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27 de Maio de 2024
  • 1º Grau
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TJSP • Procedimento do Juizado Especial Cível • XXXXX-88.2021.8.26.0281 • Tribunal de Justiça de São Paulo - Inteiro Teor

Tribunal de Justiça de São Paulo
há 3 anos

Detalhes

Processo

Juiz

Juliana França Bassetto Diniz Junqueira

Partes

Documentos anexos

Inteiro Teor5445779b55a2d4ea93dde3abf2ed7529.pdf
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SENTENÇA

Processo nº: XXXXX-88.2021.8.26.0281

Classe - Assunto Procedimento do Juizado Especial Cível - IPVA - Imposto Sobre

Propriedade de Veículos Automotores

Requerente: Felipe Serrano dos Reis

Requerido: FAZENDA DO ESTADO DE SÃO PAULO

Juiz (a) de Direito: Dr (a). JULIANA FRANCA BASSETTO DINIZ JUNQUEIRA

Vistos

Trata-se, na espécie, de Ação declaratória de Inexigibilidade de débito tributário (IPVA), em que a parte autora alega, em resumo, ser portadora de CID M17 Gonartrose de joelho esquerdo e CID M22.4- Condromalacia de rótula do mesmo joelho esquerdo, apresentando dor e limitações de movimentos de flexão e extensão de membro inferior do lado esquerdo, conforme laudo médico juntado. Alega, ainda, que possui incapacidade classificada como Monoparesia e, em virtude das suas condições, é considerado PCD (pessoa com deficiência). Informa que adquiriu em seu nome o veículo modelo/marca: JEEP/RENEGADE 1.8 AT, ano 2019, placas: GAQ-7366, Renavam: XXXXX, bem como obteve a isenção de IPI, ICMS e IPVA por se enquadrar no conceito de deficiente. Contudo, foi surpreendido com a notícia de que para o calendário do ano de 2021 não seria mais contemplado com a isenção do IPVA, em razão de a Lei Estadual nº 17.293/2020, em seu artigo 21, ter alterada a regra para isenção de PCD contidas no artigo 13, inciso III da lei 13.296/2008, o qual estabelece o tratamento tributário do IPVA, que passou a vigorar com redação diversa. Ainda, a Portaria CAT-95 de 9/12/2020 acrescentou ao artigo 5º da Portaria CAT 27/15 de 26/02/2015 (a qual disciplina o reconhecimento de imunidade, isenção, dispensa de pagamento e a restituição de IPVA), os parágrafos 3º, 4º e 5º, cujo parágrafo 3º condicionou a isenção do IPVA à indicação de alguns tipos de restrições no campo "observações" da CNH. Aduz que a nova legislação passou a dar um tratamento diferenciado a alguns PCDs em relação a outros. Sustenta que para a isenção do IPVA a partir de 2021, a legislação paulista passará a exigir

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que o carro do deficiente possua adaptações e customizações (pedal de acelerador à esquerda, freio manual, etc), conquanto nem todos os PCDs necessariamente precisam de adaptações externas em seu veículo, e ainda, nem todos os PCDs possuem em suas CNHs as restrições de letras contidas no § 3º, do artigo 5º, da Portaria CAT 27/15. Discorre que a Lei Estadual 17.293/2020 faz diferença entre as pessoas com deficiência física, evidenciando o total inconformismo por parte do requerente, uma vez que PCD é PCD independente da deficiência (art. - lei 13.146/2015). Assevera que o princípio da proibição do retrocesso impede, em tema de direitos fundamentais de caráter social, que sejam desconstituídas as conquistas já alcançadas pelo cidadão ou pela formação social em que ele vive. Postula a procedência do pedido inicial, para declarar a inexistência de relação jurídico-tributária entre as partes, quanto ao recolhimento do IPVA, exercício de 2021 e dos anos posteriores, reconhecendo o direito de isenção de pagamento do IPVA junto ao veículo modelo/marca JEEP/RENEGADE 1.8 AT, ano 2019, placas: GAQ-7366, Renavam: XXXXX, de forma definitiva.

É o relatório do necessário.

Fundamento e DECIDO.

O feito comporta julgamento no estado em que se encontra, mostrando-se desnecessária a produção de outras provas, além das já constantes nos autos.

