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29 de Maio de 2024

Teoria Dinâmica do Ônus da Prova e a Fraude à Execução no novo CPC

há 8 anos

Súmula 375 do Superior Tribunal de Justiça e a prova da má-fé.

Durante muito tempo a jurisprudência enfrentou inúmeros casos em que um indivíduo adquiria um determinado bem imóvel, e posteriormente era surpreendido com uma demanda judicial na qual se discutia a fraude à execução, inobstante muitas vezes tomar as precauções necessárias para a compra do imóvel. Diante deste cenário, o Poder Judiciário passou a resguardar e proteger o terceiro adquirente de boa-fé.

Assim, ao se deparar com reiteradas situações do gênero, o C. STJ editou a Súmula 375, em 18 de março de 2009, segundo a qual “o reconhecimento da fraude à execução depende de registro da penhora do bem alienado ou da prova da má-fé do terceiro adquirente. ”

Logo, além dos requisitos legais dos artigos 592 e 593 do CPC, somente poderia se falar em fraude à execução se estivessem presentes a ciência do devedor sobre a existência de ação, em razão da citação ou outro modo; e a ciência do terceiro adquirente da existência da ação, ou por publicidade em registro público ou outro modo. Registre-se, por oportuno, que o antigo CPC não exigia a prova da má-fé.

Diante deste quadro, surgiu a questão atinente a quem cabe o ônus de provar a má-fé do terceiro adquirente e se a necessidade desta prova acabou por mitigar a caracterização do instituto. Infelizmente, prevaleceu o entendimento de que o ônus da prova, nesta hipótese, caberá ao exequente-credor. Daí a importância da averbação da certidão obtida na distribuição da demanda, no Cartório de Registro de Imóveis.

Segundo Carlos de Oliveira Freitas,

O registro da penhora não é condição de validade da constrição judicial, mas sim tem o intuito de dar publicidade ao ato. Ora, sendo assim, a penhora é válida. Porém, com o advento da Súmula 375 do STJ, o que se verifica é após o ajuizamento da ação o devedor aliena o bem. Assim, não há tempo sequer de citação, quanto mais de penhora e registro, restando inócua a recuperação do crédito. Portanto, antes tal possibilidade de dilapidação do patrimônio era refreada. Grande parte da doutrina e jurisprudência, em favor de se obter maior segurança nos negócios jurídicos passou a entender que para configuração da fraude de execução não bastam mais somente os requisitos constantes na legislação e da doutrina tradicional, quais sejam a pendência de ação, a alienação do bem e a insolvência do devedor, pois se existe a boa-fé de terceiro adquirente, não estará configurada a fraude.[1]

Por um lado, de fato, não se pode olvidar a importância do princípio da segurança jurídica. Por outro, mister se faz tecer algumas críticas a respeito do atual entendimento do C. STJ.

Primeiramente, é de se salientar que a própria Súmula é contrária ao instituto da fraude à execução, visto que estabelece como requisito indispensável a prova da má-fé do terceiro adquirente, quando não houver averbação nos termos do artigo 615-A do CPC.

Nesse sentido, é preocupante a transferência do ônus da prova ao credor, mormente quando se pensa na efetividade do processo, proporcionalidade e equilíbrio processual.

Ora, o credor não possui elementos suficientes para provar a má-fé do terceiro adquirente, mormente se levarmos em consideração que na maioria das situações o credor tampouco conhece o adquirente. Trata-se, desse modo, de prova de natureza negativa, muito difícil de se exigir. Segundo Luis Arlindo Feriani Filho, “na verdade, a aplicação irrestrita da Súmula 375 do STJ representa restrição tão grande ao instituto que praticamente acabou com qualquer utilidade prática, o que é lamentável. ”[2]De fato, na prática, chega-se a eliminar a hipótese do artigo 593, II, do CPC.

Outro ponto que merece destaque é o de que os julgados que deram origem ao verbete sumular tratavam de hipóteses de alienações sucessivas e proteção ao terceiro adquirente de boa-fé. De fato, nestas situações é louvável a proteção ao terceiro de boa-fé. Apesar disso, a jurisprudência vem aplicando de maneira indiscriminada a referida súmula, sem, contudo, ater-se à origem de sua edição.

