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27 de Maio de 2024

Os Limites Da Justiça: O Princípio Da Duração Razoável Do Processo Penal

A Medida Da Boa Fé de Tempo Processual

Publicado por Pablo Waldman
há 10 meses

Resumo do artigo

A Justa Medida Jurídica na duração processual

1- O PRINCÍPIO DA DURAÇÃO RAZOÁVEL DO PROCESSO

1.1 Conceito e aplicabilidade

A duração irrazoável do processo suprime garantias do acusado, desvia a finalidade processual e compromete a eficácia da decisão judicial.

O princípio da celeridade processual, cuida do processo em sua missão social e através de ritualística constitucional, dissolver conflitos e materializar a Justiça.

Sabido é, a delonga dos processos são sistemática dos procedimentos ritualísticos e das regras de cada código constitucional, em alguns casos, sem devido rito cumprido pode gerar a inutilidade ou ineficácia do provimento jurisdicional.

Para Bedaque,

(...) o tempo constitui um dos grandes óbices à efetividade da tutela jurisdicional, em especial no processo de conhecimento, pois para o desenvolvimento da atividade cognitiva do julgador e necessária a prática de vários atos, de natureza ordinatória e instrutória. Isso impede a imediata concessão do provimento requerido, o que pode gerar risco de inutilidade ou ineficácia, visto que muitas vezes a satisfação necessita ser imediata, sob pena de perecimento mesmo do direito reclamado. 1 T

utela cautelar e tutela antecipada: tutelas sumárias e de urgência (tentativa de sistematização), 2004, Malheiros, p. 15.e a seguir 2 pg 16 e seguintes

“o simples fato de o direito permanecer insatisfeito durante todo o tempo necessário ao desenvolvimento do processo congnitivo já configura dano ao seu titular e réu. Além disso, acontecimentos podem também se verificar nesse ínterim, colocando em perigo a efetividade da tutela jurisdicional. Esse quadro representa aquilo que a doutrina identifica como o dano marginal, causado ao agravado pela duração do processo”. 2

Ampliando o rol de direitos e garantias fundamentais, a EC n. 45/2004, estabeleceu, no art. 5o, LXXVIII, garantia por intermédio da qual se proclama e assegura que “a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação”.3

A norma constitucional de tutela, além do direito de ação ou de acesso ao poder judiciário, prestação jurisdicional dentro de um prazo razoável, com eficiência, celeridade e tempestividade.

Nagib Slaibi Filho,

Poder-se-ia dizer que a norma declara o direito fundamental de todos à eficiente realização do processo pelo qual se leva o pedido à cognição judicial ou administrativa: é assim, direito ao processo eficiente, muito além do simples direito ao processo. 4

Pietro de Jesus sustenta

Impõe-se, em conseqüência, rever a habilidade do procedimento para realizar a finalidade processual, sua flexibilidade para atender os interesses em jogo e a segurança com que se garantem os direitos questionados. Inclui-se, de logo, nos parâmetros de durabilidade do processo, o tempo prudente e justo para que a decisão jurisdicional renda a eficácia esperada, ou seja, a razoabilidade se estende não ao tempo de afirmação do direito em litígio, senão à própria execução, à realização de seu conteúdo final, à aplicação efetiva do direito pleno . 5

3 Constituição Federal, art. 5o, inciso LXXVIII. O art. 8o, 1 e 25, da Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de San José da Costa Rica) já previa a “prestação jurisdicional dentro de um prazo razoável e efetivo”, tendo o Governo Brasileiro depositado carta de adesão à Convencao em 25.09.1992. Esse direito é também consagrado pela Constituições de Portugal (art. 20, no. 4) e do México (art. 17). 4 Reforma da Justiça, Impetus, 2005, p. 19.

5 Reforma do Judiciário, Coord. TAVARES, André Ramos, LENZA, Pedro, Ed. Método, 2005, p. 34.

1.2 Antecedentes Históricos

A prestação jurisdicional dentro de um lapso temporal razoável e efetivo já era previsto no direito internacional. Sob o status de direito fundamental do ser humano, o art. 8o, 1, da Convenção Americana Sobre Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica) preconizava que:

Toda pessoa tem direito a ser ouvida, com as devidas garantias e dentro de um prazo razoável, por um juiz ou tribunal competente, independente e imparcial, estabelecido anteriormente por lei, na apuração de qualquer acusação penal formulada contra ela, ou para que se determinem seus direitos ou obrigações de natureza civil, trabalhista, fiscal ou de qualquer outra natureza.

Ainda no plano internacional, merece registro o teor do art. 6o da Convenção Européia para Salvaguarda do Homem e das Liberdades Fundamentais. Subscrita em Roma, na data de 04 de novembro de 1950, dispõe que:

Qualquer pessoa tem direito a que a sua causa seja examinada, equitativa e publicamente, num prazo razoável por um tribunal independente e imparcial, estabelecido pela lei, o qual decidirá, quer sobre a determinação dos seus direitos e obrigações de carácter civil quer sobre o fundamento de qualquer acusação em matéria penal dirigida contra ela.

No direito doméstico, poder-se-ia sustentar que o direito fundamental à celeridade processual já existia em nosso ordenamento jurídico como desdobramento da cláusula do due process of law, ou mesmo por intermédio do mandamento legal insculpido no inciso XXXV, art. 5o, da Constituição de 88, que garante não apenas o acesso ao judiciário, mas também a efetiva proteção contra qualquer forma de violação de direitos.

Em que pese à previsão do direito a duração razoável do processo no plano internacional, foi a Emenda Constitucional no 45, no ano de 2004, que explicitou o princípio no inciso LXXVIII, do artigo 5o, da CF/88.

