Página 1240 da Judicial - 1ª Instância - Interior - Parte II do Diário de Justiça do Estado de São Paulo (DJSP) de 27 de Setembro de 2019

curatela. Ocorre que tal Diploma legal não comporta aplicação, por não ter obedecido a Norma Geral de Redação e Confecção de Leis oriundas do Poder Legislativo Nacional e ainda é inconstitucional quando modifica e revoga artigos do Código Civil. Explico. O artigo da Lei Complementar 95/98 diz que a elaboração, a redação, a alteração e a consolidação das leis obedecerão ao nela disposto. E continua seu artigo 7º, caput, e incisos I e II, rezando o seguinte: “Art. 7º O primeiro artigo do texto indicará o objeto da lei e o respectivo âmbito de aplicação, observados os seguintes princípios: I - excetuadas as codificações, cada lei tratará de um único objeto; II - a lei não conterá matéria estranha a seu objeto ou a este não vinculada por afinidade, pertinência ou conexão;” Pois bem. O artigo , caput, da Lei 13.146 diz que é instituída a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (Estatuto da Pessoa com Deficiência), destinada a assegurar e a promover, em condições de igualdade, o exercício dos direitos e das liberdades fundamentais por pessoa com deficiência, visando à sua inclusão social e cidadania. Como se vê, tal lei não se trata de codificação, e apenas deveria tratar dos direitos e liberdades fundamentais da pessoa com deficiência, bem como o modo de exercício de tais direitos. Ora, não poderia a lei regular matéria que é estranha a isso, como é o caso da definição de quem é incapaz para a prática de atos da vida civil, bem como a maneira de tutelar essa pessoa considerada incapaz. Por isso, ela não poderia alterar o Código Civil, essa sim lei que é considerada Codificação, e poderia regular ou tratar de mais de um objeto. Mas não é só. A Lei 13.146 vai além, pois ainda revoga no seu artigo 123 os incisos II e III do artigo 228, o inciso I do artigo 1.548 e o inciso IV do artigo 1.557 do Código Civil. O artigo 228, incisos II e III, regula matéria relativa à prova dos atos e fatos jurídicos em geral, estabelecendo quem pode ou não ser testemunha. Matéria totalmente estranha ao que trata a Lei 13.146. O artigo 1.548, inciso I, traz hipótese de nulidade do casamento contraído pelo enfermo mental sem o necessário discernimento para os atos da vida civil, ou seja, trata de quem tem capacidade ou não para casar. Matéria totalmente estranha ao que trata a Lei 13.146. O artigo 1.557, inciso IV, trata de estipular hipótese onde se considera presente o erro essencial sobre a pessoa do outro cônjuge, que é a ignorância, anterior ao casamento, de doença mental grave que, por sua natureza, torne insuportável a vida em comum ao cônjuge enganado: ou seja, regula matéria relativa a vícios do consentimento que podem provocar a anulabilidade de ato jurídico, especificamente o casamento. Matéria totalmente estranha ao que trata a Lei 13.146. Mas os absurdos não param por aí. A Lei 13.146 que, frise-se, é destinada a assegurar e a promover, em condições de igualdade, o exercício dos direitos e das liberdades fundamentais por pessoa com deficiência, visando à sua inclusão social e cidadania, ainda trata de matérias ou objetos mais díspares e totalmente sem nexo ou relação com o seu objeto. Com efeito, traz uma balbúrdia sem precedentes ao alterar: o Código Eleitoral (artigo 96), a Consolidação das Leis do Trabalho (artigo 97), altera figura penal prevista na Lei 7.853 de 1989 (artigo 98), a Lei do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (artigo 99), O Código de Defesa do Consumidor (artigo 100), a Lei de Benefícios da Previdência Social (artigo 101), a Lei da Improbidade Administrativa (artigo 103), a Lei de Licitações (artigo 104), e até o Código de Trânsito Brasileiro (artigo 109). Inacreditável a falta de bom senso do Legislativo, que se superou na arte de produzir insegurança jurídica e de desrespeitar o Diploma legal que deve ser observado ao se redigir um ato normativo oriundo do Congresso Nacional, o qual foi ignorado solenemente em patamar jamais visto antes. Portanto, por não observar a norma cogente do artigo , incisos I e II, da Lei Complementar 95/98, tal diploma legal não merece produzir efeitos no mundo jurídico nacional. Mas nos dispositivos que revogam e alteram normas do Código Civil tal diploma atinge o ápice da nulidade de qualquer ato jurídico, que é sua inconstitucionalidade. Com efeito, primeiro se atenta contra o princípio da Dignidade da Pessoa Humana, fundamento da República Federativa do Brasil insculpido no inciso III do artigo da Constituição de 1988. Sim, porque ao invés de proteger a pessoa com deficiência ao mudar de forma