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15 de Maio de 2024

STJ Out 22- Dosimetria - Condição de Estar Foragido não Negativa Vetorial

ano passado

Inteiro Teor

RECURSO ESPECIAL Nº 2026672 - SP (2022/0291266-3)

RELATOR : MINISTRO REYNALDO SOARES DA FONSECA

RECORRENTE : I N O

ADVOGADO : DEFENSORIA PÚBLICA DA UNIÃO

RECORRIDO : MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL

DECISÃO

Trata-se de recurso especial interposto por I N O, fundado na alínea a do permissivo constitucional, contra acórdão do Tribunal Regional Federal da 3a Região, cuja ementa é a seguinte (e-STJ fl. 459/460):

PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. TRÁFICO INTERNACIONAL DE DROGAS. DOSIMETRIA DA PENA. PENA-BASE. VALORAÇÃO NEGATIVA DA CONDIÇÃO DE REFUGIADO. CONFISSÃO. CAUSA DE AUMENTO DECORRENTE DA TRANSNACIONALIDADE FIXADA NO MÍNIMO LEGAL. CAUSA DE DIMINUIÇÃO DE PENA DO ARTIGO 33, § 4º, DA LEI 11.343 /2006 AFASTADA. REGIME INICIAL SEMIABERTO. SUBSTITUIÇÃO DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE POR RESTRITIVA DE DIREITO. REQUISITOS NÃO PREENCHIDOS. 1. A materialidade do delito restou comprovada pelo laudo em substância. A autoria e o dolo restaram claramente demonstrados nos autos. O acusado foi preso em flagrante, no Aeroporto Internacional de Guarulhos, porquanto intentava embarcar para o exterior, transportando mais de dezenove quilogramas de cocaína. 2. Pena-base fixada acima do mínimo legal. Valoração negativa da quantidade e natureza do entorpecente. Mantida a valoração negativa das circunstâncias do crime. O cometimento de delito por aquele que ostenta a condição de refugiado denota maior reprovabilidade ante o rompimento com a boa-fé e confiança que orientam a concessão do refúgio e pode ser alçada a uma característica pessoal para efeito de tráfico internacional de drogas. 3. A confissão do acusado autoriza o reconhecimento da atenuante genérica do art. 65, III, 'd', do Código Penal, ainda que o réu tenha sido preso em flagrante. 4. Mantida a aplicação da causa de aumento decorrente da transnacionalidade, no percentual mínimo, pois presente apenas uma das causas de aumento do art. 40 da Lei n.º 11.343 /06. 5. Fixado o regime inicial semiaberto. 6. Não há que se falar em substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos, porque a pena definitiva supera quatro anos de reclusão e, portanto, não preenche os requisitos do art. 44 do Código Penal. 7. Necessária a prisão preventiva para garantir a manutenção da ordem pública e a aplicação da lei penal. Condenado estrangeiro, sem comprovação de qualquer atividade lícita e que possui histórico de viagens internacionais sem correspondência financeira. Sendo assim, há o risco concreto de fuga e possibilidade de reiteração delitiva. Além disso, a gravidade concreta do delito (mais de dezenove quilogramas de cocaína), também reforça a necessidade da manutenção da prisão. 8. Apelação do réu a que se nega provimento.

Interpostos embargos infringentes, esses foram rejeitados, conforme ementa abaixo (e-STJ fls. 595):

