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18 de Maio de 2024
  • 2º Grau
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Detalhes

Processo

Órgão Julgador

DÉCIMA SEXTA CÂMARA CÍVEL

Julgamento

Relator

Des(a). EDUARDO GUSMÃO ALVES DE BRITO NETO

Documentos anexos

Inteiro TeorTJ-RJ_AI_00704174620188190000_f6236.pdf
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Inteiro Teor

Poder Judiciário do Estado do Rio de Janeiro

Décima Sexta Câmara Cível

Embargos de Declaração no Agravo de Instrumento nº 007041746.2018.8.19.0000

Embargantes 1: Serviços de Petróleo Constellation S.A. em Recuperação Judicial e outras

Embargante 2: Alperton Capital Ltd.

Embargado: Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro

Desembargador Eduardo Gusmão Alves de Brito Neto

ACÓRDÃO

Embargos de Declaração em Agravo de Instrumento. Recursos interpostos por ex-sócia de uma das recuperandas e por estas próprias pretendendo rever a decisão agravada no que excluiu três das sociedades estrangeiras do procedimento e franqueou o acesso dos credores aos documentos previstos no artigo 51 da Lei 11.101. 1- Inexiste omissão do acórdão no que toca ao enfrentamento do artigo 22, III, do CPC, se não integrou ele as razões e contrarrazões deduzidas pelas partes no agravo. 2- De todo modo, não se aplica à recuperação judicial e à falência a regra do novo artigo 22, III, do CPC, que espelha na jurisdição tradicional a regra da livre escolha do juiz prevista para a arbitragem, desde que observada a concordância da totalidade das partes, entendidas como sujeitos do contraditório, aqueles legitimados a praticar atos processuais. 3- Sócios e credores, de todas as dimensões, que têm o direito de participar de eventual processo de recuperação no local onde a sociedade tenha seu principal centro de interesses, e não em uma jurisdição qualquer para a qual a maioria queira transportar o julgamento. 4- Dramáticas consequências que adviriam da interpretação segundo a qual a letra da lei, quando alude “às partes”, deveria ser interpretada como “maioria das partes”. 5- Segundos

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embargos dos quais não se conhece se interpostos com base em qualidade de sócia não mais ostentada pela recorrente. 6Primeiros embargos acolhidos para autorizar a participação no procedimento de duas das três sociedades antes excluídas, ante a prova de que a maior parte de seus ativos, ainda que indiretamente, consiste em embarcações em operação no território nacional e contratos em execução no país, e explicitar as condições de acesso aos documentos juntados pelas recuperandas.

Vistos, relatados e discutidos estes autos dos Embargos de Declaração no Agravo de Instrumento nº XXXXX-46.2018.8.19.0000 , em que são embargantes Serviços de Petróleo Constellation S.A. em recuperação judicial e Alperton Capital Ltd., e embargado o Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro.

ACORDAM os Desembargadores da Décima Sexta Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, por maioria, em dar parcial provimento aos primeiros embargos e não conhecer dos segundos aclaratórios, na forma do voto do Relator.

RELATÓRIO

O Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro interpôs o presente agravo de instrumento contra decisão do juízo da 1ª Vara Empresarial da Capital que deferiu o processamento da recuperação judicial do chamado grupo Constellation, em um total de 18 empresas dedicadas à prospecção de petróleo em terra e na costa brasileira. Desta decisão diverge o Ministério Público porque teria reconhecido a competência da justiça brasileira para a chamada recuperação transnacional, a incluir empresas do grupo sediadas no exterior, porque ignorou a

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não apresentação e documentos obrigatórios para o deferimento do processamento e por último porque adotou a chamada consolidação substancial.

Sobre a consolidação substancial pondera sobre a diferença conceitual, reconhecida em doutrina, entre esta e a chamada consolidação processual. Por consolidação processual tem-se o litisconsórcio entre diversas empresas de um mesmo grupo econômico que requerem conjuntamente ao juízo a reestruturação das suas atividades, embora o façam com a apresentação de lista de credores diferentes, planos separados ainda que convergentes e assembleias autônomas, prática que a jurisprudência vem tolerando com relativa tranquilidade. Já a consolidação substancial, deferida pelo juízo, consistiria na reunião de todos os credores e todos os ativos em um só bloco, com listas únicas e plano também único, de tal modo que as empresas integrantes do conglomerado seriam consideradas, para todos os efeitos, uma coisa só. O credor de uma empresa seria também credor do grupo. Seu voto na assembleia não teria em consideração a proporção que lhe cabe do passivo da pessoa com quem se relacionou, mas a fração do todo, nele incluídas pessoas jurídicas com as quais não travou qualquer contato.

E esta segunda prática, a da consolidação patrimonial, não estaria sendo acolhida pela jurisprudência brasileira, salvo quando assim deliberado pelos próprios credores, em votações que contenham listas separadas.