O inciso destacado precedentemente foi incluído na emenda substitutiva nº 11 da Comissão Especial encarregada de apresentar parecer à proposta de Emenda Constitucional nº 1 de 1992, ante a sua importância conforme justificativa constante da mencionada emenda:

A proposta centra-se em reforma estrutural do Poder Judiciário, do primeiro grau aos Tribunais Superiores sublinhada, muito especialmente, por princípios de modernidade vigentes em países progressistas, tais como os da transparência, acesso, eficiência e efetividade da prestação jurisdicional ao cidadão.

2. Enfrentando preliminar necessária, a Emenda Substitutiva proposta adita aos incisos LV, LX, LXXI e LXXIV e cria os incisos LXXVIII, LXXIX e LXXX ao art. da Constituição Federal, que trata dos “Direitos Individuais”, com princípios de reforço à assistência judiciária, do acesso à Justiça, da limitação de custas e taxas judiciais, do direito à comunicação da decisão final ao interessado e de razoável duração do processo, com os meios para tal necessários.” (Diário da Câmara dos Deputados – Suplemento, Terça-feira, 14 de dezembro de 1999, p. 00389).

1.3 Duração Razoável do Processo Penal

Derivado, do princípio da duração razoável do processo, a inclusão, pelo legislador constituinte tem como escopo positivar a necessidade da prestação jurisdicional de forma eficaz e eficiente.

Principalmente na esfera dos processo criminais, revela-se um grande drama para o acusado, passando por humilhações e posições vexatórias na medida em que configura verdadeira “espada de Dâmocles”, mantida sobre a cabeça do réu, enquanto não se defira seu direito de absolvição provados pela presunção, que todos são inocentes até fato típico, o primeiro substrato do crime.

É um fato humano indesejado, que consiste numa conduta humana voluntária produtora de um resultado que se ajusta formalmente (resultado jurídico) e materialmente ( resultado naturalístico) ao tipo penal. Verifica-se a existência de um elo entre a conduta do agente e o resultado. Portanto, nota-se configurado uma relação de causalidade (nexo causal) entre a conduta, que se enquadra perfeitamente ao modelo abstrato de lei penal (tipicidade), e o resultado. Conclui-se que fato típico é composto dos seguintes elementos: 1. conduta, 2. resultado, 3. nexo causal, e 4. tipicidade. .

Isso se revela face à execração pública do acusado, que, ao invés de ser presumidamente inocente, carrega a nefasta nódoa de culpado enquanto não findada a persecução penal, o que acaba por ensejar sua exclusão social. Normalmente pautada em ódio, contrariedade, e vingança da parte autora, que usa de todos os meios para prorrogar o litígio até destruir seu alvo

Calha trazer a lume Luigi Ferrajoli,

É indubitável que a sanção mais temida na maior parte dos processos penais não é a pena – quase sempre leve ou não aplicada – mas a difamação pública do imputado, que tem não só a sua honra irreparavelmente ofendida, mas, também, as condições e perspectivas de vida e de trabalho; e se hoje pode-se falar de um valor simbólico e exemplar do direito penal, ele deve ser associado não tanto à pena, mas, verdadeiramente, ao processo e mais exatamente à acusação. 6

Por essa razão o magistrado Carvalho 7 assevera que “a celeridade não pode ser unicamente deferida a réus presos. Os réus soltos também têm o direito de não ficar vinculados indefinidamente a um processo criminal”.

O fundamento maior desse posicionamento repousa no fato de que a demora do processo, não pode servir , como forma oblíqua de punição ao acusado, que acaba sendo lançado às margens da sociedade, estigmatizado e impedido do normal convívio social.

Destaco

A perpetuação do processo penal, além do tempo necessário para assegurar seus direitos fundamentais, se converte na principal violação de todas e de cada uma das diversas garantias que o réu possui. A primeira garantia que cai por terra é a da jurisdicionalidade insculpida na máxima latina do nulla poena, nulla culpa sine iudício. Isso porque o processo se transforma em pena prévia à sentença, através da estigmatização, da angústia prolongada, da restrição de bens e, em muitos casos, através de verdadeiras penas privativas de liberdade aplicadas antecipadamente (prisões cautelares). É o que CARNELUTTI define como a misure di soffrenza spirituale ou di umiliazione. O mais grave é que o curso da pena-processo não é meramente econômico, mas o social e psicológico.

À continuação, é fulminada a Presunção de Inocência, pois a demora e o prolongamento excessivo do processo penal vão, paulatinamente, sepultando a credibilidade em torno da versão do acusado. Existe uma relação inversa e proporcional entre a estigmatização e a presunção de inocência, na medida em que o tempo implementa aquela e enfraquece esta. O direito de defesa e o próprio contraditório também são afetados, na medida em que a prolongação excessiva do processo gera graves dificuldades para o exercício eficaz da resistência processual, bem como implica um sobre-custo financeiro para o acusado, não apenas com os gastos em honorários advocatícios, mas também pelo empobrecimento gerado pela estigmatização social. Não há que olvidar a eventual indisponibilidade patrimonial do réu, que por si só é gravíssima, mas que, se for conjugada com uma prisão cautelar, conduz à inexorável bancarrota do imputado e de seus familiares. A prisão (mesmo cautelar) não apenas gera pobreza, senão que a exporta, a ponto de a “intrascendência da pena” não passar de romantismo do Direito Penal. A lista de direitos fundamentais violados cresce na mesma proporção em que o processo penal se dilata indevidamente. Mas o que deve ficar claro é que existe uma pena processual mesmo quando não há prisão cautelar, e que ela aumenta progressivamente com a duração do processo. Seu imenso custo será ainda maior, a partir do momento em que se configure a duração excessiva do processo, pois, então, essa violência passa a ser qualificada pela ilegitimidade do Estado em exercê-la. 9

8 LOPES JÚNIOR, Aury. Direito Processual Penal e sua Conformidade Constitucional, Rio de Janeiro: Lumen Juris, vol. I, 2008, p. 133. 9 Obra Citada p. 133/5.

