Página 422 do Diário de Justiça do Distrito Federal (DJDF) de 22 de Outubro de 2020

na gênese da apelação, cinge-se à aferição da subsistência de nulidade a ser reconhecida quanto à Escritura Pública de Cessão de Direitos Hereditários[3], celebrada entre o primeiro autor, com a anuência de sua esposa, segunda autora, com o réu, irmão seu irmão, nomeadamente quanto às alegações de erro, dolo, lesão, estado de perigo e, por fim, quanto ao inadimplemento da contraprestação pelo réu devida. Com efeito, como bem ponderado pelo Juízo de origem, a apreciação da questão deduzida na presente ação fora delimitada à pretensão direcionada à declaração de nulidade do negócio jurídico (cessão onerosa) e, conquanto haja remissão argumentativa à questão do estado de inadimplemento imputado ao réu, tais apreensões refogem ao escopo da demanda (CPC, artigos 141 e 492, caput), podendo ser apreciadas, se o caso, a título ilustrativo (obiter dictum). Emoldurada a controvérsia posta a julgamento, extraindo-se dela a quaestio iuris que carece de equacionamento pela via da jurisdição, não se tratando obviamente de relação jurídica submetida às normas de proteção e defesa do consumidor, vez que as partes não se enquadraram no conceito legal (CDC, art. ), não havendo divergência alguma quanto a isso, a distribuição do ônus da prova submeter-se-ia, em tese, à regra geral estabelecida no artigo 373, incisos I e II, do Código de Processo Civil; logo, diante da alegação de vícios de consentimento, cumpriria aos apelantes o encargo de comprovar as teses nas quais esteara o direito que pontuara como devido, e, à parte ré, incumbiria o ônus quanto aos de natureza extintiva, modificativa ou impeditiva daquele mesmo direito alegado. Nessa toada, a problemática em tela está sujeita a equacionamento mediante apreciação do arcabouço probatório coligido aos autos a partir da regra geral de distribuição do encargo pela produção de provas previsto no estatuto processual (art. 373, inc. I e II). Essa apreensão, conforme ressaltado alhures na fundamentação, decorre da constatação de que na hipótese fático-jurídica sob julgamento as partes não estabeleceram relação jurídica de natureza consumerista ou quaisquer outras que determinassem a inversão ope legis ou dinâmica do referido ônus. Nesse contexto e observados os parâmetros da lide, aliada à extensão do efeito devolutivo que impregna a apreciação das questões ora deduzidas, importa tecer algumas considerações a respeito dos vícios, ou defeitos, que podem imprecar o negócio jurídico, maculando-o desde antes ou após sua gênese e que, nessa mesma toada, podem ou não vir a ser causa de desconstituição do negócio jurídico, mediante a declaração de sua nulidade. Os vícios, ou defeitos, do negócio jurídico são elementos que, ao serem observados no plano dos fatos jurídicos lato sensu, demonstram que a vontade manifestada no momento da celebração da avença não era absolutamente livre (vícios de consentimento) ou que o elemento volitivo não estaria impregnado da intenção pura e de boa-fé que enunciara-se no momento de sua manifestação (vícios sociais), tratando-se, por conseguinte, de questões afetas ao plano de validade do negócio jurídico[4]. Espécie daqueles são o erro, o dolo, a coação, a lesão e o estado de perigo, cujo regramento encontra referência nos artigos 138 a 157 do Código Civil Brasileiro, ao passo que os vícios sociais, simulação e fraude contra credores, encontrariam previsão normativa, respectivamente, nos artigos 167 e 158 a 165, ambos do mesmo diploma. Estabelecida essa pré-compreensão, convém adiantar que, na situação descortinada, não restara em absoluto configurada a prática de conduta dolosa em desfavor dos demandantes, que teriam, a seu turno, celebrado o negócio em estado de erro. Destarte, ante a imputação, pela parte demandante contra o réu, da prática de ato fraudulento, mediante dolo, é mister destacar que sobressai a certeza de que, tendo sido a parte induzida à celebração da avença por força de dolo, a princípio, a avença encontrar-se-ia maculada de anulabilidade, apresentando-se assim conceituado pela doutrina mais abalizada: ? Dolo é a indução em erro de uma parte do negócio jurídico. Verifica--se esse tipo de defeito de consentimento quando o sujeito declarante é enganado - isto é, passa a ter falsa representação da realidade - em razão de expedientes astuciosos usados pela outra parte, ou por agente constrangedor estranho à relação negocial. (...) O dolo é o expediente malicioso que induz alguém a praticar certo negócio jurídico. Quando a parte vítima do dolo não teria praticado o negócio jurídico caso tivesse percebido, a tempo, o engodo, ele é inválido. Se, por outro lado, a parte foi enganada acerca de aspecto não essencial do negócio ou de seu objeto, e o teria praticado mesmo sabendo da verdade dos fatos, terá direito de ser indenizada pelos danos que sofrer, preservando--se a validade do negócio jurídico.?[5] Alinhado esse registro, consubstancia verdadeiro truísmo que o dolo, que corresponde ao ?artifício ou expediente astucioso, empregado para induzir alguém à prática de um ato, que o prejudica e aproveita ao autor do dolo ou a terceiro?