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31 de Maio de 2024
  • 2º Grau
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Tribunal de Justiça do Amazonas
há 2 anos

Detalhes

Processo

Órgão Julgador

Terceira Câmara Cível

Publicação

Julgamento

Relator

Abraham Peixoto Campos Filho

Documentos anexos

Inteiro Teorfb6a67e9b4f63763750cd4955d2774d3.pdf
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Inteiro Teor

GABINETE DO DESEMBARGADOR ABRAHAM PEIXOTO CAMPOS FILHO

TERCEIRA CÂMARA CÍVEL

Agravo Interno Cível n.º XXXXX-53.2021.8.04.0000

Agravante : Edilson Sarkis Gonçalves

Advogado : Dr. Caio Patrick Coelho Silva Andrade,

Agravado : Wainar Parque - Parque das Mulheres Indígenas

Advogado : Dr. Isael Franklin Gonçalves

Relator : Des. Abraham Peixoto Campos Filho

EMENTA: AGRAVO INTERNO EM AGRAVO DE INSTRUMENTO. REINTEGRAÇÃO DE POSSE. COMUNIDADE INDÍGENA. AUTODECLARAÇÃO. ART. 3.º, I, DA LEI N.º 6.001/73. AFERIÇÃO DE INTERESSE DA UNIÃO E DA FUNAI. ART. 109, XI, DA CRFB. SÚMULA XXXXX/STJ. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL. RECURSO CONHECIDO E NÃO PROVIDO.

- A alegação de existência, na área em disputa, de comunidade indígena, enseja a competência da Justiça Federal, na forma do art. 109, XI, da Constituição da Republica Federativa do Brasil, a fim de aferir se existe interesse da União e da Fundação Nacional do Índio nos autos, conforme entendimento firmado quando da edição do enunciado de súmula n.º 150 do Superior Tribunal de Justiça;

- Recurso conhecido e não provido.

ACÓRDÃO

Vistos, discutidos e relatados estes autos de Agravo Interno Cível n.º XXXXX-53.2021.8.04.0000, ACORDAM os Desembargadores que integram a Terceira Câmara Cível do Egrégio Tribunal de Justiça do Amazonas, por unanimidade de votos, em conhecer do recurso para negar-lhe provimento , nos termos do voto do Relator, que passa a integrar o julgado.

Manaus, 18 de abril de 2022.

Desembargador

Presidente

Des. Abraham Peixoto Campos Filho

Relator

GABINETE DO DESEMBARGADOR ABRAHAM PEIXOTO CAMPOS FILHO

RELATÓRIO

Trata-se de agravo interno interposto por Edilson Sarkis Gonçalves, em face de decisão proferida nos autos do agravo de instrumento n.º XXXXX-48.2021.8.04.0000, que reconheceu, de ofício, a incompetência absoluta deste Tribunal de Justiça do Amazonas para processar e julgar a demanda, nos termos do art. 64, § 1.º, do Código de Processo Civil, e determinou a remessa dos autos à Justiça Federal, na forma dos arts. 109, XI, e 231, ambos da Constituição da Republica Federativa do Brasil.

Sustenta o Agravante, em síntese, que a decisão recorrida merece reforma, ao argumento, inicial, de que os principios do contraditório e da ampla defesa não foram respeitados, porquanto não lhe foi conferido momento oportuno para se manifestar acerca da causa que ensejou a declaração de incompetência do Juízo. Prossegue suas razões afirmando que a competência da Justiça Federal não persiste, visto que a alegação quanto à existência de comunidade indígena na localidade em disputa carece de fundamentos mínimos. No mais, reitera os argumentoS já apresentados relacionados com a posse da área em questão.

Pugna, nesses termos, pelo conhecimento e provimento do agravo interno apresentado, a fim de que seja reformada a decisão recorrida, prosseguindo- se com o trâmite processual no âmbito desta Corte de Justiça.

Devidamente intimado, o Agravado compareceu aos autos e juntou contrarrazões (fls. 41-48), nas quais rechaçou a argumentação adudiza pelo Agravante e requereu a manutenção do quanto decido, com o encaminhamento dos autos à Justiça Federal.

Vieram-me os autos em conclusão.

É o relato do necessário.