2 PRINCÍPIO DA PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA

2.1 Conceituação e Antecedentes Históricos

Na Baixa Idade Média com o surgimento do procedimento inquisitório.Com sua origem principiológica no direito romano, perdeu destaque, previsto no ordenamento jurídico doméstico, o Princípio da Presunção de Inocência se deteriora infindavelmente numa justiça cada vez mais punitiva 10

No século XVIII, a revolução liberal fez renascer o instituto, trazendo quanto aos limites do poder do Estado de punir em detrimento da liberdade individual, prevalecendo à necessidade de garantir a segurança da coletividade. 11

A Revolução Francesa, marco da liberdade, igualdade e fraternidade, o postulado foi incorporado no contexto do Princípio do Devido Processo Legal e espalhou-se por todo o mundo. 12

“Todo o acusado se presume inocente até ser declarado culpado e, se julgar indispensável prende-lo, todo o rigor não necessário à guarda da sua pessoa, deverá ser severamente reprimido pela Lei”. Isso traz13

A Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, datada do ano de 1789, que estipulou em seu art. 9o

Mais recentemente, a Declaração dos Direitos Humanos, da ONU, datada do ano de 1948, consagrou no art. 11:

Toda pessoa acusada de delito tem direito a que se presuma sua inocência, enquanto não se prova sua culpabilidade, de acordo com a lei e em processo público no qual se assegurem todas as garantias necessárias para sua defesa.

Cumpre registrar, que historicamente o princípio é contemplado em determinadas ocasiões como presunção, e noutras como posição do acusado no processo, in casu, estado de inocência ou de não culpabilidade.

Na Itália, no mesmo ano de 1948, o preceito ganhou status constitucional com a aprovação pela Assembléia Constituinte, do art. 27, parágrafo 2o, de sua Carta Política.

Mario Chivario alerta

[...] embora não se trate, de perspectivas contrastantes, mas convergentes, é forçoso reconhecer que no primeiro caso se dá maior ênfase aos aspectos concernentes à disciplina probatória, enquanto que no segundo se privilegia a temática do tratamento do acusado, impedindo-se a adoção de quaisquer medidas que impliquem sua equiparação com culpado. 14

Com a Constituição Federal de 1988, o princípio, foi introduzido de forma expressa no direito doméstico. Entretanto, o instituto já era aplicado, muito mal, em decorrência dos princípios do contraditório e da ampla defesa. Que a ditadura tentou sucumbir sem prosperar

14 CHIVARIO, Mario. Processo e Garanzie Della Persona. Milano, Giuffrè, 1982, Vol. II, p. 12.

2.2 Aspectos Práticos

[...] existe apenas uma tendência à presunção de inocência, ou, mais precisamente, um estado de inocência, um estado jurídico noqual o acusado é inocente até que seja declarado culpado por uma sentença transitada em julgado. Por isso, a nossa Constituição Federal não 'presume' a inocência, mas declara que 'ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória (art. 5o, LVII), ou seja, que o acusado é inocente durante o desenvolvimento do processo e seu estado só se modifica por uma sentença final que o declare culpado. 15

De acordo com Alexandre de Moraes, o princípio representa quatro aspectos práticos. Com relação à regra probatória, trata-se da inversão do seu ônus, com a presunção legal relativa de não-culpabilidade. Na valoração da prova, confunde-se neste aspecto com o princípio do in dubio pro reo.

O ônus da prova recai é obrigação do agente acusador; não tendo o acusado o dever de provar a sua inocência, cuja presunção se prorroga até o trânsito em julgado, de eventual sentença penal condenatória. Destarte, a decisão precisa decorrer de um processo judicial, com estrita observância dos moldes legais, o qual deve ser instruído pelo contraditório, pela proibição de provas ilícitas e estar arrimado em elementos sérios de convicção. Só então o acusado poderá ser considerado culpado. 17

Isso significa que, além da inversão do ônus probatório, faz-se imprescindível a delimitação de prazos razoáveis, para a realização dos atos processuais. Outrossim, converte-se na garantia de que o réu não será infinitamente investigado pelo Poder Público, e se estiver preso, deverá ser imediatamente libertado, caso os prazos não sejam respeitados pela acusação ou mesmo pelo Juiz da causa.

No aspecto da valoração das provas obtidas na instrução do processo, a presunção de inocência relaciona-se com o princípio do in dubio pro reo, resultando que o devido processo legal, se a prova colhida na instrução criminal, não for suficiente para a formação plena da culpabilidade do acusado, impõe-se a declaração de inocência, máxime pela prolatação de sentença absolutória. Merece registro que, nesse caso, o simples arquivamento do feito é medida insuficiente, haja vista o direito fundamental do indivíduo ao estado de inocência.

Celso Ribeiro Bastos e Ives Gandra Martins

[...] a presunção de inocência é uma constante no Estado de Direito. Ela chegou mesmo a tangenciar a obviedade. Seria um fardo pesado para o cidadão o poder ver-se colhido por uma situação em que fosse tido liminarmente por culpado, cabendo- lhe, se o conseguisse, fazer demonstração de sua inocência. Uma tal ordem de coisas levaria ao império do arbítrio e da injustiça. A regra, pois, da qual todos se beneficiam é de serem tidos por inocentes até prova em contrário. 18

Wolgran Junqueira Ferreira impecável

[...] constitui princípio do Direito Penal que é considerado culpado quem já foi julgado e condenado, com a condenação passada em julgado. Somente é culpado aquele que em última instância teve a sentença condenatória confirmada. (FERREIRA, 1998, Vol. 1, art. 1o ao art. 43). 19

