do Estatuto, pontificando o seguinte: “Da leitura do texto, parece que caberá ao juiz definir se o curador do deficiente que prossegue sendo capaz, deverá representá-lo ou assisti-lo.” [8] Diante dessas assertivas, nós vamos ter, portanto, no atual sistema uma pessoa relativamente incapaz, porém representada pelo curador para certos atos, e não assistida, o que realmente causa perplexidade, não se encontrando no ordenamento jurídico outra solução ou resposta. Na hipótese dos autos, a deficiência do interditando realmente o priva da possibilidade de manifestação de sua vontade, segundo a literatura médica, razão por que o curador irá representá-lo nos atos patrimoniais, sem poder praticar atos de disposição sem autorização judicial , o que pode causar estranheza, mas não vislumbro outra solução razoável e adequada ao presente caso concreto. Destarte, comprovado nos meandros processuais que o interditando sofre de deficiência de tal sorte que o impede de praticar por si só os atos patrimoniais da vida civil, evidencia-se que o pedido tem em parte amparo no ordenamento jurídico. À evidência, pois, consideradas as circunstâncias observadas no caso concreto, mostra-se absolutamente curial a interdição da parte requerida, medida esta que, com a finalidade de prestar assistência à esfera patrimonial da vida da parte interditanda, se revela proporcional às suas necessidades e preserva seu melhor interesse. Diante destas assertivas, o douto Representante do Parquet com razão, opinou pela procedência do pedido. De resto salienta-se, por oportuno, que não se evidenciou nos autos a existência de bens em nome do interditando , pelo que, nos precisos termos do art. 1.190, do CPC/73 , não há necessidade da especialização da hipoteca legal. EX POSITIS , e considerando tudo o mais que consta dos autos, com base no art. 1.767 e seguintes do Código Civil, e nos artigos 84, § 1º e 85, da Lei 13.146/2015, JULGO EM PARTE PROCEDENTE o pedido constante da inicial para declarar a incapacidade civil relativa do (a) interditando (a) (art. , III, CC/02) para a prática tão somente de atos meramente patrimoniais ou negociais, sendo plenamente capaz para os demais atos da vida civil, pelo tempo que perdurar a sua deficiência, e, em consequência, DECRETO A INTERDIÇÃO RELATIVA de JOSÉ RICARDO DA SILVA , pelo tempo que perdurar a sua enfermidade, nomeando-lhe curadora, sob compromisso, a requerente MARIA DE LOURDES DE MIRANDA, que exercerá a curatela de modo a representá-lo nos atos patrimoniais ou negociais (art. 85, caput , do Estatuto), sem poder praticar por ele atos de disposição sem autorização judicial, tais como emprestar, transigir, dar quitação, alienar, hipotecar, e, em geral, os atos que não sejam de mera administração (art. 1.772 c/c art. 1.782, do CC), dispensando-o (a) ainda de especialização da hipoteca legal.Tome-se por termo o compromisso nos autos e em livro próprio, constando as limitações da curatela acima descritas. Publiquese esta sentença por 03 (três) vezes no Diário da Justiça, com intervalos de 10 (dez) em 10 (dez) dias, com base no art. 1.184, do CPC/73 c/c o art. 1.046, § 1º, do CPC/15. Com o trânsito em julgado, expeça-se mandado para averbação no livro próprio do Cartório de Registro Civil de Pessoas Naturais competente. Deixo de informar ao Cartório Eleitoral correspondente a esta Comarca, para suspensão dos direitos políticos do curatelado, uma vez que se trata de ato existencial (arts. 6º e 85, § 1º, do EPD) para o qual tem capacidade plena. Cumpridas as formalidades legais, arquive-se com baixa. P. R. I. C. Cabo, 20 de junho de 2018. Dr. Roberto Jordão de Vasconcelos - Juiz de Direito

Processo nº 000XXXX-27.2016.8.17.2370

AUTOR: DRAILTON ROBERTO DE LIMA

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