[6], constitui vício de consentimento, que, nos termos do artigo 171, inc. II, do Código Civil[7], é capaz de infirmar a validade do negócio jurídico, desde que devidamente comprovado por robustos elementos probatórios. Destarte, como defeito impregnado ao negócio jurídico, não pode o dolo, pois, ser presumido, ou seja, não pode ser presumido que a conduta dolosa tenha sido a causa determinante do negócio e que tenha tido intensidade e má-fé suficientes a justificar o engano da vítima. Outrossim, a teor do que dispõe o artigo 148 do estatuto material[8], exige-se que o dolo derive da conduta do próprio contratante ou, se vindo de terceiro, que esse tenha dele conhecimento. Assim, emerge inexorável que o dolo se qualifica pela indução em erro do alter da relação jurídica material, sendo certo que, como cediço, a presença do elemento anímico ? dolo - a permear a avença enseja a possibilidade de declaração de nulidade do negócio caso praticado por uma das partes, nos termos do que prevê o art. 145 da legislação material, in verbis: ?Art. 145. São os negócios jurídicos anuláveis por dolo, quando este for a sua causa.? Por sua vez, o erro, como regra geral, consiste na falsa perspectiva de uma realidade subjetiva, ou sua completa ignorância a respeito dos elementos que permeiam os limites ou quanto os efeitos do negócio celebrado, bem como no que pertine à natureza da avença ou à identidade ou qualidade das partes, tendo sido assim redigidas as normas que regulam o tema: ?Art. 138. São anuláveis os negócios jurídicos, quando as declarações de vontade emanarem de erro substancial que poderia ser percebido por pessoa de diligência normal, em face das circunstâncias do negócio. Art. 139. O erro é substancial quando: I - interessa à natureza do negócio, ao objeto principal da declaração, ou a alguma das qualidades a ele essenciais; II - concerne à identidade ou à qualidade essencial da pessoa a quem se refira a declaração de vontade, desde que tenha influído nesta de modo relevante; III - sendo de direito e não implicando recusa à aplicação da lei, for o motivo único ou principal do negócio jurídico. Art. 140. O falso motivo só vicia a declaração de vontade quando expresso como razão determinante. Art. 141. A transmissão errônea da vontade por meios interpostos é anulável nos mesmos casos em que o é a declaração direta. Art. 142. O erro de indicação da pessoa ou da coisa, a que se referir a declaração de vontade, não viciará o negócio quando, por seu contexto e pelas circunstâncias, se puder identificar a coisa ou pessoa cogitada. Art. 143. O erro de cálculo apenas autoriza a retificação da declaração de vontade. Art. 144. O erro não prejudica a validade do negócio jurídico quando a pessoa, a quem a manifestação de vontade se dirige, se oferecer para executá-la na conformidade da vontade real do manifestante.? Noutros termos, trata-se de um vício de consentimento que afeta por completo a manifestação da vontade do agente que a emanara, cuja perspectiva falsa residira em seu consciente e afetara a vontade que expressara com o cunho em alterar seu estado civil, ou seja, cuida-se de ?um estado de espírito positivo, qual seja, a falsa percepção da realidade, ao passo que a ignorância é um estado de espírito negativo, o total desconhecimento do declarante a respeito das circunstâncias do negócio?, não se prestando, todavia, a alforriar aquele que agira com negligência, com displicência ou com reduzido grau de diligência[9]. No caso dos autos, todavia, a despeito de alegarem os autores serem pessoas de pouca instrução e de que teriam sido induzidos a erro pelo autor, tais circunstâncias, inobstante eventual juízo de verossimilhança, não foram efetivamente comprovadas nos presentes autos, nomeadamente porquanto exigem, para sua concretização, a colação de provas robustas nesse sentido, não havendo, ademais, quaisquer indícios minimante seguros nesse sentido. É que, ainda que haja elementos para indicar serem os autores pessoas simples, tal circunstância, por si só, ou seja, desprovida de quaisquer outras provas a indicar o alegado, é inapta a atrair o regramento anulatório a que pretendem, ressaindo disso, por conseguinte, a necessidade de manutenção da avença em estado de higidez. Consequência disso é que, se houvera cessão onerosa sem que a parte soubesse da dimensão exata daquilo que cedera, posto que supostamente o montante a ser inventariado deveria ser maior, tais alegações deveriam efetivamente comprovados, sobressaindo que, dessa circunstância, caberia o ajuizamento de ação de sobrepartilha ? condição que, se provada e reconhecida em juízo, serviria de estofo substancial a amparar o alegado ?, cujo escopo seria a comprovação de que o réu teria omitido parcela do patrimônio do de cujos. De mais a mais, as alegações direcionadas ao reconhecimento de patrimônio supostamente omitido pelo réu, nomeadamente do tipo semoventes que estariam na fazenda submetida a inventário judicial, conquanto não pudessem ser apreciadas no juízo inventariante, tendo sido feita remissão às ?vias ordinárias?, ressalvando-se a possibilidade de sobrepartilha, nem mesmo naquela ocasião foram apresentadas com elementos robustos, sobressaindo, ao contrário, informações de que o gado lá localizado pertenceria, em verdade, ao próprio réu[10]. Noutra senda, o fato de ter o advogado do réu supostamente retido indevidamente os autos também não pode ser içado à justificação ou comprovação de dolo, conquanto indique, se verdadeira a acusação, má-fé do patrono e, quiçá, de seu constituinte, devendo sofrer os consectários legais decorrentes dessa atitude, se o caso, no Juízo pertinente. Finalmente, no que tange à afirmação de que o réu teria chamado a segunda apelante

Figura representando 3 páginas da internet, com a principal contendo o logo do Jusbrasil

Crie uma conta para visualizar informações de diários oficiais

Criar conta

Já tem conta? Entrar