No tocante à chamada recuperação transnacional, e à competência do juízo brasileiro para o processamento da reestruturação de empresas estrangeiras, sustenta o Ministério Público que 14 sociedades estrangeiras situamse no polo ativo, sem que possuam filiais, credores ou empregados no Brasil. As obrigações contraídas e objeto do plano deveriam ser cumpridas no exterior, inclusive com a aplicação da legislação estrangeira e a eleição do foro de Nova Iorque como o único competente para qualquer litígio.

Continua o parquet ponderando que a escolha pelas empresas das Ilhas Virgens Britânicas para sua sede, provavelmente por razões tributárias, tem

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como contrapartida os ônus inerentes a essa escolha, a inviabilizar a utilização do Poder Judiciário brasileiro e das leis brasileiras. Destaca-se a propósito das razões o seguinte trecho: “O grupo Queiroz Galvão criou 14 sociedades empresariais no exterior; emitiu títulos por estas sociedades no exterior; se comprometeu a honrar esses títulos no exterior; recolheu eventuais tributos referentes a essas obrigações no exterior, mas suplica a aplicação da jurisdição brasileira para reestruturar tais operações.”

No direito brasileiro, sobre a competência, prossegue o Ministério Público, dispõe a lei de falencias que a competência para processar a recuperação judicial ou decretar a falência estende-se somente à filial de empresa que tenha sede fora do Brasil, e mesmo nesses casos sem a aptidão de estender os braços da jurisdição aos bens situados no exterior, tudo de acordo com o Princípio da Territorialidade, acolhido pelo ordenamento jurídico brasileiro.

Por fim, sobre o terceiro argumento, sustenta o Ministério Público que não foram apresentados aos autos Demonstração dos Resultados Acumulados (art. 51, inc. II, letra b, da Lei 11101), Relatório Gerencial de Fluxo de Caixa (art. 51, inc. II, letra d) e Relação de Credores individualizada por recuperanda (art. 51, inc. III), além de ter sido ilegalmente decretado o sigilo das relações de empregados e de bens do sócio controlador e dos administradores, vedando o seu acesso aos credores e aos advogados, ainda que constituídos nos autos, o que a seu turno atenta contra o Princípio da Publicidade que permeia o art. 51 da Lei de Falencias e Recuperação Judicial.

As contrarrazões oferecidas pelo grupo em recuperação destacam preliminarmente que apenas 3 recursos foram interpostos contra a decisão que deferiu o processamento da reestruturação do grupo: este do Ministério Público, outro interposto por Alperton Capital Ltd., ex-acionista minoritária de duas entidades do grupo, e um terceiro interposto por credor detentor de Bonds, a evidenciar que de todos os credores do grupo apenas um deles se mostrou inconformado com a decisão recorrida. Destaca ainda que na fase administrativa foram apresentadas 11

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habilitações e divergências versando erros materiais ou valores de crédito, sem qualquer ataque, mais uma vez, à recuperação em si. Metade dos créditos trabalhistas já foi paga e algumas das recuperandas valeram-se da proteção auxiliar concedida pelo famoso Chapter 15 (Capítulo 15) da legislação americana e pelo seu equivalente na legislação das Ilhas Virgens Britânicas, sendo que em ambos os processos se teria reconhecido a competência da justiça brasileira para processar o pedido de recuperação judicial de todas as entidades do grupo Constellation.

Prossegue salientando, a baixa litigiosidade é explicada pela natureza negocial e consensual do processo, que contou destarte com o que chamam de Plan Support Agreement ao Plano de Recuperação, pelo qual 47,1% dos credores com garantia real e 60,2% dos credores sem garantia já se comprometem a dar suporte à reestruturação.

No que toca ao direito propriamente dito, sustenta que não existe empecilho algum na legislação brasileira à jurisdição nacional sendo antes desejável que esta se proceda, em se tratando de grupo econômico, no local onde está o principal empreendimento, a partir do qual se irradiariam os efeitos pelas demais jurisdições em processo de colaboração e coordenação entre todas elas, como se deu em alguns processos já submetidos aos tribunais brasileiros.

O grupo Constellation desenvolveu-se de forma plurissocietária, com a criação de entidades estrangeiras ligadas, todavia, pela prestação conjunta e concomitante de serviços no Brasil, onde se situa, portanto, o seu centro operacional e onde deve tramitar o processo de recuperação. Afinal o grupo teve origem no Rio de Janeiro, onde se situa a operadora de todas as sondas, no Brasil concentra as suas atividades, em direta relação com a Petrobras, bem como as próprias sondas, exploradas em serviço de afretamento materializado por trabalhadores brasileiros em atuação no território nacional.

Do mesmo modo, tampouco haveria impedimento à chamada consolidação substancial, que no caso em tela parte de prévio consentimento da

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maioria dos credores. Isto porque as empresas integram o mesmo grupo econômico, atuam conjuntamente e de forma conexa, possuem direção comum e coincidentes composições societárias além de terem prestadas garantias cruzadas em que indicadas as próprias sondas com esta finalidade, tudo isso justificando o plano de suporte subscrito pelos próprios credores, que assim reconhecem a existência de um fenômeno econômico único.

