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20 de Junho de 2024
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    Novo CPC: superego mais severo ou melhor qualificado? Freud explica?

    Publicado por Justificando
    há 9 anos

    O que Sigmund Freud e sua descoberta do Superego como instância psíquica poderiam ter a ver com o novo Código de Processo Civil (novo CPC)? Será que Freud explicaria algo sobre o novo códice?

    A tentativa, neste sucinto artigo, se dá no sentido de refletir, a partir desse conceito psicanalítico e das sanções processuais eleitas, sobre os novos sentidos a serem trilhados pelo processo.

    Em breve síntese, Freud ensinou que o papel do Superego[1] seria o de um verdadeiro juiz do próprio eu: aquilo que intervém e interdita[2], tendo, ao seu favor, o medo (receio) da castração.

    A castração seria uma punição, uma literal sanção - tendo o caráter predominantemente penitencial (sem abrir mão de carga também coercitiva) -, a partir da culpa decorrente de uma conduta não observada (o que aqui se denomina ideal de conduta).

    As normas jurídicas em geral, da mesma forma como a estruturação psíquica proposta por Freud, carregariam um ideal de conduta, com a consequente sanção decorrente do seu não cumprimento[3]. Esta sanção consistiria em uma medida jurídico repressiva[4] que abrangeria desde a declaração da invalidade de atos até a condenação de um sujeito processual[5]. Nessa linha, a Lei possuiria, dentre outras, a função de Superego... um Superego Social[6].

    Se abordarmos mais especificamente o instituto do processo civil (representado principalmente pelo CPC), este teria, dentre outras finalidades, também a de ocupar o papel de um Superego Social que castra, ou que causa temor pelo receio da castração (arriscar-se-ia dizer que essa posição de Superego é natural e condicionante do funcionamento do próprio sistema jurisdicional).

    Nesse sentido, no atual CPC, é possível ver, se observadas algumas das principais normas de conduta lá previstas[7], reflexos desse Superego pela aplicação de sanções que visam evitar (e, ao mesmo tempo punir) aqueles atos praticados em desacordo com a conduta almejada pela boa-fé e pela probidade processual.

    Da mesma forma, ainda a título de sanção, nota-se a ocorrência desse Superego quando da declaração de invalidade de atos processuais pela não observância da “forma prevista” para sua realização – principalmente quando se trata de atos processuais destinados aos tribunais superiores.

    Pois bem. E no novo CPC, se comparado com a atual sistemática? Como se deu a estruturação desse Superego Social? É possível classificá-lo como mais castrador, ou melhor dizendo, mais severo?

    É importante ressaltar que uma das bases do “Novo Código de Processo Civil” consiste na necessária efetividade do ordenamento jurídico – efetividade como a obtenção dos resultados almejados pela atuação do Estado-juiz[8].

    E, como consequência disso, é a necessidade do efetivo controle das condutas das partes – e daqueles que, de alguma forma, participam do processo -, haja vista que o modo pelo qual elas agem influencia, diretamente, o grau da própria efetividade.

    Nesse ponto, e, em uma sumária análise, aparentaria ter o novo código exponenciado a atuação de seu Superego. Senão, vejamos:

    No que diz respeito à litigância de má-fé, novidades, dentre outras, podem ser notadas no que se refere à elevação da multa aplicada – mínimo não inferior a 1% (um por cento), e máximo de 10% (dez por cento), nos termos do novo art. 81 -, bem como na possibilidade dela ser fixada em até dez vezes o valor do salário mínimo, caso o valor da causa seja irrisório (art. 81, § 2º)[9].

    Importante alteração que deve ser destacada consiste na exclusão do limite no qual a parte poderia ser condenada, no mesmo processo, a título de indenização por litigar de má-fé (no novo CPC, art. 81, § 3º)- como se observa no atual § 2º do art. 18 do CPC, há uma limitação, em 20% do valor atribuído à causa, para o montante a ser indenizado pela litigância de má-fé, desde que não seja liquidado por arbitramento[10].

