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26 de Maio de 2024
  • 1º Grau
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TJMS • XXXXX-33.2016.8.12.0021 • Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul - Inteiro Teor

Detalhes

Processo

Partes

Documentos anexos

Inteiro TeorSentença (pag 832 - 852).pdf
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Autos XXXXX-33.2016.8.12.0021

Parte Autora: Ministério Público Estadual

Parte Requerida: Dalila Flávia Barbosa Rodrigues, Hercules Flávio Barbosa, Jaime Soares Ferreira, José Dodo da Rocha e Reinaldo Mendonça

Vistos, etc.

O Ministério Público Estadual , por intermédio de seu Representante, ingressou com a presente Ação De Improbidade Administrativa contra Dalila Flávia Barbosa Rodrigues, Hercules Flávio Barbosa, Jaime Soares Ferreira, José Dodo da Rocha e Reinaldo Mendonça , qualificados nos autos, alegando que atentaram contra os princípios da Administração, nos termos do artigo 11 da Lei n.º 8.429/92, estando submetidos às sanções do artigo 12, inc. III, de referida Lei.

Sustenta que no ano de 2005, José Dodo da Rocha, então prefeito do Município de Selvíria, nomeou a pessoa de Hércules Flávio Barbosa para exercer o cargo comissionado de Assessor de Planejamento da prefeitura local, por meio da Portaria nº 099/2005; que no ano de 2006, Hércules passou também a responder pelo Departamento de Recursos Humanos (Portaria 062/2006), sem a aprovação em concurso público; o requerido Hércules foi exonerado no último dia do mandato por José Dodo da Rocha; que foi nomeado pelo prefeito Jaime Soares Ferreira para exercer o cargo de Secretário de Esportes de Selvíria, que se arrasta até os dias atuais.

Assevera que no ano de 2011 o Secretário de Saúde de Selvíria, Reinaldo Mendonça, tendo conhecimento de que o requerido Hércules trabalhava na prefeitura municipal, indicou a irmã deste, Dalila Flávia Barbosa, para exercer o cargo de Assistente Social, no Núcleo de Assistência de Saúde Familiar; que o requerido José Dodo Rocha assumiu os riscos de tais indicações, por saber que Hércules e Dalila são parentes consanguíneos em 2º grau, ambos nomeados sem a devida aprovação em concurso público; assim é evidente a prática de nepotismo.

Requer, ao final, a procedência dos pedidos para condenar os Requeridos pela prática de ato de improbidade administrativa.

Atribuiu valor à causa e juntou documentos.

A parte passiva foi regularmente notificada na forma do art. 17, §

, da Lei n.º 8.429/92.

Os Requeridos Jaime Soares Ferreira, José Dodo da Rocha e Reinaldo Mendonça da Costa apresentaram defesa prévia (fls. 359/405), afirmando que a pretensão formulada pela parte autora não deve prosperar, tendo em vista que não houve a prática de nepotismo; que Dalila foi aprovada em processo seletivo para exercer o cargo de Agente Comunitário de Saúde em 2001, por ser a única profissional com formação em Assistência Social, permanecendo no cargo até 2011, quando foi designada para o cargo de Assistente Social; em 2013, foi novamente nomeada para exercer o mesmo cargo; a nomeação se deu por contrato, desde 2005, eis que a realização de concursos no Município estava suspensa por decisão judicial; o requerido Hércules, por sua vez, foi nomeado para o cargo de Secretário de Esportes no ano 2013; que desde o ano de 2005 os concursos estavam suspensos no Município de Selvíria; não houve troca de favores ou influência de agentes; não possui qualquer relação de parentesco com os nomeados, não há subordinação hierárquica entre os servidores; não exercem função na mesma estrutura interna; inexistentes o dolo, má-fé e o prejuízo ao erário.

Após, o requerido Hércules Flávio Barbosa (fls. 406/420) afirmou que não há a existência de dolo; foi nomeado por livre escolha do ex-prefeito José Dodô Rocha e atual prefeito do Município de Selvíria, Jaime Soares Ferreira, não possuindo qualquer relação de amizade ou parentesco com os mesmos; não houve interferência na contratação da requerida Dalila, que tem formação em assistência social e possui capacidade para a execução do contrato realizado; a requerida Dalila era subordinada ao ex-Secretário de Saúde Reinaldo Mendonça Costa, não tendo qualquer vínculo com aquele.

A requerida Dalila Flávia Barbosa, por sua vez, assegurou que, em 2001, foi aprovada em processo seletivo para o cargo de Agente Comunitário de Saúde, permanecendo no cargo até 2011, quando foi designada pelo requerido José Dodo da Rocha, para exercer, por meio de contrato, o cargo de Assistente Social; assim como ela, Reinaldo não tinha poder de interferir no processo de escolha; há entendimento do STJ de que o nepotismo só se caracteriza apenas quando a escolha para ocupar o cargo de direção, chefia ou assessoramento tenha sido direcionado à pessoa com relação de parentesco com quem tenha potencial de interferir no processo de seleção; ausentes, portanto, o dolo, má-fé e dano ao erário.

Pela decisão de fls. 457/459 foi recebida a petição inicial, sendo determinado o prosseguimento do feito pelo rito ordinário.

