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5 de Maio de 2024

STF Jun23 - Nulidade do Júri por Ferimento ao Princípio da Paridade de Armas - MP teve 27 dias de vistas, a Defesa 8.

há 8 meses

Inteiro Teor

HABEAS CORPUS 226.259 PA

RELATOR : MIN. GILMAR MENDES

DECISÃO: Trata-se de habeas corpus , com pedido de medida liminar, impetrado, pela Defensoria Pública da União em favor de XXXXXXXXXXX, contra acórdão proferido pela Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça, que negou provimento a agravo regimental nos autos do RHC 104.735 AgR/PA (eDOC 6, p. 76-81).

Transcrevo parte do relatório da decisão que indeferiu a liminar no citado recurso:

"O recorrente foi condenado, pelo Tribunal do Júri, à pena de 16 anos de reclusão, no regime inicial fechado, pela prática do delito do art. 121, § 2º, IV, do Código Penal. A defesa impetrou ordem de habeas corpus , a qual foi denegada pelo Tribunal de origem.

Nesta Corte, a defesa alega nulidade do feito a partir de: a) violação da ampla defesa e contraditório, uma vez que a Defensoria Pública teve vista dos autos por apenas 8 dias, antes do julgamento pelo Tribunal do Júri, quando o prazo seria de 10 dias; b) o Ministério Público utilizou, em plenário, como argumento de autoridade, o fato de o réu estar foragido". (eDOC 6, p. 22)

Perante o Supremo Tribunal Federal pleiteia a anulação da sessão plenária por ofensa aos princípios do contraditório e da ampla defesa, uma vez que o Ministério Público teve 27 dias para se preparar para a sessão do júri, ao passo que a Defensoria, apenas 8 dias (eDOC 1, pp. 2 e 4).

Alega também nulidade pela transgressão ao princípio da plenitude de defesa, já que o fato de o paciente estar foragido foi mencionado pela acusação como argumento de autoridade (pp. 5-6).

Requer, liminarmente, a desconstituição do acórdão questionado. No mérito, pugna pela concessão da ordem para que todos os atos processuais a partir da decisão que indeferiu o pedido de adiamento da sessão de julgamento pelo Júri sejam anulados (p. 8).

Solicitei informações (eDOC 10), as quais foram prestadas pelo Tribunal local (eDOC 13) e pelo Superior Tribunal de Justiça (eDOC 24).

A Procuradoria-Geral da República manifestou-se pelo não conhecimento do writ e, caso superada a preliminar, pela sua denegação:

"Penal e Processo Penal. Habeas corpus . Alegação de nulidade por violação ao princípio do contraditório e da ampla defesa, contrariedade ao artigo 456, § 2º e ao artigo 478, inciso II, ambos do CPP. Ausência de análise do mérito do writ pelo STJ. Óbice da Súmula 691 do STF. Tese de nulidade por inobservância de prazo da Defensoria e pela alegação, em sessão do Plenário do Júri, de estar o réu foragido como argumento de autoridade. Não demonstração de efetivo prejuízo. Parecer pelo não conhecimento do writ e, superada a preliminar, pela denegação da ordem". (eDOC 20)

Submeti o feito à consideração da Presidência para análise de eventual prevenção relativamente ao HC 166.011/PA, de relatoria do Ministro Luiz Fux, envolvendo o mesmo paciente e as mesmas alegações. (eDOC 25).

Por não entender caracterizada a prevenção, os autos retornaram a este Gabinete, à luz do art. 69, § 2º, do RISTF (eDOC 26).

É o relatório.

Decido.

Visto que o mérito da controvérsia não foi apreciado por órgão colegiado do Superior Tribunal de Justiça, seu exame por este Tribunal resultaria supressão de instância.

Turmas desta Corte firmaram jurisprudência no sentido de não conhecer dos writs extintos por decisão monocrática do STJ, por ausência de manifestação colegiada da instância inferior. Nesse sentido: HC 190.012 AgR, rel. Roberto Barroso, Primeira Turma, DJe 5.10.2020; HC 190.258 AgR, rel. Cármen Lúcia, Segunda Turma, DJe 16.10.2020.

Evidentemente, em obediência ao princípio da proteção judicial efetiva ( CF, art. , XXXV), a aplicação desse entendimento jurisprudencial pode ser afastada nas hipóteses de configuração de patente constrangimento ilegal ou abuso de poder, o que é o caso dos autos .

