Página 378 da II - Judicial - 2ª Instância do Diário de Justiça do Rio de Janeiro (DJRJ) de 30 de Outubro de 2014

Diário de Justiça do Rio de Janeiro
há 10 anos

públicos dos chamados serviços de utilidade pública. Aos primeiros, tem direito todos os cidadãos como contribuintes, existindo entre estes e o prestador do serviço (pessoa jurídica de direito público interno) uma relação jurídica de direito público, de natureza tributária, já que tais serviços são custeados e mantidos por tributos, além de estarem inseridos, genérica e universalmente, nas atividades precípuas do Estado (segurança pública, saúde pública, educação pública, iluminação pública, limpeza urbana, conservação de estradas e rodovias "não privatizadas" etc). Aos segundos, tem direito os cidadãos como usuários ou utentes que, pelo serviço, pagam tarifas ou preços públicos. As atividades, em casos tais, podem ser prestadas diretamente pelo Poder Público (por suas autarquias, fundações, empresas públicas ou sociedades de economia mista), ou mediante concessão ou permissão, ou qualquer outra forma de empreendimento, pela iniciativa privada. Nestes casos, há relação de consumo sendo, portanto, inafastável toda a sistemática constitucional e infraconstitucional de proteção e defesa do consumidor. Nesse sentido, as disposições contidas nos artigos 3º, caput - ao se referir a pessoa jurídica de direito público ou privado; 4º, VII; 6º, X e 22. Não há nenhuma dúvida de que os serviços de utilidade pública devem ser prestados de maneira adequada, eficiente, segura e, em se tratando de serviço essencial, de modo contínuo. Tais atributos, com efeito, não constituem um plus, mas, sim, verdadeiros deveres do prestador, com os quais não pode transigir o aplicador do Código de Proteçâo e Defesa do Consumidor. E o que se deve entender por serviço adequado? A resposta pode ser encontrada no artigo , § 1º, da Lei nº 8.987/95, que dispõe que "serviço adequado é o que satisfaz as condições de regu-laridade, continuidade, eficiência, segurança, atualidade, generalidade, cortesia na sua prestação e modicidade das tarifas" (Grifei). A outro tanto, o que se deve entender por serviço essencial? Entendemos que, se revista de essencialidade, aquele serviço do qual não pode ser privado o usuário, em razão da urgência em sua prestação, tornando o indispensável ao atendimento das necessidades inadiáveis do cidadão, como, por exemplo, os de fornecimento de energia elétrica, de água, de esgotamento sanitário, de telefonia. Complementa este elenco o rol exemplificativo do artigo 10, da Lei nº. 783/89, que trata do direito de greve. Logo, a continuidade de tais serviços é mandamento que se impõe, inclusive à luz dos princípios constitucionais da intangibilidade da dignidade da pessoa humana e da garantia à segurança, à saúde e à vida. No caso concreto, os valores cobrados pela Ré com relação às contas vencidas em março, abril e maio de 2012 revelaram-se incompatíveis com o real consumo de energia na residência da Autora, se comparadas ao consumo referente ao ano anterior, que obteve média de 104 kWh. Vale ressaltar que uma das faturas impugnadas chegou a apresentar 2.025kWh de consumo. Inobstante as diversas contestações administrativas efetuadas pela Autora, a Ré insistiu nas cobranças de valores elevados, causando o inadimplemento, e, por consequência, a interrupção dos serviços por mais de 1 mês. O serviço somente foi restabelecido por força da r. decisão de antecipação dos efeitos da tutela jurisdicional pleiteada. O fato do serviço restou bem delineado nos autos. O dano moral, na espécie, se configura in re ipsa. Resta, pois, a análise da verba compensatória arbitrada e, a nosso sentir, razão assiste à Autora. A responsabilidade civil clássica não entendia o dano como consequência de um dever geral de conduta violado, como a responsabilidade civil contemporânea o faz (especialmente na sistemática dúplice adotada pelo Direito do Consumidor ? responsabilidade pelo fato produto/serviço, como violação de um dever geral de segurança e; ?responsabilidade pelo vício produto/serviço, como violação de um dever geral de qualidade/adequação). Compartilho do entendimento de que responsabilidade é um dever jurídico sucessivo, que surge para recompor os danos (patrimoniais e extrapatrimoniais) decorrentes da violação de um dever jurídico originário (legal ou contratual). É, pois, a obrigação que impende sobre determinado sujeito de indenizar e/ou compensar os danos materiais e/ou morais decorrentes de um comportamento antijurídico pelo qual responda. Destarte, nos termos da dogmática jurídica atual, está relacionada à violação de um dever geral de conduta - o qual se refere a uma norma jurídica (em sentido estrito), a uma norma ética/moral (valor social) ou a uma disposição contratual e/ou princípios da moderna