Sobre os documentos faltantes sustenta que estes acham-se nos autos e que o inconformismo do Ministério Público volta-se em verdade contra a sua apresentação de forma consolidada, que entretanto não vem tratada pela Lei de Recuperação de Empresas. E por fim, quanto ao sigilo decretado, afirma que este se mostrou necessário pelo risco de cooptação de seus funcionários pelas concorrentes das agravadas, caso se difundisse o salário de todo e cada funcionário, sem contar os riscos para própria segurança de todos eles em uma cidade como o Rio de Janeiro, e neste sentido arrola precedentes do Tribunal de Justiça de São Paulo.

O parecer ministerial opina pelo provimento parcial do recurso para que sejam apresentadas relações individualizadas dos credores por sociedade e para que os documentos mencionados no artigo 51 da Lei de Falência sejam apresentados e postos à disposição do Ministério Público, dos advogados e das partes interessadas, mantida no mais a decisão recorrida.

Pelo acórdão de fls. 2103/2142 foi dado parcial provimento ao recurso para: 1) excluir da recuperação três das sociedades estrangeiras (Olinda, Arazi e Lancaster), 2) determinar a apresentação separada de listas de credores, a serem votadas separadamente nas respectivas assembleias, às quais caberá a aprovação ou rejeição da consolidação substancial proposta, 3) determinar a apresentação de relatórios separados e 4) deferir o acesso irrestrito de todos os advogados dos credores habilitados aos documentos a que se refere o artigo 51 da Lei 11101.

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Inconformadas com o julgado, as recuperandas interpuseram os embargos de declaração de fls. 2170/2192, pretendendo a concessão de efeitos infringentes ao presente recurso para que seja reconhecida a jurisdição brasileira também em relação às sociedades Olinda Star Ltd., Arazi S.À.R.L. e Lancaster Projects Corp. para processamento da recuperação judicial.

Em relação à Olinda, aduzem que apesar de a sonda estar atualmente em operação na Índia, tendo sido contratada pela Oil and Natural Gas Corporation (“ONGC”), os recursos financeiros advindos desta operação fazem parte do Plano de Recuperação Judicial, especialmente por ser a referida sociedade garantidora de bonds emitidos pela Constellation Oil Services Holding S.A. Além disso, dos 43 empregados destacados para a operação da Olinda Star, 36 são brasileiros e aqui residem, retornando para suas famílias no Brasil, no contexto de suas escalas, sendo certo, ainda, que a sonda é tecnicamente controlada a partir da base de operações da Serviços de Petróleo Constellation S.A. no Brasil.

No que diz respeito à Arazi, requereu a recuperação judicial também em razão de ser a sociedade garantidora de bonds emitidos pela Constellation Oil Services Holding S.A. Já Lancaster requereu recuperação judicial em razão da sua dependência em relação à Arazi, sendo ambas operadoras de cinco embarcações de FPSO utilizadas pela indústria petrolífera brasileira.

Por fim, aduz que constou da certidão de julgamento que o acórdão foi proferido por unanimidade, quando, como se sabe, houve discordância do i. Des. Carlos Martins no que se refere ao reconhecimento da jurisdição brasileira sobre as entidades estrangeiras, cabendo, portanto, retificação do pequeno erro material.

Também contra o referido acórdão, foram interpostos por Alperton Capital Ltd., ex-sócia de duas das recuperandas, os embargos de declaração de fls. 2264/2273, pelos quais pretende a embargante que este órgão julgador se manifeste expressamente sobre os artigos 21, 22 e 23 do Código de Processo Civil, 3º e 47 da Lei nº 11.101/2005; 8º, § 1º da LINDB; 457, 458, 478 e 482 do Código

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Comercial; 2º e da Lei nº 7.652/88; 94 do Decreto nº 1.530/95; e 277 do Decreto nº 18.871/29, a fim de que, atribuindo-se efeitos infringentes ao presente recurso, se reconheça a ausência de jurisdição para processar a insolvência de Amaralina Star Ltd. e Laguna Star Ltd.

É o relatório .

VOTO

Começando pelos embargos de Alperton, já antecipei na decisão de seu primeiro agravo a opinião, ainda não ratificada pela Câmara, de que alguma legitimidade lhe deve ser conferida. Lembremos que Alperton era detentora de 45% das ações de Amaralina e Laguna, duas das empresas estrangeiras em recuperação. Com fundamento em cláusula contratual cujo conteúdo não importa analisar, estas ações foram unilateralmente transferidas para e pela sócia que detinha 55% do capital social. Ao que parece, a implementação dessas cláusulas nas Ilhas Virgens Britânicas dispensa a intervenção do Poder Judiciário.

