Função Social da Propriedade Privada - Taciana Trevisoli Panagio
Como citar este artigo: PANAGIO, Taciana Trevisoli. Função Social da Propriedade Privada. Disponível em http://www.lfg.com.br 6 agosto. 2008.
A Revolução Francesa, baseada no lema liberdade, igualdade e fraternidade, trouxe a burguesia ao poder, consagrando o Estado Liberal e o individualismo. Assim, havia a plena independência na esfera privada, pois todos os indivíduos eram tidos pela ordem jurídica como iguais (igualdade formal), não sendo levadas em conta as desigualdades de fato.
Essa noção de plena autonomia se refletiu no direito privado do século XIX graças às influências do individualismo, da liberdade contratual e do direito de propriedade, enquanto direito absoluto.
Ocorre que, ao longo do século XIX avolumaram-se os problemas sociais e o Estado Liberal começou a entrar em crise, surgindo uma reação à prática irrestrita da liberdade e a modificação dos referenciais do Estado.
Dessa feita, no século XX, surgiu o Estado Social ou do bem-estar social, cuja influência foi identificada, pela primeira vez, na Constituição Mexicana de 1.917 e, posteriormente, na Alemã, em 1.919. Este novo referencial alterou também a concepção do direito de propriedade, passando a se reconhecer a existência de deveres do proprietário em relação à sociedade.
Há divergências quanto à origem do princípio da função social da propriedade. Sustentam alguns que tal princípio foi formulado por Augusto Comte e postulado por Leon Duguit.
Para Duguit, a propriedade deixou de ser somente um direito subjetivo do indivíduo para se converter em função social, pois implica ao seu detentor a obrigação de empregá-la para o crescimento da riqueza social e para a interdependência social.
No Brasil, desde a Constituição de 1.934, salvo a de 1.937, já existia, no plano constitucional, a noção de que a propriedade deveria atender sua função social. Entretanto, somente na Constituição de 1.988 houve a diferenciação entre o regime social da propriedade urbana e da propriedade rural.
É importante salientar que a propriedade continua sendo assegurada como direito fundamental (art. 5º , XXII , CF), desde que observada sua função social (art. 5º , XXIII , CF). Portanto, atualmente a propriedade apresenta caráter dúplice, servindo ao indivíduo e às necessidades sociais. Ademais, a imposição do cumprimento da função social da propriedade pode não coincidir com o interesse de seu proprietário, mas deve que deve ser obedecida.
Nesse sentido, o Código Civil proclama em seu artigo 1.228 , § 1º , que "o direito de propriedade deve ser exercido em consonância com as suas finalidades econômicas e sociais e de modo que sejam preservados, de conformidade com o estabelecido em lei especial, a flora, a fauna, as belezas naturais, o equilíbrio ecológico e o patrimônio histórico e artístico, bem como evitada a poluição do ar e das águas".
A função social da propriedade privada urbana vem delineada nos artigos 5º , incisos XXII e XXIII , 182 e 183 , da Lei Fundamental, bem como no Estatuto da Cidade e no plano diretor municipal.
A Constituição Federal estabelece, em seu artigo 182 , § 2º , que a propriedade urbana cumpre sua função social quando atende às exigências fundamentais de ordenação da cidade expressas no plano diretor, sendo passível de fiscalização para apurar o adequado uso daquela, de acordo com o artigo 182 , § 4º , in verbis:
"Art. 182. § 4º - E facultado ao Poder Público municipal, mediante lei específica, para área incluída no plano diretor, exigir, nos termos da lei federal, do proprietário do solo urbano não edificado, subutilizado ou não utilizado, que promova o seu adequado aproveitamento, sob pena, sucessivamente, de: I - parcelamento ou edificação compulsórios;
II - imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana progressivo no tempo; III - desapropriação com pagamento mediante títulos da dívida pública de emissão previamente aprovada pelo Senado Federal, com prazo de resgate em até 10 anos, em parcelas anuais, iguais e sucessivas, assegurados o valor real da indenização e os juros legais. "
Nessa linha, o Estatuto da Cidade prevê, dentre outros instrumentos para assegurar a observância da função social da propriedade, o parcelamento, a edificação ou a utilização compulsórios; o IPTU progressivo no tempo; a desapropriação com pagamentos em títulos da dívida pública; e a usucapião especial de imóvel urbano aplicável à aquele que possuir área ou edificação urbana de até 250m², por cinco anos, ininterruptamente e sem oposição, utilizando-a para a sua moradia ou de sua família, desde que não seja proprietário de outro imóvel urbano ou rural.
A função social da propriedade rural, por seu tuno, vem delineada nos artigos 5º , incisos XXII e XXIII e 186 , da Constituição Federal . A propriedade rural terá cumprido com esta obrigação quando, simultaneamente, tiver aproveitamento racional e adequado, utilizar adequadamente os recursos naturais, preservar o meio ambiente, observar as disposições de regulamentação do trabalho e tiver exploração que favoreça o bem-estar do proprietário e dos trabalhadores. Ressalte-se que, cabe à lei estabelecer os graus de exigência desses critérios constitucionais. Prevê, ainda, a Constituição Federal , no artigo 184 , que a União poderá desapropriar por interesse social, para fins de reforma agrária, o imóvel rural que não cumpra a sua função social.
Por fim, inspirado no sentido social do direito de propriedade, o vigente Código Civil criou em seu artigo 1.228 , §§ 4º e 5º , uma espécie de desapropriação com base na "posse-trabalho", denominada pela doutrina de "desapropriação judicial", na qual o juiz poderá acolher a defesa dos réus, em ação dominial ajuizada pelo proprietário, na hipótese de o imóvel reivindicado consistir em extensa área, com posse ininterrupta e de boa-fé, por mais de cinco anos, de considerável número de pessoas, e estas nela houverem realizado, em conjunto ou separadamente, obras e serviços considerados pelo juiz de interesse social e econômico relevante. Neste caso, o juiz fixará na sentença a justa indenização a ser paga pelos réus ao proprietário e a sentença valerá como título perante o registro de imóveis em nome dos possuidores, que se tornarão proprietários. Referido dispositivo deixa claro o direito de propriedade exercido em desacordo com a função social não é tutelado por nosso ordenamento jurídico.
Face ao exposto, conclui-se que a Constituição Federal garante o direito de propriedade, porém, condiciona tal garantia à observância, pelo proprietário, da função social da propriedade. No que atine à propriedade urbana, esta cumprirá sua função social ao satisfazer as exigências fundamentais de ordenação da cidade expressas no plano diretor; já a propriedade rural cumprirá sua função social quando, nos termos da lei, tiver aproveitamento racional e adequado, utilizar adequadamente os recursos naturais, preservar o meio ambiente, observar as disposições de regulamentação do trabalho e tiver exploração que favoreça o bem-estar do proprietário e dos trabalhadores.
Bibliografia:
ALVIM, Arruda. Revista Autônoma de Direito Privado.
GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro. Editora Saraiva. São Paulo. 2006. vol V.
NERY JUNIOR, Nelson. Código Civil Comentado , 6ª ed. Editora Revista dos Tribunais. São Paulo. 2008.
TAVARES, André Ramos. Curso de Direito Constitucional. 6ª ed. Editora Saraiva. São Paulo. 2008.
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