VOTO

Presentes os pressupostos de admissibilidade, conheço da pretensão recursal.

A irresignação não merece prosperar.

Destaco, de início, que a alegação recursal atinente à violação do contraditório e da ampla defesa não se demonstra pertinente, na medida em que a apresentação de manifestação da parte do ora Agravante, por mais profunda e abalizada que pudesse ser, não teria o condão, por qualquer aspecto, de alterar os argumentos lançados pela parte adversa, que veio a Juízo afirmar que na área em disputa encontra-se comunidade indígena.

Como cediço, inexiste, em regra, direito absoluto, ainda que se trate de garantia constitucionalmente resguardada. Desse modo, a observância do princípio do contraditório e da ampla defesa não deve se dar de forma isolada e alheia das demais regras inseridas na Carta Maior, no que cabe destacar, notadamente quanto ao caso em espécie, o princípio da razoável duração do processo, que, assim como o anteriormente destacado, também consta do título constitucional que trata dos direitos e garantias fundamentais.

Assim, a implementação do contraditório na forma pretendida pelo Agravante, ainda que com repercussão inócua, como já anteriormente afirmado, implicaria, por certo, morosidade na tramitação do recurso para o reconhecimento de situação que, independentemente de qualquer manifestação, já estava posta.

Cabe ressaltar, ademais, que não se trata, de forma alguma, de vedação do exercício do sagrado direito ao contraditório e ampla defesa, que, todavia, deverá ocorrer junto ao Juízo competente para dirimir a questão controvertida em testilha, e que se relaciona com o possível interesse da União nos autos, tendo em vista a alegada presença de comunidade indígena na localidade cuja posse se discute.

É pois, nesses termos, que verifico não merecer prosperar a irresignação do Agravante no ponto fustigado.

Quanto ao mérito da decisão ataca, confira-se, por oportuno, o que restou consignado nos seus fundamentos:

Compulsando detidamente os autos, verifico a necessidade de se reconhecer a incompetência absoluta deste Tribunal para processar e julgar tanto os presentes autos de agravo de instrumento quanto a demanda principal que ensejou a sua interposição, exsurgindo, assim, a competência da Justiça Federal, na forma da disciplina do art. 109, XI, da CRFB.

É que, conforme narrado em tópico anterior, a demanda possessória intentada envolve, em tese, disputa sobre direitos indígenas, uma vez que os Agravantes são integrantes da dita comunidade Wainar Parque - Parque das Mulheres Indígenas , que alegadamente ocupa a localidade em questão ao longo de mais de 10 (dez) anos, utilizando-se da área para a realização de cerimonias e rituais sagrados que tem relação com os costumes e tradições das variadas etnias que compõe a comunidade indicada.

Acerca do tema, o Superior Tribunal de Justiça já teve a oportunidade de se manifestar, dispondo da seguinte forma:

AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO ESPECIAL. DIREITO PENAL E PROCESSO PENAL. TRIBUNAL DO JÚRI. HOMICÍDIO DUPLAMENTE QUALIFICADO (ART. 121, § 2º, III E IV, DO CP) EM CONCURSO DE AGENTES (ART. 29 DO CP). INTERESSES INDÍGENAS. DISPUTA PELA LIDERANÇA DA COMUNIDADE INDÍGENA. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL E DO TRIBUNAL DO JÚRI. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL TODA VEZ QUE A QUESTÃO VERSAR ACERCA DE DISPUTA SOBRE DIREITOS INDÍGENAS, INCLUINDO AS MATÉRIAS REFERENTES À ORGANIZAÇÃO SOCIAL DOS ÍNDIOS, SEUS COSTUMES, LÍNGUAS, CRENÇAS E TRADIÇÕES, BEM COMO OS DIREITOS SOBRE AS TERRAS QUE TRADICIONALMENTE OCUPAM, CONFORME DISPÕEM OS ARTS. 109, XI, E 231, AMBOS DA CF/1988. POSSIBILIDADE DE DEFESA TÉCNICA PATROCINADA POR PROCURADOR DA FUNAI. AUSÊNCIA DE NULIDADE POR DEFICIÊNCIA NA DEFESA TÉCNICA. NÃO ACOLHIMENTO DAS TESES DE NEGATIVA DE AUTORIA, LEGÍTIMA DEFESA, FAVORECIMENTO PESSOAL E ESCUSA ABSOLUTÓRIA. QUALIFICADORAS CONFIRMADAS PELO CONSELHO DE SENTENÇA. ATENUANTE DA CONFISSÃO ESPONTÂNEA INAPLICÁVEL. DOSIMETRIA DA PENA REALIZADA ADEQUADA E PROPORCIONALMENTE AOS ASPECTOS DE FATO DO CASO CONCRETO. ACÓRDÃO REGIONAL FIRMADO EM MATÉRIA FÁTICO- PROBATÓRIA. SÚMULA 7/STJ.

