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5 de Maio de 2024

STJ Dez 22 - Dosimetria irregular - Violência Domestica - Personalidade desfavorável por ter Mentido no Interrogatório

ano passado

RECURSO ESPECIAL Nº 2016822 - SP (2022/0235880-4)

EMENTA RECURSO ESPECIAL. PENAL. DOSIMETRIA. LESÃO CORPORAL NO AMBIENTE DOMÉSTICO. REGIME INICIAL MODIFICAÇÃO. DISPOSITIVO OFENDIDO. INDICAÇÃO. AUSÊNCIA. CONTROVÉRSIA NÃO DELIMITADA. SÚMULA N. 284 DO STF. PERSONALIDADE. NEGATIVAÇÃO. MENTIRA NO INTERROGATÓRIO. FUNDAMENTO INIDÔNEO. DIREITO À NÃO AUTOCRIMINAÇÃO. RECURSO ESPECIAL PARCIALMENTE CONHECIDO E, NESSA EXTENSÃO, PROVIDO. DECISÃO

Trata-se de recurso especial interposto por LEANDRO DE SOUZA PINHEIRO, com fundamento no art. 105, inciso III, alínea a, da Constituição da Republica, contra acórdão do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo na Apelação Criminal n. 1500509-79.2019.8.26.0618. Consta dos autos que o Juízo de primeiro grau condenou o Recorrente às penas de 4 (quatro) meses e 2 (dois) dias de detenção, em regime inicial semiaberto, como incurso no art. 129, § 9.º, do Código Penal.

Houve apelação somente defensiva, a que o Tribunal de origem negou provimento. Alega o Recorrente a negativa de vigência ao art. 59 do Código Penal, sustentando ser inidônea a fundamentação utilizada para negativar a personalidade, a qual estaria indevidamente lastreada na negativa do Acusado em admitir a imputação, ofendendo o direito à não autoincriminação. Pede o provimento do recurso especial, com a redução da pena-base ao mínimo legal e a fixação do regime aberto.

Oferecida resposta (fls. 244-248), em que o Parquet estadual manifestou-se pelo parcial provimento do recurso, quanto à redução da basilar. Admitiu-se recurso na origem (fl. 251).

O Ministério Público Federal manifesta-se pelo provimento do recurso especial, em parecer com a seguinte ementa (fl. 260): "RECURSO ESPECIAL. PENA-BASE. PERSONALIDADE DESVIRTUADA. FUNDAMENTAÇÃO INIDÔNEA. TEOR DO INTERROGATÓRIO JUDICIAL (AGENTE QUE MENTIU ACERCA DOS FATOS). DIREITO À NÃO AUTO- INCRIMINAÇÃO. VIOLAÇÃO CONFIGURADA. PROVIMENTO DO RECURSO." É o relatório. Decido. De início, o pedido de fixação do regime aberto não veio acompanhado da indicação do dispositivo de lei federal cuja vigência teria sido negada. Sendo assim, esse ponto do recurso especial carece da necessária delimitação da controvérsia, atraindo a incidência da Súmula n. 284 do Supremo Tribunal Federal.

A propósito: "AGRAVO REGIMENTAL EM AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL PENAL. HOMICÍDIO SIMPLES. FALTA DE INDICAÇÃO DE DISPOSITIVOS INFRACONSTITUCIONAIS VIOLADOS. CONTROVÉRSIA NÃO DELIMITADA. SÚMULA 284/STF. PLEITO DE ANULAÇÃO DO JULGAMENTO DO CONSELHO DE SENTENÇA. ALEGAÇÃO DE CONDENAÇÃO CONTRÁRIA À PROVA DOS AUTOS QUANTO AO RECONHECIMENTO DA QUALIFICADORA DA TRAIÇÃO. DECISÃO DO TRIBUNAL MOTIVADA. SOBERANIA DO JÚRI E SUPORTE EM PROVAS. REEXAME DE MATÉRIA DE CUNHO FÁTICO PROBATÓRIO. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA 7/STJ. [...] 2. O conhecimento do recurso especial, seja ele interposto pela alínea 'a' ou pela alínea 'c' do permissivo constitucional, exige, necessariamente, a indicação do dispositivo de lei federal que se entende por contrariado, sob pena de incidência, por analogia, da Súmula n. 284 do STF ( AgRg no AREsp n. 1.366.658/SP, Ministro Rogério Schietti Cruz, Sexta Turma, DJe 27/5/2019). [...] 6. Agravo regimental improvido." ( AgRg no AREsp n. 1.773.624/CE, Rel. Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, Sexta Turma, julgado em 27/04/2021, DJe de 04/05/2021; sem grifos no original.)

No mais, entretanto, a insurgência comporta acolhimento. Disse o Juízo de primeiro grau, ao negativar a personalidade (fls. 155-156; sem grifos no original): "No que se refere à personalidade do agente - que no entender de Guilherme Nucci é aquela que está vinculada às qualidades morais, às distorções de caráter, à índole do sujeito, que são extraídos de sua forma habitual de ser, agir e reagir (in Individualização da pena, RT, 2005, p. 207) - se mostra negativa.