O pedido da ação é procedente.

Não há controvérsia que a parte autora é portadora de deficiência física classificada como Monoparesia (fls. 50/58) e que adquiriu veículo automotor (fl. 48), sendo deferida a isenção do IPVA no ano de 2020.

A controvérsia se restringe à suspensão da cobrança do Imposto de Propriedade de Veículo Automotor (IPVA), em razão do lançamento feito pela Fazenda Pública do Estado de São Paulo para o exercício de 2021, com fundamento na alteração legislativa havida, com edição da Lei Estadual nº 17.293/2020, cujos requisitos legais para a concessão do benefício deixou a parte autora de atender.

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Com efeito, a faculdade de isentar do pagamento de tributos decorre da aptidão de quem os instituiu. Essa é a lição do Prof. Roque Antônio Carrazza sobre a isenção:

"A isenção é uma limitação legal do âmbito de validade da norma jurídica tributária, que impede que o tributo nasça", ou, "é a nova configuração que a lei dá à norma jurídica tributária, que passa a ter seu âmbito de abrangência restringido, impedindo, assim, que o tributo nasça in concreto" ( Curso de Direito Constitucional Tributário - 2013 29a edição ).

Como a isenção estabelece uma limitação, reveste-se da excepcionalidade, e como exceção, sua aplicação se limita aos casos previstos na própria legislação.

É o que dispõe o artigo 111 do CTN: "Interpreta-se literalmente a legislação tributária que disponha sobre: I - suspensão ou exclusão do crédito tributário;

II - outorga de isenção ; III - dispensa do cumprimento de obrigações tributárias acessórias" (destaquei).

Ocorre que, em outubro de 2020, houve a edição da Lei Estadual nº 17.293/2020, alterando as disposições sobre a isenção do IPVA.

Com a alteração legislativa, somente terão direito à isenção os condutores com deficiência física severa ou profunda que permita a condução de veículo automotor especificamente adaptado (artigo 13, inciso III, da Lei 13.296/2008) ou outra deficiência severa ou profunda que impossibilite a condução do veículo (artigo , do Decreto nº 65.337/2020).

Os demais beneficiados pela lei anterior, quais sejam: condutores autistas ou portadores de deficiência física, visual e mental, severa ou profunda, que conseguem conduzir veículo sem necessidade de adaptação, não mais terão direito à isenção.

Em resumo, para ser possível a isenção atualmente, há necessidade

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de aferir se o veículo precisa, ou não, ser adaptado.

Nessa linha, diante da alteração da norma que resultou na revogação parcial da isenção, houve o lançamento do IPVA para o exercício de 2021 em relação ao veículo adquirido pela parte-autora.

Pois bem.

No caso dos autos, ao que se verifica, a alteração legislativa afetou direitos fundamentais do sujeito passivo da relação jurídica tributária, in casu , o Princípio da Anterioridade Ordinária e o Princípio da Anterioridade Nonagesimal.

Esses princípios constitucionais tutelam o contribuinte, na medida em que impedem mudanças bruscas na legislação, sem que ele, contribuinte, possa programar-se contra a nova investida estatal no patrimônio.

Segundo ensina a doutrina, o princípio da anterioridade tributária existe para "proteger o contribuinte contra a imediata aplicação de normas que aumentem a carga tributária a que ele já está sujeito (casos de instituição ou majoração de tributos)".

Esse princípio visa, portanto, a garantir que eventuais mudanças que repercutem negativamente no patrimônio do contribuinte não seja tão logo aplicada, assegurando, dessa maneira, a segurança jurídica e evitando-se surpresas quando da instituição do tributo pelo Poder Público.

Lado outro, os tributos que não se aplicam o princípio da anterioridade estão expressamente previstos na própria Constituição Federal, o que não é caso do IPVA.

Logo, tem-se que a majoração do IPVA deve sempre respeitar os princípios da anterioridade ordinária e nonagesimal. Isto é, não pode ser cobrada no mesmo exercício financeiro ou antes de 90 dias após a publicação da norma legal que instituiu ou majorou o imposto.

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É certo que o SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL entendia, em princípio, que a revogação de isenção não se equipara à criação ou à majoração de tributo, mas apenas dispensa legal de exação já existente, não sendo aplicável o princípio da anterioridade.