Na situação sob análise, em 28.5.2018, o magistrado redesignou a sessão de julgamento do Tribunal do Júri para 25.7.2018 (eDOC 2, p. 18). Em 20.7.2018, a Defensoria pediu o adiamento, pois, apenas em 17.7.2018, ou seja, 8 dias antes da data marcada para o ato, teve vista do processo (eDOC 3, p. 1).

A solicitação foi indeferida ao fundamento de que "a Defesa não comprovou prejuízo concreto causado ao réu, sendo o prazo conferido para vistas hábil para a retirada de cópias e análise do caso, que, ressalta- se, vem acompanhando desde o inicio" (eDOC 3, p. 2).

Realizado o julgamento, o paciente foi condenado a 16 anos de reclusão, em regime inicial fechado (p. 4). Na sessão, a Defensoria requereu que constasse em ata que, durante os debates, a acusação informou que o paciente estava foragido. O Parquet , em resposta, requereu que fosse consignado que tal dado já estaria presente nos autos

(p. 7). Desde então, a Defensoria vem sustentando a ocorrência dessa dupla

nulidade.

Acerca das nulidades aventadas, colho do acórdão do Tribunal de Justiça do Estado do Pará:

"In casu , inexiste manifesta ilegalidade a ser reconhecida, sobretudo porque o prazo mínimo de 10 dias para julgamento da sessão do Júri se dá apenas quando o advogado do réu faltar ao julgamento e, for necessária a intimação da Defensoria Pública para atuar no feito, ou seja, não quando a Defensoria já patrocinava o réu , na esteira do disposto no art.

456, § 2º do CPP. Ademais, o art. 478 do CPP não prevê a menção a condição de foragido como causa de nulidade . Assim, as teses aventadas pelo impetrante são matérias passíveis de análise no julgamento da Apelação Criminal, pois inexiste teratologia no ato da autoridade inquinada coatora, passível de autorizar a concessão de ofício da ordem impetrada". (eDOC 5,

p. 30) (grifei)

A Corte estadual entendeu que o prazo mínimo de 10 dias, previsto no art. 456, § 2º, do CPP, não se aplica às hipóteses em que a Defensoria Pública já estiver atuando originariamente no feito, mas apenas quando for nomeada em virtude do não comparecimento do advogado do réu à sessão do Júri. Assim, não reconheceu ilegalidade no fato de a Defensoria ter tido 8 dias de vista dos autos .

Ocorre que, diversamente, o Ministério Público teve 27 dias de vista : de 19.6. a 16.7.2018 (eDOC 1, p. 3). Patente, portanto o descompasso promovido entre as partes.

Por oportuno, cito excertos do voto que proferi no HC 108.527/PA, de minha relatoria:

"Decorre do princípio da ampla defesa a necessidade de um justo equilíbrio entre as partes envolvidas em processo judicial ou administrativo.

Esse equilíbrio (ou princípio da paridade das armas) está devidamente em harmonia com o sistema processual penal acusatório instituído pela Constituição Federal de 1988.

A isonomia entre as partes deve ser vista tanto pelo aspecto formal, como pelo material, já que não basta a mera aplicação das regras inseridas na legislação processual penal sem sua ponderação com o caso concreto. Deve o magistrado conduzir o julgamento de modo que as partes, sempre, disponham de idênticas ‘armas’ para acusar e/ou defender.

Ainda mais em casos que envolvam julgamento de tribunal do júri, onde o convencimento dos jurados (leigos) está diretamente ligado à apresentação oral da acusação e da defesa - mesmo existindo prévio conhecimento do processo por parte deles.

Assim, o conhecimento superficial do processo, em análise abstrata, certamente prejudica argumentos a serem dirigidos aos julgadores leigos do Tribunal do Júri, afetando, sobremaneira, seu livre convencimento e levando, de certa forma, a um julgamento não equânime entres as partes (acusação e defesa).

Logo, em razão dessa desigualdade entre acusação e defesa, a plenitude da defesa (‘a’, inciso XXXVIII, artigo , da CF/88), assegurada às pessoas levadas a julgamento do Tribunal do Júri, restou prejudicada". (Segunda Turma, DJe 14.5.2013) (grifei)

Na espécie, a flagrante diferença de tratamento conferido às partes ofendeu a paridade de armas e, consequentemente, a ampla defesa.

