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16 de Junho de 2024

Apreensão de 49 gramas de drogas, por si só, não justifica prisão

Por ausência de fundamentação legal, foi concedida ordem de habeas corpus para revogar prisão de paciente acusado por tráfico

A decisão da 2ª Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) está baseada na avaliação de que a quantidade de droga apreendida, nesse caso, não é suficiente para justificar a prisão preventiva do acusado. Para os ministros, a prisão cautelar deve ser utilizada apenas em casos em que haja risco concreto de que o acusado possa fugir, destruir provas ou continuar a praticar crimes.

Nesse sentido, os ministros entenderam que, no caso em questão, a prisão preventiva não se justificava, uma vez que a pequena quantidade de drogas apreendida não indicava, por si só, a existência de um risco concreto que justificasse a manutenção da prisão. Dessa forma, foi concedido o habeas corpus para revogar a prisão preventiva e substituí-la por medidas alternativas, como a prisão domiciliar ou o uso de tornozeleira eletrônica, por exemplo.



HABEAS CORPUS 224.500 MINAS GERAIS

RELATOR : MIN. NUNES MARQUES

PACTE.(S) : PAULO JUNIOR MENDES LEITE

IMPTE.(S) : GABRIEL GOMES MAIA

COATOR (A/S)(ES) : PRESIDENTE DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

DECISÃO

1. A defesa de Paulo Junior Mendes Leite impetrou habeas corpus, com pedido de medida liminar, contra decisão monocrática proferida por Ministro do Superior Tribunal de Justiça.

Em suas razões, a parte impetrante pretende, em síntese, a revogação da prisão preventiva por ausência de motivação idônea para a sua manutenção.

A medida liminar foi deferida, no regime de plantão judiciário, em 31/01/2023, pela Ministra Rosa Weber, Presidente desta Suprema Corte (eDoc 12).

O Ministério Público Federal emitiu parecer pela concessão da ordem em pronunciamento assim resumido (eDoc 17):

Processo penal. Habeas corpus. Tráfico de drogas. Pleito de concessão de liberdade provisória ou substituição da preventiva por cautelares em meio aberto.

  1. A matéria apresentada no presente habeas corpus não foi analisada no TJMG tampouco no STJ. Contudo, há ilegalidade no caso concreto apresentado apto a justificar o excepcional conhecimento do writ.
  2. A decisão que decretou a prisão preventiva foi fundamentada na quantidade de droga apreendida (49,64 g de maconha) o que não se mostra capaz de vulnerar a ordem pública e, via de consequência, justificar a constrição cautelar.
  3. Pelo excepcional conhecimento do habeas corpus e

HC 224500 / MG concessão da ordem, para conceder liberdade provisória ao paciente, relativamente ao processo n. 5000523- 39.2023.8.13.0209, facultando ao Juízo de primeira instância impor medidas cautelares em meio aberto caso entenda necessário.

É o relatório.

  1. Tal o contexto, reputo inadmissível o presente habeas corpus.

É que este Supremo Tribunal Federal consolidou sua jurisprudência no sentido de não se conhecer de habeas corpus, quando impetrado contra decisão monocrática de ministro de Tribunal Superior, em razão de caracterizar-se inadmissível supressão de instância. Ilustram essa orientação os seguintes acórdãos: HC 158.755 AgR, ministro Dias Toffoli; HC 162.214 AgR, ministro Ricardo Lewandowski; HC 176.297 AgR, ministro Edson Fachin; HC 181.999, ministro Alexandre de Moraes; HC 184.614 AgR, ministro Gilmar Mendes; RHC 114.737, ministra Cármen Lúcia.

Todavia, mesmo quando inadmissível o habeas corpus, esta Excelsa Corte entende ser possível a concessão da ordem de ofício, desde que caracterizada situação de flagrante ilegalidade ( HC 118.560, ministro Ricardo Lewandowski; HC 165.376, ministra Cármen Lúcia), o que se verifica no caso em exame.