Devidamente citado, o Requerido José Dodo da Rocha alegou que a Requerida Dalila foi aprovada em processo seletivo para o cargo de agente comunitário de saúde em 2001, permanecendo até 2011, quando foi designada para o cargo de assistente social por impossibilidade de realização de concurso público pelo Município de Selvíria; que não houve troca de favores ou influência direta na seleção; que Dalila e Hércules não possuíam qualquer vínculo de parentesco com pessoas do "alto escalão" quando foram admitidos, não havendo qualquer relação de subordinação entre eles; que a prática de nepotismo só configura improbidade administrativa se existente o dolo, a má-fé e o prejuízo ao erário; que não tem qualquer parentesco com os servidores nomeados; que houve a devida contraprestação pecuniária em função da efetiva prestação dos serviços, inexistindo conduta maliciosa por parte da autoridade nomeante. Requer a improcedência dos pedidos e, subsidiariamente, apenas a condenação na pena de multa. Juntou os documentos de fls. 488/523.

Por seu lado, o Requerido Jaime Soares Ferreira ofereceu contestação às fls. 524/541, oportunidade em que alegou que Dalila foi aprovada em processo seletivo para o cargo de agente comunitário de saúde no ano de 2001, permanecendo no cargo até 2011, quando foi designada para o cargo de assistente social, isso porque o Município estava impedido de realizar concurso público nessa época; que Hércules foi nomeado para o cargo de Secretário de Esportes no ano de 2013, não havendo que se falar em nepotismo; que não há qualquer relação de parentesco entre a autoridade nomeante e a pessoa nomeada; que não havia relação de subordinação entre os Requeridos Dalila e Hércules; que a prática de nepotismo somente configura improbidade administrativa se houve dolo, má-fé e prejuízo ao erário; que os Demandados Hércules e Dalila possuíam capacidade técnica quando foram nomeados, não havendo troca de favores. Requer a improcedência dos pedidos e, subsidiariamente, apenas a condenação na pena de multa. Juntou os documentos de fls. 542/577.

O Requerido Reinaldo Mendonça da Costa apresentou defesa, na forma de contestação, às fls. 578/593, aduzindo que a Requerida Dalila foi aprovada em processo seletivo para o cargo de agente comunitário de saúde em 2001, permanecendo até 2011, quando foi designada para o cargo de assistente social por impossibilidade de realização de concurso público pelo Município de Selvíria; que não houve troca de favores ou influência direta na seleção; que Dalila e Hércules não possuiam qualquer vinculo de parentesco com pessoas do "alto escalão" quando foram admitidos, não havendo qualquer relação de subordinação entre eles; que a prática de nepotismo só configura improbidade administrativa se existente o dolo, a má-fé e o prejuízo ao erário; que não tem qualquer parentesco com os servidores nomeados; que houve a devisa contraprestação pecuniária em função da efetiva prestação dos serviços, inexistindo conduta maliciosa por parte da autoridade nomeante. Requer a improcedência dos pedidos e, subsidiariamente, apenas a condenação na pena de multa. Juntou os documentos de fls. 594/629.

Por sua vez, o Requerido Hércules Flávio Barbosa ofereceu contestação às fls. 630/640, argumentando que não há prova de que houve o direcionamento para escolha da ocupação do cargo seja dele ou da Requerida Dalila; que não há prova da existência de dolo ou má-fé; que é incontroverso nos autos que não houve sua interferência quando da contratação de Dalila; que não houve designações recíprocas mediante ajuste e além disso Dalila era vinculada ao então Secretário Municipal de Saúde; que a nomeação de Dalila apenas se deu porque o Município de Selvíria carece de mão de obra qualificada e a mesma possui curso superior completo. Requer a improcedência dos pedidos. Trouxe os documentos de fls. 641/643.

A Requerida Dalila Flavia Barbosa, em sua defesa, às fls. 644/655, sustentou a ausência de nepotismo, pois sua nomeação se deu após a indicação do Secretário Municipal de Saúde no ano de 2011, considerando ser a mesma a única profissional com formação em assistência social no Município de Selvíria; que a sua contratação se deu por critérios técnicos e em data muito anterior àquela em que o requerido Hercules Flávio Barbosa assumiu a Secretaria de Esportes; que não houve qualquer acordo ou troca de favores pelas nomeações objeto dos autos; que nem toda ilegalidade é ato ímprobo. Requer a improcedência dos pedidos. Vieram os documentos de fls. 656/749.

O Ministério Público se manifestou às fls. 752/761 requerendo o prosseguimento do feito, bem como pugnando pela produção de prova oral.

Intimadas as partes sobre as provas que pretendiam produzir, os Requeridos pugnaram pela oitiva de testemunhas, enquanto o Ministério Público requereu o depoimento pessoal daqueles.

Pela decisão de fls. 762/766 foi saneado o feito e deferida a

produção de prova testemunhal.

Realizada audiência de instrução e julgamento à fl. 831, foi colhido depoimento pessoal dos Requeridos, bem como ouvida uma testemunha, sendo apresentadas alegações finais remissivas pelas partes.

Vieram os autos conclusos para sentença.

É o relatório. Decido.

Trata-se de Ação de Improbidade Administrativa em que o Ministério Público sustenta a ocorrência de nepotismo no Poder Executivo de Selvíria - MS e que tal prática caracteriza ato ímprobo.

Pois bem. Do cotejo das alegações trazidas pelas partes é possível concluir que o pedido inicial merece parcial procedência , senão vejamos.

