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3 de Maio de 2024

STF Out22 - Julgamentos sobre Acordo de não Persecução Penal e Retroatividade - ANPP

ano passado

Inteiro Teor

HABEAS CORPUS 215.539 SÃO PAULO

RELATOR : MIN. RICARDO LEWANDOWSKI

PACTE.(S) : MARCO ANTONIO SARTI

IMPTE.(S) : DEFENSORIA PÚBLICA DA UNIÃO

ADV.(A/S) : DEFENSOR PÚBLICO-GERAL FEDERAL

COATOR (A/S)(ES) : SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

Trata-se de habeas corpus com pedido de liminar impetrado pela Defensoria Pública da União - DPU, em favor de Marco Antonio Sarti, contra decisão da Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça que negou provimento ao Agravo Regimental no REsp 1.989.070/SP (documento eletrônico 14).

A impetrante alega, em síntese, que

"[o] novel instituto inserido no art. 28-A, do CPP, pela Lei nº 13.964, de 24 de dezembro de 2019, Acordo de Não Persecução Penal, surgiu como medida despenalizadora, que permite afastar a incidência de sanção penal se preenchidos os requisitos previstos mediante o cumprimento de determinadas medidas.

Para que seja ofertado pelo parquet, a lei exige que: a) não seja caso de arquivamento; b) o agente confesse o crime; c) a pena em abstrato seja inferior a 4 anos; d) não seja praticado crime doloso mediante violência ou grave ameaça; e) não seja crime de violência doméstica; f) não seja reincidente; g) não seja cabível a transação penal; h) o agente não possua antecedentes que denotem conduta criminosa habitual; e i) não ter sido beneficiado nos últimos 5 anos com o acordo de não persecução penal, transação penal ou sursis processual.

Sendo que deve comportar, isolada ou cumulativamente, as seguintes condições: reparação do dano, salvo impossibilidade; renúncia a determinados bens relacionados ao delito; prestação de serviços à comunidade; e/ou prestação pecuniária.

Pois bem, inicialmente destacamos que a [sic] paciente

preenche os presentes requisitos objetivos, o que possibilita o oferecimento do acordo, pois trata-se de crime cuja pena mínima é inferior a 4 anos; não há reincidência; não há elementos que indiquem conduta criminal habitual, reiterada ou habitual; tampouco há notícias de que tenha sido beneficiada [sic] por transação penal ou suspensão condicional do processo.

[...]

Cumpre, ainda, registrar que a questão da aplicação retroativa do Acordo de Não Persecução Penal (ANPP) encontra-se afetada ao Plenário desse Supremo Tribunal Federal, nos autos do HC 185.913/DF, de relatoria do Ministro Gilmar Mendes, oportunidade em que essa Corte examinará as seguintes questões:"a) O ANPP pode ser oferecido em processos já em curso quando do surgimento da Lei 13.964/19? Qual é a natureza da norma inserida no art. 28-A do CPP? É possível a sua aplicação retroativa em benefício do imputado?

b) É potencialmente cabível o oferecimento do ANPP mesmo em casos nos quais o imputado não tenha confessado anteriormente, durante a investigação ou o processo?", existindo, inclusive, decisões já deferindo liminar para suspender a execução da pena imposta a réus, bem como o respectivo prazo prescricional, até o julgamento de mérito do referido habeas corpus, a exemplo do Habeas Corpus 211360, Rel. Ministro Ricardo Lewandowski, julgado em 20 de janeiro de 2022" (págs. 4-10 do documento eletrônico 1).

Ao final, requer

"seja concedido o pedido liminar, a fim de suspender o andamento processual até o julgamento final do presente pedido de habeas corpus.

No mérito, requer a defesa a concessão da ordem do habeas corpus em favor de MARCO ANTONIO SARTI para determinar a remessa dos autos ao juízo de origem para a verificação de eventual possibilidade de oferecimento de proposta de Acordo de Não Persecução Penal pelo MPF em seu benefício.

Pugna ainda pela intimação pessoal do Defensor Público- Geral da União da sessão de julgamento da presente ordem" (pág. 11 do documento eletrônico 1).

É o relatório necessário. Decido.

Registre-se, inicialmente, que, embora o presente writ tenha sido impetrado em substituição a recurso extraordinário, não oponho óbice ao seu conhecimento, na linha do que tem decidido a Segunda Turma deste Supremo Tribunal. Nesse sentido, cito os seguintes precedentes: HC 126.791-ED/RJ, HC 126.614/SP e HC 126.808-AgR/PA, todos da relatoria do Ministro Dias Toffoli.

Anote-se, também, que o art. 192 do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal faculta ao relator denegar ou conceder a ordem de habeas corpus , ainda que de ofício, quando a matéria for objeto de jurisprudência consolidada neste Supremo Tribunal.

Por esses motivos, passo ao exame desta impetração.

Discute-se, nos presentes autos, a retroatividade do Acordo de Não Persecução Penal (ANPP), constante do art. 28-A do Código de Processo Penal - CPP, inserido pela Lei 13.964/2019.

