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5 de Maio de 2024

STJ Maio23 - fishing expedition - Mandado de Prisão Isolado não Autoriza a realização de Busca e Apreensão - Nulidade

há 11 meses

Inteiro Teor

HABEAS CORPUS Nº 801160 - SP (2023/0035688-5)

RELATOR : MINISTRO RIBEIRO DANTAS

DECISÃO

Trata-se de habeas corpus substitutivo de recurso próprio, com pedido liminar, impetrado em favor de XXXXXXXXXXXXXXX em face de acórdão prolatado pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo.

Extrai-se dos autos que o paciente foi condenado como incurso nas sanções do art. 180, caput , do Código Penal e do art. 28 da Lei n. 11.343/06, na forma do art. 69 do CP, à pena de 1 ano, 4 meses e 10 dias de reclusão, em regime fechado, mais pagamento de 12 dias-multa, além de 6 meses de prestação de serviços à comunidade (e-STJ, fls. 31-36).

Impetrado habeas corpus perante a Corte de origem, a ordem foi denegada (e-STJ, fls. 38-42).

Neste writ o impetrante sustenta a ocorrência de flagrante ilegalidade consistente na invasão do domicílio do paciente, sem ordem judicial, por ocasião do cumprimento de mandado de prisão.

Aduz que o cumprimento de mandado de prisão definitiva não serve de salvo conduto para busca na residência do acusado.

Afirma que a condenação do paciente amparou-se em prova ilícita.

Subsidiariamente, alega que, a despeito da reincidência e maus antecedentes do paciente, é possível a fixação de regime menos gravoso que o fechado, tendo em vista a quantidade de pena fixada e que o paciente já está preso há 6 meses. Assim é cabível a fixação do regime semiaberto ou aberto, com a concessão da pena privativa de liberdade por restritivas de direitos.

Requer a concessão da ordem a fim de que a ação originária seja anulada desde o início, expedindo-se alvará de soltura em favor do paciente. Caso assim não se entenda, pugna pela fixação do regime aberto ou semiaberto, com a substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direitos.

Indeferido o pedido de liminar (e-STJ, fl. 45).

O Ministério Público Federal opinou pelo não conhecimento do writ (e-STJ, fls. 48- 51).

É o relatório.

Decido.

Esta Corte - HC 535.063, Terceira Seção, Rel. Ministro Sebastião Reis Junior, julgado em 10/6/2020 - e o Supremo Tribunal Federal - AgRg no HC 180.365, Primeira Turma, Rel. Min. Rosa Weber, julgado em 27/3/2020; AgRg no HC 147.210, Segunda Turma, Rel. Min. Edson Fachin, julgado em 30/10/2018 -, pacificaram orientação no sentido de que não cabe habeas corpus substitutivo do recurso legalmente previsto para a hipótese, impondo-se o não conhecimento da impetração, salvo quando constatada a existência de flagrante ilegalidade no ato judicial impugnado.

Assim, passo à análise das razões da impetração, de forma a verificar a ocorrência de flagrante ilegalidade a justificar a concessão do habeas corpus de ofício.

Com efeito, acerca da alegada ilicitude das provas, em razão de violação de domicílio, assim se pronunciou o Tribunal de origem:

"Por outro lado, acerca da alegada ilegalidade da prova, afere-se que policiais compareceram ao local e, ao darem cumprimento a mandado de prisão expedido noutro processo, indagaram ao paciente se possuía algum ilícito na residência, informando ele que possuía drogas (maconha e cocaína), as quais foram apreendidas. Diante disso, os agentes, mediante autorização, realizaram busca no imóvel, durante a qual encontraram o notebook avaliado em R$1.800,00, que havia sido furtado três dias antes.

Em que pese as alegações da impetração, não se pode olvidar que a garantia de inviolabilidade de domicílio é excepcionada pela própria Constituição Federal, na hipótese de prisão em flagrante. E a guarda de entorpecentes e ocultação de bem de origem ilícita configuram crimes permanentes, permitindo a invasão de domicílio e o flagrante a qualquer tempo." (e-STJ, fls. 41-42)

Já na sentença constou o seguinte:

"Não procede a preliminar defensiva de nulidade das buscas no imóvel do réu. Os policiais se dirigiram a residência do réu para cumprir mandado de prisão contra o réu. Chegando ao local, ele foi questionado sobre objetos ilícitos, e declarou que tinha entorpecentes e indicou onde os guardava. Diante da localização da droga, os policiais solicitaram autorização para efetuarem buscas por todo o imóvel, o que o réu concedeu. Essa é a versão do próprio réu da delegacia de policia. Nesse contexto, inexiste nulidade por suposto fishing expedition , porquanto o próprio réu indicou que guardava entorpecente e, depois, autorizou a busca completa pelo imóvel. Ainda em razão de sua anuência, não há que se falar em violação de domicílio. E mesmo que não houvesse autorizado, conforme alegou nesta data, a existência de drogas na residência traz a situação flagrancial, portanto autorizadora das buscas." (e-STJ, fl.