    Com a alteração da norma, constata-se que não existe mais essa limitação da indenização do dano, dentro do próprio processo em que se praticou o ato de má-fé processual. O Magistrado, desde que seja possível mensurar o quantum debeatur, poderá condenar o improbus litigator na extensão dos danos por ele gerados.

    No que diz respeito à conduta atentatória à dignidade da justiça, importante inovação refere-se a não mais estar prevista a possibilidade do juiz relevar a pena aplicada, mesmo que o devedor se comprometa a não mais praticar qualquer das condutas previstas no referido artigo (CPC atual, § 1º do art. 601).

    Por fim, é importante ressaltar que o artigo 334, § 8º do novo CPC prevê a possibilidade das partes serem apenadas por conduta atentatória à dignidade da justiça, caso o não comparecimento não seja justificado – “O não comparecimento injustificado do autor ou do réu à audiência de conciliação é considerado ato atentatório à dignidade da justiça e será sancionado com multa de até dois por cento da vantagem econômica pretendida ou do valor da causa, revertida em favor da União ou do Estado”.

    Além dessas alterações, nota-se que o novo código prevê a aplicação de um elevado número de outras multas, sejam inéditas ou não ao diploma[11].

    Todavia, concluir que o novo CPC tenha um Superego mais severo talvez não seja a melhor conclusão a que se deva chegar. Não bastaria o aumento da carga das penas – ou, ainda, a inserção de alguma outra hipótese de punição inédita – para chegar a tal conclusão, uma vez que, no novo diploma houve, de uma forma geral, a diminuição das espécies de sanção, principalmente aquelas que se relacionam à forma como os atos processuais devem ser praticados.

    Nesse sentido, faz-se necessário observar que em muitos pontos, o novo CPC prega um verdadeiro ‘desapego’ à forma – ou a um formalismo
    exacerbado -, visando o resultado final que se busca no processo como acima apontado.

    Nessa linha, podem ser citadas as inovações propostas, como, por exemplo, a possibilidade de se conceder a parte oportunidade para se corrigir vício antes do processo ser extinto sem a resolução de mérito (novo CPC, art. 317), eventual equívoco no preenchimento de guia de custas na interposição de recursos (novo CPC, art. 1.007, § 7º), possibilidade da juntada de peça essencial no agravo de instrumento (novo CPC, art. 1.017, § 3º), ou ainda, naquelas casos já conhecidos por muitos como jurisprudência defensiva dos tribunais superiores, restou previsto no novo CPC a possibilidade da correção de vícios dos recursos excepcionais, bem como a fungibilidade entre os mesmos (novo CPC, arts. 1.029, § 3º, 1.032, e 1.033).

    Por assim ser, a reflexão que aqui se provoca é no sentido de que o ‘Superego do Processo’ (no caso, o novo CPC), por mais que não se tenha reduzido as cargas quantitativas das penas, tornou-se mais focado no real ideal de conduta que não é aquele de ser um fim em si mesmo.

    Nesse ponto, talvez, a proposta de ser do Superego do novo CPC seja menos severo e mais seletivo - porque não dizer melhor qualificado? -, desapegado de certas resistências, respeitando valores e princípios, e, também, um mínimo básico da própria forma, sem perder de vista o seu real FIM.