É incontroverso nos autos que o Requerido José Dodo da Rocha, então Prefeito do Município de Selvíria, contratou, sem concurso público, para trabalhar na Prefeitura Municipal, os Requeridos:

1) Hércules Flávio Barbosa, em 01.01.2005, para o cargo de Assessor de

Gabinete I, consoante se extrai da Portaria nº 092/2005, de 04.07.2005, juntada à fl. 318, sendo exonerado em 04.07.2005 (fl. 318);

2) Hércules Flávio Barbosa, em 12.07.2005, para o cargo de Assessor de

Planejamento, consoante Portaria nº 099/2005, de 12.07.2005, juntada à fl. 179, exonerado em 31.12.2012, conforme Portaria de nº 281/2012, de 31.12.2012 (fl. 180);

3) Hércules Flávio Barbosa, em 03.10.2006, para responder pelo

Departamento de Recursos Humanos, consoante se extrai da Portaria nº 062/2006, de 03.10.2006, juntada à fl. 319.

4) Dalila Flávia Barbosa Rodrigues, em 02.06.2011, para a função de

Assistente Social, consoante contrato de trabalho juntada às fl. 49.

Observa-se que o Requerido José Dodo da Rocha, no período de 2005 a 2012, nomeou Hércules Flávio Barbosa para assumir diversas funções no Município de Selvíria, primeiro como Assessor de Gabinete I, após como Assessor de Planejamento, passando inclusive pela chefia do Departamento de Recursos Humanos.

Além de ter nomeado o Demandado Hércules Flávio Barbosa, é fato indeclinável que ainda contratou sua irmã, a Requerida Dalila Flávia Barbosa Rodrigues, para exercício da função de assistente social junto ao Núcleo de Apoio à Saúde da Família (NASF).

Por sua vez, o Requerido Jaime Soares Ferreira, Prefeito que sucedeu José Dodo da Rocha na gestão do Município de Selvíria, contratou, também sem concurso público, para trabalhar na Prefeitura Municipal, os Requeridos:

1) Hércules Flávio Barbosa, em 02.01.2013, para o cargo de Assessor de

Planejamento, consoante Portaria nº 021/2013, de 07.01.2013, juntada à fl. 321, exonerado em 18.01.2013, conforme Portaria de nº 052/2013, de 18.01.2013 (fl. 322);

2) Hércules Flávio Barbosa, em 18.01.2013, para o cargo de Secretário

Municipal de Esportes, consoante Portaria nº 052/2013, de 18.01.2013, juntada à fl. 48;

4) Dalila Flávia Barbosa Rodrigues, em 01.01.2013, para a função de

Assistente Social, consoante contrato de trabalho juntada às fl. 49 que foi prorrogado em sua gestão.

Por fim, o Requerido Reinaldo Mendonça, então Secretário de Saúde do Município de Selvíria durante a gestão do Requerido José Dodo da Rocha, indicou a Demandada Dalila Flávia Barbosa, para exercer o cargo de Assistente Social, no Núcleo de Assistência de Saúde Familiar.

Pelos documentos fornecidos pelo Município de Selvíria que instruíram o inquérito civil e fazem agora parte da prova documental da presente demanda, pode se extrair a conclusão que os Requeridos Hércules Flávio Barbosa e Dalila Flávia Barbosa são irmãos, tendo o primeiro ingressado no quadro funcional do Município em 2005, na condição de Assessor de Gabinete I, enquanto a segunda em 2001, como Agente Comunitário de Saúde.

Pois bem. A questão é saber se tais nomeações caracterizam ou não ato de improbidade administrativa.

A súmula vinculante nº 13 do Supremo Tribunal Federal veda o nepotismo já proibido pela Constituição Federal, cuja redação é a seguinte:

"A nomeação de cônjuge, companheiro ou parente em linha reta, colateral ou por exercício de cargo em comissão ou de confiança ou, ainda, de função gratificada na administração pública direta e indireta em qualquer dos poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, compreendido o ajuste mediante designações recíprocas, viola a Constituição Federal."

Em poucas palavras, nepotismo no setor público é o favorecimento, por meio de contratação sem concurso público, de parentes por parte de alguém que exerce o poder.

Por seu lado, ocorre o nepotismo cruzado na hipótese de existência de "ajuste mediante designações recíprocas", ou seja, há a troca de favores com nomeações para cargos. Dizendo de forma simples, se dá quando dois agentes combinam em empregar familiares como troca de favores.

A administração pública é exercida por pessoas físicas que, a frente de entes governamentais em diferentes esferas estatais, tomam as decisões sobre qual rumo os negócios públicos tomarão, qual caminho será dado ao dinheiro público administrado e quais setores da comunidade receberão mais ou menos recursos.

Como essas pessoas físicas não manejam recursos próprios, mas valores alheios/públicos, a Constituição Federal traçou rumos a serem perseguidos pelos administradores.

Os princípios basilares a serem seguidos pelo administrador público são os da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência:

Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: (...) (Constituição Federal) (destaquei)

Esse suporte principiológico não é exaustivo, mas representa o principal pilar para uma administração honesta e de qualidade.

O intuito do constituinte com essas determinações foi apenas positivar orientações que já devem (ou deveriam) estar no intelecto do administrador público, de modo que as decisões, em atos administrativos vinculados, e principalmente nos discricionários, têm sempre que visar ao melhor para a administração.