Nesse sentido:

"CONSTITUCIONAL TRIBUTÁRIO ISENÇÃO REVOGAÇÃO PRINCÍPIO DA ANTERIORIDADE. I- Revogada a isenção, o tributo volta a ser imediatamente exigível, sendo impertinente a invocação do princípio da anterioridade ( CF, art. 150, III, b). Precedentes do Supremo Tribunal Federal. RE conhecido e provido" (STF, RE 204.062-ES, rel. Min. Carlos Velloso, 27.09.96).

No entanto, esse posicionamento jurisprudencial já era bastante criticado pela doutrina, até porque em contrariedade ao previsto pelo artigo 104, inciso III, do Código Tributário Nacional, que impõe a observância do princípio da anterioridade quando houver extinção ou redução de isenção, in verbis:

Art. 104. Entram em vigor no primeiro dia do exercício seguinte àquele em que ocorra a sua publicação os dispositivos de lei, referentes a impostos sobre o patrimônio ou a renda:

I - que instituem ou majoram tais impostos;

II - que definem novas hipóteses de incidência;

III - que extinguem ou reduzem isenções, salvo se a lei dispuser de

maneira mais favorável ao contribuinte, e observado o disposto no artigo 178.

Ademais, o entendimento é de que "a revogação, ainda que parcial, da isenção, ocasiona a recriação do tributo (...). Ora, quando uma isenção é revogada, o critério mutilado da regra-matriz de incidência renasce. Noutros termos, é como se a lei revogadora da isenção fosse uma nova lei criadora do tributo, ou nova lei que aumenta o tributo. Tanto é verdade que temos três leis: a) a lei criadora do

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tributo; b) a lei isentiva; e c) a lei revogadora da isenção. Essa lei revogadora da isenção é como se fosse uma lei que aumenta ou que cria o tributo. É por isso que se sujeita ao princípio constitucional da anterioridade".

Nessa linha, em razão das mais variadas críticas, o Supremo Tribunal Federal, tem revisto seu posicionamento anterior.

Segundo voto do Ministro Roberto Barroso no RE 564.225, julgado em 02/09/2014, "deve ser entendida como majoração do tributo toda alteração ocorrida nos critérios quantitativos do consequente da regra-matriz. Sob tal perspectiva, um aumento de alíquota ou uma redução de benefício relacionada a base econômica apontam para o mesmo resultado: agravamento do encargo" .

No mesmo sentido, vem decidindo a Suprema Corte em outros julgados mais recentes:

"AGRAVO INTERNO. EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA. JURISPRUDÊNCIA PACIFICADA NO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. HIPÓTESE DE NÃO CABIMENTO. RISTF, ART. 332. RESSALVA DA POSIÇÃO PESSOAL DO RELATOR. 1. O art. 332 do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal preconiza que"não cabem embargos, se a jurisprudência do Plenário ou de ambas as Turmas estiver firmada no sentido da decisão embargada". 2. Precedentes recentes de ambas as Turmas desta Corte estabelecem que se aplica o princípio da anterioridade tributária, geral e nonagesimal, nas hipóteses de redução ou de supressão de benefícios ou de incentivos fiscais, haja vista que tais situações configuram majoração indireta de tributos . 3. Ressalva do ponto de vista pessoal do Relator, em sentido oposto, na linha do decidido na ADI 4016 MC, no sentido de que"a redução ou a extinção de desconto para pagamento de tributo sob determinadas condições previstas em lei, como o pagamento antecipado em parcela única, não pode ser equiparada à majoração do tributo em questão, no caso, o IPVA. Não-incidência do princípio da anterioridade tributária.". 4. Agravo Interno a que se nega provimento". ( RE 564225 AgR-EDv-AgR, Relator (a): Min. ALEXANDRE DE MORAES, Tribunal Pleno, julgado em 20/11/2019 )

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(destaquei).

"AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO. TRIBUTÁRIO. REGIME ESPECIAL DE REINTEGRAÇÃO DE VALORES TRIBUTÁRIOS PARA AS EMPRESAS EXPORTADORAS REINTEGRA. REDUÇÃO DE BENEFÍCIO FISCAL. NECESSIDADE DE OBSERVÂNCIA DO PRINCÍPIO DA ANTERIORIDADE. AGRAVO A QUE SE NEGA PROVIMENTO. I Consoante a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, o princípio da anterioridade é aplicável à redução dos percentuais de compensação relativos ao benefício fiscal do Reintegra, instituído pela Lei 13.043/2014 e concretizado pelo Decreto 9.393/2018. II Agravo regimental a que se nega provimento" ( ARE XXXXX AgR, Relator (a): Min. RICARDO LEWANDOWSKI, Segunda Turma, julgado em 13/12/2019, DJE XXXXX-02-2020 ).

"DIREITO TRIBUTÁRIO. AGRAVO INTERNO EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO. INCENTIVO FISCAL. REVOGAÇÃO. MAJORAÇÃO INDIRETA. ANTERIORIDADE. 1. A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal concebe que não apenas a majoração direta de tributos atrai a eficácia da anterioridade nonagesimal, mas também a majoração indireta decorrente de revogação de benefícios fiscais. Precedentes.

2. Agravo interno a que se nega provimento, com aplicação da multa prevista no art. 1.021, § 4º, do CPC/2015." ( STF, RE XXXXX/RS, Primeira Turma, Relator Ministro: Luis Roberto Barroso, julgado em 25/10/2018 ).

"IMPOSTO SOBRE CIRCULAÇÃO DE MERCADORIAS E SERVIÇOS DECRETOS Nº 39.596 E Nº 39.697, DE 1999, DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL REVOGAÇÃO DE BENEFÍCIO FISCAL PRINCÍPIO DA ANTERIORIDADE DEVER DE OBSERVÂNCIA PRECEDENTES. Promovido aumento indireto do Imposto Sobre Circulação de Mercadorias e Serviços ICMS por meio da revogação de benefício fiscal, surge o dever de observância ao princípio da anterioridade, geral e nonagesimal, constante das alíneas b e c do inciso III do artigo 150, da Carta. Precedente Medida Cautelar na Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 2.325/DF, de minha relatoria, julgada em 23 de setembro de

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2004." ( RE XXXXX AgR, Relator (a): Min. MARCO AURÉLIO, Primeira Turma, julgado em 02/09/2014 ).

Logo, o que se tem é que a revogação de qualquer benefício fiscal, por configurar aumento indireto de tributo, somente gera efeitos financeiros no exercício subsequente e depois de decorridos 90 dias ao da publicação da lei revogadora, salvo se houver exceção prevista no texto constitucional.

No caso em exame, o Estado de São Paulo, com o fim de angariar novas receitas, limitou a isenção do IPVA apenas para deficientes físicos com gravidade severa ou profunda que permita condução de veículo adaptado.

Ao assim agir, acabou por extinguir o benefício legal para várias outras pessoas que também possuem necessidades especiais e que adquiriram veículos.

Ocorre que a Lei 17.293/2020, com as novas regras, somente foi publicada em 15 de outubro de 2020.

Assim, não há como incidir o IPVA referente ao exercício de 2021, já que não decorreu o prazo de 90 dias entre a vigência da nova Lei e a ocorrência do fato gerador.

E assim o é porque o IPVA é devido anualmente e, tratando-se de veículo usado, o fato gerador ocorre no dia 1º de janeiro de cada ano, conforme determina o artigo , da Lei 13.296/2008.

Nessa linha, o lançamento do imposto para o exercício de 2021 é ilegal e viola o princípio constitucional da anterioridade tributária, previsto no artigo 150, inciso III, da Constituição Federal.

Apenas para as aquisições ocorrentes a partir da Lei nº 17.293/2020 é que as novas regras poderiam se aplicar.

Como se sabe, toda lei há de respeitar as limitações constitucionais

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ao poder de tributar.

Essas limitações traduzem direitos fundamentais dos contribuintes, fora de cujos parâmetros não assiste ao Estado, ainda que por meio de lei, ultrapassar.

A propósito, dispõe o art. 150, inciso II, da Constituição Federal:

Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:

(...)