Autoridade ímpar, Luiz Flávio Gomes 20 assevera

[...] a presunção de inocência, além de delinear incontáveis regras probatórias, também deve ser entendida como regra de ‘tratamento’, que conduz à inexorável exigência, no Estado Constitucional e Democrático de Direito, de que ninguém pode ser considerado (tratado) como culpado antes do trânsito em julgado final da sentença condenatória. (CF, art. 5o, inc. LVII)

Alexandre de Moraes arremata, através de excelente magistério, que:

[...] o direito de ser presumido inocente, consagrado constitucionalmente pelo art. 5o, LVII, possui quatro básicas funções: (...) critério de tratamento extraprocessual em todos os seus aspectos inocente.21

21 Direito Constitucional. 18 ed., São Paulo: Atlas, 2005, p. 133.

22 Nesse sentido: Mello, Celso Antônio Bandeira de. Conteúdo Jurídico do Princípio da Igualdade, 3o ed., M, p. 12.

Destarte, o mais sutil desrespeito ao princípio destacado abaixo atinge, ainda que por via reflexa, o Princípio da Igualdade que dormita no caput do art. 5o, da Carta Magna. Urge destacar que “o princípio da igualdade interdita tratamento desuniforme às pessoas” 22 em situação semelhante.

Depreende-se, assim, que a Carta Magna desenhou de forma incontestável um paradigma de cunho garantista, assegurando a todo aquele que responde a ação penal o direito subjetivo de ser tratado igualitariamente a qualquer outro cidadão, tanto processual como extraprocessualmente; não sendo antecipadamente prejulgado, em homenagem ao que dispõe o Princípio da Presunção de Inocência, insculpido no art. 5o, inciso LVII, da Constituição Federal.

O princípio da Presunção de Inocência, já pontificou o Excelso Supremo Tribunal Federal, ipsis litteris:

Ninguém pode ser tratado como culpado, qualquer que seja a natureza do ilícito penal cuja prática lhe tenha sido atribuída, sem que exista, a esse respeito, decisão judicial condenatória transitada em julgado. O princípio constitucional da não culpabilidade, em nosso sistema jurídico, consagra uma regra de tratamento que impede o Poder Público de agir e de se comportar, em relação ao suspeito, ao indiciado, ao denunciado, ou ao réu, como se estes já houvessem sido condenados definitivamente por sentença do poder judiciário ( HC 79.812-8-SP, STF/PLENO, RT 788/520) 23

O tema é decido Superior Tribunal de Justiça de forma mansa e pacífica, consoante uníssonas decisões, acerca da aplicabilidade do princípio constitucional da Presunção de Inocência, merecendo destaque do Min. Edson Vidigal:

A liberdade é a regra no Estado de Direito Democrático e a restrição à liberdade é a exceção, que deve ser excepcionalíssima. Aliás, ninguém é culpado de nada enquanto não transitar em julgado a sentença penal condenatória, ou seja, ainda que condenado por sentença judicial, o acusado continuará presumidamente inocente até que se encerrem todas as possibilidades para o exercício do seu direito à ampla defesa. (...) (Ementário STJ, no. 15/632- HC no. 3871-0, RS. Rel. Min. Edson Vidigal, 5a T., Unânime, Diário da Justiça, 13.11.1995) 24

A autorizada doutrina somada a mais abalizada jurisprudência das cortes superiores reproduzidas permitem visualizar o alcance do princípio em destaque e seus efeitos no processo penal © pablo waldman

3 SENTENÇA PENAL

3.1 Conceito

O juiz natural da causa, que exprime uma ordem que decorrerá da lei com vistas à aplicação ao caso concreto.essa natureza, se chama sentença, é o um juízo de valor emitida para finalizar a marcha processual do magistrado

Sentença é a decisão terminativa do processo e definitiva quanto ao mérito, abordando a questão relativa à pretensão punitiva do Estado, para julgar procedente ou improcedente à imputação. É a autêntica sentença, tal como consta do artigo 381 do Código de Processo Penal, vale dizer, o conceito estrito da sentença. Pode ser condenatória, quando julga procedente a acusação impondo, pena, ou absolutória, quando a considera improcedente. Dentre as absolutórias, existem as denominadas impróprias, que apesar de não considerarem o réu um criminoso porque inimputável, impõe a ele medida de segurança, uma sanção penal constritiva à liberdade, mas no interesse da sua recuperação e cura. No código de Processo Penal, no entanto, usa-se o termo sentença, em sentido amplo, para abranger, também as decisões interlocutórias mistas e as definitivas, que não avaliam a imputação propriamente dita. 25

Merece registro que o Código de Processo Penal não conceituou sentença, todavia, classicamente passou-se a adotar a definição contida no Código de Processo Civil, o qual dispõe no art. 162, parágrafo 1o, que: “Sentença é o ato pelo qual o juiz põe termo ao processo, decidindo ou não o mérito da causa”. 25

Nas palavras de Fernando Capez:

Sentença é uma manifestação intelectual lógica e formal emitida pelo estado, por meio de seus órgãos jurisdicionais, com a finalidade de encerrar um conflito de interesses, qualificado por uma pretensão resistida, mediante a aplicação do ordenamento legal ao caso concreto. 26

Dispõe o artigo 381 do Código de Processo Penal, que a sentença deve conter:

I - os nomes das partes ou, quando não possível, as indicações necessárias para identificá-las;

II - a exposição sucinta da acusação e da defesa;

III - a indicação dos motivos de fato e de direito em que se fundar a decisão;

IV - a indicação dos artigos de lei aplicados; V - o dispositivo

VI - a data e assinatura do Juiz.