A doutrina de Odete Medauar esclarece o que é o princípio da impessoalidade:

Com o principio da impessoalidade a Constituição visa obstaculizar atuações geradas por antipatias, simpatias, objetivos de vingança, represálias, nepotismo, favorecimentos diversos, muito comuns em licitações, concursos públicos, exercício do Poder de polícia. Busca, desse modo, que predomine o sentido de função, isto é, a idéia de que o poderes atribuídos finalizam-se ao interesse de toda coletividade ou difusos, a impessoalidade significa a exigência de ponderação equilibrada de todos os interesses envolvidos, para que não se editem decisões movidas por preconceitos ou radicalismos de qualquer tipo. (MEDAUAR, Odete. Direito Administrativo Moderno. 8a ed. São Paulo: RT, 2004)

Na mesma linha, o doutrinador constitucionalista José Afonso da Silva anuncia que:

O princípio ou regra da impessoalidade da Administração Pública significa que os atos e provimentos administrativos são imputáveis não ao funcionário que os pratica mas ao órgão ou entidade administrativa em nome do qual age o funcionário. Este é um mero agente da Administração Pública, de sorte que não é ele o autor institucional do ato. Ele é apenas o órgão que formalmente manifesta a vontade estatal. Por conseguinte, o administrado não se confronta com o funcionário x ou y que expediu o ato, mas com a entidade cuja vontade foi manifestada por ele. É que a 'primeira regra do estilo administrativo é a objetividade', que está em estreita relação com a impessoalidade. Logo, as realizações administrativo-governamentais não são do funcionário ou autoridade, mas da entidade pública em nome de quem as produzira. (...) (AFONSO DA SILVA, JOSÉ. Curso de Direito Constitucional Positivo. 35 ed. São Paulo: Ed. Malheiros.)

Assim, em suma, os atos praticados pelos administradores devem estar associados aos interesses da Pessoa Jurídica de Direito Público a qual estão vinculados e não aos objetivos pessoais de cada qual. Já o princípio da moralidade está intimamente ligado ao da legalidade.

Hely Lopes Meirelles traça um clássico conceito sobre a legalidade administrativa:

A legalidade, como princípio da administração ( CF, art. 37, caput), significa que o administrador público está, em toda a sua atividade funcional, sujeito aos mandamentos da lei e às exigências do bem comum, e deles não se pode afastar ou desviar, sob pena de praticar ato inválido e expor-se a responsabilidade disciplinar, civil e criminal, conforme o caso. (...) Na administração pública não há liberdade nem vontade pessoal. Enquanto na administração particular é lícito fazer tudo que a lei não proíbe, na Administração Pública só é permitido fazer o que a lei autoriza. A lei para o particular significa 'pode fazer assim'; para o administrador público significa 'deve fazer assim'. (MEIRELES, hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 36. ed. São Paulo: Ed. Malheiros, 2010, pg. 89.)

Esse autor bem sintetizou em sua obra o que se deve entender pelo princípio da moralidade administrativa. No seu entender o agente administrativo:

[...] não terá que decidir somente entre o legal e o ilegal, o justo e o injusto, o conveniente e o inconveniente, o oportuno e o inoportuno, mas também sobre o honesto e o desonesto. Por considerações de Direito e de Moral, o ato administrativo não terá que obedecer somente a lei jurídica, mas também à lei ética da própria instituição, porque nem tudo que é legal é honesto, [...] (28 Ob. Cit. pg. 90)

Nesse aspecto, os atos administrativos devem seguir os ditames legais e morais.

Da conciliação desse três princípios é possível afirmar que as decisões e o rumo dado aos negócios da administração nunca devem visar a beneficiar, de qualquer forma, o patrimônio ou a pessoa do administrador, ou de qualquer outra pessoa física ou jurídica ligada a este.

O beneficiamento pessoal indireto proporcionado pelo nepotismo atenta no mínimo contra três dos princípios da administração pública.

Essas considerações objetivas a respeito dos princípios feridos pelos atos que caracterizam nepotismo são suficientes para o entendimento do tema. Em suma, o ato do administrador público, titular de cargo político eletivo, que nomeia parentes para ocupar cargos de provimento sem concurso público, nitidamente viola esse tripé de princípios.

Feita essa necessária digressão doutrinária, passo à análise do caso concreto.

Em princípio deve ser consignado que, no caso da nomeação do Requerido Hercules Flávio Barbosa, na gestão do Requerido Jaime Soares Ferreira, então Prefeito Municipal, para titularização do cargo de Secretário de Esportes do Município de Selvíria, é fato que, por si só, não induz diretamente a ato de improbidade administrativa, por se tratar de cargo eminentemente de natureza política, sendo necessária a comprovação de eventual "troca de favores", fraude à lei ou ausência de capacidade profissional, curricular ou técnica para o exercício do cargo.

Com efeito, como é sabido, o Supremo Tribunal Federal pacificou o entendimento no sentido que a nomeação de parentes para cargos políticos não configuraria violação aos princípios constitucionais que regem a Administração Pública, tendo em vista a sua natureza política, de forma que o enunciado da Súmula Vinculante nº 13 não é aplicado ordinariamente a tais situações. No entanto, esse entendimento não é absoluto, haja vista que sofre relativização na hipótese em que se verificar concretamente a presença de eventual "troca de favores" ou fraude à lei, ou ainda inexistência de capacidade profissional, curricular ou técnica para o exercício do cargo público pelo agente nomeado. Vejamos:

