Página 2726 da Judicial - 1ª Instância - Capital do Diário de Justiça do Estado de São Paulo (DJSP) de 25 de Setembro de 2020

Ausente hipótese de absolvição sumária, o recebimento da denúncia foi mantido a fls. 168. Folha de antecedentes do réu a fls. 168. Na fase instrutória, foram ouvidas duas testemunhas arroladas pela acusação (fls. 187 e 276). O réu, revel, não foi interrogado ao fim da instrução. Encerrada a instrução, apresentaram as partes memoriais, postulando o Ministério Público a condenação do réu, nos termos da denúncia (fls. 293/295) e a Defesa, a absolvição do acusado (fls. 298/302). É o relatório. Fundamento e decido. Não há nulidade ou faltas a sanar. No mérito, a ação penal é procedente, pois há nos autos provas da materialidade e autoria delitiva. Segundo consta nos autos, na data dos fatos, o acusado conduzia na via pública o ônibus da Viação Sambaiba Transportes Transportes Urbanos LTDA, de placas DTB-1939 e, ao transpor um cruzamento, atropelou a vítima, que fazia a travessia da via em uma bicicleta. Em virtude do acidente a vítima veio a falecer. A materialidade delitiva foi comprovada por meio do boletim de ocorrência (fls. 3/7), exame necroscópico (fls. 40/41), laudo pericial do local dos fatos (fls. 75/84), laudo de fls. 115/122 (tacógrafo) e prova oral produzida sob o crivo do contraditório. O exame necroscópico atestou que a vítima faleceu em decorrência de hemorragia traumática causada por agente contundente. A autoria delitiva também restou demonstrada por meio da prova oral produzida em juízo, que corroborou com o depoimento do acusado prestado na fase extrajudicial. Durante a fase instrutória, foram ouvidas duas testemunhas. Henrique Pessoa Ramon, policial militar que atendeu a ocorrência, confirmou em Juízo que foi acionado via Copom e ao chegar ao local dos fatos a vítima já havia sido socorrida. Em conversa com o réu, este disse que após o acidente, a vítima saiu conversando, inclusive falou com a sua namorada e disse-lhe que estava bem. Ao chegar no Pronto Socorro, a testemunha tomou conhecimento que a vítima estava em estava em estado grave. No que tange a dinâmica do acidente, acredita que a vítima foi cruzar a Av. Inajar com a Nossa Senhora do Ó e o ônibus entrou na via e não a viu. O acidente ocorreu em um cruzamento. O ônibus trafegava na Nossa Senhora do Ó e entraria na Av. Inajar de Souza. Não havia testemunhas presenciais. Na Av. Inajar de Souza havia um corredor de ônibus. Por fim, informou que ao chegar ao local dos fatos o ônibus estava parado no corredor. Richard Oliveira Costa, policial militar, informou que o ciclista colidiu contra a lateral do ônibus no cruzamento. Quando chegou ao local a vítima passou alguns dados para a testemunha e foi socorrido ao Hospital São Luis, na Lapa. Ao se dirigir ao Hospital, tomou conhecimento que a vítima entrou em óbito. A vitima supostamente desceu uma ladeira e chocou-se contra o ônibus. Devido ao decreto de revelia não se colheu a versão dos fatos do acusado em Juízo, porém, no Distrito Policial, o réu afirmou que no dia dos fatos, por volta das 18h estava no exercício de suas funções, como motorista, na condução do ônibus M Benz, de placas DTB 1393, linha Lapa-Cohab Antarctica. Trafegava no corredor de ônibus da Av. Inajar de Souza, sentido direção bairro-centro, sendo que o tempo estava bom e no cruzamento com a Av. Nossa Senhora do Ó, repentinamente percebeu que um ciclista chocou-se contra a lateral esquerda do ônibus, no para choque, tendo ele imediatamente parado o veículo e acionado a equipe de resgate. Afirmou que conduzia o veículo em uma velocidade aproximada de 50 Km/h, negando a culpa do ocorrido, não tendo como desviar o seu percurso, haja vista que o ciclista surgiu inesperadamente na faixa exclusiva de ônibus. No entanto, a sua versão dos fatos não coaduna com a prova pericial constante nos autos. Procedeu-se a apreensão do disco tacógrafo do veículo conduzido pelo acusado, e após regular exame pericial restou demonstrado que o último registro antes da imobilização indicou que o réu estava a uma velocidade aproximada de 59 Km/h (fls. 115/122), ou seja, acima da velocidade permitida na faixa exclusiva para ônibus. Sustentou a defesa que a velocidade da via, à época dos fatos, era de 60 Km/h, contudo, tal assertiva deve ser afastada, pois restou constatado que tal velocidade era permitida nas faixas de rolamento, e não na faixa de ônibus, na qual a velocidade máxima permitida era de 50 Km/h, conforme relato da perícia local realizada no dia dos fatos (fl. 78). Desse modo, restou patente que o réu conduziu o veículo automotor que deu causa ao atropelamento da vítima em velocidade