Palavras de Adhemar Raymundo da Silva

A jurisdição e o processo Penal constituem os pressupostos lógicos da sentença. É que a função jurisdicional, cuja finalidade é dizer do direito em cada caso concreto, atinge o seu ponto culminante, na fase de cognição do processo penal condenatório, com a decisão da causa. Declara-se, imperativamente, o preceito concreto e especifico. 27

Vê-se assim, que a função jurisdicional tem como objetivo maior aplicar o direito ao caso concreto, ou seja, aplicar ou não a pena prevista para a norma hipoteticamente transgredida, mas sempre observando os princípios jurídicos constitucionais garantidores do devido processo legal.

NUCCI, Guilherme de Souza. Código de Processo Penal Comentado. 2a ed. São Paulo: RT, 2003. p. 561. 26 CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal. Saraiva, 2001, p. 367. 27 DA SILVA, Adhemar Raymundo, Da Sentença, Ensaios, www.stj.jus.br /publicacaoseriada/ index.php/ coletanea/article/.../928, p. 65.

3.1.1 PENA

3.1.1.1 Conceito

Originado do latim poena e derivado do grego poine, o primeiro sentido foi de composição pecuniária, com vistas a resgatar um crime capital.

A pena é um consectário lógico, imposto pela JUSTIÇA quando da transgressão das normas repressivas A subsunção do fato à norma, ou seja, a prática de fato típico, com nexo causal, ilícito e culpável, que permite ao Estado exercer o seu ius puniendi.

Para Fernando Capez, pena é:

Sanção penal de caráter aflitivo, imposto pelo Estado, em execução de uma sentença, ao culpado pela prática de uma infração penal, consiste na restrição ou privação de um bem jurídico, cuja finalidade é aplicar a retribuição punitiva ao deliquente, promover a sua readaptação social e prevenir novas transgressões pela intimidação dirigida à coletividade. 28

3.1.1.2 Finalidade das Penas e Críticas ao Critério da Prevenção Especial

O Código de Processo Penal, datado de 1940, no art. 59, reza que as penas devem ser necessárias e suficientes à reprovação e prevenção do crime.

Rogério Greco, “a pena deve reprovar o mal produzido pela conduta praticada pelo agente, bem como prevenir futuras infrações penais”. 29

Ato contínuo, o mesmo autor registra que “as teorias tidas como absolutas advogam a tese da retribuição, sendo que as teorias relativas apregoam a prevenção”. 30

28 CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal. Saraiva, 2001, p. 313. 29 GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal, Impetus, vol. I, 2005, p. 547. 30 GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal, Impetus, vol. I, 2005, p. 547. 31 BECCARIA, Cesare. Dos delitos e das penas . Trad. De Flório de angelis. Bauru, Edipro, 1997, p. 27.

Nossa legislação, à luz do disposto no art. 59 do CP, fez clara opção pela adoção de uma teoria mista ou unificadora da pena. Essa conclusão decorre da leitura do caput, que conjuga a necessidade de reprovação com a prevenção do crime. Assim sendo, a pena assume um duplo aspecto: castigar o transgressor na medida de sua culpabilidade e prevenir a prática de novos crimes.

O binômio retribuição e ressocialização caracteriza a função da reprimenda penal.

Por isso, Cesare Beccaria afirmou

É melhor prevenir os crimes do que ter de puni-los; e todo legislador sábio deve procurar antes impedir o mal do que repará- lo, pois uma boa legislação não é senão a arte de proporcionar aos homens o maior bem estar possível e preservá-los de todos os sofrimentos que se lhes possam causar, segundo o cálculo dos bens e dos males da vida. 31

Coube à Lei de Execução Penal, Lei n. 7210/84, a difícil missão de punir e, ao mesmo tempo, criar mecanismos que garantam a humanização do apenado antes de reinseri-lo na sociedade.

O art. 1o da LEP dispõe que “a execução penal tem por objetivo efetivar as disposições de sentença ou decisão criminal e proporcionar condições para a harmônica integração social do condenado e do internado”.

Com relação à execução da disposição da sentença, o sistema penal brasileiro pune o condenado, subtraindo-lhe inclusive a dignidade humana constitucionalmente protegida. Todavia, a integração social fica longe de ser alcançada com a realidade carcerária vivida pelos reclusos.

Rogério Greco, com tinta forte, pondera que:

Em um sistema penitenciário falido, como faremos para reinserir o condenado na sociedade da qual ele fora retirado pelo Estado?

Será que a pena cumpre, efetivamente, esse efeito ressocializante ou , ao contrário, acaba de corromper a personalidade do agente?

Busca-se produzir que tipo de ressocialização? Quer-se impedir que o condenado volte a praticar novas infrações penais, ou quer-se fazer dele uma pessoa útil para a sociedade? 32

Restam lançadas as indagações precedentes a título de reflexão. Os índices altíssimos de reincidência, somados ao aumento geométrico do número de reclusos, levam a inescondível conclusão de que a formula atual de apenamento e reinserção social não tem funcionado eficazmente.

3.2 Sentença Penal e Princípio da Duração Razoável do Processo

O ministro Gilmar Mendes, do Pretório Excelso, declarou na decisão do acórdão do HC n. 84078 que a justiça brasileira é ineficiente. Consoante dito alhures, a delonga do processo criminal configura verdadeira “espada de Dâmocles” mantida sobre a cabeça do réu.

Humberto Theodoro Júnior alerta que:

O processo, instrumento de atuação de uma das principais garantias constitucionais – a tutela jurisdicional -, teve de ser repensado. É claro que, nos tempos atuais, não basta mais ao processualista dominar os conceitos e categorias básicas do direito processual, como a ação, o processo e a jurisdição, em seu estado de inércia. O processo tem, sobretudo, função política no Estado Social de Direito. Deve ser destarte, organizado, entendido e aplicado como instrumento de efetivação de uma garantia constitucional, assegurando a todos o pleno acesso à tutela jurisdicional, que há de se manifestar sempre como atributo de uma tutela justa

32 GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal, Impetus, vol. I, 2005, p. 551. 33 THEODORO JUNIOR, Humberto. Celeridade e efetividade da prestação jurisdicional: insuficiência da reforma das leis processuais, Revista Síntese de Direito Civil e Processual Civil, Porto Alegre, Síntese. v. 6, n. 36,jul.-ago. 2005, p. 22/3.