1. Em regra, a competência para processar e julgar crime que envolva índio, na condição de réu ou de vítima, é da Justiça estadual, conforme preceitua o Enunciado n. 140 da Súmula deste Superior Tribunal, segundo o qual: Compete à Justiça Comum estadual processar e julgar crime em que o indígena figure como autor ou vitima. 2. A competência será da Justiça Federal toda vez que a questão versar acerca de disputa sobre direitos indígenas, incluindo as matérias referentes à organização social dos índios, seus costumes, línguas, crenças e tradições, bem como os direitos sobre as terras que tradicionalmente ocupam, conforme dispõem os arts. 109, XI, e 231, ambos da Constituição da Republica de 1988 (CC n. 123.016/TO, Ministro Marco Aurélio Bellizze, Terceira Seção, DJe 1º/8/2013). [...]

10. Agravo regimental improvido. (STJ: AgRg no REsp XXXXX/AL, Rel. Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR,

SEXTA TURMA, julgado em 10/03/2020, DJe 16/03/2020). (Original sem grifos). Nesse sentido também já se manifestou o Tribunal de Justiça do Mato Grosso do Sul, conforme se verifica na ementa a seguir colacionada:

AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DE REINTEGRAÇÃO DE POSSE. INCOMPETÊNCIA ABSOLUTA DO JUÍZO DIREITOS INDÍGENAS COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL NULIDADE DOS ATOS JUDICIAIS. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO. Tratando-se de disputa sobre imóvel localizado em comunidade indígena, há competência absoluta da justiça federal, sendo nulos os atos decisórios proferidos no feito.

(TJMS . Agravo de Instrumento n. XXXXX-27.2018.8.12.0000, Anastácio, 4a Câmara Cível, Relator: Des. Odemilson Roberto Castro Fassa, j: 04/04/2018, p: 10/04/2018). (Original sem grifos).

Desse modo, tendo em conta a autodeclaração dos comunitários como indígenas, na forma do art. 3.º, I, da Lei n.º 6.001/73 ( Estatuto do Índio), bem como a alegada interferência nos seus costumes, crenças e tradições em decurso da medida de reintegração de posse deferida, sobressai a competência absoluta do Justiça Federal, com a necessária inclusão no polo passivo da demanda da União e da Fundação Nacional do Índio FUNAI, nos termos do art. 231, da CRFB.

Cabe destacar ainda, por oportuno, que a constatação da higidez das declarações firmadas pelas partes e a consequente persistência do competência absoluta ora em testilha cabe exclusivamente ao órgão da Justiça Federal, nos moldes do enunciado de súmula n.º 150 do Superior Tribunal de Justiça, que assim dispõe:

Súmula n.º 150-STJ : Compete à Justiça Federal decidir sobre a existência de interesse jurídico que justifique a presença, no processo, da União, suas autarquias ou empresas públicas.

Ante o exposto, fincado na argumentação expendida, reconheço, nos moldes do art. 64, § 1.º, do Código de Processo Civil, a incompetência absoluta deste Tribunal de Justiça para processar e julgar a demanda, razão pela qual determino o encaminhamento dos autos à Justiça Federal, nos termos dos arts. 109, XI, e 231, ambos da CFRB.

Note-se que a decisão combatida se deu em alinho com o entendimento firmado pelo Superior Tribunal de Justiça quando da edição do enunciado 150, cabendo, pois, à Justiça Federal decidir quanto à existência, ou não, de interesse da União, suas autarquias ou empresas públicas, que legitime sua presença ou chamamento aos autos.