PENAL. PROCESSO PENAL. EMBARGOS INFRINGENTES E DE NULIDADE. TRÁFICO TRANSNACIONAL DE DROGAS. DOSIMETRIA. PENA-BASE. 1. O voto vencedor foi proferido pelo Desembargador Federal Fausto De Sanctis, que negou provimento à apelação. Entendeu que o fato de o delito ser cometido por aquele que está na condição de refugiado denota maior reprovabilidade ante o rompimento com a boa-fé e confiança que orientam a concessão do refúgio. Manteve a pena-base fixada na sentença. 2. Em seu voto vencido o Eminente Des. Fed. Relator José Lunardelli entendeu que a condição de refugiado não pode ser valorada negativamente para exasperar a pena-base. Aduziu não haver prova nos autos de que o réu deliberadamente pediu o refúgio com o objetivo de cometer o crime e não viu vinculação entre os fatos descritos na denúncia e a condição especial de refugiado do réu, de forma que concluiu não há como considerar a culpabilidade para tanto. Reduziu a pena-base para 07 (sete) anos e 06 (seis) meses de reclusão e 750 (setecentos e cinquenta) dias-multa. Mantida a prisão preventiva do acusado, porquanto não houve alteração do quadro fático que ensejou sua decretação, salientado que deve ser cumprida em estabelecimento compatível com o regime inicial fixado (regime semiaberto).

3. A divergência se refere apenas à fixação da pena-base, quanto à valoração negativa da condição de refugiado do acusado. Houve a manutenção da prisão preventiva por unanimidade de votos, ou seja, inexiste divergência nessa parte. 4. Ao cometer o crime de tráfico internacional de drogas, rompeu com a boa fé e confiança que orientam a concessão de refúgio, fazendo mau uso de um instituto que somente é garantido em situações excepcionais, baseadas em circunstâncias de violações aos Direitos Humanos e de cunho internacional. 5. Embargos infringentes desprovidos

Nas razões do recurso especial (e-STJ fls. 725/738), alega a parte recorrente violação do artigo 59 do CP e dos artigos 33, § 4º, e 42 da Lei nº 11.343/06. Sustenta: (i) a redução da pena-base, em razão da indevida utilização da condição de refugiado como circunstância judicial negativa, bem como a desproporcionalidade no aumento; (ii) a aplicação do benefício do tráfico privilegiado para o envolvido, tendo em vista que não se dedica a atividade criminosa, nem integra organização criminosa.

Apresentadas contrarrazões (e-STJ fls. 741/764), o recurso foi admitido (e-STJ fl. 766/770).

Encaminhados os autos ao Ministério Público Federal, este manifestou-se pelo provimento parcial do recurso especial, conforme ementa abaixo (e-STJ fls. 785/787):

PENAL E PROCESSUAL PENAL. RECURSO ESPECIAL. TRÁFICO DE DROGAS. DOSIMETRIA. PRIMEIRA FASE. CIRCUNSTÂNCIAS DO CRIME. CONDIÇÃO DE REFUGIADO. MOTIVAÇÃO INIDÔNEA.

TERCEIRA FASE. CAUSA DE DIMINUIÇÃO. QUANTIDADE DA DROGA. DEDICAÇÃO À ATIVIDADE CRIMINOSA. PARECER PELO PARCIAL PROVIMENTO DO RECURSO ESPECIAL.

É o relatório. Decido.

O recurso merece parcial acolhida.

De início, no tocante à pena-base para o delito de tráfico, houve a exasperação pelas instâncias de origem, conforme trecho abaixo (e-STJ fls. 448/453):

A Convenção das Nações Unidas relativa ao Estatuto dos Refugiados, conhecida como Convenção de Genébra de 1951, define refugiado em seu artigo 1º, emendado pelo Protocolo de 1967, como sendo toda a pessoa que, em razão de fundados temores de perseguição devido à sua raça, religião, nacionalidade, associação a determinado grupo social ou opinião política, encontra-se fora de seu país de origem e que, por causa dos ditos temores, não pode ou não quer fazer uso da proteção desse país ou, não tendo uma nacionalidade e estando fora do país em que residia como resultado daqueles eventos, não pode ou, em razão daqueles temores, não quer regressar ao mesmo.

No Brasil, a Lei n.º 9.474, de 22 de julho de 1997, definiu os mecanismos para a implementação do Estatuto dos Refugiados de 1951.