Quanto ao tema, destaco que o Ministro Gilmar Mendes afetou ao Plenário, nos termos do art. 22, parágrafo único, b , do Regimento Interno do STF - RISTF, o julgamento do HC 185.913/DF, fundado na "[...] potencial ocorrência de tal debate em número expressivo de processos e a potencial divergência jurisprudencial, o que destaca a necessidade de resguardar a segurança jurídica e a previsibilidade das situações processuais, sempre em respeito aos direitos fundamentais e em conformidade com a Constituição Federal".

O relator delimitou, naqueles autos, as seguintes "questões- problemas":

"a) O ANPP pode ser oferecido em processos já em curso quando do surgimento da Lei 13.964/19? Qual é a natureza da norma inserida no art. 28-A do CPP? É possível a sua aplicação retroativa em benefício do imputado?

b) É potencialmente cabível o oferecimento do ANPP mesmo em casos nos quais o imputado não tenha confessado anteriormente, durante a investigação ou do processo?"

Aquele writ , desde então, aguarda o julgamento pelo Colegiado maior.

Ressalto, contudo, que a Primeira Turma desta Suprema Corte tem se orientado no sentido de que "[...] o acordo de não persecução penal (ANPP) aplica-se a fatos ocorridos antes da Lei nº 13.964/2019, desde que não recebida a denúncia" ( HC 191.464-AgR, Rel. Min. Roberto Barroso, Primeira Turma).

Como é de conhecimento geral, a Lei 13.964/2019, cunhada de "Pacote Anticrime" e em vigência desde 23/1/2020, introduziu fecundas mudanças na legislação processual, dentre elas a inclusão do art. 28-A no Código de Processo Penal, que trata do referido Acordo de Não Persecução Penal.

Cuida-se, a toda evidência, de instrumento consensual híbrido, qualificado como negócio jurídico extrajudicial singular firmado entre o investigado, assistido por seu defensor, e o órgão do Ministério Público. Sim, porque as partes ajustam cláusulas negociais a serem cumpridas pelo contratante, de modo que, em contrapartida, ficará esvaziada a pretensão estatal, por meio da decretação da extinção da punibilidade (art. 28-A, § 13º, do CPP), após o cumprimento daquelas condições.

Ademais, a legislação processual vigente discriminou, de forma exaustiva, as hipóteses em que a justiça penal negociada não poderá ocorrer, ou seja, indicou expressamente as situações de impedimento ao ANPP, conforme previsão tipificada no art. 28-A, § 2º, do CPP.

Quanto à possibilidade de retroação do ANPP, reconhecidamente norma processual penal mais benéfica, lembro que ao julgar o HC 180.421/SP, a Segunda Turma desta Suprema Corte decidiu que "[a] expressão ‘lei penal’ contida no art. , inciso XL, da Constituição Federal é de ser interpretada como gênero, de maneira a abranger tanto leis penais em sentido estrito quanto leis penais processuais que disciplinam o exercício da pretensão punitiva do Estado ou que interferem diretamente no status libertatis do indivíduo". Concluindo que "[o] § 5º do art. 171 do Código Penal, acrescido pela Lei 13.964/2019, ao alterar a natureza da ação penal do crime de estelionato de pública incondicionada para pública condicionada à representação como regra, é norma de conteúdo processual-penal ou híbrido, porque, ao mesmo tempo em que cria condição de procedibilidade para ação penal, modifica o exercício do direito de punir do Estado ao introduzir hipótese de extinção de punibilidade, a saber, a decadência (art. 107, inciso IV, do CP)".

Assim, "[essa] inovação legislativa, ao obstar a aplicação da sanção penal, é norma penal de caráter mais favorável ao réu e, nos termos do art. , inciso XL, da Constituição Federal, deve ser aplicada de forma retroativa a atingir tanto investigações criminais quanto ações penais em curso até o trânsito em julgado".

Assentou-se, ademais, que, "[diferentemente] das normas processuais puras, que são orientadas pela regra do tempus regit actum (art. do CPP), as normas de conteúdo misto, quando favoráveis ao réu, devem ser aplicadas de maneira retroativa em relação a fatos pretéritos enquanto a ação penal estiver em curso, nos termos do que dispõe o art.

5º, inciso XL, CF (‘a lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu’)" .

Nessa esteira, Gustavo Badaró leciona que,

"[no] direito penal, o problema da sucessão de leis no tempo é resolvido segundo a garantia constitucional de que a lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu ( CR, art. , caput, XL).

Já no campo processual penal, a norma geral de direito intertemporal encontra-se prevista no art. 2.º do CPP: ‘A lei processual penal aplicar-se-á desde logo, sem prejuízo da validade dos atos realizados sob a vigência da lei anterior’. Trata-se do princípio tempus regit actum , que não se confunde com a ideia de retroatividade da lei processual.

[...]