32)

Dos excertos acima reproduzidos, verifica-se que os depoimentos dos policiais foram utilizados na condenação do paciente. Porém, incontroverso que a busca residencial foi precedida somente de abordagem externa do paciente no momento do cumprimento de mandado de prisão, não se constatando situação que indicasse a ocorrência de crime no interior do domicílio.

No caso, o objetivo era prender o paciente, devolvendo-o ao sistema prisional para o início ou término do cumprimento de sua pena. Todavia, nesse contexto, os policiais aproveitaram o ensejo e fizeram buscas aprofundadas na residência do paciente, encontrando drogas e um notebook , fazendo com que o paciente fosse posteriormente condenado por receptação e porte de droga para consumo próprio.

Tal proceder evidencia violação expressa ao art. , inciso XI, da Constituição da Republica. Cuida-se da nefasta prática denominada de pesca probatória (fishing expedition), apontada pela doutrina e pela jurisprudência como meio inadequado de obtenção de meios de prova, pois não há autorização judicial para se proceder a busca e apreensão no local, valendo-se as autoridades policiais de instrumentos alternativos para encontrar elementos aptos a incriminar os alvos dessas operações abusivas.

Não havia indícios anteriores e exteriores da prática dos crimes de receptação ou porte de droga para uso próprio, o que só ficou claro após a revista exploratória dos policiais, o que não se admite sem a presença de elementos prévios ao início da busca (Tema 280/STF no RE 603.616/RO) ou sem autorização judicial.

Cito, por oportuno, precedentes das duas Turmas que compõem a Terceira Seção desta Corte nesse sentido:

"HABEAS CORPUS . TRÁFICO DE DROGAS. FLAGRANTE. DOMICÍLIO COMO EXPRESSÃO DO DIREITO À INTIMIDADE. ASILO INVIOLÁVEL.

EXCEÇÕES CONSTITUCIONAIS. INTERPRETAÇÃO RESTRITIVA. AUSÊNCIA DE FUNDADAS RAZÕES. AUSÊNCIA DE CONSENTIMENTO VÁLIDO DO MORADOR. COAÇÃO AMBIENTAL/CIRCUNSTANCIAL. VÍCIO NA MANIFESTAÇÃO DE VONTADE. NULIDADE DAS PROVAS OBTIDAS. TEORIA DOS FRUTOS DA ÁRVORE ENVENENADA. ABSOLVIÇÃO. ORDEM CONCEDIDA.

1. O art. , XI, da Constituição Federal consagrou o direito fundamental à inviolabilidade do domicílio, ao dispor que a casa é asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela podendo penetrar sem consentimento do morador, salvo em caso de flagrante delito ou desastre, ou para prestar socorro, ou, durante o dia, por determinação judicial.

2. O Supremo Tribunal Federal definiu, em repercussão geral (Tema 280), que o ingresso forçado em domicílio sem mandado judicial apenas se revela legítimo - a qualquer hora do dia, inclusive durante o período noturno - quando amparado em fundadas razões, devidamente justificadas pelas circunstâncias do caso concreto, que indiquem estar ocorrendo, no interior da casa, situação de flagrante delito ( RE n. 603.616/RO, Rel. Ministro Gilmar Mendes, DJe 8/10/2010). No mesmo sentido, neste STJ: REsp n. 1.574.681/RS. [...]

15. Deveras, retomando a hipótese dos autos, uma vez que o acusado já estava preso por porte de arma de fogo em via pública, sozinho, diante de dois policiais armados, sem a opção de ser assistido por defesa técnica e sem mínimo esclarecimento sobre seus direitos, não é crível que estivesse em plenas condições de prestar livre e válido consentimento para que os agentes de segurança estendessem a diligência com uma varredura especulativa auxiliada por cães farejadores em seu domicílio à procura de drogas, a ponto de lhe impor uma provável condenação de 5 a 15 anos de reclusão, além da pena prevista para o crime do art. 14 do Estatuto do Desarmamento, no qual já havia incorrido.

16. A diligência policial, no caso dos autos, a rigor, configurou verdadeira pescaria probatória (fishing expedition) no domicílio do acusado. Com efeito, uma vez que a arma de fogo mencionada na denúncia anônima já havia sido apreendida com o paciente em via pública (distante da residência, frise-se) e não existia nenhum indício concreto, nem sequer informação apócrifa, quanto à presença de drogas no interior do imóvel, não havia razão legítima para que os agentes de segurança se dirigissem até o local e realizassem varredura meramente especulativa à procura de entorpecentes com cães farejadores. Cabia-lhes, apenas, diante do encontro da arma de fogo em via pública, conduzir o réu à delegacia para a lavratura do auto de prisão em flagrante.

17. A descoberta a posteriori de uma situação de flagrante decorreu de ingresso ilícito na moradia do acusado, em violação da norma constitucional que consagra direito fundamental à inviolabilidade do domicílio, o que torna imprestável, no caso concreto, a prova ilicitamente obtida e, por conseguinte, todos os atos dela decorrentes.

