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4 de Maio de 2024

STJ 2023 - Dosimetria Desproporcional para Crime de Peculato - 1/6 (um sexto) para vetores desfavoráveis

A pena reduziu de 13 anos para 4 anos e 7 meses

há 9 meses

Inteiro Teor

HABEAS CORPUS Nº 664022 - SP (2021/0133900-1)

RELATORA : MINISTRA LAURITA VAZ

AULO

EMENTA

HABEAS CORPUS . PENAL. CRIME PREVISTO NO ART. 312 DO CÓDIGO PENAL. DOSIMETRIA. PRIMEIRA FASE: FRAÇÃO DE EXASPERAÇÃO SUPERIOR A UM SEXTO. FUNDAMENTAÇÃO IDÔNEA. AUMENTO NO DOBRO. DESPROPORCIONALIDADE. REGIME PRISIONAL INICIAL SEMIABERTO. LEGALIDADE. ORDEM DE HABEAS CORPUS PARCIALMENTE CONCEDIDA.

DECISÃO

Trata-se de habeas corpus , sem pedido liminar, impetrado em favor de AXXXXXXXXXXXXXXX contra acórdão do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo proferido na Apelação Criminal n. 0000920-36.2011.8.26.0083.

Consta nos autos que a Paciente foi condenada, em primeiro grau de jurisdição, "como incursa por diversas vezes no tipo penal descrito no Artigo 312, caput , primeira parte, c/c Artigo 327, § 1º, na forma prevista no Art. 71, todos do Código Penal, à pena de 13 anos, 10 meses e 20 dias de reclusão, em regime inicial fechado e 68 dias-multa, no valor mínimo legal" (fl. 20).

A Sentenciada interpôs recurso de apelação, o qual foi parcialmente provido pela Corte estadual "para reduzir suas penas a 5 (cinco) anos, 6 (seis) meses e 20 (vinte) dias de reclusão, e a 26 (vinte e seis) dias-multa, no mínimo legal, e fixar o regime prisional semiaberto" (fl. 35).

Neste writ , a Impetrante sustenta, em suma, que as instâncias ordinárias não declinaram fundamentação idônea para a exasperação da pena-base no dobro do mínimo legal. Assevera que é proporcional, no caso, a fração de 2/3 (dois terços).

Defende, ainda, que não fo ram expostas razões adequadas para a fixação do regime prisional inicial semiaberto.

Requer o redimensionamento da sanção e a fixação do regime aberto.

Não foi formulado pleito liminar.

Foram prestadas informações às fls. 213-287.

O Ministério Público Federal opinou pelo não conhecimento do writ ou, se conhecido, pela denegação da ordem (fls. 291-295).

É o relatório. Decido.

No que interessa à solução da controvérsia, tem-se que o Juízo sentenciante e o Colegiado estadual declinaram as seguintes razões (fls. 19-20 e 34-35; sem grifos no original):

"Passo, pois, à dosimetria da pena (Art. 68 do Código Penal) em relação à ré Alessandra.

Na primeira fase da dosimetria da pena, a culpabilidade é extremamente elevada diante do vultoso valor desviado pela acusada. As consequências do delito também são nefastas. As verbas foram desviadas da Santa Casa de Misericórdia e deixaram de ser empregadas no atendimento médico da população da cidade de Aguaí . É impossível precisar quantas mortes ou problemas de saúde, por falta de atendimento médico, a conduta da acusada pode ter ocasionado. Além disso, a crise financeira pela qual já passava a entidade, culminando em seu fechamento e no desamparo da população local, certamente foi agravada pela conduta da acusada. Assim, fixo a pena-base em 10 (dez) anos de reclusão e 50 dias-multa.

Na segunda fase, incide a atenuante da confissão espontânea (Art. 65, inciso III, alínea 'd', do Código Penal), reduzindo a reprimenda em 1/6 (um sexto), para 08 anos e 04 meses de reclusão e 41 dias-multa.

Na terceira fase, a reprimenda deve ser elevada em 2/3 (dois terços), na forma do Art. 71 do Código Penal . Isto porque, diante do número de notas fiscais falsificados pela acusada, é certo que houve a pratica de ao menos 06 (seis) delitos, o que autoriza a exasperação neste patamar.

Assim fica a ré definitivamente condenada à pena de 13 anos, 10 meses e 20 dias de reclusão e 68 dias-multa. Cada dia-multa será fixado em seu mínimo legal, pois não há elementos nos autos que permitam inferir que a ré possui condição financeira capaz de arcar com reprimenda em patamar mais elevado.

O regime inicial será o fechado (Art. 33, § 2º, alínea 'a', do Código Penal). Em razão da pena fixada, incabível a substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos ou a substituição da pena (Art. 44, do Código Penal e Art. 77, do Código Penal)."