Inegavelmente, há normas de caráter exclusivamente penal e normas processuais puras. Todavia, a doutrina também reconhece a existência das chamadas normas mistas ou normas processuais materiais. Embora não se discuta a existência de tais normas, há discrepância quanto ao conteúdo mais restrito ou mais ampliado que se deve dar a tais conceitos.

A corrente restritiva considera que são normas processuais mistas, ou de conteúdo material, aquelas que, embora disciplinadas em diplomas processuais penais, disponham sobre o conteúdo da pretensão punitiva. Assim, são normas formalmente processuais, mas substancialmente materiais, aquelas relativas: ao direito de queixa ou de representação, à prescrição e decadência, ao perdão, à perempção, entre outras.

Mesmo que se adote a corrente restritiva, inegavelmente devem ser consideradas normas processuais materiais, ou normas mistas, com aplicação retroativa, por serem mais benéficas, os seguintes dispositivos da Lei 13.964/2019: a exigência de representação para o crime de estelionato ( CP, art. 171, § 5º), a possibilidade de celebração de acordo de não persecução penal ( CPP, art. 28-A).

[...]

De outro lado, no que diz respeito ao acordo de não persecução ( CPP, art. 28-A), igualmente é válido o paralelo com a situação trazida pela Lei 9.099/1995, com a criação de outro instituto consensual, no caso, a transação penal. Reconheceu-se, sem qualquer vacilação, o conteúdo misto de tal instituto que, por evitar a condenação do acusado era mais benéfico e, assim, passível de ser aplicado aos processos em curso. Para quem esteja sendo processado, por crime que passou a admitir o acordo de não persecução penal, tal instituto é mais benéfico e deve ser aplicado retroativamente.

Com relação ao acordo de não persecução penal, a jurisprudência se encaminhou no sentido de que no caso de investigações em curso, poderia ter aplicação imediata a nova lei e ser formulada a proposta de acordo de não persecução penal mas, por outro lado, no caso de processo com denúncias já oferecidas quando entrou em vigor a lei, não seria possível a formulação de tal proposta. A 1a Turma do STF, no julgamento do HC 191.464/SC AgR, fixou a seguinte tese: ‘o acordo de não persecução penal (ANPP) aplica-se a fatos ocorridos antes da Lei 13.964/2019, desde que não recebida a denúncia’. A matéria foi afetada ao Plenário do STF, pelo Min. Gilmar Mendes, no HC nº 185.913/DF, que ainda não se pronunciou sobre o tema.

Há, contudo, entendimento contrário, no sentido de que o acordo de não persecução penal também se aplica aos processos em curso, desde que não tenha havido o trânsito em julgado. É a posição à qual nos filiamos.

Não se disputa a premissa de que o acordo de não persecução penal é um instituto de natureza mista, de direito penal e processual penal. O caráter benéfico, no plano do direito material é inegável: aceito e cumprido o acordo de não persecução penal, o imputado não será denunciado, processado nem condenado. Não sofrerá as consequências penais nem civis de uma sentença condenatória. Trata-se, pois, no plano material de norma evidentemente benéfica e, como tal, deve ser aplicada a fatos ocorridos antes do início de sua vigência.

Não se pode esquecer, contudo, da face processual do acordo de não persecução penal. O instituto visa evitar os males de um processo penal que, ao final, ainda que redunde em condenação, não levará o réu ao cumprimento de pena privativa de liberdade. O processo em si mesmo já é um mal para o acusado, independentemente do seu desfecho. Por outro lado, movimentar a máquina judiciária, levando até o fim a persecução penal, para que, após a condenação, o acusado simplesmente pague uma multa ou, tenha que cumprir pena restritiva de direitos ou, ainda, no máximo, obtenha o sursis, não deixa de ser algo ineficiente e que representa desperdício de tempo e dinheiro.

Assim, por esse aspecto de ‘desprocessualização’ do acordo de não persecução penal, poder-se-ia supor que, se quando o art. 28-A do CPP entrou em vigor, houvesse processo instado, ou mesmo sentença proferida e estando pendente somente o julgamento do recurso, não haveria qualquer benefício em utilizar tal instituto, visto que a finalidade de sua aplicação não poderia ser atingida. O acordo de não persecução penal evita a própria instauração do processo. Mas no caso, já haveria um processo instaurado ou, até mesmo, em grau de recurso. Essas razões poderiam levar a uma resposta negativa sobre a possibilidade de aplicação do acordo de não persecução penal, após transposto o momento procedimental do oferecimento da denúncia.

A reposta positiva, contudo, parece mais correta. O acordo de não persecução penal, indiscutivelmente, é mais benéfico do que a condenação penal. Por essa razão, sempre que não houver óbice à aplicação de tal instituto, será necessário buscar a solução consensual. Não se pode objetar com a irracionalidade de não se processar quem já está sendo processado ou mesmo quem já se submeteu a todo rito em primeiro grau, ou mesmo parte da fase recursal. As repercussões e vantagens do acordo de não persecução penal, no plano material, principalmente em relação à não caracterização da reincidência, autorizam sua aplicação aos processos em curso quando da entrada em vigor da Lei 13.964/2019, mesmo se houver denúncia oferecida e, até mesmo, se o processo já se encontre em fase bastante desenvolvida.