Fato é que operada a transferência, a parte adjudicante, por assim dizer, e segundo cláusula compromissória existente no acordo de acionistas, pôs em marcha arbitragem em Nova Iorque, cujo objetivo seria, se bem entendi das narrativas feitas, ver declarada a inexistência de saldo a pagar pelas ações apropriadas, como resultado de verdadeira conta-corrente existente entre as sociedades. E foi nessa arbitragem que Alperton postulou medida protetiva que grosso modo se assemelha a uma reconvenção, com o objetivo de ver repristinada a condição societária anterior e assim reconhecido seu status de acionista.

Esta liminar não foi concedida nos termos em que postulada mas o Tribunal Arbitral deferiu, sim, medida liminar proibindo a oneração na recuperação judicial dos 45% das ações objeto do litígio, que não podem ser dadas em garantia para o novo capital injetado pelos credores do grupo econômico.

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Sem a liminar de devolução do status de sócio, tem-se que Alperton não é realmente, nesse momento, sócia ou credora das sociedades em recuperação. E daí extraiu o juízo a quo a conclusão de que ausente qualquer legitimidade sua para peticionar ou postular o que quer que fosse nos autos. Mas essa solução parece-me imprópria. Imprópria porque se os árbitros eleitos pelos litigantes deferiram medida antecipatória com influência sobre a recuperação e capaz em tese de invalidar a própria aprovação do plano, é indubitável de que lhe há de ser reconhecida a possibilidade de trazer a decisão a debate no curso da recuperação.

Não se vá confundir a legitimidade com o mérito de sua pretensão. Se a liminar produz efeitos no Brasil e se está submetida a algum ato de controle estatal, como sugere o novel artigo 960, § 1º, do CPC, são todas questões estranhas à legitimidade. O que é certo, apenas, e se enfatiza uma vez mais, é que a matéria deve poder ser submetida aos tribunais brasileiros, sob pena de se estabelecer o paradoxo de uma liminar concedida, com exequatur deferido, mas insuscetível de ser efetivada.

Reconhecer a legitimidade resolve apenas metade do problema, porque é preciso delimitá-la. Como regra o processo de recuperação tem como sujeitos do contraditório os credores e o recuperando. A legitimidade dos sócios, fora a hipótese de responsabilidade solidária, é limitada, dispondo a Lei 11101 de algumas pontuais hipóteses em que àqueles se defere a intervenção no processo. Só que Alperton não é sócia, o que é indubitável. Não há como o Tribunal ignorar a situação registral das Ilhas Virgens Britânicas e investigar a possível invalidade do ato de transferência das ações, ademais submetida à arbitragem.

Disso se extrai que enquanto e na medida em que tiver sua qualidade de sócia rejeitada, a atuação de Alperton no processo fica restrita ao potencial cumprimento da medida antecipatória, o que afasta, inclusive, a legitimidade para debater sobre a jurisdição nacional no que toca às empresas das

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quais foi sócia, motivo pelo qual, aqui aderindo ao judicioso parecer da Dra. Maria Lúcia Lima e Silva Ceglia, deixo de conhecer dos embargos interpostos por Alperton.

Passando ao recurso interposto pelas recuperandas, começo por analisar o introito dos embargos de declaração na parte em que aborda o artigo 22, inciso III, do CPC, sua pertinência ao caso e a postura do Ministério Público na Sessão de Julgamento do presente agravo, ainda que não haja registro em vídeo da sustentação do Parquet naquela oportunidade e ainda também que não haja qualquer contradição quanto ao mencionado dispositivo, se a ele não se aludiu, seja nas razões de recurso, seja nas opostas contrarrazões.

Para registro histórico, ante a gravidade dos interesses em jogo, é importante notar que rigorosamente 10 minutos antes do início da sessão foi o relator informado da presença na recepção dos advogados das partes interessadas e do Ministério Público, que foram prontamente recebidos. E uma vez no gabinete, pediu a palavra o ilustre representante do Ministério Público, na qualidade de agravante, para pedir que o acórdão consignasse algo por ele jamais sugerido até então, vale dizer, que embora a jurisdição não fosse originalmente brasileira, poderiam os credores elegê-la, na linha do novel artigo 22, inciso III, do CPC.

Diante desta surpreendente e intempestiva inovação, o relator facultou ao representante do Ministério Público a desistência do recurso, total ou parcial, de modo a abranger apenas um dos possíveis capítulos. A resposta do agravante foi clara e inequívoca: não desistiria do recurso, porque a seu ver haveria duas situações diversas, uma sendo a jurisdição nacional tal como prevista pelo Código de Processo e pela Lei de Falência, e outra a possibilidade de que as partes alterem essas regras por vontade própria, segundo o artigo do qual o ilustre promotor não havia até então cogitado.