"Reclamação - Constitucional e administrativo - Nepotismo - Súmula vinculante nº 13 - Distinção entre cargos políticos e administrativos - Procedência. 1. Os cargos políticos são caracterizados não apenas por serem de livre nomeação ou exoneração, fundadas na fidúcia, mas também por seus titulares serem detentores de um munus governamental decorrente da Constituição Federal, não estando os seus ocupantes enquadrados na classificação de agentes administrativos. 2. Em hipóteses que atinjam ocupantes de cargos políticos, a configuração do nepotismo deve ser analisado caso a caso, a fim de se verificar eventual 'troca de favores' ou fraude a lei. 3. Decisão judicial que anula ato de nomeação para cargo político apenas com fundamento na relação de parentesco estabelecida entre o nomeado e o chefe do Poder Executivo, em todas as esferas da federação, diverge do entendimento da Suprema Corte consubstanciado na Súmula Vinculante nº 13."( Rcl 7590, Relator Ministro Dias Toffoli, Primeira Turma, julgamento em 30.9.2014, DJe de 14.11.2014) destaquei

Em recente decisão na Reclamação nº 17.102/SP, datada de 11.02.2016, ajuizada pelo Ministério Público do Estado de São Paulo, em face de acórdão proferido pela 13a Câmara da Seção de Direito Público do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, por suposta afronta ao enunciado da Súmula Vinculante 13, o Ministro Relator Luiz Fux entendeu incorreta a interpretação do enunciado do referido verbete, ao se extinguir o feito sem julgamento de mérito em razão da impossibilidade jurídica do pedido, isso porque, no caso de cargo político, também cabe "verificar a qualificação técnica dos agentes para o desempenho eficiente dos cargos para os quais foram nomeados, bem como analisar a existência de indício de fraude à lei ou de nepotismo cruzado, circunstâncias em que a nomeação de parente para cargo político mostra-se atentatória aos princípios que norteiam a atividade do administrador público, dentre eles o da moralidade, da impessoalidade e o da eficiência".

Na Reclamação 17.751/RJ, julgada também em 11.02.2016, ajuizada pelo Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro em face dos atos de nomeação de Secretários Municipais da Prefeitura de Barra Mansa/RJ, por suposta afronta ao enunciado da Súmula Vinculante nº 13, ficou consignado que "Nessa seara, tem-se que a nomeação de agente para exercício de cargo na administração pública, em qualquer nível, fundada apenas e tão somente no grau de parentesco com a autoridade nomeante, sem levar em conta a capacidade técnica para o seu desempenho de forma eficiente, além de violar o interesse público, mostra-se contrária ao princípio republicano".

Ve-se que na hipótese tratada nos autos, em que pese o cargo de Secretário Municipal de Esportes ser de natureza política, obteve êxito o Ministério Público em demonstrar que houve fraude à lei consistente na ausência de capacidade profissional, curricular e técnica do Requerido Hercules Flávio Barbosa, que, evidentemente, não recomendava o exercício do cargo ocupado na administração pública.

Essa conclusão é facilmente extraída ao constatar que Hércules Flávio Barbosa não possui qualquer formação superior na área de esportes (educação física, fisioterapia, fisiologia, nutrição etc.) ou em qualquer outra área do conhecimento que pudesse habilitá-lo ao exercício do cargo público como administração ou outro.

Não consta de seu currículo profissional qualquer curso, ainda que apenas técnico ou técnico-profissionalizante, em qualquer área do conhecimento, quiçá em esportes, e além disso jamais trabalhou com esportes anteriormente, de modo que antes de integrar o quadro público municipal auxiliava a família, como autônomo, na administração de um sítio.

Inclusive em audiência de instrução e julgamento, este juízo constatou a manifesta falta de preparo e inadequação curricular do Demandado para o exercício do cargo de Secretário Municipal de Esportes. Em certos momentos do ato judicial demonstrava total falta de entendimento e compreensão das perguntas elaboradas pelas partes, não sabendo explicar, com exatidão, aspectos mínimos de sua contratação.

Como se sabe, o princípio da imediatidade permite que o Juiz de primeira instância tenha o privilégio do contato direto com as partes e as testemunhas, necessitando utilizar sua percepção, sensibilidade e lucidez para valoração das características da prova colhida, de forma que na situação em espeque não restou qualquer dúvida que o Demandado Hércules não sustenta qualquer qualificação e aptidão para assunção do cargo questionado.

Desta forma, no depoimento pessoal prestado pelo Requerido Jaime Soares Ferreira, o depoente justificou que Hércules foi nomeado para ocupar o cargo de Secretário de Esportes por ter ligação nessa área em razão de trabalhar com jovens, de modo que não tinha formação superior, mas apenas bom relacionamento com o pessoal do esporte e gostava de jogar futebol.

Ora, o fato de uma pessoa organizar o futebol de fim de semana não a qualifica para ser Secretário de Esportes, da mesma forma que a circunstância de uma pessoa gostar de leis não a qualifica para ser Secretário Jurídico ou de um pessoa ser boa em assistência ao próximo não lhe qualifica para ser Secretária de Assistência Social.

O administrador público lida com interesses públicos pertencentes a uma massa coletiva, não podendo dispor a bel-prazer sem ter o mínimo de parâmetros para contratação de seu secretariado, o que fere invariavelmente a própria eficiência do serviço público.