O único óbice temporal é quando já houver a coisa jugada. Não se desconhece que o art. , caput , do Código Penal, prevê a aplicação da lei penal mais benéfica, mesmo após o trânsito em julgado da condenação penal. Mas essa regra se aplica aos casos de novatio legis in mellius , referente a institutos exclusivamente de direito penal. No caso de normas mistas, com conteúdo material e processual, a existência de um processo em curso é um limite que não pode ser transposto.

Voltando ao tema das normas processuais mistas, ou de conteúdo material, a corrente ampliativa define-as como aquelas que estabeleçam condições de procedibilidade, ou que disciplinem constituição e competência dos tribunais, que tratem dos meios de prova e sua eficácia probatória, dos graus de recurso, da liberdade condicional, da prisão preventiva, da fiança, das modalidades de execução da pena e todas as demais normas que tenham por conteúdo matéria que seja direito ou garantia constitucional do cidadão.

Preferível a corrente extensiva. Todas as normas que disciplinam e regulam, ampliando ou limitando, direitos e garantias pessoais constitucionalmente assegurados, mesmo sob a forma de leis processuais, não perdem o seu conteúdo material. Com base nessa premissa, são normas processuais de conteúdo material as regras que estabelecem: as hipóteses de cabimento de prisões e medidas cautelares alternativas à prisão, os casos em que tais medidas podem ser revogadas, o tempo de duração de tais prisões, a possibilidade de concessão de liberdade provisória com ou sem fiança, entre outras. Assim, quanto ao direito processual intertemporal, o intérprete deve, antes de mais nada, verificar se a norma, ainda que de natureza processual, exprime garantia ou direito constitucionalmente assegurado ao suposto infrator da lei penal. Para tais institutos, a regra de direito intertemporal deverá ser a mesma aplicada a todas as normas penais de conteúdo material, qual seja a da anterioridade da lei, vedada a retroatividade da lex gravior" (in BADARÓ, Gustavo Henrique. Processo Penal [livro eletrônico].

9. ed. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2021, RB-2.1).

Portanto, com base no referido precedente da Segunda Turma desta Suprema Corte, que, em caso análogo, reconheceu a retroação de norma processual penal mais benéfica em ações penais em curso até o trânsito em julgado, e na mais atual doutrina do processo penal, entendo que o acordo de não persecução penal é aplicável também aos processos iniciados em data anterior à vigência da Lei 13.964/2019, desde que ainda não transitados em julgados e mesmo que ausente a confissão do réu até o momento de sua proposição.

Traslado, por oportuno, a ementa que sintetiza o teor da decisão ora combatida e trecho significativo do voto condutor, respectivamente:

"AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. ACORDO DE NÃO PERSECUÇÃO PENAL. ART. 28-A, DO CPP. PRECLUSÃO. DENÚNCIA RECEBIDA. SENTENÇA PROFERIDA. ACÓRDÃO QUE JULGA O RECURSO DE APELAÇÃO CRIMINAL PUBLICADO. MARCHA PROCESSUAL AVANÇADA. IMPOSSIBILIDADE. PRECEDENTES. DECISÃO MONOCRÁTICA MANTIDA. VIOLAÇÃO A DISPOSITIVOS E A PRINCÍPIOS DE EXTRAÇÃO CONSTITUCIONAL. VIA INADEQUADA. COMPETÊNCIA DO PRETÓRIO EXCELSO.

I - Deve ser mantido o decisum reprochado, pois, nos termos da moderna jurisprudência desta eg. Corte Superior ‘[...] reproduzida por ambas as Turmas criminais - entendimento igualmente adotado pela 1a Turma do Supremo Tribunal Federal -, a possibilidade de oferecimento do acordo de não persecução penal, previsto no art. 28-A do Código de Processo Penal, inserido pela Lei n. 13.964/2019, é restrita aos processos em curso até o recebimento da denúncia’ (AgRg no AgRg no AREsp n. 2.034.536/SP, Quinta Turma, Rel. Min. Reynaldo

Soares da Fonseca, DJe de 18/03/2022).

II - Não compete a este eg. Superior Tribunal se manifestar sobre violação a princípios ou a dispositivos de extração constitucional, ainda que para fins de prequestionamento, sob pena de usurpação da competência do Pretório STF. (Precedentes).

Agravo regimental desprovido" (pág. 7 do documento eletrônico 14).

"[...]

Deve ser mantido o decisum monocrático reprochado.

O eg. Tribunal a quo , ao se manifestar sobre a quaestio, no que importa ao caso, consignou, in verbis (fl. 839-859, grifei):

‘No caso concreto, a parte ora embargante aduziu que o v. acórdão foi omisso quanto à possibilidade de celebração do Acordo de Não Persecução Penal (ANPP), nos termos do artigo 28-A do Código de Processo Penal, introduzido pela Lei Federal n. 13.964, de 24 de dezembro de 2019.