Diante da negativa do relator em fazer consignar o direito de eleição, pelos credores, da jurisdição que melhor lhes aprouvesse, sustentou o

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Ministério Público no sentido de que se consignasse aquilo pretendido, sem, todavia, postular o desprovimento do recurso, o que seria mesmo contraditório se a desistência constitui direito potestativo do próprio recorrente.

Portanto, não tendo o preceito sido aludido em nenhum momento, não estava mesmo o acórdão obrigado a enfrentá-lo. O que não impediu que se debatesse o artigo oralmente durante a sessão. Dentre as razões para que ele não fosse empregado, de molde a permitir a escolha da jurisdição nacional, ponderou-se que o artigo 22, inciso III, constitui o espelho da Lei de Arbitragem, tendo por objetivo conferir às partes algum domínio sobre a autoridade a decidir o conflito. Mas tal como acontece na arbitragem, a regra do inciso III pressupõe no mínimo um acordo entre as partes, e não se sabe ao certo como transpor essa lógica para o processo de recuperação.

Quais são as partes de um processo de recuperação? Se entendermos o conceito de parte como aquele dado por Liebman – partes são os sujeitos do contraditório – então concluiríamos que as partes do processo de recuperação são todos aqueles aos quais a lei reconhece legitimidade para a prática de atos processuais: o recuperando, os credores e os sócios, estes com uma reduzida e típica atuação. E se fôssemos interpretar de forma mais restrita o conceito de parte, de modo a aproximá-lo da clássica definição de Chiovenda, então partes seriam apenas a recuperanda e os credores. De todo modo, ao menos segundo uma interpretação literal do artigo, a eleição de uma jurisdição diferente da natural demandaria o consenso de todas as partes, a menos que se tentasse adaptar o artigo para compreendê-lo como significando não a totalidade das partes, mas a maioria das partes.

E se for a maioria das partes, ter-se-ia que indagar se essa maioria seria apurada na mesma forma em que apreciado o plano, rompendo-se neste caso o paralelo com a arbitragem, porque nela, como se disse, exige-se o consenso de todos os litigantes e não apenas da maioria dos litisconsortes. Estou convencido de que o artigo deve ser interpretado na sua literalidade, inclusive pelas consequências

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que traz. Um credor de sociedade brasileira não pode ser compelido a se habilitar em país completamente estranho e diverso daquele em que situado o centro de comando da empresa apenas porque credores mais poderosos resolveram manipular a jurisdição a seu bel prazer. O artigo 23, inciso III, é o espelho jurisdicional, repita-se, das regras de arbitragem e por partes deve-se entender todas as partes e não a maioria dos litisconsortes.

Há ainda uma dificuldade que chamaria de cronológica. Partindo da ideia de que todas as partes (devedores, credores e sócios) precisariam anuir à eleição da jurisdição diversa da natural, tenha-se em mente que o momento para a manifestação sobre a matéria seria a própria Assembleia. Só que para se chegar a ela há de ser deferido o processamento, antecedente lógico da assembleia. E não pode o juiz de deferi-lo em caráter condicional, sem saber se presente a própria jurisdição, na esperança de que ela seja eleita por todas as partes, ou mesmo pela maioria delas.

Oralmente também se afirmou que o artigo 22, inciso III, não pode ser interpretado de forma literal. Primeiro porque há limitações explícitas decorrentes do próprio Código, como aquelas elencadas no artigo 23, que reserva à autoridade brasileira, dentre outras, as ações relativas a imóveis situados no Brasil, regra que encontra paralelo em diversos ordenamentos. Mas além dessas exceções explícitas, outras de natureza implícita podem ser extraídas da conjugação dos dois valores declinados por Candido Dinamarco como norteadores da jurisdição nacional: os critérios da conveniência e da viabilidade. E isso afastaria a recuperação no Brasil de empresas completamente estranhas à economia nacional simplesmente porque eleitas pelos credores interessados. Com efeito, a recuperação traduz algo de executivo, palavra que foi empregada no seu sentido jurídico, de conjunto de atos voltados à transformação da realidade.

Tanto o Ministério Público quanto as recuperandas parecem incomodadas com o uso da palavra execução, como se com ela se quisesse aludir a execução por quantia certa, quando definitivamente não foi neste sentido. Isso se

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percebe do item 19 dos embargos, que lecionam a diferença entre falência e recuperação judicial para esclarecer que na segunda não há atos de execução. Todavia, não foi nesse sentido, e isso ficou bem claro na sessão, que o termo foi empregado. Porque o conceito de execução se contrapõe na verdade àquele de cognição e traduz exatamente a mesma atividade realizada em sentido amplo pelo Poder Executivo, que é o de transformar a realidade material para adequá-la ao que foi decidido na fase de conhecimento. E é justamente isso que se extrai da função exercida pelo administrador judicial e pelo Comitê de Credores, função que não é puramente intelectual, importando na prática de atos materiais que exigem uma proximidade do juiz condutor da recuperação, e que por isso mesmo foi escolhido pelas legislações do mundo como aquele mais próximo do centro nevrálgico da instituição por recuperar.