Em depoimento pessoal, o Requerido Hércules Flávio Barbosa ressaltou ter ocupado cargos de assessor no Departamento Jurídico, assessor de planejamento e Secretário de Esportes, confirmando que antes trabalhava com pecuária e carvoaria na condição de autônomo, não tendo formação superior na área de esportes, nem administração, nem logística ou mesmo qualquer experiência para lhe dar suporte a ocupar tais cargos. Em síntese narrou:

Que trabalha no Município de Selvíria desde 2005, tendo ocupado cargos de assessor no Departamento Jurídico, assessor de planejamento e em 2013 como Secretário de Esportes; que na primeira contratação compareceu na Prefeitura e pediu emprego ao então Prefeito Municipal; antes trabalhava com pecuária e carvoaria na condição de autônomo; que não tem formação superior na área de esportes, nem administração, nem logística; que desde março de 2016 deixou a Secretaria de Esportes para concorrer à eleição; que não houve interferência de sua irmã Dalila para sua contratação; que cursava direito na época da primeira contratação e foi conversar para ver se seria possível sua contratação; que foi convidado após algumas semanas para trabalhar no Município; que não foi oficialmente chamado para qualquer entrevista e não levou consigo nenhum currículo, apenas apresentando- se e conversando; que foi chamado para ser Secretário Municipal de Esportes porque sempre jogou bola e inclusive foi quase jogador profissional, sendo

A também Requerida Dalila Flávia Barbosa relatou que o irmão foi escolhido pelo simples fato de gostar de esporte e sempre ter jogado bola, e sequer ele concluiu qualquer curso superior. Acrescentou que Hércules sempre trabalhou com o pai em um sítio.

Na Reclamação nº 17.102/SP, com decisão proferida em 11.02.2016, o Ministro Relator Luiz Fux destacou que: "Nessa seara, tem-se que a nomeação de agente para exercício de cargo na administração pública, em qualquer nível, fundada apenas e tão somente no grau de parentesco com a autoridade nomeante, sem levar em conta a capacidade técnica para o seu desempenho de forma eficiente, além de violar o interesse público, mostra-se contrária ao princípio republicano" (destaquei).

Não é só, ainda acrescenta o Ministro que: "Nesse contexto, quanto aos cargos políticos, deve-se analisar, ainda, se o agente nomeado possui a qualificação técnica necessária ao seu desempenho e se não há nada que desabone sua conduta" (destaquei).

Outrossim, conforme explicitado pelo Ministro Roberto Barroso ao apreciar a medida liminar na Reclamação nº 17.627/RJ: "Estou convencido de que, em linha de princípio, a restrição sumular não se aplica à nomeação para cargos políticos. Ressalvaria apenas as situações de inequívoca falta de razoabilidade, por ausência manifesta de qualificação técnica ou de inidoneidade moral" I (destaquei).

De outra banda, não é desconhecido por este juízo a realidade do Município de Selvíria, que abarca em torno de seis mil habitantes, de maneira que muita das vezes, a escolha de alguém com qualificação técnica formal nem sempre é viável. Contudo, no caso em comento é flagrante que mesmo sem qualificação técnica e curricular, o Requerido não apresenta a mínima identidade profissional para o exercício do cargo.

Diferente situação seria de uma pessoa que, apesar de não possuir formação superior, técnica ou profissional na área específica, ainda assim tivesse conhecimentos e aptidão que lhe fornecessem capacidade suficiente para titularização do cargo e desempenho das funções a ele inerentes, mas essa não é a realidade verificada na situação de Hércules, o que inclusivamente foi identificado no contato direto com o mesmo durante seu depoimento pessoal.

Essa constatação se torna mais nítida quando analisamos o

histórico funcional do Requerido no Município de Selvíria, que demonstra que nas gestões de Jose Dodo da Rocha e Jaime Soares Ferreira foi mantido no poder público em cargos diversos e em áreas totalmente diferentes com o intuito, sequer disfarçado, de tão somente permanecer nos quadros públicos percebendo os benefícios inerentes.

Na gestão de José Dodo da Rocha foi nomeado para o cargo de Assessor de Gabinete I, onde permaneceu de 01.01.2005 até 04.07.2005. Na sequência, foi nomeado em 12.07.2005 para o cargo de Assessor de Planejamento, sendo exonerado em 31.12.2012 e ainda em 03.10.2006 foi designado para responder pelo Departamento de Recursos Humanos do Município de Selvíria. Tudo isso sem ter qualquer experiência curricular ou formação profissional em qualquer curso relacionado à área ou mesmo qualquer outro curso superior, técnico, profissionalizando ou outros.

Esse fato se repetiu na gestão do Requerido Jaime Soares Ferreira, que nomeou o Requerido Hércules, em 02.01.2013, para assunção do cargo de Assessor de Planejamento, tendo sido exonerado em 18.01.2013, sendo nomeado na mesma data (18.01.2013) para titularizar o cargo de Secretário Municipal de Esportes, do qual somente foi exonerado a pedido para disputar o pleito eleitoral deste ano de 2016.

Percebe-se que a nomeação do Requerido Hércules não foi um fato isolado de mera incompetência do administrador público, que não observou os ditames e princípios aos quais a Administração Pública deve perseguir e estar submetida, dentre os quais a própria eficiência, e sim uma sequência de atos deliberados e perpetrados desde o ano de 2005 com vistas a mantê-lo em funções e cargos públicos sem qualquer qualificação para tanto.

Fere os princípios basilares da administração pública o fato de alguém que não possui a mínima técnica, nem traga em seu histórico profissional qualquer atividade nesse sentido, seja nomeado para chefiar um setor de Departamento de Recursos Humanos ou Planejamento do Município ou mesmo Secretaria de Esportes. Está claro, a meu ver, o ato de improbidade administrativa por violação aos princípios da administração pública.

Ao afirmar que foi contratado no Município tendo apenas procurado o então Prefeito Municipal e conversado, sem realizar oficialmente qualquer entrevista ou ter sido analisado seu currículo, torna essa circunstância mais robusta, mesmo porque na audiência de instrução e julgamento era visível que o Demandado sequer tinha conhecimento prático do que significa um currículo.