Isso porque resultou claro que o réu mentiu em Juízo quando alterou a versão dos fatos ocorridos. Afirmou falsamente que não enviou as mensagens e que não tinha sido condenado por outro delito afeto à Lei Maria da Penha quando se tem prova concreta e material dos dois fatos.

Essa atitude demonstra a distorção de caráter e a ausência de senso moral por parte do réu, que se vale da mentira com o propósito de impor tumulto à instrução processual e, maliciosamente, induzir em erro o julgador, com afronta à dignidade da justiça. Sobre a questão, oportuno ressaltar que ainda que seja o interrogatório um meio de defesa e de prova, evidente que o réu deva respeitar as limitações impostas pelas regras do processo, especialmente aquelas decorrentes da lealdade, da ética, da boa-fé, não se podendo esquecer que o processo é um instrumento para a realização da Justiça, dotado de uma série de formalidades que, em ultima ratio, são verdadeiras garantias para o réu, como também para a sociedade.

Ora, é forçoso reconhecer que o réu ao mentir deliberadamente extrapola os limites da autodefesa que não é absoluta demonstrando torpeza e deslealdade processual, expondo a risco a Justiça que pode, em razão de seu proceder, proferir decisão equivocada e, assim, injusta. Afigura-se evidente que não se pode tolerar que o réu se valha de engodos, ardis e mentiras visando a escapar de uma justa condenação.

O acusado que assim age, frauda a produção de provas e torna o processo uma chicana pessoal e egoísta, revelando sua personalidade dissimulada, amoral, o que justifica a elevação da pena."No julgamento da apelação, o Tribunal estadual manteve a negativação do vetor (fl. 221):"Nesse ponto, cumpre observar que as especificidades do crime, como anotado na r. sentença, justificam a exasperação da pena, porquanto, mais forte a insensibilidade moral e a personalidade desviada e mendaz do réu, impregnada de frieza e que preferiu mentir em Juízo, demonstrando total falta de arrependimento em sua gravíssima conduta." A negativação da personalidade utilizou-se de fundamentação manifestamente inidônea, pois fundamentada estritamente no fato de que o Recorrente não admitiu os fatos contra ele imputados na denúncia e, ainda, buscou alterar a sua versão, de forma a se isentar da punição.

Contudo, em observância ao direito a não auto-incriminação, "[o] fato de o acusado mentir acerca da prática do delito não autoriza a conclusão pela desfavorabilidade da circunstância judicial relativa à conduta social e, portanto, não justifica o aumento da reprimenda na primeira fase da dosimetria." ( AgRg no AREsp 984.996/SP, Rel. Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, SEXTA TURMA, julgado em 15/05/2018, DJe 29/05/2018).

Ainda nesse sentido: "[...] DESCABIMENTO DA ELEVAÇÃO DA REPRIMENDA PELO FATO DE O ACUSADO HAVER MENTIDO EM SEU INTERROGATÓRIO JUDICIAL. OFENSA AO DIREITO À NÃO AUTO-INCRIMINAÇÃO. 1. Não é possível majorar a reprimenda básica do paciente em decorrência do conteúdo do seu interrogatório judicial, pois a sua tentativa de se defender das acusações contra ele formuladas não pode ser levada em consideração para elevar sua pena, procedimento que ofende o direito à não auto-incriminação. [...] 2. Habeas corpus não conhecido. Ordem concedida de ofício apenas para reduzir a pena-base do paciente para 4 (quatro) anos, 3 (três) meses e 12 (doze) dias de reclusão, e pagamento de 10 (dez) dias-multa."( HC 334.643/SP, Rel. Ministro JORGE MUSSI, QUINTA TURMA, julgado em 15/12/2015, DJe 02/02/2016, sem grifos no original.) Passo ao redimensionamento da pena. Afastada a negativação da personalidade e, não remanescendo outro vetor desfavorável, fixo a pena-base no mínimo legal de 3 (três) meses de detenção.

Pela agravante da reincidência, exaspero a reprimenda em 1/6 (um sexto), segundo fração fixada pelas instâncias ordinárias, estabelecendo a reprimenda em 3 (três) meses e 15 (quinze) dias de detenção, que torno definitiva, ante a inexistência de causas de diminuição e de aumento. São mantidas as demais cominações do acórdão recorrido. Ante o exposto, CONHEÇO PARCIALMENTE do recurso especial e, nessa extensão, DOU-LHE PROVIMENTO, a fim de excluir a negativação da personalidade e redimensionar a pena nos termos da presente decisão. Publique-se. Intimem-se. Brasília, 06 de dezembro de 2022. Ministra LAURITA VAZ Relatora

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(STJ - REsp: 2016822 SP 2022/0235880-4, Relator: Ministra LAURITA VAZ, Data de Publicação: DJ 09/12/2022)

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