Como bem destacou a defesa, a decretação da prisão preventiva é medida excepcional, sendo regra que o réu possa responder ao processo em liberdade ( HC 90.753, ministro Celso de Mello).

Desta forma, para a restrição da liberdade de alguém antes do trânsito em julgado da sentença penal condenatória, impõe-se a presença, no momento da decretação dessa medida cautelar, dos pressupostos (materialidade, indícios de autoria e perigo gerado com o estado de liberdade) e dos requisitos e/ou fundamentos previstos nos arts. 312 e 313 do Código de Processo Penal.

No caso dos autos, verifico que a magistrada de primeiro grau, ao determinar a prisão preventiva do ora paciente, assim se manifestou (eDoc 5, fl. 51):

Dentro desse prisma, temos que há prova da materialidade delitiva e indícios suficientes de autoria, consistentes no próprio APFD e REDS, autos de apreensões, laudos de constatação e depoimentos.

Além disso, há periculum libertatis, neste momento imediato aos fatos, considerando que o investigado já é suspeito da prática de mercancia ilícita de drogas, o que coloca em risco a saúde pública e, além disso, fomenta a prática de outros crimes mais graves.

Registre-se que o objetivo da manutenção da custódia cautelar, NESTE MOMENTO, visa evitar que a liberdade dos investigados, logo após os fatos, venha a ser mola precursora para a continuidade delitiva e agravamento da situação fática presenciada originariamente quanto ao narrado tráfico de drogas e seus desdobramentos, evitando-se, assim, a ocorrência de barbárie, e, justamente em razão desses fatos, resta nítido que, neste momento, nenhuma das MEDIDAS CAUTELARES, ainda que aplicadas cumulativamente, serão suficientes à paralisação dos atos criminosos praticados pelos investigados, o que se evidencia pelos desdobramentos evidenciados neste expediente.

Desta forma, considerando que o delito em exame se enquadra no inciso I do artigo 313 do CPC, e, ainda, presente o fundamento autorizador da garantia da ordem pública, e uma vez ineficazes, neste momento, a aplicação das medidas cautelares diversas da prisão, ainda que cumulativamente aplicadas, mister a conversão da prisão em flagrante em prisão preventiva do investigado PAULO JÚNIOR MENDES LEITE.


Segundo NUCCI, a garantia da ordem pública, “trata-se da hipótese de interpretação mais extensa na avaliação da necessidade da prisão preventiva. Na visão de ROGÉRIO SCHIETTI CRUZ, ‘inafastável, cremos, a conclusão de que o legislador pátrio foi muito infeliz ao escolher essa vaga expressão ‘garantia da ordem pública’ para autorizar a prisão preventiva do investigado ou do acusado no processo penal. Mais infeliz ainda foi o reformador de 2011 ao nada inovar quanto a isso, mantendo a mesma redação dada ao artigo 312 do CPP pelo Código de 1941’ (Prisão cautelar, p. 261-262). Entende-se pela expressão a necessidade de se manter a ordem na sociedade, que, como regra, é abalada pela prática de um delito. Se este for grave, de particular repercussão, com reflexos negativos e traumáticos na vida de muitos, propiciando àqueles que tomam conhecimento da sua realização um forte sentimento de impunidade e de insegurança, cabe ao Judiciário determinar o recolhimento do agente.” (in Código de Processo Penal Comentado – 20ª ed. – Forense – pp. 693/694 – destaquei).

Quanto à conveniência da instrução criminal:

“(...) trata-se do motivo resultante da garantia de existência do devido processo legal, no seu aspecto procedimental. A conveniência de todo processo é realização da instrução criminal de maneira lisa, equilibrada e imparcial, na busca da verdade real, interesse maior não somente da acusação, mas, sobretudo, do réu. Diante disso, abalos provocados pela atuação do acusado, visando à perturbação do desenvolvimento da instrução criminal, que compreende a colheita de provas de uma modo geral, é motivo a ensejar a prisão preventiva” (ob cit., p. 703)

O fundamento da garantia de aplicação da lei penal, por sua vez: “(...) significa garantir a finalidade útil do processo penal, que é

proporcionar ao Estado o exercício do seu direito de punir, aplicando a

sanção devida a quem é considerado autor de infração penal. Não tem

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HC 224500 / MG

sentido o ajuizamento da ação penal, buscando respeitar o devido processo legal para a aplicação da lei penal ao caso concreto, se o réu age contra esse propósito, tendo, nitidamente, a intenção de frustrar o respeito ao ordenamento jurídico.” (ob cit p. 705).