Trata-se de instituto de Direito Internacional que somente é garantido em situações excepcionais, baseadas em circunstâncias de violações aos Direitos Humanos e de cunho internacional.

No caso o cometimento de delito por aquele que ostenta a condição de refugiado denota maior reprovabilidade ante o rompimento com a boa-fé e confiança que orientam a concessão do refúgio.

[...]

Desse modo, há de ser mantida a valoração negativa da condição de refugiado para efeito de majoração da pena-base na primeira fase da dosimetria

[...]

Observando o art. 42 da Lei nº 11.343/06, em complemento da análise da pena base, há de se constatar que foram apreendidos 19.447g (dezenove mil, quatrocentos e quarenta e sete gramas) de cocaína (massa líquida) , quantidade de entorpecente muito expressiva e acima do padrão de apreensões no Aeroporto Internacional de São Paulo em Guarulhos, razão pela qual não pode ser ignorada Quanto à natureza - cocaína, é cediço que se trata de substância psicotrópica de elevado efeito ao organismo dos usuários, e que gera grave dependência química e psíquica, aniquilando relações familiares e sociais. Consabido que o uso mais comum da cocaína se dá em porções de poucos gramas e de alto poder viciante. Assim, caso fosse destinada ao consumo de terceiros uma pequena parcela da substância entorpecente ora apreendida, teríamos notórios efeitos disruptivos e desagregadores na vida social dos consumidores da droga, das suas famílias e da sociedade como um todo."

A defesa pretende a fixação da pena-base no mínimo legal.

A quantidade e a natureza do entorpecente apreendido (mais de dezenove quilogramas de cocaína) merecem valoração negativa, nos termos do art. 42 da Lei 11.343/06, tal como decidido na sentença.

No ponto, cumpre registrar que a dosimetria da pena está inserida no âmbito de discricionariedade do julgador, estando atrelada às particularidades fáticas do caso concreto e subjetivas dos agentes, elementos que somente podem ser revistos por esta Corte em situações excepcionais, quando malferida alguma regra de direito.

A jurisprudência desta Corte Superior de Justiça é no sentido de que a pena- base não pode ser fixada acima do mínimo legal com fundamento em elementos constitutivos do crime ou com base em referências vagas, genéricas, desprovidas de fundamentação objetiva para justificar a sua exasperação. Precedentes: HC n. 272.126/MG, Relator Ministro RIBEIRO DANTAS, Quinta Turma, julgado em 8/3/2016, DJe 17/3/2016; REsp n. 1.383.921/RN, Relatora Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, Sexta Turma, julgado em 16/6/2015, DJe 25/6/2015; HC n. 297.450/RS, Relator Ministro JORGE MUSSI, Quinta Turma, julgado em 21/10/2014, DJe 29/10/2014.

As circunstâncias do crime como circunstância judicial refere-se à maior ou menor gravidade do crime em razão do modus operandi.

No presente caso, não se constata a existência de fundamentação concreta e idônea, a qual efetivamente evidenciou aspectos mais reprováveis do modus operandi.

É que a condição de refugiado não pode ser utilizada para exasperar a pena- base do acusado, até porque não há prova nos autos de que o réu deliberadamente pediu refúgio com o objetivo de cometer crimes. Na verdade, o pedido de refúgio ocorreu três anos antes da prática delitiva, conforme relatado nas contrarrazões apresentadas pelo Ministério Público Federal (e-STJ fls. 757):

No que tange à prática do delito após o pedido de refúgio em território brasileiro, o distanciamento temporal entre a data do pedido de refúgio e aquela da prática do crime impede que o regime de permanência do apelante no Brasil seja considerado como circunstância desfavorável para fins de exasperação da pena-base.