atabalhoada o Código Civil, acaba por deixá-la sem respaldo e sem uma efetiva forma de se deixar o deficiente a salvo de pessoas inescrupulosas. Com efeito, veja-se como ficou a redação dos artigos e do Código Civil, pelo artigo 114 da Lei 13.146: “Art. 3o São absolutamente incapazes de exercer pessoalmente os atos da vida civil os menores de 16 (dezesseis) anos. (Redação dada pela Lei nº 13.146, de 2015) I - (Revogado) II - (Revogado) III -(Revogado) Art. 4o São incapazes, relativamente a certos atos ou à maneira de os exercer: (Redação dada pela Lei nº 13.146, de 2015) I - os maiores de dezesseis e menores de dezoito anos; II - os ébrios habituais, os viciados em tóxicos, e os que, por deficiência mental, tenham o discernimento reduzido; III - os excepcionais, sem desenvolvimento mental completo; II - os ébrios habituais e os viciados em tóxico; (Redação dada pela Lei nº 13.146, de 2015) III - aqueles que, por causa transitória ou permanente, não puderem exprimir sua vontade; (Redação dada pela Lei nº 13.146, de 2015) (Vigência) IV - os pródigos. Parágrafo único. A capacidade dos indígenas será regulada por legislação especial. (Redação dada pela Lei nº 13.146, de 2015)” Veja-se que absurdo: pessoa com deficiência mental como os dementes, loucos de todo gênero, mesmo que tal situação seja permanente e irreversível, e também pessoas que vivem em estado vegetativo, são considerados apenas relativamente incapazes para os atos da vida civil, pois foram revogados os incisos II e III do artigo 3º do Código Civil! Como se fosse o legislador, e não o médico, de acordo com o estado atual do avanço da ciência, quem tivesse capacidade profissional de concluir se uma pessoa humana tem ou não capacidade para prática dos atos da vida civil em geral e de reger sua pessoa e seus bens. Uma pessoa com loucura completa, ou que tenha limitação física que a impeça sequer de se locomover e de manifestar por qualquer forma sua vontade, não muda seu estado por passe de mágica do legislador! Lei absurda como a 13.146 tem a pretensão inatingível de mudar a realidade; mas não é essa quem é modificada pelo ato normativo, e sim a realidade, os fatos que acontecem no mundo real é que podem levar à alteração legislativa. Leis como a que ora se analisa teriam a mesma pretensão de alterar, e seriam dos tipos seguintes: lei que considera não mais vigente no Brasil a “Lei da Gravidade”; lei que considera que o câncer não é doença grave que possa levar uma pessoa humana à morte; lei que estabelece que, a partir de sua vigência, não irá mais chover no Brasil; lei que estipule que, a partir de sua vigência, não poderá mais haver pessoa miserável no Brasil. É a realidade que muda a lei; não a lei que muda a realidade. Até mesmo para a aplicação correta do direito o julgador deve analisar primeiro o fato; depois a norma jurídica. Para VICENTE RÁO, o juiz deve em primeiro lugar considerar a situação de fato em sua individualidade completa, segundo o seu conteúdo de espírito e pensamento, e de conformidade com o sentido que recebe no ambiente social em que se verifica, despindo-a de qualquer definição jurídica (RÁO, Vicente. O Direito e a Vida dos Direitos 3ª ed. v. 2 São Paulo: Max Limonad, 1952, p. 544.). Após esta análise prévia, indaga o juiz se o fato, anteriormente examinado em si, incide ou não na disciplina ou tutela do direito normativo e, incidindo, qual é, ou quais são, a (s) norma (s) que lhe diz (em) respeito, à partir do que se estará qualificando juridicamente o fato, uma vez que não mais o examina isoladamente, mas em confronto com o direito. Procedendo desta forma, como diz VICENTE RÁO, o juiz realiza, em primeiro lugar, o que denomina de diagnóstico do fato e, em segundo lugar, o diagnóstico jurídico (RÁO, Vicente. O Direito e a Vida dos Direitos, ob. cit., p. 544.). Outrossim, como acentuou FERRARA, a actividade judiciária, porém, não se reduz ao trabalho de subsunção dos factos à norma de direito (FERRARA, Francesco. Interpretação e aplicação das leis. 3ª ed. Coimbra: Armênio Amado, 1978. p.186-187), e, conclusivamente, pode-se dizer, então, que aplicação do direito não se resume a uma questão de lógica formal. E, na trilha e nos dizeres de MIGUEL REALE, aplicação do direito é antes uma questão complexa na qual fatores lógicos, axiológicos e fáticos se correlacionam, segundo exigência de uma unidade dialética, desenvolvida ao nível da experiência, à luz dos fatos e de sua prova, e continua o jurista,donde podemos concluir que o ato de subordinação ou subsunção do fato à norma não é um ato reflexo e passivo, mas antes um ato de participação criadora do juiz, com a sua

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