Como se vê, as circunstâncias narradas no decreto prisional ora impugnado, não demonstram a real e concreta necessidade da medida cautelar (como garantia da ordem pública ou econômica, por conveniência da instrução criminal ou para assegurar a aplicação da lei penal), de modo que a sua decretação carece de fundamentação idônea.

Destaque-se, que este Supremo Tribunal Federal, em precedentes de ambas as Turmas, tem reconhecido a inidoneidade da segregação cautelar fundada na gravidade abstrata do delito ou quando ausente a indicação de elementos concretos aptos a justificar a necessidade da prisão preventiva. Ilustram esse entendimento os seguintes acórdãos: HC 192.994 AgR, ministro Ricardo Lewandowski; HC 200.674 AgR, ministro Edson Fachin; HC 204.213 AgR, ministro Roberto Barroso e HC 207.170 AgR, ministro Gilmar Mendes, cuja ementa transcrevo:

Penal e processual penal. Habeas corpus. Prisão preventiva. Necessidade de fundamentação em elementos concretos. A liberdade de um indivíduo suspeito da prática de infração penal somente pode sofrer restrições se houver decisão judicial devidamente fundamentada, amparada em fatos concretos e não apenas em hipóteses ou conjecturas, na gravidade abstrata do crime ou em razão de seu caráter hediondo. Agravo provido. (grifei)

Ainda, conforme exposto pela autoridade policial ao não ratificar a prisão em flagrante do ora paciente (eDoc 4, fl. 3):

Isso porque a quantidade e a natureza da substância entorpecente apreendida na posse do conduzido não

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HC 224500 / MG

evidencia que se destinava à mercancia. Entretanto, não se pode rechaçar essa possibilidade, uma vez que os militares, cujas declarações gozam de presunção de legitimidade e veracidade, obtiveram a informação de que o conduzido estaria comercializando substâncias entorpecentes em município vizinho.

Quanto à conduta e os antecedentes, em análise à FAC do conduzido, extrai-se que ele não possui qualquer registro policial/judicial.

Ante o exposto, nessa fase de cognição sumária não é possível afirmar tratar-se de uso/consumo ou de traficância de substâncias entorpecentes, sendo necessária investigação para a colheita de mais elementos informativos a elucidar tal circunstância.

Ademais, tenho para mim, que a pequena quantidade de droga apreendida nos presentes autos (49,64g de maconha em porção única) não é fundamento apto, por si só, a evidenciar a gravidade concreta da conduta, possibilitando, desse modo, a substituição da prisão preventiva por medidas alternativas.

Cito, em casos fronteiriços, os seguintes precedentes:

PROCESSUAL PENAL. TRÁFICO DE PEQUENA QUANTIDADE DE DROGA. ILEGALIDADE DA PRISÃO PREVENTIVA. ORDEM CONCEDIDA DE OFÍCIO.

    1. A prisão preventiva de jovem com 27 anos de idade, primário, pelo tráfico de pequena quantidade de entorpecentes (104,72g de cocaína) produz um efeito ruim sobre a sociedade de uma maneira geral, configurando medida contraproducente do ponto de vista de política criminal.
    2. Situação que atrai a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal no sentido de que a prisão cautelar exige a demonstração, empiricamente motivada, dos requisitos previstos no art. 3122 2 do Código de Processo Penal l l. Precedentes.

