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6 de Maio de 2024
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    A estabilização e a imutabilidade das Eficácias Antecipadas

    Publicado por Justificando
    há 9 anos

    1. Aspectos introdutórios

    O Código de Processo Civil recentemente aprovado realiza grandes modificações no tratamento da técnica antecipatória e da tutela cautelar, muito embora tenha sido por demais atécnico ao denominar ambas de tutela provisória. Uma dessas mudanças - a inserção de um procedimento autônomo para a tutela antecipada de urgência - já é uma tendência em vários países, sendo os principais exemplos a França e a Itália. Uma das grandes novidades desse procedimento é a possibilidade da sua estabilização, que embora não tenha eficácia de coisa julgada, permite a fruição do direito pela parte de forma mais célere à que ocorreria pelo processo de conhecimento com o rito comum.

    O problema é que o tratamento da matéria é extremamente confuso e tem gerado um sem número de polêmicas doutrinárias mesmo antes da entrada em vigor do CPC/2015.

    Caso seja deferida a antecipação e caso não haja impugnação do réu ou aditamento da petição inicial pelo autor, a tutela antecipada será estabilizada. Ambas as partes terão dois anos para requerer o seu desarquivamento para instruírem o processo que tenha, por objetivo, rediscutir o mérito (art. 304, §§ 4º e 5º, CPC/2015), sem que haja qualquer limite para o que pode ser alegado. Ultrapassados esses dois anos, a decisão seria atingida por uma espécie de estabilidade qualificada, inexistindo outros meios expressamente previstos para a sua impugnação.

    Isso fez com que surgisse a discussão doutrinária acerca da natureza dessa segunda estabilização e se haveria a possibilidade de utilização de algum remédio jurídico processual para atacar essa estabilidade qualificada após o prazo de dois anos previsto no art. 304, § 5º, do CPC/2015. Esse é o objeto desse texto: tentar desvendar o que é essa segunda estabilização e quais as suas consequências no processo.

    2. As opiniões doutrinárias

    Há doutrina defendendo que, após esse prazo de dois anos, tem-se coisa julgada material sobre a decisão provisória estabilizada.[1] Por conta disso, seria cabível ação rescisória após esses dois anos.[2] Assim, passado o prazo da ação de revisão, seria iniciado automaticamente o prazo para o ajuizamento da ação rescisória (art. 975, CPC/2015), tendo também como característica uma menor amplitude de impugnação da decisão, agora limitada aos incisos do art. 966, do CPC/2015.

    A existência da coisa julgada teria por base o afastamento da relação entre coisa julgada material e a cognição exauriente, que não se adequaria ao CPC/2015. Como a coisa julgada seria tão somente o fenômeno que impede a (re) propositura de demandas que tenham por objetivo modificar anterior julgamento de mérito, este poderia ser encaixado na situação da tutela provisória não impugnada no período de dois anos. Além disso, o § 6º, do art. 304 não impediria essa conclusão, pois ele trataria apenas da inexistência de coisa julgada da decisão estabilizada, mas não da situação jurídica que viria a existir após os dois anos.[3] A mesma conclusão também é atingida por outros autores, visto que haveria um suposto mérito próprio nesse procedimento de tutela antecipada antecedente (perigo de dano ou do risco ao resultado útil do processo e a probabilidade do direito) e ainda pelo fato de que a cognição exauriente não seria um óbice a atribuição da qualidade de coisa julgada material a essa decisão, uma vez que todo juízo histórico seria apenas de verossimilhança e a única diferença entre essa decisão e uma sentença do procedimento comum seria o contraditório, que teria sido entendido como prescindível pelo réu.[4]

    Ao contrário do que defende Bruno Garcia Redondo, o § 6º, do art. 304 parece vedar, por completo, a existência da coisa julgada. Não há qualquer indicação de que essa estabilização poderia se transformar em coisa julgada material após passados os dois anos da ação de revisão. A discussão, de fato, não deve passar pela (in) existência de cognição exauriente, uma vez que nada impediria que o legislador impusesse a produção da coisa julgada material nesse procedimento. Situação semelhante ocorre na ação monitória, em que, mesmo uma tutela de evidência – também de cognição provisória -, tem aptidão para, caso não seja embargada, ser acobertada pela coisa julgada material (art. 701, CPC/2015). O óbice existente para esse novo procedimento é legislativo, não cabendo à doutrina modificar a natureza da estabilização para a coisa julgada. É uma tentativa de suprir uma lacuna axiológica[5] de forma ilegítima, devendo ser afastada.