Contudo, não se verifica dos autos qualquer ambiguidade, contradição, obscuridade e/ou omissão, forte na constatação de que o colegiado não deveria ter se manifestado sobre o assunto à luz de que simplesmente ele não foi agitado em oportunidade pretérita a estes Embargos de Declaração. Nessa toada, como a temática não foi suscitada em sede de razões recursais ou em peticionamento posterior a elas (porém anterior à sessão de julgamento), não caberia a exaração de qualquer manifestação judicial acerca de algo sequer aventado, motivo pelo qual os Declaratórios também devem ser refutados no ponto.

De toda forma, ainda que fosse crível suplantar a observação pretérita, seria defeso fazer incidir nesta relação processual penal o instituto trazido a lume pelo art. 28- A do Código de Processo Penal (incluído por força da edição da Lei nº 13.964, de 24 de dezembro de 2019), uma vez que, possuindo natureza negocial entre as partes, o sistema processual penal não contempla obrigação legal a impor que o magistrado provoque acusação e/ou defesa para que se manifestem sobre o assunto.

Ademais, cumpre destacar que o Ministério Público Federal entendeu por bem não ofertar o Acordo ante o não implemento dos requisitos estampados na legislação de regência (cfr. contrarrazões aos Embargos de Declaração), o que obsta qualquer possibilidade de incidência da benesse nesta persecução penal, devendo ser aplicada à hipótese entendimento que acabou sendo consagrado pelo C. Superior Tribunal de Justiça, ainda que firmado em sede de Suspensão Condicional do Processo, no sentido de que tais benefícios não podem ser encarados como direito subjetivo do réu, mas, sim, um poder-dever conferido ao titular da Ação Penal Pública - nesse sentido:

[...]

Em complemento, sublinhe-se que o ANPP é cabível quanto a fatos anteriores ao início da vigência da Lei n. 13.964/2019, até o recebimento da denúncia, conforme o entendimento do E. Supremo Tribunal Federal e do C. Superior Tribunal de Justiça:

[...]

Portanto, não faz jus o Embargante ao ANPP, tendo em vista que o feito já se encontra sentenciado (págs. 8-9 do documento eletrônico 14, grifei).

Conforme se verifica, a decisão da Quinta Turma do STJ destoa da conclusão a que cheguei na análise do caso concreto.

Isso posto, concedo a ordem de habeas corpus (art. 192, caput , do RISTF), nos termos em que requerida.

Comunique-se com urgência.

Publique-se.

Brasília, 5 de outubro de 2022.

Ministro Ricardo Lewandowski

Relator

(STF - HC: 215539 SP, Relator: RICARDO LEWANDOWSKI, Data de Julgamento: 05/10/2022, Data de Publicação: PROCESSO ELETRÔNICO DJe-201 DIVULG 06/10/2022 PUBLIC 07/10/2022)

Inteiro Teor

HABEAS CORPUS 221.756 SÃO PAULO

RELATOR : MIN. RICARDO LEWANDOWSKI

PACTE.(S) : MARIO ANTONIO OLIVATO

IMPTE.(S) : GUSTAVO HENRIQUE OLIVATO

COATOR (A/S)(ES) : SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

Trata-se de habeas corpus impetrado contra acórdão proferido pela Quinta Turma do Superior Tribunal Justiça - STJ, que negou provimento ao Agravo Regimental no HC 620.504/SP, assim ementado:

"PENAL E PROCESSUAL PENAL. AGRAVO REGIMENTAL EM HABEAS CORPUS . CERCEAMENTO DE DEFESA. NÃO OCORRÊNCIA. ACORDO DE NÃO PERSECUÇÃO PENAL. ART. 28-A DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL. LEI N. 13.964/2019. RETROATIVIDADE APÓS O RECEBIMENTO DA DENÚNCIA E DA PROLAÇÃO DA SENTENÇA. IMPOSSIBILIDADE. JURISPRUDÊNCIA DAS TURMAS DO STJ. AUSÊNCIA DE ILEGALIDADE OU TERATOLOGIA. ORDEM NÃO CONHECIDA. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO.

1. A lei processual e o Regimento Interno do STJ preveem o julgamento monocrático quando a matéria estiver em consonância com a jurisprudência dominante do Superior Tribunal de Justiça, o que é incompatível com a pretensão de sustentação oral.

2. O acordo de não persecução penal, previsto no art. 28-A do CPP, aplica-se a fatos ocorridos antes da entrada em vigor da Lei n. 13.964/2019, desde que não recebida a denúncia.

3. A ausência de oferecimento de acordo de não persecução penal quando a denúncia foi oferecida e a sentença já foi prolatada afasta a ilegalidade ou a teratologia que viabiliza o conhecimento de habeas corpus substitutivo de recurso.

