Página 1838 da Judicial - 1ª Instância - Interior - Parte I do Diário de Justiça do Estado de São Paulo (DJSP) de 15 de Julho de 2015

cristalizado. A plasticidade do contrato transforma a sua própria natureza, fazendo com que os interesses divergentes sejam convertidos numa verdadeira parceria, na qual todos os esforços são válidos e necessários para fazer subsistir o vínculo entre os contratantes, respeitados, evidentemente, os direitos individuais. A própria função social do contrato está associada ao princípio contratual da conservação, segundo o qual devem ser envidados todos os esforços no sentido de manter a relação. Nesse contexto, o direito à resolução do contrato, disposto no art. 475 do Código Civil, passa a ser considerado como medida extrema. A preferência por remédios que não promovam o rompimento do vínculo negocial está clara em diversas passagens do Código Civil, tal como na execução específica das obrigações dos arts. 249, 251, 464. Além disso, o princípio da conservação do negócio jurídico pode ser encontrado nos arts. 144, 157, § 2º, 479, 662, 1.268, 1.551, 1.553, 1.554, 1.561 e 1.859 do Código Civil de 2002. Não há dúvidas quanto ao imprescindível papel do contrato como fonte de direito e meio de agilidade e maximização das trocas econômicas, jurídicas e sociais. A função social, nesse aspecto, está atrelada à manutenção e incremento das aludidas relações. Pois bem. Reunidos esses preceitos de conduta leal, correta, honesta e cooperativa entre as partes contratantes, decorrentes da boa-fé objetiva, e de preservação da relação contratual em lugar da imediatista opção pelo rompimento, decorrente do princípio da conservação dos contratos, tenho, no meu sentir, que agiram mal os autores. Os autores dizem ser credores da arquiteta requerida segundo a importância de R$ 17.355,25, decorrentes de serviços que necessitaram contratar para fazer frente aos, em tese, maus serviços prestados pela requerida. Esta, em contrapartida, diz ser credora em face dos autores. Isto porque os reparos reclamados pelos autores não foram prestados porque eles deixaram pendente pagamento em favor da ré. Ela defende, com base na exceção do contrato não cumprido, que não estaria obrigada a efetuar reparo e, assim, prosseguir na execução de seus serviços enquanto os autores se recusavam a cumprir a obrigação que lhes cabia, ou seja, a de efetuar os pagamentos pendentes. Tem razão a requerida. As trocas de e-mails havidas entre as partes bem evidenciam o que se passou. À fl. 82, observo que os autores eram sabedores que pendia pagamento em favor da ré. Também verifico que a ré, de seu turno, não negou que reparos seriam necessários ao trabalho até então desenvolvido. Entendia ela, porém, e acertadamente, que o prosseguimento dos trabalhos e, logo, a execução dos reparos pendentes estavam a depender de pagamentos por parte dos autores. Estes, entretanto, deixando de lado o espírito cooperativo da boa-fé objetiva e ignorando a ideia de preservação dos contratos, de maneira muito apressada incorporaram espírito belicoso. Antes de buscar conservar o liame criado com a ré, procuraram logo o rompimento da avença e contrataram terceiros para fazer o serviço que competia à ré, do alto de sua competência, bem provada nos autos, executar. Em lugar de pagar o que devido à ré, os autores, com animus de litigiosidade, optaram pela mais drástica e custosa solução: romperam o contrato, pouco se importando com o prejuízo a ser suportado pela ré, e logo partiram para a contratação de terceiro. Desse modo, agiram mal os autores e a onerosa consequência que dali advém é fardo de suportar o pagamento dos reparos efetuados pelos terceiros, o qual não poderão transferir à requerida, que não se negou ao trabalho, mas sim apenas aguardava o pagamento que entendia justo e cabível. Com efeito, por respeito à exceção do contrato não cumprido, dispõe o artigo 476, do Código Civil que nos contratos bilaterais, nenhum dos contratantes, antes de cumprida a sua obrigação, pode exigir o implemento da do outro. Quem deixou pendente obrigação a se adimplir foram os autores, não a ré. Caberia, portanto, condenação dos autores a pagar à ré a quantia estampada na reconvenção (fl. 403) decorrente de despesas suportadas pela ré na execução do contrato. Ocorre que a cobrança formulada em reconvenção pecou pela falta de precisa comprovação documental. Quanto ao pedido reconvencional de indenização por danos materiais, há de ser afastada sua incidência, mormente porque a origem da verba reclamada não ficou devidamente exteriorizada na inicial. A simples alegação de que ocorreram perdas e