    Há quem defenda o cabimento da ação rescisória nessa hipótese, mas por outros fundamentos. Para tanto, sustenta que, segundo o § 2º, do art. 966, do CPC/2015, também se admite a ação rescisória contra a sentença terminativa que impeça a repropositura da demanda, o que fez ampliar o cabimento da referida ação para casos em que não há coisa julgada. Como, supostamente, não há coisa julgada na sentença terminativa, seria possível que a coisa julgada teria deixado de ser condição sine qua non para a admissão da ação rescisória, permitindo a impugnação dessa tutela antecipada por dois anos.[6]

    Por mais que seja possível interpretar que o autor tenha tido o objetivo de fazer referência a ausência de coisa julgada material, não parece adequada a admissão da rescisória contra tais decisões. Há de se perceber que qualquer das partes já possui o prazo de dois anos para entrar com outra ação visando discutir amplamente a tutela antecipada anteriormente concedida. Simplesmente parece injustificável admitir que essa tutela antecipada fique sujeita a ser impugnada por mais dois anos por meio da ação rescisória.

    Afinal, o entendimento mais adequado parece ser o de que, mesmo após os dois anos, não haverá a formação da coisa julgada material.[7] Além da dicção expressa do art. 304, § 6º, é preciso perceber que o próprio procedimento não foi construído para a produção da coisa julgada. O seu objetivo não é este, mas tão somente o de satisfação fática da parte. Afinal, se o objetivo da parte é o de obter a coisa julgada material, tem-se o procedimento comum para tanto. Impor a formação da coisa julgada material no procedimento de antecipação de tutela antecedente é tentar encaixar antigos conceitos a fórceps no fenômeno da estabilização. Trata-se de uma forma de simplificar à força a estabilização, criada pelo CPC/2015.

    É o momento, agora, de tentar indicar um outro posicionamento sobre essa polêmica.

    3. Por um novo posicionamento - a imutabilidade das eficácias antecipadas

    Coisa julgada, em si, é o estado da sentença passada em julgado. A res deducta torna-se res judicata (Adriano Soares da Costa). É a vera sententia, a que alude Pontes de Miranda. Coisa julgada é, pois, um fato, e não um efeito jurídico.

    Ocorre que, ante o trânsito em julgado (que integraliza o suporte fático da sentença: integralizar no sentido de atribuir algo a outro), exsurgem efeitos jurídicos específicos. Está-se, aqui, portanto, no âmbito da eficácia da coisa julgada, da qual são elementos a coisa julgada formal e a coisa jugada material. Ambas projetam uma indiscutibilidade (= característica daquilo que não pode ser discutido).

    A diferença está nos limites espaço-temporais: a formal impede a discussão no âmbito do processo em que surgiu (obsta a litispendência); a material, em qualquer um. A coisa julgada formal é pressuposto lógico da material. Não se leva em conta para tal distinção o que foi objeto da declaração judicial: se o próprio mérito da causa ou algo estranho a ele. Em ambos os casos, salvo exclusão legal, tais decisões são aptas a formarem coisa julgada formal e material. Por exemplo, a decisão que declara o autor não ser parte legítima, embora, por opção do sistema positivo (art. 485, VI, CPC/15), não toque o mérito da causa, se torna, com o trânsito em julgado, indiscutível dentro do próprio processo em que surgiu e também em qualquer outro.

    Pragmaticamente, a distinção entre coisa julgada formal e material tem grande relevância no âmbito das decisões definitivas parciais (exclusão de litisconsorte, e. g.). Caso elas não sejam impugnadas no momento adequado (pela interposição, quando cabível, do agravo de instrumento, v. g.), suas eficácias declaratórias não podem ser rediscutidas em outro momento do processo, que continua em relação ao que não foi analisado.