E não diga que se trata de invasão à discricionariedade do administrador público, porquanto a despeito de a Constituição deixar aberta a porta da discricionariedade, esta existe para preservação do interesse público fundamental: no caso, a necessidade de eficiência e impessoalidade no setor público quanto ao corpo de funcionários.

Assim, se de um lado deve imperar o princípio da discricionariedade da administração pública, por outro não se pode perder de vista que, se a Administração Pública não cumpre a lei, desviando-se de sua função precípua, cabe ao Poder Judiciário compeli-la a fazê-lo, cumprindo, dessa forma, o artigo 5º, XXXV, que determina: "a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito", sem que isso se configure ofensa à separação dos Poderes.

Sobre o tema, leciona o ilustre doutrinador Alexandre de Morais, in Direito Constitucional, 20a ed., Editora Atlas S/A, São Paulo, 2006, p. 73: "O princípio da legalidade é basilar na existência do Estado de Direito, determinando a Constituição Federal sua garantia, sempre que houver violação do direito, mediante lesão ou ameaça (art. 5º, XXXV). Dessa forma, será chamado a intervir o Poder Judiciário, que, no exercício da jurisdição, deverá aplicar o direito ao caso concreto."

Importa, igualmente, salientar que o Poder Judiciário, desde que haja plausibilidade da ameaça ao direito, é obrigado a efetivar o pedido de prestação judicial requerido pela parte de forma regular, pois a indeclinabilidade da prestação judicial é princípio básico que rege a jurisdição, uma vez que a toda violação de um direito responde uma ação correlativa, independentemente de lei especial que a outorgue.

Ademais, no caso em tela, o controle é de legalidade, pois não há discricionariedade no dever do administrador de abster-se de contratar pessoas que não venham a atender o interesse público.

Acerca do tema, insta salientar lição de Maria Sylvia Zanella di Pietro: "Isso significa que os poderes que exerce o administrador público são regrados pelo sistema jurídico vigente. Não pode a autoridade ultrapassar os limites que a lei traça à sua atividade, sob pena de ilegalidade. / No entanto, esse regramento pode atingir os vários aspectos de uma atividade determinada; neste caso se diz que o poder da Administração é vinculado , porque a lei não deixou opções; ela estabelece que, diante de determinados requisitos, a Administração deve agir de tal ou qual forma. Por isso mesmo se diz que diante de um poder vinculado, o particular tem um direito subjetivo de exigir da autoridade a edição de determinado ato, sob pena de, não o fazendo, sujeitar-se à correção judicial. ("Direito Administrativo", 20a edição, Atlas, p. 196/167).

Nesses limites, certo é que Hercules Flávio Barbosa, Jaime Soares Ferreira e José Dodo da Rocha praticaram atos de improbidade administrativa e devem ser sancionados conforme preceitua a lei.

Por outro lado, no caso da Requerida Dalila Flávia Barbosa Rodrigues, que teria sido indicada pelo também Requerido Reinaldo Mendonça, para desempenhar a função de assistente social, não consta dos autos elementos suficientes a comprovarem a prática de ato de improbidade administrativa.

Assim, a situação descrita nos autos carece de comprovação acerca do conluio entre os Prefeitos, José Dodo da Rocha e Jaime Soares Ferreira, bem como entre o Secretário Municipal de Saúde, Reinaldo Mendonça, e o Secretário Municipal de Esportes, Hercules Flávio Barbosa, para a nomeação da Correquerida Dalila Flávia Barbosa Rodrigues para o cargo de assistente social daquele Município.

Pelo que se observa do documento de fl. 49, a Requerida Dalila, através do contrato administrativo nº P. 102/2011, foi inicialmente contratada pelo Município de Selvíria em 02 de junho de 2011, para exercício da função de assistente social do Núcleo de Assistência à Saúde da Família. Referido contrato foi estipulado por prazo determinado de um ano, com vistas a atender a situações emergenciais da Secretaria Municipal de Saúde, sendo convencionada carga horária de 40 horas semanais e remuneração no importe de R$ 1.915,36 (um mil novecentos e quinze reais e trinta e seis centavos). Houve prorrogação do ajuste na gestão posterior.

A folha de frequência da Requerida encontra-se acostada aos autos, demonstrando que cumpria jornada de trabalho na Secretaria Municipal de Saúde. Ainda, a remuneração auferida, na condição de contratada, é compatível com o exercício do cargo público de assistente social (fl. 78), não havendo impugnação de sua qualidade profissional, eis que possui a adequada formação superior para o desempenho da função.

Essa conclusão se extrai inclusive analisando a prova oral produzida nos autos. Vejamos.

Ao ser ouvida em juízo, a testemunha Erica Dagmar Gonzales confirmou o que já havia sido declarado pela Requerida Dalila, no sentido que a depoente que a havia indicado para a função de assistente social por já trabalhar na área da saúde como agente comunitária, ter competência e ser necessária a contratação de profissionais para integrar o NASF. Consignou que a indicação se deu após análise do aspecto populacional e necessidade do serviço, porque Dalila tinha qualificação necessária para o cargo, tanto por ter formação superior na área e ser a única do Município com essa formação na época, e além disso por ser excelente profissional.