No mais, ressalta-se que a Súmula 375 do STJ, ao estabelecer o ônus da prova da má-fé ao credor/exequente, exclusivamente, acaba por violar literalmente o artigo 333 do CPC, sem qualquer autorização legal para tanto. Segundo Flavio Luiz Yarshell,

As normas sobre ônus da prova devem ser determinadas de antemão e independentemente da situação processual concreta, acentuando-se que a distribuição do ônus de prova pela lei é fator de segurança jurídica (...) a distribuição do ônus da prova é tarefa precípua do legislador, e apenas secundariamente do juiz, quando expressamente autorizado por aquele.[3]

Teoria dinâmica do ônus da prova

O novo Código de Processo Civil, em sua proposta inicial, teve como objetivo revogar a Súmula 375 do STJ, a fim de distribuir adequadamente o ônus da prova. Não obstante, segundo o entendimento hodierno a boa-fé deve ser presumida. Neste quadro, o legislador, ao final, manteve o entendimento adotado pelo Superior Tribunal de Justiça.

Mas, por outro ângulo, há de se destacar a notória alteração legislativa no que se refere à adoção da teoria dinâmica do ônus da prova em nosso ordenamento processual. Vejamos, para melhor compreensão, o disposto no artigo 373 do novo Código de Processo Civil, verbis:

Art. 373. O ônus da prova incumbe:

I - ao autor, quanto ao fato constitutivo de seu direito;

II - ao réu, quanto à existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor.

§ 1o Nos casos previstos em lei ou diante de peculiaridades da causa relacionadas à impossibilidade ou à excessiva dificuldade de cumprir o encargo nos termos do caput ou à maior facilidade de obtenção da prova do fato contrário, poderá o juiz atribuir o ônus da prova de modo diverso, desde que o faça por decisão fundamentada, caso em que deverá dar à parte a oportunidade de se desincumbir do ônus que lhe foi atribuído.

§ 2o A decisão prevista no § 1o deste artigo não pode gerar situação em que a desincumbência do encargo pela parte seja impossível ou excessivamente difícil.

§ 3o A distribuição diversa do ônus da prova também pode ocorrer por convenção das partes, salvo quando:

I - recair sobre direito indisponível da parte;

II - tornar excessivamente difícil a uma parte o exercício do direito.

§ 4o A convenção de que trata o § 3o pode ser celebrada antes ou durante o processo.

Note-se que a teor do § 1º, o juiz, diante da peculiaridade do caso concreto e eventual impossibilidade ou excessiva dificuldade de comprovar determinado fato, poderá atribuir de maneira diversa, por decisão fundamentada, caso em que deverá dar à parte a oportunidade de se desincumbir do ônus que lhe foi atribuído.

Além disso, § 3º do mesmo diploma estabelece que as próprias partes podem estabelecer o ônus da prova, exceto sobre direitos indisponíveis ou quando se tornar excessivamente difícil o exercício do direito.

Willian Santos Ferreira elenca cinco requisitos cumulativos para distribuição dinâmica do ônus da prova: i) os fatos probatórios devem ser determinados; ii) impossibilidade ou excessiva dificuldade; iii) maior facilidade de obtenção de prova do fato contrário para a parte onerada judicialmente; iv) a dinamização não poderá levar à parte onerada um encargo impossível ou excessivamente difícil; e v) ser possível conceder à parte onerada oportunidade (contraditório e ampla defesa). [4]

Assim, diante das peculiaridades de um concreto em que se discute a ocorrência de eventual fraude à execução, o juiz poderá entender que é o terceiro adquirente quem possui melhores condições de comprovar que tomou as mínimas precauções esperadas na aquisição do bem, mediante a apresentação de certidões, por exemplo. Ao revés, poderá o juiz entender de maneira diversa, quando se deparar com uma hipótese de fraude envolvendo alienações sucessivas, transferindo ao credor, portanto, o ônus probandi, de modo a resguardar o terceiro de boa-fé.