Reitera-se, no ponto, que a aferição quanto à pertinência do quanto alegado pelo Agravado, e o consequente interesse da União e da Fundação Nacional do Índio - FUNAI, deve se dar no âmbito da Justiça Federal.

Nesses termos, confira-se o entendimento compartilhado pelo Superior Tribunal de Justiça:

PROCESSUAL CIVIL. PRESENÇA DE INTERESSE INDIVIDUAL OU COLETIVO DE GRUPO INDÍGENA. REINTEGRAÇÃO DE POSSE. LEGITIMIDADE PASSIVA DA FUNAI E DA UNIÃO. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL. RECURSO ESPECIAL PARCIALMENTE PROVIDO.

1. Cuida-se, na origem, de Ação de Reintegração de Posse entre particulares, proposta pela recorrida.

2. O Juiz de 1º Grau julgou procedente o pedido, mas, na fase de execução, declarou sua incompetência absoluta e remeteu os autos para a Justiça Federal, o que ocorreu após a intervenção do Ministério Público Federal, que comunicou a existência de possível ocupação tradicional indígena no imóvel objeto da ação.

3. O MM. Juiz Federal extinguiu a ação, sem julgamento do mérito, sob o fundamento de inexistir interesse da União ou da Funai, em decorrência da não comprovação de comunidade indígena instalada no imóvel em debate.

4. O Tribunal a quo negou provimento à Apelação da ora recorrente, e manteve a sentença.

5. Adotado como razão de decidir o parecer do Parquet Federal exarado pela Subprocuradora-Geral da República Dra. Sandra Cureau, que bem analisou a questão: "Do teor dos dispositivos legais acima transcritos, resta induvidosa a legitimidade da atuação da FUNAI, que manifestou interesse processual na presente ação, em virtude de haver"fortes indícios de ocupação tradicional indígena e ainda pelo fato de haver reivindicação registrada pelos indígenas da Comunidade Guarani de Paupina na área em questão". Portanto, ainda que se

GABINETE DO DESEMBARGADOR ABRAHAM PEIXOTO CAMPOS FILHO

admita que, no caso dos autos, não há comprovação da existência de ocupação tradicional na área objeto da ação de reintegração de posse, a legitimidade da intervenção da FUNAI é evidente pois, para sua caracterização, basta a presença de interesse individual ou coletivo de grupo indígena." (fls. 830-837, grifo acrescentado).

6. Verifica-se, como bem destacado pelo Parquet Federal no seu parecer, que está caracterizada "a presença de interesse individual ou coletivo de grupo indígena". Consequentemente, deve ser reconhecida a legitimidade passiva da União e da Funai, e a competência da Justiça Federal para processar e julgar o presente feito.

7. Recurso Especial parcialmente provido para reconhecer a legitimidade passiva da União e da Funai, e declarar a competência da Justiça Federal para processar e julgar o processo.

(STJ, REsp XXXXX/CE, Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, julgado em 26/05/2015, DJe 18/11/2015). (Original sem grifos).

Veja-se, pois, que qualquer conclusão que porventura venha a ser lançada por esta Corte de Justiça acerca das questões relacionados com a autodeclaração dos comunitários indígenas que figuram nos autos importará, inexoravelmente, em incursão na competência personalíssima da Justiça Federal, o que, no entanto, não se admite.

Cabe ressaltar, ainda, que, conforme disciplina do art. 64, § 4.º, do CPC, as decisões proferidas pelo juízo incompetente persistem até que outra seja proferida pelo juízo competente, se esse for o caso.

Nesse passo, a decisão combatida nada dispôs quanto à suspensão, tampouco alteração da decisão interlocutória inicialmente proferida no processo de primeiro grau e que ensejou a interposição do recurso de agravo de instrumento, de modo que seus efeitos persistem, na forma do dispositivo anteriormente destacado.

Ante o exposto, conheço do presente agravo interno para, no mérito, negar-lhe provimento , mantendo a decisão recorrida em todos os seus termos.

É como voto.

Manaus, 18 de abril de 2022.

Des. Abraham Peixoto Campos Filho

Relator

Disponível em: https://www.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/tj-am/2394032884/inteiro-teor-2394032886