danos não induz na aceitabilidade do prejuízo que alega. É prova de presunção relativa, não constituidora de direito certo. Com efeito, da prova acostada aos autos pela parte autora não é possível saber ao certo quais danos emergiram. Inegavelmente, houve dano experimentado pela ré, que ficou sem pagamento, mas sem se saber ao certo o quanto, o pedido acaba repousando-se numa iliquidez que não permite ao julgador acolher o quanto postulado. A reconvinte apresenta o valor de R$ 12.600,00 a lhe ser pago. Todavia, não trouxe aos autos nenhum documento a embasar de onde apurou aquela quantia. Desta feita, improcede o pedido inicial porque não foi a ré quem deu causa ao rompimento do contrato celebrado entre as partes, mas antes os autores, que não cumpriram pontualmente sua obrigação contratual e precipitadamente concluíram que a melhor alternativa estava na rescisão do contrato e na contratação dos serviços de terceiros. Em contrapartida, improcede o pedido reconvencional porque, ainda que admitido que a requerida fosse credora em face dos autores, ela não reuniu nem sequer mínimo começo de prova documental a embasar seu pedido. Dos danos morais. Também não é o caso de condenação por danos morais. Nem autores nem requerida foram vitimados por danos dessa magnitude. Ensina-nos a jurisprudência, na lição do Ministro BARROS MONTEIRO que, para caracterização do dano moral puro, sobrevindo em razão de ato ilícito, necessária a perturbação nas relações psíquicas, na tranquilidade, nos sentimentos e nos afetos de uma pessoa. Entende o jurista que, presentes tais requisitos, configurar-se-ia o dano moral, passível de indenização. Ou, como bem salientado pelo magistério de HUMBERTO THEODORO JR., referindo-se a CARLOS ALBERTO BITTAR: “Danos morais são os danos de natureza não-econômica e que se traduzem em turbações de ânimo, em reações desagradáveis, desconfortáveis e constrangedoras, ou de outras desse nível, produzidas na esfera do lesado. (...) De maneira mais ampla, pode-se afirmar que são danos morais os ocorridos na esfera da subjetividade, ou no plano valorativo da pessoa na sociedade, alcançando os aspectos mais íntimos da personalidade humana (o da intimidade e da consideração pessoal) ou da própria valoração da pessoa no meio em que vive e atua (o da reputação ou da consideração social)”. As alegações trazidas aos autos, contudo, não condizem com o alegado dano moral. O que se verifica, ao contrário, é que há sim entre autores e ré latente animosidade. Mas isto, por si só, não caracteriza, não no meu sentir, ofensa a direito de personalidade passível de reparação econômica. O convívio em sociedade pressupõe alguns inconvenientes, mas nem todos eles são dignos de reparação. Nosso ordenamento jurídico prevê possibilidade de indenização por dano moral para aquelas hipóteses em que a conduta do agente atinge a psique e os atributos pessoais da vítima, causando-lhe dor anormal. A indenização, assim, procura ressarcir essa dor suportada pela pessoa, muito embora seja o dano de difícil liquidação. Contudo, a lei não protege as suscetibilidades de cada indivíduo, mas sim ampara somente aqueles que são vítimas de situações anormais, sob pena de o instituto do dano moral tornar-se um instrumento de enriquecimento sem causa da vítima. Pelo que passaram as partes não é caso de se ficar obcecado com o que, no plano da totalidade das coisas, tem menor significância e, portanto, deve ser suportado sem compensação material. A vida, afinal, deve ser contemplada sub specie aeternitatis (Baruch Spinoza). Com a previsão do artigo , inciso X da Carta Magna a indenização por danos de aspecto moral é palco de infindáveis querelas doutrinárias e jurisprudenciais, mormente com a proliferação de demandas acerca do tema. Tem-se buscado, é bem de ver, coibir a utilização do instituto como meio de enriquecimento sem causa, atitude louvável e que deve ser reforçada. Curiosamente, tem-se a impressão de que, após o advento da Constituição de 1988, os jurisdicionados tornaram-se psicologicamente mais sensíveis aos contratempos inerentes à vida social. Passou-se a pleitear ofensa à honra com frequência infinitamente superior à de outrora, muito embora a previsão da indenização por danos morais já estivesse consagrada legal e doutrinariamente há tempos. Como afirmou JOSÉ OZÓRIO DE AZEVEDO JÚNIOR, Desembargador aposentado e Professor da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, em palestra proferida na Associação dos Advogados de São Paulo (AASP), o dano moral “não tem por objetivo amparar as suscetibilidades

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