A procrastinação injustificada de ações penais significa a inobservância de importantes princípios jurídicos, a exemplo da duração razoável do processo e princípio da presunção de inocência, ambos de índole constitucional.

A inclusão do inciso LXXVIII ao artigo 5o da CF/88 tem por escopo garantir mais que a celeridade na tramitação, mas a duração razoável dos processos, que devem caminhar sem dilações indevidas e respeitando as garantias constitucionais das partes; tudo sob o olhar do magistrado, atento a corrigir atos meramente protelatórios com o objetivo de findar a ação no menor tempo possível.

Destaca Sueli Aparecida de Pieri

O magistrado deverá agir imediatamente, sem ser omisso, e interpretar a lei, adaptando o procedimento quando viável; fiscalizar, inclusive, o comportamento das partes, evitando-se conduta protelatória do andamento processual, aplicando as sanções já previstas em lei; justificar a eventual demora, ou descumprimento dos prazos legais, para fazer valer como verdadeiro o processo civil brasileiro. 34

Como é sabido, consabido e ressabido, o tempo figura entre os pontos mais sensíveis do direito processual, máxime do direito processual penal, cujo direito decide a liberdade do indivíduo.

A inserção do princípio da razoável duração do processo no inciso LXXVIII, do art. 5o, da Constituição Federal (Emenda Constitucional no 45/2004), tem a função de promover a celeridade processual, fundamentando-se na efetividade da tutela jurisdicional. A medida opõe-se à demora no resultado do processo, que em alguns casos perde a finalidade ou se mostra sem efetividade.

34 PIERI, Sueli Aparecida de Pieri. A Reforma do Poder Judiciário, Coordenação Jorge Luiz de Almeida, “Princípio da Celeridade Processual”, Millennium, Campinas, 2006, p. 109.

A razoável duração do processo é uma cláusula pétrea que garante a dignidade do acusado, na medida em que garante o direito a ser julgado dentro de um prazo adequado.

Rogério Cruz e Tucci assevera que:

[...] não basta que se tenha direito ao processo, delineando-se inafastável, também, a absoluta regularidade deste (direito no processo) com a verificação efetiva de todas as garantias asseguradas ao usuário da justiça, num breve lapso de tempo, para o atingimento do escopo que lhe é destinado. 35

O legislador, no entanto, foi omisso ao não fixar qual seria o prazo razoável para a duração do processo e qual seria o critério de aplicação desse princípio.

Nessa esteira de pensamento, Alexandre de Morais desta que:

A EC n. 45/04, porém, trouxe poucos mecanismos processuais que possibilitem maior celeridade na tramitação dos processos e redução na morosidade da Justiça Brasileira. O sistema processual judiciário necessita de alterações infraconstitucionais, que privilegiem a solução dos conflitos, a distribuição de Justiça e maior segurança jurídica, afastando-se tecnicismos exagerados. 36

A excessiva demora ou a dilação irrazoável na prestação da tutela jurisdicional vulnera a efetividade do processo, lesando de morte o princípio do devido processo legal. A intempestividade da tutela jurisdicional aumenta a incerteza, gera o descrédito do poder judiciário e compromete a segurança jurídica.

e que o Brasil já foi condenado pela Corte Interamericana de Direitos Humanos em temas semelhantes. A Corte entendeu que no caso Ximenes Lopes foram violados os seguinte dispositivos legais do Pacto de San José da Costa Rica: arts. 4o (direito a vida), 5o (direito a integridade física), 8o (direito às garantias judiciais) e 25 (direito à proteção judicial). O fundamento da decisão refere-se à excessiva demora na prestação da tutela cível e penal, tendo considerado como fundamentos para a condenação a complexidade do caso e a atuação processual dos interessados e do Estado (LOPES JÚNIOR, 2010, págs. 175 a 178). 37

A falta de critérios objetivos norteadores do que seria demora razoável do processo fez com que a doutrina e jurisprudência pátrias defendessem a adoção de critérios semelhantes aos do Tribunal Europeu de Direitos Humanos, no qual é assente que a duração razoável do processo é concebida de acordo com a complexidade da causa, a conduta das partes, a forma de agir do juiz e de outras autoridades que colaboram no processo.

No Superior Tribunal de Justiça constata-se a recorrente aplicação do princípio da razoável duração do processo no âmbito criminal através do grande número de hábeas corpus versando sobre o tema:

São exemplos: STJ – HC no 163.741/GO – 5a Turma – Min. Rel. Napoleão – DJ 17/06/2010; STJ – HC no 160.276/PE – 5a Turma – Min. Rel. Napoleão – DJ 15/04/2010; STJ – HC no 143.335/SP – 5a Turma – Min. Rel. Napoleão – DJ 04/02/2010; STJ – HC no 149.110/MG – 5a Turma – Min. Rel. Napoleão – DJ

37 Em 4 de julho de 2006, com sentença publicada em 17 de agosto do mesmo ano, a Corte Interamericana de Direitos Humanos, da Organização dos Estados Americanos (OEA), expediu decreto condenatório contra o Brasil por fatos decorrentes da morte, em 4 de outubro de 1999, de um deficiente mental internado na Casa de Repouso Guararapes (Sobral/Ceará), instituição privada de tratamento psiquiátrico integrante do Sistema Único de Saúde (SUS).

Maiores informações: http://www.direitos.org.br/index.php?option=com_content&task=view&id=3523&Itemid =1.