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    1. Agravo regimental a que se nega provimento. ( HC 176.305 AgR, ministro Roberto Barroso – grifei)

HABEAS CORPUS. PROCESSUAL PENAL. TRÁFICO DE ENTORPECENTES. PRISÃO PREVENTIVA. APREENSÃO DE PEQUENA QUANTIDADE DE ENTORPECENTES. POSSIBILIDADE DE SUBSTITUIÇÃO DA CUSTÓDIA PREVENTIVA POR MEDIDAS CAUTELARES MENOS GRAVOSAS. INDEFERIMENTO DE MEDIDA LIMINAR NO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA: SÚMULA N. 691 DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. HABEAS CORPUS AO QUAL SE NEGA SEGUIMENTO. CONCESSÃO DA ORDEM DE OFÍCIO.

( HC 197.482, ministra Cármen Lúcia – grifei)

De outro lado, há diversos precedentes do Supremo no sentido de ser a prisão cautelar medida de ultima ratio ( Inq 3.842 AgR-segundo- AgR, ministro Dias Toffoli; HC 183.563 AgR, ministro Roberto Barroso; Rcl 41.387 ED-AgR, ministro Ricardo Lewandowski), ainda mais quando as cautelares diversas são, aparentemente, medidas suficientes e adequadas para afastar eventual perigo gerado com o estado de liberdade do paciente, uma vez que o crime a ele imputado foi cometido sem emprego de violência ou grave ameaça.

Cito, a título de exemplo, parte da ementa formalizada no HC

187.505 AgR, ministro Edson Fachin:

  1. Em tema de medidas cautelares previstas na legislação processual penal, emergem os pressupostos da necessidade (art. 282, I, do CPP) e da adequação (art. 282, II, do CPP). Presentes os indícios de autoria, prova da materialidade delitiva e a indispensabilidade de se preservar a ordem pública, garantir a aplicação da lei penal ou a conveniência da instrução, é a análise da adequação que guiará o magistrado a decidir, dentre todas, a mais apropriada à preservação desses valores. Por

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critério de proporcionalidade, as medidas alternativas à prisão, quando suficientes ao escopo processual, precedem àquelas mais severas.

(Grifei)

Na mesma linha de entendimento foi a alteração legislativa promovida pela Lei n. 13.964, de 24 de dezembro de 2019 (“Pacote Anticrime”), no art. 282, § 6º, do Código de Processo Penal, que assim passou a dispor:

Art. 282. [...]

[...]

§ 6º A prisão preventiva somente será determinada quando não for cabível a sua substituição por outra medida cautelar, observado o art. 319 deste Código, e o não cabimento da substituição por outra medida cautelar deverá ser justificado de forma fundamentada nos elementos presentes do caso concreto, de forma individualizada.

Tal ótica, a indicar a adequação e suficiência da imposição das medidas cautelares diversas da prisão, sobretudo ante a nova previsão legal ( CPP, art. 282, § 6º), também é observada pela jurisprudência deste Tribunal. Vejamos:

A jurisprudência do STF é no sentido de que a prisão preventiva é a ultima ratio, a derradeira medida a que se deve recorrer, e somente poderá ser imposta se as outras medidas cautelares dela diversas não se mostrarem adequadas ou suficientes para a contenção do periculum libertatis (art. 282, § 6º, CPP).

( HC 175.361, ministro Roberto Barroso)

Desse modo, vislumbro a ocorrência de ilegalidade na prisão preventiva do ora paciente, eis que ausente fundamentação idônea para sua manutenção.

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  1. Em face do exposto, não conheço deste habeas corpus, mas, nos termos da medida liminar anteriormente deferida, concedo a ordem de ofício, para revogar a prisão preventiva imposta ao ora paciente, facultando ao Juízo da Vara Criminal e da Infância e da Juventude da Comarca de Curvelo/MG (Processo nº 5000523-39.2023.8.13.0209/MG) a imposição de medidas cautelares diversas da prisão (art. 319 do Código de Processo Penal).
  2. Intime-se. Publique-se. Comunique-se.

Brasília, 2 de março de 2023.

Ministro NUNES MARQUES Relator

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