"No concernente à dosimetria da pena, há reparos a fazer.

No primeiro momento a pena foi fixada no quíntuplo acima do mínimo legal, constando da r. sentença que ' a culpabilidade é extremamente elevada diante do vultoso valor desviado pela acusada. As consequências do delito também são nefastas. As verbas foram desviadas da Santa Casa de Misericórdia e deixaram de ser empregadas no atendimento médico da população da cidade de Aguaí. É impossível precisar quantas mortes ou problemas de saúde, por falta de atendimento médico, a conduta da acusada pode ter ocasionado. Além disso, a crise financeira pela qual já passava a entidade, culminando em seu fechamento e no desamparo da população local, certamente foi agravada pela conduta da acusada' . Todavia, a despeito da fundamentação lançada, que, por certo, autoriza a exasperação da pena, o aumento adotado se mostrou excessivo, pelo que a pena-base fica estabelecida no dobro acima do mínimo legal, fração mais adequada ao caso em tela.

No segundo momento a pena foi reduzida de 1/6 (um sexto) pela atenuante da confissão espontânea, enquanto no terceiro momento, em razão da continuidade delitiva, foi corretamente aumentada de 2/3 (dois terços), ante os inúmeros delitos praticados ao longo de 2010, observando-se do laudo pericial de fls. 1180/1227 que mais de vinte notas fiscais foram adulteradas, pelo que é tornada definitiva em 5 (cinco) anos, 6 (seis) meses e 20 (vinte) dias de reclusão. Obedecendo ao mesmo raciocínio, a pena pecuniária fica estabelecida em 26 (vinte e seis) dias-multa, no mínimo legal.

Tendo em vista o quantum da pena privativa de liberdade ora aplicada, fixa- se o regime semiaberto para início do cumprimento da pena. Também em razão do quantum da pena, superior a 4 (quatro) anos, e, ainda, das circunstâncias judiciais desfavoráveis, inviável a substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direitos."

Como se sabe, no que concerne à aplicação da pena, o Código Penal brasileiro acolheu o sistema da relativa indeterminação ( REsp n. 725.368/MT, relator Ministro FELIX FISHER, Quinta Turma, julgado em 02/08/2005, DJ 29/08/2005, p. 431), ou seja, o legislador fixa, em abstrato, as margens penais do delito e o julgador, partindo de tais parâmetros, sopesa as peculiaridades do caso concreto, aplicando a reprimenda exigida de acordo com a gravidade da conduta.

Não se trata de atividade puramente discricionária, na medida em que o dever de motivação das decisões judiciais (art. 93, inciso IX, da Constituição da Republica) obriga que o Magistrado explicite, de forma satisfatória, as razões que conduzem a pena definitiva a se afastar ou se aproximar do mínimo legal.

Por outro lado, diferentemente do que ocorre com causas de aumento e diminuição de pena (cujo quantum é previsto ex ante na própria lei), não há fração determinada na legislação para as circunstâncias judiciais, agravantes e atenuantes. E, embora nas etapas em que tais circunstâncias sejam avaliadas vigore maior discricionariedade judicial, o ônus de fundamentação aumenta na mesma proporção, pois, em atenção ao princípio constitucional da individualização da pena, é necessário que o julgador indique adequadamente as razões de fato e de direito que o levam a aplicar determinado parâmetro de aumento ou diminuição da pena.

Nesse sentido, "' este Superior Tribunal de Justiça consolidou o entendimento de que a exasperação da pena-base, pela existência de circunstâncias judiciais negativas, deve seguir o parâmetro de 1/6 para cada circunstância judicial desfavorável , fração que se firmou em observância aos princípios da razoabilidade e proporcionalidade, ressalvada a apresentação de motivação concreta, suficiente e idônea que justifique a necessidade de elevação em patamar superior, o que ocorreu na espécie ' ( AgRg no AREsp n. 1.895.065/TO, Quinta Turma, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, DJe de 30/08/2021)" (AgRg no HC n. 725.317/SC, relator Ministro Jesuíno Rissato (Desembargador Convocado do TJDFT), Sexta Turma, julgado em 21/03/2023, DJe 24/03/2023).

No mesmo diapasão: AgRg no AgRg no AREsp n. 2.079.052/SP, relator Ministro JOEL ILAN PACIORNIK, Quinta Turma, julgado em 21/06/2022, DJe 27/06/2022.

Vê-se, portanto, que não há propriamente um critério matemático, mas apenas uma baliza para a realização do cálculo da pena, sendo lícita, todavia, a adoção de parâmetro diverso de 1/6 (um sexto), desde que adequadamente fundamentada a escolha.