18/02/2010; HC no 162.757/CE – 5a Turma – Min. Rel. Napoleão – DJ 28/06/10; HC no 144.303/GO – 5a Turma – Min. Rel. Napoleão – DJ 19/08/10; HC no 128.885/SP – 5a Turma – Min. Jorge Mussi – DJ 01/03/10.

Na apreciação do HC 163.741/GO pelo Colendo STJ, cujo ato inquinado como ilegal versava sobre excesso de prazo na prisão preventiva de acusado por tráfico de substância entorpecente, a 5a Turma denegou a ordem postulada pelo impetrante.

Em que pese à instrução probatória consumir 1 ano e 7 meses, a demora foi atribuída ao fato de que existia no caso "complexidade do feito, necessidade de aditamento da denúncia para inclusão de co-réu, pluralidade de acusados (35 pessoas), além da necessidade de expedição de cartas precatórias para oitiva das testemunhas, além de incidente de dependência toxicológica".

O mesmo fundamento foi empregado pelo relator nos autos dos HCs 162.757 e 144.303, ambos também denegados.

Ve-se assim um padrão nos três julgados, onde a ementa assevera que eventual delonga para instrução probatória poderá ser justificada pela complexidade do caso concreto. No HC 128.885/SP, versando sobre tráfico internacional de entorpecentes, os Ministros do STJ optaram pela denegação do writ sob o fundamento da complexidade da ação penal, oportunidade em que fizeram ainda alusão à Súmula n. 52, de seguinte conteúdo:

1. Encerrada a instrução criminal, cujo alongamento foi justificado pela complexidade da ação penal, envolvendo diversos réus, inclusive estrangeiros, mostrando-se necessária a expedição de precatórias e a tradução dos atos processuais, já tendo sido inclusive apresentadas as respectivas alegações finais, na forma de memoriais, não há falar em constrangimento por excesso de prazo na formação da culpa (Súmula n. 52 do Superior Tribunal de Justiça).

Calha trazer a lume, nesse lanço, o artigo da Ministra Maria Thereza Rocha de Assis Moura, escrito em co-autoria com Thaís Aroca Datcho Laçava, versando sobre as medidas adotadas pelo STJ com vista ao cumprimento do princípio da duração razoável do processo:

Trata-se de ponto pacífico, no âmbito deste Tribunal, que o excesso de prazo não deve ser visto apenas com base na soma aritmética dos prazos legais do procedimento, podendo ser estendido quando a complexidade do caso assim o exigir. Têm sido apontados como fatores que identificam uma causa como complexa e assim justificam uma razoável delonga no procedimento, a necessidade de expedição de cartas precatórias, julgamento de incidentes processuais, bem como de realização de exames e perícias e outras diligências, tais como degravação de conversas telefônicas interceptadas, expedição de ofícios, a pluralidade de acusados e de testemunhas, assim como a existência de autos muito volumosos, que demandem maior tempo para a análise e ordenação dos atos."38

Em que pese o entendimento firmado pela mais alta Corte de Justiça, no sentido de flexibilizar os direitos constitucionalmente consagrados, o acriminado não pode sofrer os efeitos da ineficiência estatal, que significa a própria mitigação da aplicação de direitos constitucionalmente protegidos.

Destarte, também não há que se invocar o argumento da inexistência de direito absoluto no tocante as garantias e direitos fundamentais, haja vista a absoluta falta de critérios objetivos para o não reconhecimento desses direitos pelo Poder Judiciário.

38 MOURA, Maria Thereza Rocha de Assis; LACAVA, Thaís Aroca Datcho. A garantia da razoável duração do processo penal e a contribuição do STJ para a sua efetividade. In: PRADO, Geraldo; MALAN, Diogo (coord.). Processo penal e democracia: estudos em homenagem aos 20 anos da Constituição da Republica de 1988. Rio de janeiro: Lumen Juris, 2009, p. 412.

3.3. Sentença Penal Tardia

Todos os acusados, seja em processo judicial ou administrativo, tem direito a ser julgado em um prazo razoável, sendo inadmissível que o acusado fique a mercê do arbítrio estatal dos infindáveis trâmites processuais.

Partindo do pressuposto de que o acusado é inocente ou que está acobertado pela presunção de não culpa, a procrastinação indevida da ação penal causa irreparáveis danos psicológicos, sociais e econômicos, posto que o simples fato de figurar como réu em ação penal arrasta a nódoa da estigmatização.

A celeridade processual é conceituada por Aury Lopes Júnior como sendo:

O direito a um processo sem dilações indevidas (ou de ser julgado num prazo razoável) é" jovem direito fundamental ", ainda pendente de definições e mesmo de reconhecimento por parte dos tribunais brasileiros, em geral bastante tímidos na recepção de novos (e também de" velhos ") direitos fundamentais, mas que já vem sendo objeto de preocupações há bastante tempo por parte do Tribunal Europeu de Direitos Humanos (TEDH), e dos sistemas processuais europeus. 39

A necessidade de se reconhecer, em cada caso concreto, um limite do que seja um prazo razoável para o término do processo, atende o princípio maior da dignidade da pessoa humana, posto que não é justo que uma pessoa fique indefinidamente vinculada a uma ação penal, o que configura uma afronta e uma inquestionável violação aos princípios fundamentais insculpidos na Carta de 88.

Para o bem da verdade, a questão capital que é trazida nesta discussão é a espécie de prazo que realmente seria razoável, o que não está claro no texto expresso na nossa Constituição, até porque a conclusão da Comissão

Interamericana de Direitos Humanos é a de que os Estados não têm a obrigação de estabelecer um prazo fixo, de caráter geral, independentemente das circunstâncias que cada caso apresente.

Dessa forma, resta considerar que a razoabilidade do prazo é observada conforme a complexidade da ação, de acordo com as circunstâncias e as contingências enfrentadas antes e no decorrer do processo.

