STF Set22 - Estelionato - Necessidade de Intimação das Vítimas para informar se desejam representar
Inteiro Teor
EMB.DECL. NO AG.REG. NO HABEAS CORPUS 220.483 SÃO PAULO
RELATOR : MIN. RICARDO LEWANDOWSKI
EMBTE.(S) : EDSON ANTÔNIO DE OLIVEIRA
ADV.(A/S) : PETER RODRIGUES FERNANDES E OUTRO (A/S)
EMBDO.(A/S) : SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Trata-se de embargos de declaração opostos contra decisão por meio da qual neguei provimento ao agravo regimental, mas concedi a ordem, de ofício, tão somente para determinar ao Juízo de primeiro grau que intimasse a vítima para, relativamente ao crime de estelionato, manifestar interesse em representar contra o acusado, no prazo de 30 dias, sob pena de decadência (doc. eletrônico 100).
O embargante alega, em síntese, que "houve evidente contradição na medida em que a denúncia ofertada contra o réu é posterior à alteração legislativa promovida pela Lei n. 13.964/2019, não havendo falar em aplicação retroativa". (pág. 6 do doc. eletrônico 105).
Requer, ao final, "o acolhimento dos presentes aclaratórios com a incidência de efeitos modificativos, reconhecendo-se a decadência do crime de estelionato imputado ao réu, diante da evidente violação ao art. 619 do CPP e § 5º do art. 171 do CP". (pág. 7 do doc. eletrônico 105).
É o relatório. Decido.
A decisão embargada possui o seguinte teor, no que importa:
"[...]
Assim, tenho que a decisão ora atacada não merece reforma ou qualquer correção, pois os seus fundamentos harmonizam-se estritamente com a jurisprudência desta Suprema Corte.
Todavia, entendo que a ordem pode ser concedida, de ofício, relativamente à retroatividade da Lei 13.964/2019, na parte em que transformou o estelionato em crime de ação penal pública condicionada à representação da vítima.
Anteriormente, a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal orientava-se no sentido de que é ‘[i]naplicável a retroatividade do § 5º do artigo 171 do Código Penal, às hipóteses onde o Ministério Público tiver oferecido a denúncia antes da entrada em vigor da Lei 13.964/2019; uma vez que, naquele momento a norma processual em vigor definia a ação para o delito de estelionato como pública incondicionada, não exigindo qualquer condição de procedibilidade para a instauração da persecução penal em juízo’. ( HC 187.341/SP, rel. Min. Alexandre de Moraes).
No mesmo sentido, registro as seguintes decisões monocráticas proferidas por integrantes desta Segunda Turma em casos semelhantes: HC 195.384/SP, de minha relatoria; RHC 189.807/SC, de relatoria do Ministro Gilmar Mendes; e RHC 196.789/SP, de relatoria da Ministra Cármen Lúcia.
Todavia, a partir do julgamento do HC 180.421/SP, de relatoria do Ministro Edson Fachin, ocorrido em 22/6/2021, a Segunda Turma, à unanimidade, decidiu pela retroatividade da necessidade de representação da vítima nas acusações em andamento por estelionato, crime em relação ao qual a Lei 13.964/2019 alterou a natureza da ação penal para condicionada à representação da vítima ( § 5º do art. 171 do Código Penal).
Assim, afirmou-se a aplicação da nova norma aos processos em andamento, mesmo após o oferecimento da denúncia, desde que antes do trânsito em julgado.
Essa necessidade de intimação da vítima, aliás, foi reafirmada no julgamento ARE 1.249.156 AgR-ED/SP, de relatoria do Ministro Edson Fachin, ocasião em que o mesmo Órgão Colegiado decidiu que a representação não pode ser tácita, sendo indispensável declaração expressa do ofendido quanto ao seu desejo na instauração da persecução penal.
No mesmo sentido:
[...]
Isso posto, nego provimento a este agravo regimental, mas concedo a ordem, de ofício, tão somente para determinar ao
Juízo da 3a Vara da Comarca de São Bernardo do Campo/SP (processo 0014384-32.2017.8.26.0564) que a intime as vítimas para, relativamente aos crimes de estelionato, manifestarem interesse em representar contra o acusado, no prazo de 30 dias, sob pena de decadência, nos moldes do previsto no art. 91 da Lei 9.099/1995 e art. 3º do Código de Processo Penal - CPP."
Tem razão a defesa quando alerta que a denúncia ofertada contra o réu é posterior à alteração legislativa promovida pela Lei 13.964/2019.
De fato, analisando os autos com mais verticalidade, verifiquei que a denúncia foi ofertada pelo Ministério Público em 26/8/2020 (págs. 112-144 do doc. eletrônico 5) e recebida em 30/1/2021 (doc. eletrônico 4), quando já vigente o § 5º do art. 171 do Código Penal, que prevê a necessidade de representação da vítima para o início da ação penal pelo crime de estelionato.
Porém, ao contrário do que sustenta a defesa, entendo não haver a contradição alegada para reconhecer-se a decadência do referido crime.
Isso porque, em 23/3/2017, a senhora Juliana Menezes de Souza, representante legal da empresa Support Cargo S/A , registrou boletim de ocorrência discorrendo os fatos supostamente criminosos narrados na peça acusatória (págs. 150-154 do doc. eletrônica 5). Naquela data, o referido crime processava-se mediante ação penal pública incondicionada, tal como o delito previsto no art. 2º, caput , § 2º e 3º, da Lei 12.850/2013, pelo qual o embargante também foi denunciado.
Apesar de o boletim de ocorrência autorizar a abertura de inquérito policial e da respetiva persecução penal quando se tratar de ação penal pública incondicionada, aquele documento não supre a necessidade de a vítima, nas hipóteses de ação penal pública condicionada, como no caso, manifestar-se de forma inequívoca o seu desejo de ver o autor do fato processado.
Daí porque entendi pela necessidade de intimar-se a vítima para, relativamente ao crime de estelionato, manifestar interesse em representar contra o acusado, no prazo de 30 dias, sob pena de, aí sim, ser reconhecida a decadência, nos moldes do previsto no art. 91 da Lei 9.099/1995 e art. 3º do Código de Processo Penal - CPP.
Isso posto, acolho estes embargos de declaração, porém sem efeitos modificativos, apenas para prestar tais esclarecimentos.
Publique-se.
Brasília, 13 de outubro de 2022.
Ministro Ricardo Lewandowski
Relator
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(STF - HC: 220483 SP, Relator: RICARDO LEWANDOWSKI, Data de Julgamento: 13/10/2022, Data de Publicação: PROCESSO ELETRÔNICO DJe-208 DIVULG 14/10/2022 PUBLIC 17/10/2022)
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