Com efeito, depreende-se do histórico de viajante do acusado que sua situação de" solicitante de refúgio "remonta, ao menos, a 19.02.2016, sendo que o crime foi cometido em 27.09.2019, quando o réu já ostentava a condição de" residente "(ID 129666242, págs. 16/19). Com isso, pode-se concluir que o acusado já se encontrava suficientemente integrado à sociedade brasileira e que o pedido de refúgio não teve, necessariamente, relação com a prática de crimes ou traduz-se o delito em quebra de confiança.

Daí porque, verificado lapso temporal superior a três anos entre o pedido de refúgio e a prática do crime, inexiste justificativa concreta para a negativação das circunstâncias do crime.

Ademais, conforme consignou o Ministério Público Federal, em seu parecer, a manutenção da avaliação desfavorável das circunstâncias do crime apenas em razão da condição de refugiado do recorrente,"afrontaria o princípio da isonomia, dando azo, assim, indevidamente, a tratamento desigual entre brasileiros e estrangeiros, conduta essa vedada expressamente pela Constituição Federal, em seu art. , caput. É que, não havendo qualquer relação entre o pedido de refúgio e a prática delituosa, exasperar a pena do embargante em razão da sua mera condição de refugiado equivaleria a exigir dele comportamento alinhado com o ordenamento jurídico nacional de forma mais rigorosa do que se faria em relação a um nacional, sem qualquer fator de discrímen que se apresentasse como legítimo para tal diferenciação. Estar-se-ia diante de tratamento abertamente discriminatório dispensado a estrangeiro, apenas por ter sido beneficiado com medida de cunho humanitário, absolutamente alheia ao delito cometido"(e-STJ, fl.

559) (e-STJ fls. 786)

Prosseguindo, na hipótese do tráfico ilícito de entorpecentes, é indispensável atentar para o que disciplina o art. 42 da Lei n. 11.343/2006, segundo o qual o juiz, na fixação das penas, considerará, com preponderância sobre o previsto no art. 59 do Código Penal, a natureza e a quantidade da substância ou do produto, a personalidade e a conduta social do agente. Precedentes: AgRg nos EDcl no HC 711.362/SP, Rel. Ministro JESUÍNO RISSATO (Desembargador convocado do TJDFT), Quinta Turma, julgado em 22/3/2022, DJe 25/3/2022; AgRg no HC 679.035/AL, Rel. Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, Quinta Turma, julgado em 15/3/2022, DJe 18/3/2022; AgRg no HC 689.669/SP, Rel. Ministro JOEL ILAN PACIORNIK, Quinta Turma, julgado em 15/3/2022, DJe 21/3/2022; AgRg no AREsp 2.036.996/SP, Rel. Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, Quinta Turma, julgado em 8/3/2022, DJe 11/3/2022; AgRg no AREsp 1.946.731/MS, Rel. Ministro OLINDO MENEZES (Desembargador convocado do TRF 1a Região), Sexta Turma, julgado em 22/2/2022, DJe 2/3/2022; AgRg no REsp 1.935.344/SP, Rel. Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, Sexta Turma, julgado em 22/2/2022, DJe 3/3/2022; AgRg no HC 706.132/SC, Rel. Ministro ANTONIO SALDANHA PALHEIRO, Sexta Turma, julgado em 15/2/2022, DJe 18/2/2022; AgRg no HC 708.107/SP, Rel. Ministro RIBEIRO DANTAS, Quinta Turma, julgado em 15/2/2022, DJe 21/2/2022.

Assim, em atenção às diretrizes do art. 59 do CP e do art. 42 da Lei de Drogas, houve a consideração da elevada quantidade e da natureza altamente deletéria do entorpecente apreendido - 19.447g de cocaína - para a exasperação da reprimenda, não havendo qualquer ilegalidade no referido fundamento.

Dessa forma, deve ser afastada da reprimenda inicial a valoração negativa das circunstâncias do crime.

Busca-se, ainda, o reconhecimento de constrangimento ilegal decorrente da negativa de aplicação da minorante prevista no § 4º do art. 33 da Lei n. 11.343/2006.