4. Agravo regimental desprovido."(pág. 1 do doc. eletrônico 17).

Neste habeas corpus, a defesa alega, em síntese, que,

"[n]o presente caso, verifica-se que resta incontroverso o preenchimento os seguintes requisitos: não ser caso de arquivamento do Inquérito Policial; o delito não ser cometido com grave ameaça nem violência; o delito ter pena mínima inferior a 4 (quatro) anos; ser, o acordo, necessário e suficiente para reprovação e prevenção do crime; o agente cumprir condições propostas pelo Ministério Público, cumulativa ou alternativamente.

Logo, o requisito que ocasionou o indeferimento da possibilidade de oferecer o acordo de não persecução penal repousa na confissão da prática delitiva. Conforme despacho do relator da apelação, o paciente não confessou o crime, limitando-se apenas responder as perguntas da defesa.

Ora, à época o silêncio foi a linha de raciocínio da defesa mais vantajosa, já que não havia um acordo de não persecução penal. Houvesse, poderia ser que o paciente tomasse outras decisões, não se arriscando a continuar um processo criminal sobre ele.

[...]

Assim, para que possa ser concedido o acordo de não persecução penal os requisitos devem ser observados cumulativamente, porém, analisando-se o caso concreto, há que se ter uma flexibilização visto que o paciente não pode ser privado de lei mais benéfica, já que à época não havia tamanha vantagem."(págs. 6-7 da petição inicial).

Requer, ao final,"a concessão da ordem para garantir que o Paciente tenha a possibilidade de aceitar o referido acordo, aplicando-se a retroatividade da lei mais benéfica, qual seja, artigo 28-A do CPP". (pág. 8 da petição inicial).

É o relatório. Decido.

Discute-se, nestes autos, a retroatividade do Acordo de Não

Persecução Penal (ANPP), constante do art. 28-A do Código de Processo Penal - CPP, inserido pela Lei 13.964/2019.

Quanto ao tema, destaco que o Ministro Gilmar Mendes afetou ao Plenário, nos termos do art. 22, parágrafo único, b , do Regimento Interno do STF - RISTF, o julgamento do HC 185.913/DF, fundado na"[...] potencial ocorrência de tal debate em número expressivo de processos e a potencial divergência jurisprudencial, o que destaca a necessidade de resguardar a segurança jurídica e a previsibilidade das situações processuais, sempre em respeito aos direitos fundamentais e em conformidade com a Constituição Federal".

O relator delimitou, naqueles autos, as seguintes" questões- problemas ":

"a) O ANPP pode ser oferecido em processos já em curso quando do surgimento da Lei 13.964/19? Qual é a natureza da norma inserida no art. 28-A do CPP? É possível a sua aplicação retroativa em benefício do imputado?

b) É potencialmente cabível o oferecimento do ANPP mesmo em casos nos quais o imputado não tenha confessado anteriormente, durante a investigação ou do processo?"

Aquele writ , desde então, aguarda o julgamento pelo Colegiado maior.

Como é de conhecimento geral, a Lei 13.964/2019, cunhada de"Pacote Anticrime"e em vigência desde 23/1/2020, introduziu fecundas mudanças na legislação processual, dentre elas a inclusão do art. 28-A no Código de Processo Penal, que trata do referido Acordo de Não Persecução Penal.

Cuida-se, a toda evidência, de instrumento consensual híbrido, qualificado como negócio jurídico extrajudicial singular firmado entre o investigado, assistido por seu defensor, e o órgão do Ministério Público. Sim, porque as partes ajustam cláusulas negociais a serem cumpridas pelo contratante, de modo que, em contrapartida, ficará esvaziada a pretensão estatal, por meio da decretação da extinção da punibilidade (art. 28-A, § 13º, do CPP), após o cumprimento daquelas condições.

Ademais, a legislação processual vigente discriminou, de forma exaustiva, as hipóteses em que a justiça penal negociada não poderá ocorrer, ou seja, indicou expressamente as situações de impedimento ao ANPP, conforme previsão tipificada no art. 28-A, § 2º, do CPP.

Quanto à possibilidade de retroação do ANPP, reconhecidamente norma processual penal mais benéfica, lembro que, ao julgar o HC 180.421/SP, a Segunda Turma desta Suprema Corte decidiu que"[a] expressão ‘lei penal’ contida no art. , inciso XL, da Constituição Federal é de ser interpretada como gênero, de maneira a abranger tanto leis penais em sentido estrito quanto leis penais processuais que disciplinam o exercício da pretensão punitiva do Estado ou que interferem diretamente no status libertatis do indivíduo". Concluindo que"[o] § 5º do art. 171 do Código Penal, acrescido pela Lei 13.964/2019, ao alterar a natureza da ação penal do crime de estelionato de pública incondicionada para pública condicionada à representação como regra, é norma de conteúdo processual-penal ou híbrido, porque, ao mesmo tempo em que cria condição de procedibilidade para ação penal, modifica o exercício do direito de punir do Estado ao introduzir hipótese de extinção de punibilidade, a saber, a decadência (art. 107, inciso IV, do CP)".