A verdade, portanto, é que as recuperandas jamais imaginaram seriamente que a jurisdição para processar uma recuperação de 10 bilhões de reais fosse definida pela maioria dos credores, se a maioria dos litisconsortes não é suficiente sequer para instaurar uma arbitragem sobre acidente de trânsito de pequena envergadura. O artigo foi citado astutamente, como procedem os bons advogados, mas não tem qualquer aplicação ao tipo da matéria de que se está a tratar.

Passando agora ao segundo capítulo dos embargos, tratam estes da suposta desobediência pela Câmara dos precedentes do STJ no que toca ao conceito de principal estabelecimento do devedor, a propósito do que são referidos os acórdãos proferidos no AgInt no Conflito de Competência 157.969, o AgInt no Conflito de Competência 147.714 e o Conflito de Competência 37736, todos a indicar que o principal estabelecimento do devedor, local onde deveria tramitar a recuperação, é aquele “onde se situa o centro das atividades e influência econômica do grupo econômico.” Sobre esses acórdãos, destaca-se incialmente que todos tratam da definição da competência territorial, e não da jurisdição nacional. E mais importante, analisando detidamente o acórdão proferido no Conflito de Competência 37736 percebe-se que nada nele sugere que em grupos econômicos exista um só

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centro de interesses, apenas e somente pelo fato da existência do próprio grupo. Tratava-se ali, com efeito, de pedido de concordata e falência envolvendo sociedades do grupo Sharp. E ao votar não indicou a eminente Ministra Nancy Andrighi a unidade necessária de centro de interesses, muito ao contrário. Destaca se, com efeito, de seu voto o seguinte trecho: “ Urge relevar o fato de que determinada sociedade empresária, para conseguir benefícios fiscais compreendidos no âmbito da denominada Zona Franca, deve ter sua atividade centralizada no estado do Amazonas. Assim, a atividade produtiva das empresas em exame e a maior parte do correlato patrimônio encontravam-se em Manaus.”

O que o acórdão embargado fez foi ressaltar as diferentes consequências emanadas da adoção do conceito de Principal Centro de Interesses conforme em jogo esteja a competência de foro e a jurisdição internacional. Se for usado para a jurisdição o conceito de origem dos recursos econômicos que alimentam o caixa da sociedade, de modo que o Principal Centro de Interesses seja o país de onde a empresa obtém sua receita mais expressiva, teríamos que admitir verdadeiros absurdos, como situar no Brasil o Principal Centro de Interesses da TAP por ser aqui a praça em que a sociedade portuguesa aufere os lucros mais expressivos.

Afastado, para a jurisdição, este conceito, passou-se à literatura estrangeira, muito rica em se tratando de processos de insolvência transnacionais. E segundo a doutrina internacional que comenta o tema da jurisdição internacional para os processos envolvendo a insolvência de grupos econômicos, o ideal seria que se conseguisse determinar uma única jurisdição capaz de centralizar todos os atos de liquidação do patrimônio ou reestruturação da sociedade. Esse centro de interesses não é, contudo, de fácil determinação, e o conceito se mostra na verdade muito fluido. Fala-se em conjugação do lugar da sede estatutária com o lugar em que situados os principais ativos do devedor e finalmente com o local em que situada a administração verdadeira da empresa. Dentre eles, segundo Irit Mevorach (Insolvency Within Multinational Enterprise Groups, pág. 164), têm os países que

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aderiram ao modelo UNCITRAL adotado a presunção de que o centro está localizado na jurisdição em que situada a administração do grupo.

A decisão sobre a jurisdição internacional nestes casos não é irrelevante, diga-se, para os credores, e a imprecisão sobre o Principal Centro de Interesses acaba propiciando aquilo que a doutrina americana chama de Forum Shopping, podendo optar pela jurisdição dos Estados Unidos, porque lá está declaradamente o centro de comando da holding, ou pelas Ilhas Virgens Britânicas, onde quase todas as sociedades donas das sondas estão registradas, ou mesmo pelo Brasil. Em cada país os procedimentos e os quóruns de aprovação são diversos, com dramáticas consequências para os pequenos credores, sobretudo.

Por isso, então, passou-se a refletir sobre estes três vetores declinados por Irit Mevorach. Concluiu-se em relação às empresas estrangeiras que elas eram afinal parte de uma organização controlada por holding que tinha sua sede estatutária no exterior e que concomitantemente declarava ter em Nova Iorque o seu centro de comando. Também se afirmou que quase nenhuma das empresas estrangeiras tinha autorização para funcionar no Brasil, ou celebravam no país contratos, ou ainda possuíam funcionários em território nacional. Ao contrário, os contratos celebrados pelas empresas foram firmados no exterior, em língua estrangeira, com eleição da legislação americana e do foro de Nova Iorque. O ingresso das sondas no Brasil, por fim, dava-se em sequência a contrato de arrendamento que as empresas estrangeiras celebravam no exterior. Não há, portanto, nos estabelecimentos no Brasil, uma estrutura que autorizasse receber no país o centro de interesse destas recuperandas.