    Rodrigo D'Orio Dantas é Psicanalista formado pelo Centro de Estudos Psicanalíticos de São Paulo (CEP-SP). Advogado, mestre em Direito Processual Civil pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, pós-graduado lato sensu em Direito Processual Civil na mesma universidade.
    REFERÊNCIAS [1] Freud introduz na psicanálise o conceito de Superego em “O Ego e o Id”, que é por ele melhor conceituado em “O Mal Estar na Civilização”. [2] Considerando o superego uma introjeção da lei paterna, ou seja, da autoridade do pai, que intervém e permite a formação do sujeito. [3] Em sentido similar, Hans Kelsen, Teoria Pura do Direito. [4] Carnelutti, Francesco. Sistema de direito processual civil. Vol. I, p. 70/71. [5] Shimura, Sérgio. O princípio da menor gravosidade ao executado. In: Execução civil e cumprimento de sentença Vol. 2. Bruschi, Gilberto Gomes; Shimura, Sérgio (Coord.). SP:Método, 2007, p. 531. [6] "Justiz as gesellschaftli-Über-Ich — Zur Funktion von rechsprechung in de 'va- terlosen Gesellschaft'". In:Faulstich, Werner e Grimm, Gunter E. (orgs.). Stürzt der Götter? Frankfurt/M.: Suhrkamp, 1989. E ainda: http://www.revistadoutrina.trf4.jus.br/index.htm?http://www.revistadoutrina.trf4.jus.br/artigos/edicao006/antonio_cabral.htm [7] Embaraço ao exercício da jurisdição, litigância de má-fé, atos atentatórios à dignidade da justiça, dentre outros. [8] Acesso a uma ordem jurídica justa, com a pacificação social, dentro do menor prazo possível. [9] No mesmo sentido, nos atos de embaraço ao exercício da jurisdição, também será possível a penalização do sujeito de má-fé em até 10 vezes o valor do salário mínimo no caso de causas com o valor irrisório (§ 5º, art. 77). [10] A interpretação que se dá a tal dispositivo é a de que a referida limitação refere-se ao montante máximo que poderá atingir a condenação, nos próprios autos, uma vez que, nos termos do artigo 16 e da sistemática de reparação civil do ordenamento pátrio, seria ilógico limitar-se, literalmente, a reparabilidade de um dano. Caso a indenização supere o patamar estipulado no dispositivo, haverá a impossibilidade de haver a condenação nos próprios autos, declarando o magistrado o “an debeatur” e remetendo a apuração do “quantun debeatur” para a liquidação. [11] Principais multas previstas no novo CPC, além das descritas no texto: embaraço ao exercício da jurisdição (§ 2º, art. 77); má-fé no requerimento do benefício da justiça gratuita (parágrafo único, art. 100); lançar nos autos cotas marginais ou interlineares (art. 202); Advogado, Ministério Público, Defensoria, ou Advocacia Pública que, mesmo intimados, não devolvem os autos (§ 2º, art. 234); parte que fizer requerimento citação por edital a partir de alegações dolosas para a sua permissão (art. 258); tutela de evidência (inc. III, art. 311); terceiro que se negar a exibição de coisa que esteja em seu poder (parágrafo único, art. 380 cc. parágrafo único do art. 403); perito que deixar de o encargo no prazo que lhe for assinado (§ 1º, art. 468); cumprimento voluntário da sentença (§ 1º do art. 523); medidas de apoio (§ 1º, do art. 536); inventariante que não devolve os bens do espólio (art. 625); autor/réu de má-fé na ação monitória (§ 10º e § 11º do art. 702); nas execuções de obrigação de entrega de coisa (§ 1º, do art. 806); nas execuções de obrigação de fazer/não-fazer (art. 814); interessado em adquirir bem penhorado nos autos mas que restar inadimplente (§ 4º, art. 895); arrematante que se arrepende da arrematação (§ 2º, art. 896), ou que suscita vício infundado para poder justificar a sua desistência (§ 6º, art. 903); devedor que atrasa pagamento de parcelamento solicitado do débito exequendo (inciso II, § 5º, art. 916); ação rescisória declarada inadmissível ou improcedente (inc. II, do art. 968); agravo interno manifestamente inadmissível ou improcedente em votação unânime (§ 4º, art. 1.021); embargos de declaração manifestamente protelatórios (§ 2º, art. 1.026 e § 6º, art. 1.067).
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