Assim,"[essa] inovação legislativa, ao obstar a aplicação da sanção penal, é norma penal de caráter mais favorável ao réu e, nos termos do art. , inciso XL, da Constituição Federal, deve ser aplicada de forma retroativa a atingir tanto investigações criminais quanto ações penais em curso até o trânsito em julgado".

Assentou-se, ademais, que,"[diferentemente] das normas processuais puras, que são orientadas pela regra do tempus regit actum (art. do CPP), as normas de conteúdo misto, quando favoráveis ao réu, devem ser aplicadas de maneira retroativa em relação a fatos pretéritos enquanto a ação penal estiver em curso, nos termos do que dispõe o art. , inciso XL, CF (‘a lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu’)".

Nessa esteira, Gustavo Badaró leciona que,

"[no] direito penal, o problema da sucessão de leis no tempo é resolvido segundo a garantia constitucional de que a lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu ( CR, art. , caput, XL).

Já no campo processual penal, a norma geral de direito intertemporal encontra-se prevista no art. 2.º do CPP: ‘A lei processual penal aplicar-se-á desde logo, sem prejuízo da validade dos atos realizados sob a vigência da lei anterior’. Trata-se do princípio tempus regit actum , que não se confunde com a ideia de retroatividade da lei processual.

[...]

Inegavelmente, há normas de caráter exclusivamente penal e normas processuais puras. Todavia, a doutrina também reconhece a existência das chamadas normas mistas ou normas processuais materiais. Embora não se discuta a existência de tais normas, há discrepância quanto ao conteúdo mais restrito ou mais ampliado que se deve dar a tais conceitos.

A corrente restritiva considera que são normas processuais mistas, ou de conteúdo material, aquelas que, embora disciplinadas em diplomas processuais penais, disponham sobre o conteúdo da pretensão punitiva. Assim, são normas formalmente processuais, mas substancialmente materiais, aquelas relativas: ao direito de queixa ou de representação, à prescrição e decadência, ao perdão, à perempção, entre outras.

Mesmo que se adote a corrente restritiva, inegavelmente devem ser consideradas normas processuais materiais, ou normas mistas, com aplicação retroativa, por serem mais benéficas, os seguintes dispositivos da Lei 13.964/2019: a exigência de representação para o crime de estelionato ( CP, art. 171, § 5º), a possibilidade de celebração de acordo de não persecução penal ( CPP, art. 28-A).

[...]

De outro lado, no que diz respeito ao acordo de não persecução ( CPP, art. 28-A), igualmente é válido o paralelo com a situação trazida pela Lei 9.099/1995, com a criação de outro instituto consensual, no caso, a transação penal. Reconheceu-se, sem qualquer vacilação, o conteúdo misto de tal instituto que, por evitar a condenação do acusado era mais benéfico e, assim, passível de ser aplicado aos processos em curso. Para quem esteja sendo processado, por crime que passou a admitir o acordo de não persecução penal, tal instituto é mais benéfico e deve ser aplicado retroativamente.

Com relação ao acordo de não persecução penal, a jurisprudência se encaminhou no sentido de que no caso de investigações em curso, poderia ter aplicação imediata a nova lei e ser formulada a proposta de acordo de não persecução penal mas, por outro lado, no caso de processo com denúncias já oferecidas quando entrou em vigor a lei, não seria possível a formulação de tal proposta. A 1a Turma do STF, no julgamento do HC 191.464/SC AgR, fixou a seguinte tese: ‘o acordo de não persecução penal (ANPP) aplica-se a fatos ocorridos antes da Lei 13.964/2019, desde que não recebida a denúncia’. A matéria foi afetada ao Plenário do STF, pelo Min. Gilmar Mendes, no HC nº 185.913/DF, que ainda não se pronunciou sobre o tema.

Há, contudo, entendimento contrário, no sentido de que o acordo de não persecução penal também se aplica aos processos em curso, desde que não tenha havido o trânsito em julgado. É a posição à qual nos filiamos.

Não se disputa a premissa de que o acordo de não persecução penal é um instituto de natureza mista, de direito penal e processual penal. O caráter benéfico, no plano do direito material é inegável: aceito e cumprido o acordo de não persecução penal, o imputado não será denunciado, processado nem condenado. Não sofrerá as consequências penais nem civis de uma sentença condenatória. Trata-se, pois, no plano material de norma evidentemente benéfica e, como tal, deve ser aplicada a fatos ocorridos antes do início de sua vigência.

Não se pode esquecer, contudo, da face processual do acordo de não persecução penal. O instituto visa evitar os males de um processo penal que, ao final, ainda que redunde em condenação, não levará o réu ao cumprimento de pena privativa de liberdade. O processo em si mesmo já é um mal para o acusado, independentemente do seu desfecho. Por outro lado, movimentar a máquina judiciária, levando até o fim a persecução penal, para que, após a condenação, o acusado simplesmente pague uma multa ou, tenha que cumprir pena restritiva de direitos ou, ainda, no máximo, obtenha o sursis, não deixa de ser algo ineficiente e que representa desperdício de tempo e dinheiro.