Com efeito, pode-se chegar à ilação, inclusive, de que o novel códex processual contraria a redação da Súmula 375 do STJ, cuja tendência é ser tacitamente revogada, pois a despeito de se tratar de entendimento cristalizado, não possui força de lei (é mera questão administrativa dos tribunais).

Por derradeiro, o legislador procurou resguardar a boa-fé do devedor, que é um sujeito de direitos e deveres, concretizando o princípio do menor sacrifício ao executado. Mas, na hipótese de quebra da boa-fé do devedor – quando, após ser citado, busca extenuar seu patrimônio – o legislador estabeleceu o reconhecimento da fraude à execução, sob o pretexto de garantir a efetividade do processo.

Tanto o é, que nos termos do artigo 600 do CPC a fraude à execução é considerada ato atentatório à dignidade da justiça, com a aplicação de multa de até 20% do valor do débito atualizado do débito. Ainda, conforme dito, o decreto da fraude à execução gera efeitos apenas para o processo.

Nada obstante, a Súmula 375 do Superior Tribunal de Justiça acabou por dificultar demasiadamente o reconhecimento do instituto, ao impor ao credor o ônus de provar a má-fé do terceiro adquirente, mormente se considerarmos que os precedentes que deram origem ao verbete tratavam de fraude em alienações sucessivas. Entretanto, os julgadores passaram a utilizar referida Súmula de maneira indiscriminada.

A despeito da importância da presunção de boa-fé, não se pode olvidar que no caso específico da fraude à execução, esta presunção acaba por complicar a caracterização do instituto, visto que inexiste qualquer critério objetivo auferindo a boa ou a má-fé para fins ensejadores da fraude.

De fato, houveram algumas tentativas de rever o instituto, a partir de reformas processuais, com a inclusão do artigo 615-A ao atual CPC (possibilidade de reconhecimento antes da citação), bem como as modificações trazidas à baila neste ensaio no que se refere ao novo código de processo civil.

Com efeito, o que se espera dos julgadores a partir da vigência do novo código de processo civil é uma atitude mais enérgica, com a adoção de medidas executivas mais efetivas e observar cada caso concreto para auferir a melhor interpretação da súmula 375 do Superior Tribunal de Justiça. Além disso, a partir da teoria dinâmica do ônus da prova, será possível ao magistrado ou as próprias partes estabelecer de maneira diversa o ônus da prova. Assim, o julgador poderá estabelecer – exceto nas alienações sucessivas – que é o terceiro adquirente quem possui melhores condições de comprovar que tomou as mínimas cautelas ao adquirir determinado bem, colacionando certidões aos autos e demonstrando que adquiriu o bem pagando valor de mercado (exegese do artigo 373 do novo código de processo civil).

Portanto, pode-se dizer que a Súmula 375 do Superior Tribunal de Justiça excedeu os limites que lhe cabe, inovando ao instituto e deturpando o disposto nos artigos 373 e 792 do novo código de processo civil, e 333 e 593 do atual código. Assim, o que se defende, aqui, é a revogação do referido verbete sumular, colaborando com a efetividade do processo e a coibição de meios fraudulentos para o devedor se esquivar de suas obrigações.


[1] FREITAS, Antônio Carlos de Oliveira. Novo CPC deixa de rever fraude de execução. Disponível em: www.conjur.com.br/2010-set-17/código-de-processo-civil-deixa-de-rever-fraudeaexecuçao. Acesso em nov. 2015.

[2] Filho, Luis Arlindo Feriani. Fraude à Execução, Súmula 375 do STJ e o Novo Código de Processo Civil. www.academus.pro.br – acesso em 17/11/2015.

[3] YARSHELL, Flávio Luiz. Antecipação da prova sem o requisito da urgência e direito autônomo à prova. São Paulo: Malheiros, 2009. P. 87-89.

[4] Santos Ferreira, Willian. Breves comentários ao novo código de processo civil. São Paulo. Editora RT. 2015. P. 1008.

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