Sobre esta mesma questão um dos livros gentilmente emprestados pelo ilustre advogado das recuperandas (Richard Sheldon QC, Cross-Border Insolvency) dizia respeito, por exemplo, ao direito inglês. Lá, segundo o artigo 2 (h) da Insolvency Regulation, para que um pedido de falência ou recuperação seja inaugurado no Reino Unido, é preciso que o devedor tenha lá um estabelecimento, assim definido como qualquer lugar de operações onde o devedor realize uma

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atividade econômica não transitória com mão de obra e material 1 . Segundo o guia de interpretação dado pelo § 71 do Virgos-Schmit Report, a ênfase em uma atividade econômica indica a exigência de um mínimo de organização. Alguma estabilidade é necessária. E mais importante é que essa atividade tem que ser visível externamente, e não ficar apenas no plano da intenção do devedor (Op.cit, § 2.47).

Afastada a ideia de que as empresas possuíssem seu centro de interesses no Brasil, se sequer obtiveram autorização para aqui funcionar, passouse à análise do artigo da Lei 11.101 e ao final se reconheceu que mesmo empresas estrangeiras e com centro de interesses no exterior podem ter a recuperação deferida no Brasil. Não há, ao ver do relator, outra possível interpretação para o artigo 3º, em sua parte final, quando admite a recuperação de uma mera filial de empresa que tenha sede fora do Brasil. Concluiu-se também que essa regra permite a recuperação de partes das empresas e sociedades, mas que para tanto seria necessária a presença de algo de concreto em território nacional. Em seguida, para concluir, e com os olhos voltados ao Princípio da Territorialidade, passou-se a buscar a existência no Brasil de ativos que pudessem ser atacados caso as sociedades não obtivessem a proteção da justiça brasileira.

Curiosamente, esta interpretação parece se alinhar com as opiniões manifestadas por alguns dos livros gentilmente emprestados pelas recuperandas. Entre eles, está Germán Esteban Gerbaudo, que escreve a propósito da insolvência transfronteiriça à luz do ordenamento argentino. Este ordenamento, disciplinado pela Lei de Concursos e Quebras de 1995, trata em seu artigo 2º dos sujeitos que podem valer-se da jurisdição argentina: “ Se consideran comprendidos: 2) Los deudores domiciliados en el estranjero respecto de bienes existentes en el país. ” Exatamente como concluiu a Câmara ao julgar o agravo, diante da letra do artigo 3º, salienta Germán Gerbaudo que não é necessário que o devedor domiciliado no estrangeiro tenha no país agência, sucursal ou representação, bastando que possua bens em território argentino.

1 “...any place of operations where the debtor carries out a non-transitory economic activity with human means and

goods.”

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Com essas premissas em mente, devem ser analisados os embargos interpostos pelas recuperandas em relação às três empresas excluídas, a saber, Arazi, Lancaster e Olinda Star. Afirma-se que com o critério eleito pelo Tribunal as três sociedades fariam jus à jurisdição brasileira.

Principiando por Arazi e Lancaster, sabe-se que estão sediadas, uma em Luxemburgo e outra nas Ilhas Virgens Britânicas. As duas sociedades não têm permissão para funcionar no Brasil, não celebraram contratos em território nacional e tampouco possuem funcionários no país. A estrutura de sua operação dá-se mais ou menos da seguinte forma: a cada nova sonda a entrar em operação no Brasil, o grupo econômico utilizava Arazi para com ela formar uma joint venture, em que esta sociedade se associava a grupos econômicos estrangeiros para a construção ou compra de barcos de apoio para as sondas, a que denominam de FPSO. Nessas joint ventures, e foram cinco delas criadas (uma para cada embarcação), Arazi entrava com participação no capital que variava de 5 a 20% das ações da empresa criada.

Paralelamente a esta joint venture constituída para a compra ou construção dos barcos, uma segunda joint venture vinha à luz para a operação das embarcações, que não era destarte feita pela sua proprietária. Desta segunda joint venture participa Lancaster, com proporções de capital semelhantes, e que era ligada a Arazi nos contratos de tal forma que a exclusão de uma da sociedade representava concomitantemente a exclusão da outra.

Uma dessas joint ventures chama-se, por exemplo, Guará Norte SARL, que é a dona, portanto, da embarcação. Só que Guará Norte não é responsável por trazer a embarcação ao Brasil. Ela na verdade celebra contrato de afretamento com outra empresa do grupo, Guará B.V, sociedade holandesa de cuja estrutura de capital pouco se sabe. Esta última, por sua vez, faz constar dos contratos de afretamento que a operação da embarcação se fará por uma terceira empresa chamada Guará-Norte Operações Marítimas Limitada, que é aquela que

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o final celebra o contrato de prestação de serviços com a Petrobras que é paralelo o outro contrato de fornecimento de mão de obras celebrado com a Serviços de Petróleo Constellation.