No caso em apreço, verifico que as instâncias ordinárias declinaram fundamentação concreta para o recrudescimento da sanção básica acima da fração regra de 1/6 (um sexto) para os dois vetores considerados desfavoráveis. Com efeito, há, de fato, elevado grau de reprovabilidade no comportamento do Agente que desvia vultoso valor (R$ 139.046,51) da Santa Casa de Misericórdia, resultando em prejuízo exacerbado à entidade que é responsável pelo atendimento de saúde da população da cidade, tendo sido consignado, ainda, que a referida pessoa jurídica, posteriormente, passou por crise financeira que culminou com seu fechamento e no desamparo da população local.

No entanto, como bem declinado pela Defesa, a elevação da pena-base no dobro revela-se desproporcional, devendo ser adotada a fração de 2/3 (dois terços) proposta na inicial, por ser mais adequada às circunstâncias expostas pelas instâncias pretéritas.

A propósito:

"[...] 1. A culpabilidade, para fins do art. 59 do CP, deve ser compreendida como juízo de reprovabilidade da conduta, apontando maior ou menor censurabilidade do comportamento do réu. [...]"( AgRg no HC 629.510/SP, Rel. Ministro RIBEIRO DANTAS, QUINTA TURMA, julgado em 23/11/2021, DJe 29/11/2021.)

"[...] 4. Em relação às consequências do delito, restou consignado que a associação criminosa movimentou vultosa quantia financeira, aproximadamente R$ 230.000,00 (duzentos e trinta mil reais), justificando o incremento da pena.

5. Embora a reprimenda final seja inferior a 4 anos, a pena-base foi fixada acima do mínimo legal tendo em vista o reconhecimento de três circunstâncias judiciais desfavoráveis, o que justifica o agravamento do regime prisional e a não substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direitos, nos termos dos arts. 33 e 44 do Código Penal.

6. Agravo regimental desprovido." ( AgRg no HC n. 736.864/SP, relator Ministro Joel Ilan Paciornik, Quinta Turma, julgado em 28/11/2022, DJe 1º/12/2022; sem grifos no original.)

"AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. PROCESSO PENAL E PENAL. ROUBO MAJORADO CONTRA A EMPRESA BRASILEIRA DE CORREIOS E TELÉGRAFOS. EBCT. EMPREGO DE ARMA. CONCURSO DE PESSOAS. RESTRIÇÃO À LIBERDADE DA VÍTIMA. DOSIMETRIA DA PENA-BASE. PREMEDITAÇÃO E ELEVADO PREJUÍZO. FUNDAMENTOS CONCRETOS AO RECRUDESCIMENTO. PRECEDENTES DESTA CORTE. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO.

1. Não há razões para alteração do julgado regional, uma vez que as razões lançadas pelo juízo originário para valorar as duas circunstâncias judiciais como negativas - culpabilidade e consequências - estão consoantes ao entendimento firmado por esta Corte de que ta nto a premeditação, quanto prejuízo exacerbado qualificam-se como elementos extrínsecos ao crime de roubo, aptos ao recrudescimento da pena-base.

2. Agravo regimental desprovido." ( AgRg no AREsp 1848389/TO, Rel. Ministro JOEL ILAN PACIORNIK, QUINTA TURMA, julgado em 14/09/2021, DJe 20/09/2021; sem grifos no original.)

Passo ao redimensionamento da pena.

1a fase da dosimetria : altero a fração de exasperação da pena-base para 2/3 (dois terços), perfazendo 3 (três) anos e 4 (quatro) meses de reclusão, e 16 (dezesseis) dias-multa.

2a fase : mantenho a redução da sanção em 1/6 (um sexto) pela atenuante da confissão espontânea, resultando em 2 (dois) anos, 9 (nove) meses e 10 (dez) dias de reclusão, e 14 (quatorze) dias-multa.

3a fase : conservo a exasperação da sanção em 2/3 (dois terços) em razão da continuidade delitiva, de modo que a pena fica estabelecida definitivamente em 4 (quatro) anos, 7 (sete) meses e 16 (dezesseis) dias de reclusão, e 23 (vinte e três) dias-multa.

Deve ser mantido o regime carcerário inicial semiaberto de acordo com a literalidade do art. 33, §§ 2.º e 3.º, do Código Penal, porquanto a pena ficou quantificada acima de 4 (quatro) anos de reclusão e há circunstância judicial desfavorável.

Ante o exposto, CONCEDO PARCIALMENTE A ORDEM de habeas corpus a fim de diminuir a pena para 4 (quatro) anos, 7 (sete) meses e 16 (dezesseis) dias de reclusão, em regime inicial semiaberto, e 23 (vinte e três) dias-multa.

Publique-se. Intimem-se.

Brasília, 02 de maio de 2023.

Ministra LAURITA VAZ

Relatora

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(STJ - HC: 664022, Relator: LAURITA VAZ, Data de Publicação: 04/05/2023)

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