acima da permitida, de forma, portanto, imprudente. O núcleo do tipo de injusto nos delitos culposos reside exatamente na disparidade entre a conduta praticada e aquela que devia ter sido observada, em razão do dever objetivo de cuidado. Na segurança viária, a obrigação está prevista no artigo 28 do Código de Trânsito Brasileiro, que assim dispõe: Art. 28. O condutor deverá, a todo momento, ter domínio de seu veículo, dirigindo-o com atenção e cuidados indispensáveis à segurança do trânsito. Guilherme de Souza Nucci ensina que a ausência do dever de cuidado objetivo significa “que o agente deixou de seguir as regras básicas e gerais de atenção e cautela, exigíveis de todos que vivem em sociedade”as quais”derivam da proibição de ações de risco que vão além daquilo que a comunidade juridicamente organizada está disposta a tolerar.” (NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de direito penal: parte geral: parteespecial. 4 ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2008, pp. 223/224). Tivesse o réu agido com dever de cuidado, consubstanciado em trafegar dentro do limite de velocidade máxima permitida na faixa exclusiva de ônibus, poderia ter evitado o resultado. Oportuno repisar que, ainda que demonstrada a imprudência também da vítima na condução de sua bicicleta, a responsabilidade penal do acusado não seria excluída ou compensada. Assim, eventual contribuição da vítima para a ocorrência do fato criminoso, não seria suficiente para eximir a responsabilidade penal do agente - posto ter dado causa ao fato por imprudência conforme fundamentado - porquanto a identificação das condutas incriminadas é feita individualmente e não há compensação de culpas no âmbito penal. Nesse sentido:(...) No crime de homicídio culposo ocorrido em acidente de veículo automotor, a culpa concorrente ou o incremento do risco provocado pela vítima não exclui a responsabilidade penal do acusado, pois, na esfera penal, não há compensação de culpas entre agente e vítima. (...). (STJ,HC 193.759/RJ, Rel. Ministro GURGEL DE FARIA, QUINTA TURMA, julgado em 18/08/2015, DJe 01/09/2015). Assim sendo, resta certo da análise do conjunto probatório que o réu conduzia seu veículo acima do limite de velocidade na via, deixando de observar o dever de cuidado necessário à segurança no trânsito, colidindo contra a bicicleta conduzida pela vítima, dando causa ao óbito, devendo ser reconhecido que o réu estava na condução de veículo de transporte de passageiros, no exercício de sua profissão ou atividade, o que caracteriza causa de aumento de pena, logo, a condenação do réu por prática de crime de homicídio culposo na direção de veículo automotor é, portanto, medida que se impõe. Passo à dosimetria da pena. Orientada pelas diretrizes do artigo 59 do Código Penal, sendo o réu primário e portador de bons antecedentes, não estando presentes circunstâncias excepcionais, fixo a pena base no mínimo legal, isto é, dois anos de detenção e três meses de suspensão ou proibição de se obter a permissão ou a habilitação para dirigir veículo automotor. Não há circunstâncias agravantes ou atenuantes a reconhecer. Na terceira fase de aplicação das penas, aplico a causa de aumento descrita no artigo 302, parágrafo único, inciso IV, do Código de Trânsito Brasileiro, uma vez que ficou comprovado que o réu estava na condução de veículo de transporte de passageiros, no exercício de sua profissão ou atividade, tornando a pena definitiva em dois anos e oito meses de detenção e quatro meses de suspensão ou proibição de se obter a permissão ou a habilitação para dirigir veículo automotor. Fixo o regime aberto para o início do cumprimento da pena privativa de liberdade. Presentes os requisitos do artigo 44, incisos I, II e III do Código Penal, substituo a pena privativa de liberdade por duas restritivas de direitos, consistentes na prestação de serviços à comunidade ou entidades públicas (artigo 43, inciso IV, c.c. o artigo 46, ambos do Código Penal) e na prestação pecuniária aos sucessores da vítima, se houver, no valor equivalente a três salários mínimos (artigo 43, inciso I, c.c. o artigo 45, § 1º, ambos do Código Penal). Caso não sejam identificados os sucessores da vítima, o valor deverá ser destinado a entidade pública escolhida pelo Juízo da Execução. Ante o exposto, JULGO PROCEDENTE a presente ação penal, para condenar MARCELO DANIEL DE SOUZA SILVA, qualificado nos autos, como incurso no artigo 302, “caput”, c.c. o parágrafo único, inciso IV, do Código de Trânsito Brasileiro, às penas de dois anos e oito meses de detenção e quatro meses de suspensão ou proibição de se obter a

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