Pelos critérios declinados no voto, não se pode afirmar que Arazi tenha seu Principal Centro de Interesses no Brasil. Afinal, não tem aqui a sua sede estatutária e, uma vez mais, consta da inicial que o próprio centro de comando da holding está fora do país. Além do que, não celebra contratos no Brasil ou tem aqui pessoal próprio. Sua ligação com o país dá-se apenas porque daqui provêm os recursos que alimentam seu caixa, nada que não possa ser dito da Boeing, da Apple ou de qualquer outra empresa estrangeira.

Mas devo reconhecer que a admissão pelo voto como suficiente à jurisdição brasileira da presença em território nacional de parte substancial dos ativos das empresas aproveita as duas recuperandas. Não chegaria a ponto de uma generosidade americana e afirmar a suficiência de bens de valor diminuto como chave para o ingresso na justiça brasileira. Mas em sendo verdadeiro que a substância do patrimônio de Arazi está atualmente em águas brasileiras e que poderia ser teoricamente atingida por possível execução voltada contra a sociedade no exterior, dados novos que não estavam claros quando do julgamento do acórdão, tem-se que o recurso merece provimento nesta parte para a inclusão das duas sociedades entre as recuperandas.

O mesmo não se pode dizer de Olinda Star. Não importa quanto a esta sonda/sociedade que sua construção tenha ocorrido em território brasileiro. O que sabemos é que a sociedade foi constituída fora do Brasil e lá celebrou um contrato de arrendamento da embarcação. Um contrato cuja praça de pagamento é aparentemente o exterior. E foi com base neste contrato de arrendamento que a arrendatária transportou a sonda para a Índia a fim de utilizá-la em serviços contratados por outra sociedade, a serviço de quem ainda continua. A sonda, portanto, não está no Brasil, os contratos de arrendamento e de prestação de

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serviços não foram firmados no Brasil e a sociedade em si não tem sede ou autorização para funcionar em território nacional.

As embargantes, tentando passar Olinda pelo filtro construído no agravo, argumentaram que Olinda tem patrimônio em território nacional, visto que parcelas do contrato de arrendamento estariam impagas. Mas algumas razões levam à conclusão de que insuficiente o argumento.

A primeira razão diz com a significação dos créditos vis-à-vis do patrimônio. As demais estrangeiras admitidas à jurisdição nacional o foram porque a substância, senão a integralidade dos seus ativos, estava em território nacional. Assim ocorre com as sondas, que essencialmente representavam tudo o que as sociedades de mesmo nome possuíam. E aqui, segundo se alega, teríamos créditos de pequena monta, se confrontados com o valor da sociedade.

A segunda razão, naturalmente, é que os créditos de Olinda diante de suas arrendatárias estão submetidos à recuperação judicial, se a devedora Serviços de Petróleo Constellation S.A. é uma das recuperandas. Isso não importa a impenhorabilidade dos créditos, é certo, mas é incompreensível que credores desejosos de escapar à recuperação ataquem créditos sujeitos à recuperação.

Conclui-se que se, sob uma perspectiva universalista Olinda pudesse ser recuperada no Brasil, em tese, se fôssemos descartar todos os outros critérios de fixação do Principal Centro de Interesses do grupo, isso não é possível diante do Princípio da Territorialidade e da constatação inequívoca de que por si e isoladamente Olinda nada tem a ver com o Brasil.

Passando agora ao segundo ponto das razões recursais, que dizem respeito à forma de disponibilização dos documentos apresentados pelas recuperandas, deixo claro que os documentos podem ficar acautelados em cartório, no sentido de não serem disponibilizados pela internet e que o acesso a eles se restringe ao Ministério Público, ao Administrador Judicial e a todos os advogados

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dos credores, que não poderão deles tirar cópia. Por outro lado, deixo claro e friso que nenhuma autorização judicial ou justificativa de qualquer natureza, ou requerimento qualquer precisa ser formulado ao juízo para que se dê o acesso, providências que ademais não existem para a consulta dos autos pelos advogados.

Isto posto, o meu voto é no sentido de não conhecer dos embargos interpostos por Alperton e dar parcial provimento aos embargos interpostos pelas recuperandas, primeiro, para reconhecer o erro material apontado, a fim de que passe a constar da certidão de julgamento que o acórdão foi proferido por maior, e, segundo, para admitir na recuperação Arazi e Lancaster, mantendo o afastamento de Olinda Star, além de explicitar a forma como se dará o acesso aos documentos das recuperandas.

Rio de Janeiro, 4 de junho de 2019.

EDUARDO GUSMÃO ALVES DE BRITO NETO

Desembargador Relator

Disponível em: https://www.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/tj-rj/737948319/inteiro-teor-737948329

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