    É preciso, todavia, entender o que se torna indiscutível. Das possíveis eficácias sentenciais, é a declaratória base (tem esse nome, porquanto seja possível que, de uma declaração, surjam outras, que da primeira são efeitos. Exemplo clássico é a declaração de ineficácia na ação de nulidade, que decorre da declaração da existência do poder de nulificar o ato jurídico questionado): toda decisão pressupõe um dizer (dictum) sobre aquilo que foi posto à discussão (não custa frisar que o processo judicial, como fenômeno jurídico, é fato linguístico, isso, inclusive, é a base epistêmica para ser possível dizê-lo dialético).

    Por menor que seja, toda decisão – até mesmo aquelas antecipatórias da tutela – tem um dictum. No caso destas, o dizer é relativo à pretensão processual a antecipar, que tem o Estado-juiz como sujeito passivo, obrigado a prestá-la. A parte constatativa (o dictum) das decisões antecipatórias da tutela, que tem na ideia de “antecipação da cognição” de Pontes de Miranda sua base epistêmica, é comumente ignorada pela processualística brasileira em geral. Dentro de seus limites quantitativos e qualitativos, este estudo pretende fazer dela sua premissa analítica.

    Por óbvio, a indiscutibilidade do dizer impede que ele seja reprocessualizado, no sentido de voltar a ser discutido. Seja ele voltando como objeto a ser declarável, hipótese em que não poderá ser analisado (dito efeito negativo da coisa julgada), seja ele voltando como premissa para o julgamento, hipótese em que ele deverá ser considerado tal como o foi (dito efeito positivo da coisa julgada).

    No entanto, e o mais relevante, é entender que toda discutibilidade não é um fim em si mesma. Ela serve de base para outras consequências processuais possíveis. Mesmo na ação preponderantemente declaratória (dita, erroneamente, “meramente declaratória”) a discussão judicial serve a algo: no caso, a criação de certeza jurídica sobre o dito. A discutibilidade pode servir, desse modo, à mutação de outras eficácias sentenciais. Nas decisões no âmbito das tutelas provisórias, por exemplo, por não haver indiscutibilidade, é possível, nos moldes do caput do art. 296, CPC/15, alterar a situação estabelecida, seja para revogar, seja para modificar.

    Válido frisar que, com a ressalva da eficácia declaratória base da sentença, todas as outras são mutáveis por variados motivos. A indiscutibilidade da coisa julgada não é óbice a isso.

    Eis a razão de ser equivocada – não obstante à literalidade da disposição legal, no caso o art. 502, CPC/15 – a ideia de ter a imutabilidade da sentença (mais propriamente, de suas eficácias) como decorrência da coisa julgada. Se o condenado paga, a eficácia condenatória da sentença se esvai sem que isso atente contra a coisa julgada. Se ocorre o advento do prazo de prescrição, resta neutralizada, com o devido exercício da exceção de prescrição pelo condenado, a eficácia executiva da sentença. A indiscutibilidade do dictum impossibilita tão-somente que as demais eficácias sentenciais sejam alteradas pela constatação de inexistência daquilo que foi declarado. Pela ocorrência daquela, este sequer pode ser reanalisado.

    O único meio de rediscutir é por intermédio do desfazimento da eficácia declaratória base, algo que, no direito processual civil brasileiro, só pode ocorrer mediante ação rescisória (a qual, no processo penal, tem como correspondente a revisão criminal). Rescinde-se, como bem coloca Pontes de Miranda, a coisa julgada formal (e, com isso, a material), ressuscitando-se, desse modo, a litispendência. Impende destacar que as ações de nulidade e ineficácia da sentença não têm a ver com a indiscutibilidade, pois a sentença nula e a ineficaz não geram coisa julgada.

    Pode-se dizer, com isso, que a sentença com força de coisa julgada material tem o nível mais alto de estabilidade, nível este causado pela indiscutibilidade.

    Já as decisões que são reexamináveis sem a necessidade de rescisão possuem níveis mais fracos de estabilidade. É o caso das decisões no processo cautelar do CPC/73 (por força do caput do art. 807), das decisões, também sob a égide do CPC/73 (em virtude do § 4º do art. 273), antecipatórias da tutela satisfativa e, em se tratando do CPC/15, das decisões no âmbito das tutelas provisórias (aqui, em virtude do já mencionado caput do art. 296).