II - instituir tratamento desigual entre contribuintes que se

encontrem em situação equivalente, proibida qualquer distinção em razão de ocupação profissional ou função por eles exercida, independentemente da denominação jurídica dos rendimentos, títulos ou direitos;

No caso dos autos, ao que se verifica, o novo diploma legal estabelece que deficientes graves e severos, mas que podem conduzir seu veículo, só terão direito à isenção se tiverem um carro individualmente adaptado, ao passo que os deficientes não condutores podem ter o veículo sem adaptação.

Nota-se, assim, que foi criada uma distinção entre os deficientes não condutores e os deficientes graves/severos condutores e, entre estes, a distinção de que NÃO estariam mais isentos da cobrança de IPVA os que não tiverem veículos adaptados (os que contenham, por exemplo, apenas câmbio automático e direção hidráulica/elétrica de fábrica).

Tal distinção, entretanto, fere, também, o princípio da isonomia tributária, tratando como fato gerador da tributação ou da isenção não a condição vulnerável do contribuinte deficiente, mas o tipo de adaptação implementada no veículo.

Observo que a isonomia tributária configura norma de inclusão social, estando ligada, indissociavelmente, ao princípio da dignidade humana (artigo 1º,

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inciso III, da Constituição Federal), o que constitui limitação constitucional ao poder de tributar. Isso significa dizer que qualquer dispositivo legal que desnature essas finalidades constitucionais, ainda que amparado em certo fato objetivo, será inconstitucional.

No caso, ao modificar as condições de isenção para o deficiente, o legislador estadual nada mais fez do que aniquilar o dever material do Estado-membro de proteger e integrar socialmente as pessoas com necessidades especiais ( CF, art. 24, inciso XIV).

Não à toa é que a Lei nº 13.146/2015 determinou, em seu artigo , caput, que "é instituída a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (Estatuto da Pessoa com Deficiência), destinada a assegurar e a promover em condições de igualdade, o exercício dos direitos e das liberdades fundamentais por pessoa com deficiência, visando à sua inclusão social e cidadania" .

Referida lei estabeleceu, ainda, a definição de pessoa com deficiência, in verbis:

Art. 2º Considera-se pessoa com deficiência aquela que tem impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas.

§ 1º A avaliação da deficiência, quando necessária, será biopsicossocial, realizada por equipe multiprofissional e interdisciplinar e considerará:

I - os impedimentos nas funções e nas estruturas do corpo;

II - os fatores socioambientais, psicológicos e pessoais;

III - a limitação no desempenho de atividades; e

IV - a restrição de participação.

Percebe-se, da leitura dos dispositivos acima, que a Lei Federal

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13.146/2015 define deficientes físicos em um conceito mais amplo.

Logo, não pode o Decreto Estadual nº 65.337/2020 limitar direitos apenas para deficientes físicos que precisam de veículos adaptados.

Isso seria o mesmo que afirmar que o fato de o autor não necessitar de um veículo adaptado o torna "menos deficiente" , o que gera, na verdade, uma discriminação dentro da doutrina da Lei Federal.

Com efeito, sonegar o desfrute da isenção para determinados deficientes que necessitam dos veículos automotores, no caso, constitui uma limitação intransponível ao exercício dos direitos fundamentais das pessoas com necessidades especiais, às quais deve ser estendido o direito a ter acesso a veículos melhores, mais confortáveis, com mais segurança.

É sabido, aliás, que a isenção dos tributos incidentes sobre os veículos automotores facilitam, em muito, a vida das pessoas com necessidades especiais, já que elas, quase em sua maioria, necessitam de carros automatizados para conseguirem dirigir - carros estes que, no Brasil, costumam ter valores acima dos carros manuais.

Do mesmo modo, sem a isenção do tributo, maior o custo do veículo, dificultando, sobremaneira, a aquisição dos veículos pelas pessoas com deficiência.

Não por outra razão, que o Estatuto da Pessoa com Deficiência, em seu artigo 3º, inciso III, traz o instituto da tecnologia assistiva ou ajuda técnica, a qual consiste em "produtos, equipamentos, dispositivos, recursos, metodologias, estratégias, práticas e serviços que objetivem promover a funcionalidade, relacionada à atividade e à participação da pessoa com deficiência ou com mobilidade reduzida, visando à sua autonomia, independência, qualidade de vida e inclusão social" , bem como garante "à pessoa com deficiência acesso a produtos, recursos, estratégias, práticas, processos, métodos e serviços de tecnologia assistiva que maximizem sua autonomia, mobilidade pessoal e qualidade de vida" (artigo 74 da Lei 13.146/2015).