concepção contratual (dentre os quais se sobressai o da bo -fé objetiva) -, não a dano (CC 187), como quer a doutrina clássica. Cumpre ao Poder Judiciário, pois, efetivamente reparar os danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos ou difusos causados aos consumidores, mas, sobretudo, compete-lhe efetivamente prevenir a ocorrência dos mesmos - conforme dispõe o artigo , VI, do Código de Proteçâo e Defesa do Consumidor. Seguindo-se por esta trilha de raciocínio, especial relevo assume a teoria do desestímulo (adotada majoritariamente pela doutrina e jurisprudência pátrias, inspirada na Escola Francesa), segundo a qual a sanção (quantum indenizatório arbitrado pela autoridade judicial) deve fixar uma quantia considerável o suficiente para inibir a reiteração de condutas semelhantes pelo agente. No campo doutrinário, no que respeita ao caráter punitivo e pedagógico da indenização, salienta Carlos Alberto Bittar: "O valor da indenização deve corresponder à reposição, no patrimônio do lesado, do prejuízo experimentado, revertendo-se, a seu favor, o resultado indevido obtido pelo agente, a par dos lucros cessantes, dentro da técnica tradicional da responsabilidade civil. Na satisfação de interesses morais, a gravidade da infração e as circunstâncias do caso é que oferecerão os elementos necessários para a sua dosagem e a fixação final do quantum devido, levando-se em conta, sempre, que o valor final de indenização deve ser tal que desestimule a prática de futura lesão e possa, em consonância com a teoria da responsabilidade e a índole dos direitos autorais, propiciar ao lesado compensação adequada pelo interesse ferido. Impõe-se, na prática, o rigor na definição do quantum ou do quid, a fim de que o sancionamento venha a constituir-se, como se deve, em fator de inibição de ações vedadas pelo ordenamento ju-rídico, na defesa dos transcendentes valores da pessoa humana aqui acobertados". (Bittar, Carlos Alberto. Direito de autor. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2001, p. 143) Maria Helena Diniz observa que: "Não se pode negar a sua função [da reparação pecuniária do dano moral]: a) penal ou punitiva, constituindo uma sanção imposta ao ofensor, visando à diminuição de seu patrimônio, pela indenização paga ao ofendido, visto que o bem jurídico da pessoa - integridade física, moral e intelectual - não poderá ser violado impunemente, subtraindo-se o seu ofensor às consequências de seu ato por não serem reparáveis; e b) satisfatória ou compensatória, pois, como o dano moral constitui um menoscabo a interesses jurídicos extrapatrimoniais, provocando sentimentos que não têm preço, a reparação pecuniária visa proporcionar ao prejudicado uma satisfação que atenue a ofensa causada." (O problema da liquidação do dano moral e dos critérios para a fixação do "quantum" Indenizatório, in Atualidades Jurídicas, 2, Maria Helena Diniz (coordenadora), São Paulo : Saraiva, 2000, p. 248, sem grifos). Há, no ordenamento pátrio, normas cíveis de caráter punitivo. São exemplos os artigos 608, 773, 939 a 941, 953, 954, 1336, parágrafos primeiro e segundo, do Código Civil, e artigos 42, parágrafo único e 84, parágrafo 4º, do Código de Defesa do Consumidor. Logo, não se trata de questão jurídica nova e/ou que não encontre aceitação pelo direito positivo brasileiro. O problema é de foco. O foco da função punitiva da composição do dano moral é a pessoa do ofensor, ou seja, é o mecanismo de resposta do sistema jurídico voltado à sanção do agente que, com seu comportamento ilícito, causa dano a outrem. Não se volta, exclusivamente, para a pessoa da vítima - que, por seu lado, tem a indenização com finalidade compensatória. Vale dizer que, se o Poder Judiciário se mantiver vinculado à ideia de que não pode enriquecer o ofendido, deixará de cumprir a sua função de punir o ofensor. Resultado: acabará por retroalimentar novas condutas ilícitas, em manifesto confronto com os direitos dos consumidores, do que advirão novas ações de responsabilidade civil, pelo mesmo comportamento danoso, judicializando o problema e abarrotando serventias e gabinetes. Fornecedores de grande porte, como a Ré, são, em larga medida, os principais agentes violadores de direitos do consumidor. Causam danos em escala. De tão conhecidos, são denominados litigantes habituais. São empresas que, na visão da doutrina jurídica especializada, se utilizam da possibilidade de descumprir a legislação e, posteriormente, fazer acordos em juízo para o pagamento de valores indenizatórios pequenos, ou suportar o pagamento de condenações diminutas aos consumidores, como estratégia de mercado (André Gustavo Corrêa de Andrade - Indenização punitiva. Revista da ABPI, n. 85, p. 55-69, nov/dez 2006; Diogo Leandro Machado de Melo - Ainda sobre a

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