    Um mínimo de estabilidade, por certo, elas têm, porquanto a decisão revocatória ou a modificatória precisam estar fundadas em algo não analisado quando da prolação da decisão revogada/modificada. Este algo vai desde um fato não apreciado (e. g., numa ação reivindicatória, o réu, em resposta, alega e prova ter direito de retenção sobre a coisa, algo que implica necessidade de revogar eventual liminar de imissão na posse) ou os próprios fatos já apreciados num nível cognitivo mais amplo (por exemplo, depois da instrução probatória, chega-se a conclusão que o réu não é pai do autor, de modo que a liminar de alimentos tem de ser cassada).

    Um nível de estabilização maior se tem na figura prevista no caput do art. 304, do CPC/15: a chamada estabilização da tutela antecipada. Com ela, o processo ultima-se, e as eficácias antecipadas são estabilizadas. Há trânsito em julgado, obstando a litispendência, porém, sem gerar indiscutibilidade.

    Isso se dá, pois, no primeiro momento possível, tanto o réu pode intentar ação para invalidar (= desconstituir por defeito no suporte fático da decisão, seja por anulação, seja por nulificação), reformar (= emissão de dictum contrário ao antes firmado. Primeiro se diz: “o autor é credor do réu”; em reforma, diz-se que “o réu não deve ao autor” ) ou rever (termo que deve ser entendido como denotativo da revisão propriamente dita ou modificação por fato superveniente) a decisão antecipatória, como o autor, com base na expressão: “qualquer das partes” (contida no § 2º do citado art. 304), o autor pode propor ação para substituir a declaração provisória (base da decisão antecipatória) por outra definitiva, apta a formar coisa julgada. Há aqui discutibilidade e, com isso, mutabilidade das eficácias antecipadas, sem a necessidade de rescisão.

    Não se aplica, por opção política, a estabilização à tutela cautelar e à tutela de evidência.

    Acerca da tutela de evidência, é é óbvio tratar-se de mera opção política a vedação de concessão de uma estabilidade mais geral para essas decisões. Tanto não haveria qualquer óbice que o próprio CPC-15 autoriza que seja concedida eficácia de coisa julgada material à tutela provisória no caso de ação monitória não embargada

    Sobre a não estabilidade da tutela cautelar, é relevante tecer breve comentário. Há quem afirme que a tutela cautelar não é estabilizável. Para além da não escolha política, haveria uma questão de essência nessa impossibilidade. O argumento é que a cautelar apenas conserva direito posto em risco, tem, por isso, duração no tempo (temporariedade), logo não é estabilizável. Ledo engano.

    A estabilidade tem a ver não com a perpetuação no tempo da eficácia da medida, mas sim com os níveis de exigência para rediscutir aquilo que foi decidido. Rediscussão esta que, como visto, serve aos mais variados fins. Uma medida genuinamente cautelar, como o arresto (no sentido de limitação à disponibilidade patrimonial) pode ser estabilizada e, caso, por fato superveniente não haja mais base fática para sua manutenção (aquele que, supostamente devedor, dilapidava seu patrimônio, adquire fortuna de tal monta que passa a poder arcar “até a segunda geração” com suas dívidas), cessa a eficácia da tutela cautelar, podendo, a qualquer tempo (e não apenas nos dois anos a que se refere o § 5º do art. 304, CPC/15), propor ação para, constatando a mudança fática, obter a contraordem à ordem de arresto. Trata-se de tradicionalíssima ação modificatória da sentença, prevista no art. 505, I, CPC/15 (art. 471, I, CPC/73), que, no Brasil, tem em Pontes de Miranda o seu grande estudioso.

    Essa ação nada tem a ver com as ações extraíveis do citado § 5º do art. 304, CPC/15, referentes ao desfazimento – por motivos variados – da decisão antecipatória, e não à sua modificação por fato superveniente, razão pela qual o prazo nele previsto não se aplica à modificatória. Não há possibilidade de estabilização de tutela cautelar por ausência de previsão na textualidade do direito positivo (seria possível, todavia, pensar numa estabilização cautelar negociada? Deixa-se aqui o problema por ser analisado), não pela sua essência, tal qual a “Coisa em Si” kantiana Quem defende a impossibilidade de estabilização de tutela cautelar pela essência comete erro palmar