Sabe-se que o legislador, ao editar a Lei n. 11.343/2006, objetivou dar tratamento diferenciado ao traficante ocasional, ou seja, aquele que não faz do tráfico o seu meio de vida, por merecer menor reprovabilidade e, consequentemente, tratamento mais benéfico do que o traficante habitual.

Para aplicação da causa de diminuição de pena do art. 33, § 4º, da Lei

n. 11.343/2006, o condenado deve preencher, cumulativamente, todos os requisitos legais, quais sejam, ser primário, de bons antecedentes, não se dedicar a atividades criminosas, nem integrar organização criminosa, podendo a reprimenda ser reduzida de 1/6 (um sexto) a 2/3 (dois terços), a depender das circunstâncias do caso concreto.

Dessa forma, a configuração da reincidência e dos maus antecedentes impede o reconhecimento da causa de diminuição de pena prevista no art. 33, § 4º, da Lei n. 11.343/2006, por ausência do cumprimento dos requisitos legais. Precedentes: AgRg no HC n. 636.306/SP, Relator Ministro RIBEIRO DANTAS, Quinta Turma, julgado em 16/3/2021, DJe 19/3/2021; AgRg no HC n. 635.594/SP, Relator Ministro NEFI CORDEIRO, Sexta Turma, julgado em 9/3/2021, DJe 12/3/2021; EDcl no AgRg no HC n. 604.376/SP, Relator Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, Sexta Turma, julgado em 2/3/2021, DJe 9/3/2021; AgRg no REsp n. 1.905.160/SP, Relator Ministro JOEL ILAN PACIORNIK, Quinta Turma, julgado em 15/12/2020, DJe 18/12/2020; AgRg no AgRg no AREsp n. 1.713.569/SP, Relator Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, Quinta Turma, julgado em 6/10/2020, DJe 13/10/2020.

Na espécie, o Tribunal a quo , ao manter o afastamento da incidência do benefício do art. 33, § 4º, da Lei n. 11.343/2006 para os envolvidos, decidiu (e-STJ fl. 454/455):

Na terceira fase, pretende a defesa o reconhecimento da causa de diminuição do § 4º do art. 33 da Lei 11.343/06 no patamar máximo.

A benesse foi afastada com os seguintes fundamentos, aos quais me reporto, endossando-os:

"Consoante se observa na certidão de registro migratório constante nos autos e no passaporte do réu, não se pode ignorar que ele teve uma saída anterior do Brasil, em data muito próxima à da viagem que acarretou sua prisão (em 2019), também por curto período de tempo, em circunstâncias que não foram esclarecidas de modo satisfatório. Também realizou uma série de viagens seguidas no ano de 2016 (entre os meses de fevereiro e abril). Ao ser questionado quanto ao custeio das viagens anteriores ou os motivos das mesmas, a parte ré limitou-se a alegar que em 2016 seus irmãos e pai morreram entre os meses de fevereiro e abril, não sabendo precisar os dias. Afirmou que em 2019, no começo do ano, teve que ir para a Nigéria, para participar de uma homenagem a seu pai, sem apresentar nenhum documento acerca dos óbitos relatados.

Como se observa, não houve justificativa plausível para a realização das referidas viagens internacionais, em especial, ao se observar os rendimentos da parte ré, a qual afirmou ser pobre em seu país, e a ausência de qualquer demonstração de como teria conseguido custear as viagens.

Vê-se, pois, que viagens anteriores mal explicadas caracterizam indício concreto de dedicação à atividade de transporte internacional de drogas, como "mula profissional", o que se confirma como prova indireta em cotejo com os elementos de prova direta colhidos. Não há como negar que, efetivamente, dedica-se ao crime a pessoa que transporta entorpecente para o exterior, nas condições da parte acusada, tendo realizado outras viagens internacionais, por curto período de tempo, incompatíveis com a alegada condição econômica, sem explicação e justificativa plausível a tanto."