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A norma de igualdade, portanto, prevista nos citados dispositivos legais, defere o pleno acesso a produtos que maximizem a qualidade de vida das pessoas com necessidades especiais.

A revocatória da isenção, por outro lado, contraria todas as normas legais e constitucionais corporificadoras da isonomia tributária, na medida em que atassalha, derriba e inutiliza todos os valores constitucionais destinados à promoção da qualidade de vida das pessoas com necessidades especiais.

Assim, verifica-se que a nova exigência estabelecida pela Lei Estadual nº 17.293/2020 para a concessão da isenção do IPVA, qual seja, a de que o veículo seja necessariamente adaptado para a situação individual de cada motorista, acaba por criar discriminação indevida entre os motoristas portadores de deficiência, em prejuízo daqueles que possuem deficiência grave ou severa mas que não necessitam de veículo adaptado, em violação ao princípio constitucional da isonomia.

Em caso análogo, já decidiu o E. TJSP:

"CONSTITUCIONAL E TRIBUTÁRIO MANDADO DE SEGURANÇÃO IPVA ISENÇÃO TRIBUTÁRIA VEÍCULO AUTOMOTOR DEFICIENTE FÍSICO PROTEÇÃO ESPECIAL ÀS PESSOAS PORTADORAS DE DEFICIÊNCIA ADMISSIBILIDADE. 1. O princípio da igualdade paira sobre as isenções tributárias, que só podem ser concedidas quando favorecem pessoas tendo em conta objetivos constitucionalmente consagrados. 2. A norma legal que trata da isenção do IPVA para veículos especialmente adaptados, de propriedade de deficiente físico, (art. 9º, VIII, da Lei Estadual nº 6.606/89, atualmente Lei nº 13.296/2008) há de ser interpretada em harmonia com a Constituição Federal, em especial o princípio de igualdade (art. 5º, caput, CF), com as normas que asseguram proteção especial às pessoas portadoras de deficiência (art. 23, II, e 203, IV, CF) e a própria Constituição Bandeirante que veda ao Estado instituir tratamento desigual entre contribuintes que se encontrem em situação equivalente (art. 163, II). 3. Tendo em vista os princípios de isonomia, de igualdade tributária e das normas que asseguram proteção especial às

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pessoas portadoras de deficiência (art. 23, II, e 203, IV, CF), não é lícito ao Estado- membro restringir a isenção de IPVA aos portadores de necessidades especiais que estejam aptos a dirigir sem que necessitem de terceiro como condutor. Segurança concedida. Reexame necessário desacolhido" ( TJSP, Remessa Necessária nº XXXXX-88.2017.8.26.0053, Relator: Décio Notarangeli, Data do Julgamento: 05/12/2020 ).

Dessa forma, o lançamento do IPVA em relação à parte-autora, relativamente ao exercício de 2021 viola: ( i ) o princípio da anterioridade (ordinária e nonagesimal); ( ii) a segurança jurídica; e (iii ) o princípio da isonomia tributária, cuja violação resulta no acolhimento do pedido inicial.

Ante o exposto, com fundamento no artigo 487, inciso I, do Código de Processo Civil, JULGO PROCEDENTE o pedido inicial para DECLARAR inexigível o Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores (IPVA) para o exercício de 2021, no que se refere ao veículo do autor, JEEP/RENEGADE 1.8 AT, ano 2019, placas: GAQ-7366, Renavam: XXXXX, consignando-se que para os exercícios posteriores deverá a parte autora se submeter às exigências da nova regra imposta pela Lei 17.293/2020 e Decreto nº 65.337/2020, se o caso.

Via de consequência, DEFIRO , nesta oportunidade, a tutela de urgência pleiteada, para o fim de suspender a exigibilidade do IPVA no ano de 2021 incidente sobre o veículo do autor.

Ficam rejeitados os demais pedidos formulados, diante da incompatibilidade com os termos da fundamentação supra.

Sem condenação em custas ou honorários advocatícios, nos termos do artigo 55 da Lei 9.099/95.

P.I.C.

Itatiba, 01 de fevereiro de 2021.

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