    Além disso, não será estabilizável a decisão antecipatória de tutela pelo que ele é, mas sim pelo modo como foi processualizada. Em rigor, para ser estabilizável, a decisão antecipatória haverá de ter se submetido ao procedimento do art. 303, CPC/15, independentemente de, na prática, ela ter função satisfativa ou cautelar. Se o caso é de verdadeira cautelar, como as cauções por dano iminente (art. 1.280, CC, por exemplo), mas ela foi recepcionada como pedido de concessão de tutela satisfativa, pelo rito do mencionado artigo, ela, presentes os pressupostos, será estabilizada. Do contrário, uma verdadeira medida satisfativa, como a sustação de protesto (que consiste na eficácia mandamental da sentença com carga declaratória de inexistência de dívida), se processualizada pelo rito cautelar antecedente dos arts. 300 e segs., CPC/15, não poderá ser estabilizada. A estabilização está, pois, no meio processual, e não na essência da ação processualizada em si.

    Um nível maior de estabilidade, que se situa entre a estabilização da decisão antecipatória e a eficácia da coisa julgada, é a eficácia que exsurge do transcurso in albis do prazo de 2 (dois) anos previsto no § 5º do art. 304, CPC/15. Prazo este relativo à propositura das ações acima mencionadas que, se não observado pelo réu, repercute severamente em sua esfera jurídica.

    É importante ressaltar que não há, no texto normativo em comento, previsão expressa de tal eficácia. Extrai-se a ideia de uma interpretação sistêmica: se há a previsão de um prazo para o exercício de um poder para a parte (onerando-a, pois), é porque, caso ela não cumpra o ônus lhe imputado, consequências devem advir-lhe. Além disso, valendo-se de um argumento pragmático-acional, seria muito pouco razoável a previsão de um prazo tão longo sem que nada viesse ocorrer para a parte.

    Pois bem, a repercussão para o réu é a preclusão (no sentido de perda de poder) da pretensão e da ação impugnativa da decisão antecipatória. Tal preclusão repercute no plano material, do próprio direito a, conforme o caso, invalidar, reformar ou rever a mencionada decisão. Disso, o nível de estabilidade da decisão dá um salto considerável: de uma mera impossibilidade de alteração no processo que se finda passa à imutabilidade das eficácias antecipadas. Imutabilidade das eficácias antecipadas é o nome que neste trabalho se emprega para designar o nível intermediário de estabilidade acima aludido. Isso porque ela estaria no meio do caminho entre a mutabilidade a qualquer tempo (desde que ocorra no mesmo processo) das tutelas provisórias incidentais e a coisa julgada material.

    Contudo, trata-se de uma imutabilidade calcada numa discutibilidade relativa. Aqui, faz-se necessária uma explicação. Como dito acima, se o dictum torna-se indiscutível, as demais eficácias sentenciais não podem ser alteradasde modo forçado ao seu beneficiário, salvo decisão rescindente. A imutabilidade decorre da indiscutibilidade.

    No problema em análise, o dictum não é discutível para os fins de mudar as eficácias antecipadas, mas o é para outros, como, por exemplo, para fins de natureza indenizatória.

    Um exemplo pode auxiliar na compreensão. Numa ação relativa à obrigação de desfazer um muro houve, pela via do procedimento antecedente do art. 303, CPC/15, a concessão de tutela antecipada, de modo a, primeiramente, possibilitar (eficácia mandamental por autorização) ao autor o desfazimento do muro que, ao que indicava, foi indevidamente construído e, em virtude disso, condenar o réu a ressarcir o autor pelos custos da demolição. Estabilizada tal decisão e transcorrido o prazo acima mencionado, não se pode mais alterar a eficácia autorizativa da demolição do muro (algo que, em termos práticos, implica dizer que o muro não pode ser refeito). No entanto, a alegação do direito a demolir pode ser reprocessualizada para, sendo tida por improcedente, condenar o autor a indenizar o réu por eventuais danos causados pela demolição. O dictum sentencial (declaração de existência do poder de demolir) é, pois, discutível. Se se estivesse diante da verdadeira eficácia de coisa julgada a discutibilidade seria impensável, pelos efeitos positivo e negativo que dela exsurgem.

    Afinal, o que se percebe é que após os dois anos da estabilização da tutela antecipada antecedente, não há coisa julgada e nem se pode admitir o ajuizamento de ação rescisória. O que se tem é um fenômeno novo, com características próprias – a imutabilidade das eficácias antecipadas.