18. Porque as instâncias ordinárias, ao condenar o réu pelo crime previsto no art. 14 da Lei n. 10.823/2006, consideraram que a apreensão da arma de fogo ocorreu antes e fora da residência, em contexto fático independente, a condenação por tal delito não é atingida pela declaração de ilicitude das provas colhidas no interior do domicílio, notadamente quando verificado que a validade da busca pessoal que resultou na apreensão da referida arma na cintura do paciente não foi questionada pela defesa.

19. Ordem concedida para, considerando que não houve fundadas razões, tampouco comprovação de consentimento válido para a realização de buscas por drogas no domicílio do paciente, reconhecer a ilicitude das provas por esse meio obtidas, bem como de todas as que delas decorreram, e, por conseguinte, absolvê-lo em relação à prática do delito de tráfico de drogas." ( HC n. 762.932/SP, relator Ministro Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, julgado em 22/11/2022, DJe de 30/11/2022.);

"AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. WRIT NÃO CONHECIDO. ORDEM CONCEDIDA DE OFÍCIO. TRÁFICO DE DROGAS E POSSE IRREGULAR DE ARMA DE FOGO DE USO PERMITIDO. INVASÃO DOMICILIAR EFETUADA POR POLICIAIS CIVIS. CUMPRIMENTO DE MANDADO DE PRISÃO POR INVESTIGAÇÃO DE CRIME DIVERSO. DESVIO DE FINALIDADE E FISHING EXPEDITION . NULIDADE DAS PROVAS OBTIDAS E DERIVADAS. TEORIA DOS FRUTOS DA ÁRVORE ENVENENADA. PRECEDENTES DO STJ. AGRAVO REGIMENTAL A QUE SE NEGA PROVIMENTO.

1. Consoante recente orientação jurisprudencial desta Corte Superior, 'É ilícita a prova colhida em caso de desvio de finalidade após o ingresso em domicílio, seja no cumprimento de mandado de prisão ou de busca e apreensão expedido pelo Poder Judiciário, seja na hipótese de ingresso sem prévia autorização judicial, como ocorre em situação de flagrante delito' ( HC n. 663.055/MT, Relator Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, Sexta Turma, julgado em 22/3/2022, DJe de 31/3/2022).

2. Nessa linha de intelecção, não se pode admitir que a entrada na residência especificamente para o cumprimento de mandado de prisão sirva de salvo-conduto para que todo o seu interior seja vasculhado indistintamente, em verdadeira pescaria probatória (fishing expedition), sob pena de nulidade das provas colhidas por desvio de finalidade.

3. A existência de mandado de prisão em aberto para apuração de crime de homicídio supostamente praticado por dois dos pacientes não justifica a realização de buscas na residência da terceira paciente, em verdadeira pescaria/expedição probatória, procedimento que demanda autorização judicial expressa ou a autorização explícita e espontânea da ré, o que não ocorreu no caso.

4. Somado a isso, ainda que as provas encontradas posteriormente configurem crime permanente, estas não podem ser usadas para justificar, a posteriori, a violação do domicílio. Isso porque as razões que justifiquem o ingresso na residência devem existir no momento da ação ou previamente a ela. A constatação posterior da situação de flagrância não é capaz de conferir licitude à invasão, de forma retroativa.

5. Assim, reconhecida a ilegalidade da busca probatória dentro da casa, que é totalmente desvinculada da finalidade de apenas capturar os acusados, vislumbra-se a ilicitude da busca e apreensão domiciliar, e das provas dela decorrentes, impondo-se a absolvição dos agentes, nos termos do art. 386, II, do CPP.

6. Agravo regimental do Ministério Público do Estado de Santa Catarina a que se nega provimento."( AgRg no HC n. 733.910/SC, relator Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, julgado em 6/9/2022, DJe de 13/9/2022.).

Outrossim, vale registrar que "A suposta permissão para ingresso domiciliar, proferida em clima de estresse policial, não pode ser considerada espontânea, a menos que tivesse sido por escrito e testemunhada, ou documentada em vídeo. Afigura-se ilícita a prova obtida mediante violação de domicílio desprovida de fundadas razões." ( AgRg no RHC n. 149.722/AL, relator Ministro Olindo Menezes (Desembargador Convocado do TRF 1a Região), Sexta Turma, julgado em 7/12/2021, DJe de 13/12/2021.)

Ante o exposto, não conheço do habeas corpus. Contudo, concedo a ordem , de ofício, para anular todas as provas colhidas em sede de busca domiciliar e as dela decorrentes, por violação ao art. , inciso XI, da Constituição da Republica, absolvendo o paciente pelos crimes do art. 180, caput , do Código Penal e do art. 28 da Lei n. 11.343/06, na forma do art. 69 do CP, com fulcro no art. 386, inciso II, do CPP.

Comunique-se, com urgência , ao Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, bem como à 5a Vara Criminal da Comarca de São José do Rio Preto/SP.

Publique-se. Intimem-se.

Brasília, 08 de maio de 2023.

Ministro Ribeiro Dantas

Relator

(STJ - HC: 801160, Relator: RIBEIRO DANTAS, Data de Publicação: 11/05/2023)

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