O Estado tem o dever/poder de aplicar a sanção penal ao indivíduo que, violando o ordenamento jurídico-penal, praticou determinada infração penal e foi regularmente processado e sentenciado. Contudo, a pena a ser aplicada deverá observar os princípios expressos, ou mesmo implícitos, em nossa Constituição Federal.

Sabe-se que o direito penal só pode ser devidamente compreendido e aplicado com um enfoque constitucional, visando a impedir injustiças e desigualdades. Por conseguinte, os juízos acerca da proporcionalidade de uma restrição de um bem jurídico tutelado por inadequação do meio para se atingir um fim, por sua desnecessidade ou por sua falta de proporcionalidade em sentido estrito são plenamente aplicáveis no âmbito penal. 40

O postulado da razoabilidade do mesmo modo se revela importante na apreciação de aspectos particulares da hipótese concretamente analisada que justificam a não aplicação de uma norma formalmente violada. 41

Nesse jaez, em que pese à dificuldade de, objetivamente, concluir se houve a prolatação de uma sentença penal tardia e inócua, justificado pelo longo período que compreende o fato e o trânsito em julgado, nem por isso se deve

39 LOPES JÚNIOR, Aury. O Direito a ser Julgado em um Prazo Razoável: o tempo como pena e a (de) mora jurisdicional no processo penal, Revista de Ciências Penais, São Paulo, v. 01, n. 01, p. 219-245.SABINO, Pedro Augusto Lopes. Proporcionalidade, Razoabilidade e Direito Penal, 2004, Disponível em http://www.direitoufba.net/artigos/artigo018.doc. 41 SABINO, Artigo Citado.

Renegar a validade dos dispositivos constitucionais da duração razoável do processo e presunção da inocência.

Esses direitos, formalmente positivados, impõem a observância irrestrita pelo operador do direito, que deve sempre buscar interpretações projetivas que permitam dar vida e concretude ao projeto constitucional.

Sob essa ótica, o que se pretende é garantir a aplicação da própria justiça com a efetividade de suas decisões. Com o passar do tempo, a eventual imposição de uma reprimenda penal não produzirá os efeitos esperados, visto que o condenado não é mais a mesma pessoa praticante do ilícito penal. O tempo no evolver da marcha processual é apontado por Aury Lopes Jr., como um paradoxo ínsito ao ritual judiciário:

[...] um juiz julgando no presente (hoje), um homem e seu fato ocorrido num passado distante (anteontem), com base na prova colhida num passado próximo (ontem) e projetando efeitos para o futuro (amanhã). Assim como o fato jamais será real, pois histórico, o homem que praticou o fato não é o mesmo que está em julgamento e, com certeza, não será o mesmo que cumprirá essa pena, e seu presente, no futuro, será um constante reviver do passado. 42

Como bem preconizou o Tribunal Supremo da Espanha na STS 4519:

[...] quando se julga além do prazo razoável, independentemente da causa da demora, se está julgando um homem completamente distinto daquele que praticou o delito, em toda complexa rede de relações familiares e sociais em que ele está inserido, e, por isso, a pena não cumpre suas funções de prevenção específica e retribuição (muito menos da falaciosa, reinserção social). 43

Não é demais relembrar Rui Barbosa, na Oração aos Moços:

[...] mas justiça atrasada não é justiça, senão injustiça qualificada e manifesta. Porque a dilação ilegal nas mãos do julgador contraria o direito escrito das partes e, assim, as lesa no patrimônio, honra e liberdade. Os juízes tardinheiros são culpados, que a lassidão comum vai tolerando. Mas sua culpa tresdobra com a terrível agravante de que o lesado não tem meio de reagir contra o delinqüente poderoso, em cujas mãos jaz a sorte do litígio pendente. 44

Assim, inobstante a existência de incontáveis entraves para a aplicação do princípio da duração razoável do processo, esse deve servir de vetor para os operadores do direito, no sentido de garantir a efetividade das decisões judiciais e atingir o objetivo maior da atividade jurisdicional: a justiça.

42 LOPES JÚNIOR, Aury. Direito Processual Penal e sua Conformidade Constitucional, Rio de Janeiro: Lumen Juris, vol. I, 2008, p. 137/8. 43h ttp://www.metajus.com.br/ textos_nacionais/texto-nacional34.html LOPES JR., Aury. Habeas Corpus: Considerações para uso tópico,

CONCLUSÃO

A análise doutrinária e jurisprudencial dos princípios da duração razoável do processo, presunção de inocência, finalidade das penas e sentença, nos conduz a inafastável reflexão sobre a aplicação da justiça nas ações penais pátrias.

As eventuais divergências cedem espaço à certeza de que a efetividade da aplicação de eventual reprimenda penal condiciona-se ao atendimento de diversos fatores jurídicos pertinentes ao processo de conhecimento e de execução.

Entretanto, a inobservância do principio da duração razoável do processo, consubstanciado na aplicação tardia da pena, não só compromete a efetividade da medida, mas fragiliza a própria legitimidade da decisão. Isto se dá pelo descrédito social ou pelo apenamento de pessoa em momento distinto da vida, muitas vezes socialmente ressocializado.

O fator tempo, somado as circunstâncias sociais, econômicas e culturais, transformam o ser humano; podendo a medida punitiva lançar à segregação do cárcere, pessoa inserida no normal convício social. Tal fato significaria entregar um cidadão à escola do crime, realidade das prisões brasileiras.

É através do processo penal digno e democrático, que de fato assegure os direitos fundamentais e garantias processuais inseridas na Carta de 88, máxime no que tange a inocorrência de dilações indevidas, que se alcançará o objetivo maior perquerido pelo direito, a justiça.

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Por Pablo Waldman

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