    Trata-se de um meio caminho entre a ampla mutabilidade das decisões antecipatórias incidentais e a coisa julgada material. Ele impede que, pela impossibilidade relativa de se discutir o dictum da decisão antecipatória, se alterem, de modo forçado a seu beneficiário, as eficácias antecipadas: a derrubada de um muro, a devolução de um determinado bem. No entanto, não existirão óbices que o dictum seja rediscutido em ação própria para quaisquer outros fins.

    Roberto P. Campos Gouveia Filho é Mestre em Direito Processual pela Universidade Católica de Pernambuco (UNICAP). Professor de Direito Civil e Processual Civil da mesma Instituição de Ensino Superior. Membro da Associação Norte e Nordeste dos Professores de Processo (ANNEP). Vice-diretor da Escola do TRE-PE. Assessor chefe da Presidência do TRE-PE.
    Ravi Peixoto é Mestre em Direito pela UFPE. Membro da Associação Norte e Nordeste de Professores de Processo - ANNEP. Membro do Centro de Estudos Avançados de Processo – CEAPRO. Procurador do Município de João Pessoa.
    Eduardo José da Fonseca Costa é Juiz Federal em Ribeirão Preto/SP. Especialista, Mestre e Doutorando em Direito Processual Civil pela PUC/SP. Membro do IPDP e do IBDP. Membro do Conselho Editorial da Revista Brasileira de Direito Processual.
    [1] Apenas tratando da existência de coisa julgada: GRECO, Leonardo. A tutela da urgência e a tutela da evidência no código de processo civil de 2015. MACÊDO, Lucas Buril de; PEIXOTO, Ravi; FREIRE, Alexandre. Doutrina Selecionada: Procedimentos Especiais, Tutela Provisória e Direito Transitório. Salvador: Juspodivm, 2015, v. 4, p. 206. [2] Fazendo menção à coisa julgada e à ação rescisória: GAJARDONI, Fernando da Fonseca; DELLORE, Luiz; ROQUE, André Vasconcelos; OLIVEIRA JR., Zulmar Duarte de. Teoria geral do processo – comentários ao CPC de 2015 – parte geral. São Paulo: Método, 2015, p. 903; REDONDO, Bruno Garcia. Estabilização, modificação e negociação da tutela de urgência antecipada antecedente: principais controvérsias. Revista de Processo. São Paulo: RT, v. 244, jun.-2015, p. 187-188. [3] REDONDO, Bruno Garcia. Estabilização, modificação e negociação da tutela de urgência antecipada antecedente... cit., p. 187-188. [4] GOMES, Frederico Augusto; RUDINIKI NETO, Rogério. Estabilização da tutela de urgência: algumas questões controvertidas. MACÊDO, Lucas Buril de; PEIXOTO, Ravi; FREIRE, Alexandre. Doutrina Selecionada: Procedimentos Especiais, Tutela Provisória e Direito Transitório. Salvador: Juspodivm, 2015, v. 4, p. 170. [5] A lacuna axiológica consiste em uma regulação de um determinado suporte fático de forma não satisfatória para o intérprete. Não há propriamente lacuna, mas uma discordância na valoração da forma com a qual foi tratada normativamente o tema. (GUASTINI, Riccardo. Problemas de conocimiento del derecho vigente. MORATONES, Carles Cruz; BLANCO, Carolina Fernández; BELTRÁN, Jordi Ferrer (ed). Seguridad jurídica y democracia em Iberoamérica. Madrid: Marcial Pons, 2015, p. 24. [6] NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Novo Código de Processo Civil – Lei 13.105/2015. São Paulo: Método, 2015, p. 211-212. [7] Nesse sentido: NUNES, Dierle; ANDRADE, Érico. Os contornos da estabilização da tutela provisória de urgência antecipatória no novo CPC e o mistério da ausência de formação da coisa julgada. MACÊDO, Lucas Buril de; PEIXOTO, Ravi; FREIRE, Alexandre. Doutrina Selecionada: Procedimentos Especiais, Tutela Provisória e Direito Transitório. Salvador: Juspodivm, 2015, v. 4, p. 80; DIDIER JR., Fredie; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael. Curso de direito processual civil. 10ª ed. Salvador: Juspodivm, 2015, v. 2, p. 612-613.
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