Assim, por esse aspecto de ‘desprocessualização’ do acordo de não persecução penal, poder-se-ia supor que, se quando o art. 28-A do CPP entrou em vigor, houvesse processo instado, ou mesmo sentença proferida e estando pendente somente o julgamento do recurso, não haveria qualquer benefício em utilizar tal instituto, visto que a finalidade de sua aplicação não poderia ser atingida. O acordo de não persecução penal evita a própria instauração do processo. Mas no caso, já haveria um processo instaurado ou, até mesmo, em grau de recurso. Essas razões poderiam levar a uma resposta negativa sobre a possibilidade de aplicação do acordo de não persecução penal, após transposto o momento procedimental do oferecimento da denúncia.

A reposta positiva, contudo, parece mais correta. O acordo de não persecução penal, indiscutivelmente, é mais benéfico do que a condenação penal. Por essa razão, sempre que não houver óbice à aplicação de tal instituto, será necessário buscar a solução consensual. Não se pode objetar com a irracionalidade de não se processar quem já está sendo processado ou mesmo quem já se submeteu a todo rito em primeiro grau, ou mesmo parte da fase recursal. As repercussões e vantagens do acordo de não persecução penal, no plano material, principalmente em relação à não caracterização da reincidência, autorizam sua aplicação aos processos em curso quando da entrada em vigor da Lei 13.964/2019, mesmo se houver denúncia oferecida e, até mesmo, se o processo já se encontre em fase bastante desenvolvida.

O único óbice temporal é quando já houver a coisa jugada. Não se desconhece que o art. , caput , do Código Penal, prevê a aplicação da lei penal mais benéfica, mesmo após o trânsito em julgado da condenação penal. Mas essa regra se aplica aos casos de novatio legis in mellius , referente a institutos exclusivamente de direito penal. No caso de normas mistas, com conteúdo material e processual, a existência de um processo em curso é um limite que não pode ser transposto.

Voltando ao tema das normas processuais mistas, ou de conteúdo material, a corrente ampliativa define-as como aquelas que estabeleçam condições de procedibilidade, ou que disciplinem constituição e competência dos tribunais, que tratem dos meios de prova e sua eficácia probatória, dos graus de recurso, da liberdade condicional, da prisão preventiva, da fiança, das modalidades de execução da pena e todas as demais normas que tenham por conteúdo matéria que seja direito ou garantia constitucional do cidadão.

Preferível a corrente extensiva. Todas as normas que disciplinam e regulam, ampliando ou limitando, direitos e garantias pessoais constitucionalmente assegurados, mesmo sob a forma de leis processuais, não perdem o seu conteúdo material. Com base nessa premissa, são normas processuais de conteúdo material as regras que estabelecem: as hipóteses de cabimento de prisões e medidas cautelares alternativas à prisão, os casos em que tais medidas podem ser revogadas, o tempo de duração de tais prisões, a possibilidade de concessão de liberdade provisória com ou sem fiança, entre outras. Assim, quanto ao direito processual intertemporal, o intérprete deve, antes de mais nada, verificar se a norma, ainda que de natureza processual, exprime garantia ou direito constitucionalmente assegurado ao suposto infrator da lei penal. Para tais institutos, a regra de direito intertemporal deverá ser a mesma aplicada a todas as normas penais de conteúdo material, qual seja a da anterioridade da lei, vedada a retroatividade da lex gravior."(in BADARÓ, Gustavo Henrique. Processo Penal [livro eletrônico].

9. ed. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2021, RB-2.1).

Portanto, com base no referido precedente da Segunda Turma desta Suprema Corte, que, em caso análogo, reconheceu a retroação de norma processual penal mais benéfica em ações penais em curso até o trânsito em julgado, e na mais atual doutrina do processo penal, entendo que o acordo de não persecução penal é aplicável também aos processos iniciados em data anterior à vigência da Lei 13.964/2019, desde que ainda não transitados em julgados e mesmo que ausente a confissão do réu até o momento de sua proposição.

Isso posto, concedo a ordem para determinar ao Juízo de primeiro grau competente que remeta os autos ao Ministério Público para que verifique a possibilidade de celebração do acordo de não persecução penal ao caso sob exame (art. 192 do RISTF).

Comunique-se ao Juízo da Vara Única de Nuporanga/SP (Processo 0000127-58.2017.8.26.0610).

Publique-se.

Brasília, 26 de outubro de 2022.

Ministro Ricardo Lewandowski

Relator

(STF - HC: 221756 SP, Relator: RICARDO LEWANDOWSKI, Data de Julgamento: 26/10/2022, Data de Publicação: PROCESSO ELETRÔNICO DJe-218 DIVULG 27/10/2022 PUBLIC 28/10/2022)

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