A causa de diminuição de pena prevista no § 4º do art. 33 da Lei 11.343/06 prevê redução de 1/6 a 2/3 para o agente que seja primário, possua bons antecedentes e não se dedique a atividades criminosas nem integre organização criminosa.

O dispositivo foi criado a fim de facultar ao julgador ajustar a aplicação e a individualização da pena às múltiplas condutas envolvidas no tráfico de drogas, notadamente o internacional, porquanto não seria razoável tratar o traficante primário, ou mesmo as" mulas ", com a mesma carga punitiva a ser aplicada aos principais responsáveis pela organização criminosa que atuam na prática deste ilícito penal.

Dos elementos coligidos nos autos, constata-se que o envolvimento do réu com o tráfico de entorpecentes não foi ocasional.

Observo que o réu realizou uma viagem ao exterior, menos de três meses antes da data dos fatos, em circunstâncias que não conseguiu explicar suficientemente. Embora tenha alegado que se tratou de viagem relacionada ao óbito de seu genitor, não trouxe aos autos qualquer prova nesse sentido, tampouco demonstrou situação econômica compatível com tal viagem. Além disso, declarou em seu interrogatório policial que esteve preso anteriormente por envolvimento com o tráfico de drogas.

Por essas razões, mantenho o afastamento da causa de diminuição do art. 33, § 4 da Lei 11.343/06, tal como decidido na sentença. (grifos nossos)

Colhe-se dos excertos acima transcritos que, na hipótese dos autos, as instâncias ordinárias concluíram que as circunstâncias do caso concreto denotam a colaboração contumaz do recorrente com o tráfico ilícito de entorpecentes, considerando especialmente, os inúmeros movimentos migratórios, indicando diversas viagens internacionais anteriores, de curta duração, com custos incompatíveis com sua condição financeira declarada, tudo a indicar que sua contribuição para a logística de distribuição do narcotráfico internacional não era eventual, não havendo que se falar em violação ao art. 33, § 4º, da Lei n.º 11.343/2006.

Inafastável, no caso em tela, a incidência do óbice do enunciado 7 da Súmula do STJ, porquanto a desconstituição da conclusão a que chegaram as instâncias de origem

- soberanas na análise de fatos e provas - de que o recorrente não teria preenchido os requisitos legais para a aplicação da benesse do art. 33, § 4º, da Lei n.º 11.343/2006, demandaria, necessariamente, aprofundado revolvimento de matéria fático-probatória, providência vedada em sede de recurso especial.

Passo a refazer a dosimetria da pena, mantidos os critérios da Corte de origem. Na primeira fase, em razão do desvalor da elevada quantidade e da natureza

altamente deletéria do entorpecente apreendido - 19.447g de cocaína - fixo a reprimenda em 7 anos e 6 meses de reclusão e 750 dias-multa. Na segunda fase, incidindo a atenuante da confissão, reduzo a reprimenda em 1/6, o que resulta em 6 anos e 3 meses de reclusão e pagamento de 625 dias-multa. Na terceira fase, incide a causa especial de aumento de pena prevista no art. 40, inciso I, da Lei 11.343/06, de modo que aplico o aumento de 1/6, ficando a reprimenda definitiva estabelecida em 7 anos, 3 meses e 15 dias de reclusão e pagamento de 729 dias-multa.

Ante o exposto, com fundamento no art. 932, inciso VIII do CPC, e no art. 255, § 4º, inciso III, do RISTJ, conheço parcialmente e, nessa parte, dou provimento ao recurso especial para afastar a negativação das circunstâncias do crime da pena-base, redimensionando a pena do envolvido para 7 anos, 3 meses e 15 dias de reclusão e pagamento de 729 dias-multa, mantidos os demais termos da condenação.

Intimem-se.

Brasília, 21 de outubro de 2022.

Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA

Relator

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(STJ - REsp: 2026672, Relator: REYNALDO SOARES DA FONSECA, Data de Publicação: 24/10/2022)

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