Quanto ao fato de o Ministério Público ter utilizado, em plenário, como argumento de autoridade, o fato de o réu estar foragido, assim dispõe o art. 478 do CPP:

"Art. 478. Durante os debates as partes não poderão, sob pena de nulidade, fazer referências: (Redação dada pela Lei nº 11.689, de 2008)

I - a decisão de pronúncia, às decisões posteriores que julgaram admissível a acusação ou à determinação do uso de algemas como argumento de autoridade que beneficiem ou prejudiquem o acusado; (Incluído pela Lei nº 11.689, de 2008)

II - ao silêncio do acusado ou à ausência de interrogatório por falta de requerimento, em seu prejuízo. (Incluído pela Lei nº 11.689, de 2008)" (grifei)

A jurisprudência desta Corte é no sentido de que o rol constante do art. 478 do CPP é taxativo. Confiram-se alguns precedentes:

"AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ORDINÁRIO

EM HABEAS CORPUS . PROCESSUAL PENAL. HOMICÍDIO QUALIFICADO TENTADO. ALEGADA AFRONTA AO ART. 478 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL . INOCORRÊNCIA. PREJUÍZO NÃO DEMONSTRADO. ROL TAXATIVO. AUSÊNCIA DE ILEGALIDADE. AGRAVO REGIMENTAL AO QUAL SE NEGA PROVIMENTO" (RHC 213.075 AgR/SC, Primeira Turma, Rel. Min. Cármen Lúcia, DJe 25.5.2022). (grifei)

"HABEAS CORPUS. WRIT SUBSTITUTIVO DE RECURSO ORDINÁRIO. ADMISSIBILIDADE. PENAL. HOMICÍDIO. TRÂNSITO EM JULGADO DA CONDENAÇÃO. ART. 478 DO CPP. ROL TAXATIVO . PRECLUSÃO. DECISÃO CONTRÁRIA A PROVA DOS AUTOS, QUESTÃO QUE NÃO COMPORTA ANÁLISE EM HABEAS CORPUS . PENA CORRETAMENTE FIXADA. ORDEM DENEGADA. I - A Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal habeas corpus impetrado em substituição a recurso ordinário. Precedentes. II - As nulidades devem ser arguidas em momento oportuno, conforme dispõe o art. 571 do Código de Processo Penal. III - As partes poderão fazer a leitura de documento juntados aos autos durante o julgamento plenário no Tribunal do Júri, desde que observem o disposto nos arts. 478 e 479 do CPP. IV - Para se chegar à conclusão de que o julgamento proferido pelo Tribunal do Júri é contrário à prova dos autos, imprescindível sua valoração, o que não é possível em sede de habeas corpus . V - A dosimetria está em harmonia com o que determina o art. 59 do Código Penal. Ademais, não é arbitrária ou teratológica a permitir que o Supremo possa alterá-la. VI - Ordem denegada" ( HC 137.182, Segunda Turma, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, DJe 25.10.2016). (grifei)

Incabível, portanto, a ampliação das hipóteses legais para nelas incluir a ausência do réu à sessão de julgamento pelo Júri em decorrência de sua fuga. Ademais, não é possível inferir, pelo teor do que registrado na ata de julgamento, se houve a adoção de argumento de autoridade em prejuízo do paciente.

Saliento que "as alegações de nulidade em decorrência do descumprimento das normas contidas no art. 478 do Código de Processo Penal devem ser interpretadas com prudência e rigor, exigindo-se a comprovação de prejuízo à defesa" ( RHC 213.705 AgR/SC, Primeira Turma, Rel. Min. Cármen Lúcia, DJ 23.5.2022). Nessa mesma linha: RHC 118.006, Primeira Turma, Rel. Min. Dias Toffoli, DJe 7.4.215; HC 133.106 AgR/MA, Primeira Turma, Rel. Min. Rosa Weber, DJe 17.9.2018 ; HC 193.640/PE, Monocrática, Rel. Min. Rosa Weber, DJe 26.4.2021).

Nos estreitos limites cognitivos do habeas corpus , inviável o revolvimento do contexto fático-probatório.

Ante o exposto, concedo, em parte, a ordem para declarar nulo o julgamento do Tribunal do Júri realizado em 25.7.2018 .

Comuniquem-se ao Juízo de origem e ao Tribunal de Justiça do Estado do Pará.

Publique-se.

Brasília, 19 de junho de 2023.

Ministro GILMAR MENDES

Relator

Documento assinado digitalmente

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(STF - HC: 226259 PA, Relator: GILMAR MENDES, Data de Julgamento: 19/06/2023, Data de Publicação: PROCESSO ELETRÔNICO DJe-s/n DIVULG 19/06/2023 PUBLIC 20/06/2023)

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