É servidora do Município no cargo de enfermeira de estratégia e saúde da família e trabalhava junto com a Requerida Dalila, sendo num primeiro período como superiora e após como gerente de enfermagem; na época em que trabalhava com Dalila esta era agente comunitária de saúde e foi a depoente quem a indicou para o cargo de assistente social; por ter sido a pessoa que elaborou o projeto NASF a indicou por ser necessária a contratação de profissionais; após análise da população e necessidade do serviço concluiu que Dalila tinha qualificação necessária para o cargo, tanto por ter formação superior na área e ser a única do Município com essa formação na época, e além disso era excelente profissional; que não foi cogitada outra profissional com essa formação por haver apenas Dalila; que Dalila tem desempenho essencial no NASF; que indicou Dalila para o cargo de assistente social ao Secretário de Sáude da época, senhor Reinaldo, o qual levou a conhecimento do Prefeito; que posteriormente soube que o irmão de Dalila era Secretário Municipal de Esportes, mas desconhece as razões.

Não só. Os concursos do Município de Selvíria, na época da contratação, estavam suspensos por força de decisão judicial, de modo que a contratação emergencial de servidores para atender a necessidade temporária e de excepcional interesse público, encontra respaldo no art. 37, IX, da Constituição Federal.

Nesse diapasão, não se vislumbra a configuração de ato de improbidade administrativa tendo em vista que a contratação da Demandada Dalila se tratava de conduta necessária, não restando evidenciado dolo, ainda que genérico, do administrador público ou da contratada.

A mais, a jurisprudência tem caminhado no sentido de que se consignada a efetiva prestação de serviço público, o pequeno valor da contraprestação paga ao profissional e a boa-fé do contratado, também são motivos para afastamento da caracterização do ato ímprobo.

Destarte, torna-se evidente que apenas os Requeridos Hercules Flávio Barbosa, Jaime Soares Ferreira e José Dodo da Rocha violaram os princípios basilares da Administração Pública, infringindo os deveres inerentes ao cargo, impessoalidade, legalidade e moralidade administrativas.

No caso em espeque, a conduta se mostra reprovável e ofensiva aos interesses da Administração Pública, exigindo, de forma inafastável, o reconhecimento de atos de improbidade administrativa.

Conforme ensina Arnaldo Rizzardo sobre o tema " é necessário que venha um nível de gravidade maior, que se revela no ferimento de certos princípios e deveres, que sobressaem pela importância frente a outros, como se aproveitar da função ou do patrimônio público para obter vantagem pessoal, ou favorecer alguém, ou desprestigiar valores soberanos da Administração Pública ". (Ação Civil Pública e Ação de Improbidade Administrativa, GZ Editora, 2009, p. 350).

Nesse sentido as decisões a seguir:

DIREITO ADMINISTRATIVO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. PERITO DA POLÍCIA CIVIL. NÃO ELABORAÇÃO INJUSTIFICÁVEL DE LAUDOS. OFENSA AOS PRINCÍPIOS DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. DOLO EVENTUAL OU GENÉRICO. PRESENÇA. SANÇÃO. CABIMENTO. I. Pratica ato de improbidade administrativa o perito da polícia civil que deixou de praticar, em alguns casos, e, em outros, retardou ato de ofício, sem escusa legítima e aceitável, atentando contra os princípios da Administração Pública (inciso II do art. 11 da Lei nº 8.429/92). (...) (Processo: APC XXXXX DF XXXXX-40.2012.8.07.0018. Relator Des. José Divino de Oliveira. Julgamento: 18/03/2015)

EMENTA - APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. ATO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. VIOLAÇÃO AOS PRINCÍPIOS DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA (ART. 11 DA LEI 8.429/1992). ELEMENTO SUBJETIVO DOLOSO. SENTENÇA CONDENATÓRIA. MANTIDA. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS EM FAVOR DO MINISTÉRIO PÚBLICO. IMPOSSIBILIDADE. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. Traduz ato de improbidade administrativa consubstanciado na violação dos princípios da legalidade e moralidade, agente penitenciária que manteve relacionamento amoroso com detento e, em decorrência da relação afetiva, travou contato telefônico (via aparelho de telefonia) com o reeducando ainda quando este se encontrasse detido em estabelecimento prisional de regime fechado. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça é no sentido de que para a configuração de improbidade por atentado aos princípios administrativos (art. 11 da Lei 8.429/1992)é necessário apenas o dolo genérico, sendo dispensável o dolo específico. Nos termos do artigo 128, § 5º, inciso II, alínea a, não pode o Ministério Público beneficiar-se de honorários, quando for vencedor na ação civil pública (STJ, REsp XXXXX/PR). (Apelação - Nº XXXXX-56.2011.8.12.0002 - Dourados Relator - Exmo. Sr. Des. Sérgio Fernandes Martins. Julgamento: 16.02.2016).

APELAÇÕES CÍVEIS - IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA - SENTENÇA EXTRA PETITA - PRELIMINAR AFASTADA - VIOLAÇÃO AOS PRINCÍPIOS DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA - ART. 11 DA LEI 8.429/92 - DOLO COMPROVADO - MULTA CIVIL - REDUÇÃO - SUSPENSÃO DOS DIREITOS POLÍTICOS - AFASTADA - RAZOABILIDADE E PROPORCIONALIDADE - RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. A sentença que aprecia a causa nos limites da demanda não se caracteriza como extra petita. Comprovado o dolo na violação dos princípios da Administração, cabível a sanção. As sanções devem ser aplicadas de modo razoável e proporcional à lesão causada. (Processo: APL MS XXXXX-77.2011.8.12.0008. Relator Des. Julizar Barbosa Trindade. Julgamento: 23/09/2014)

Nesse cenário, comprovada a prática de atos de improbidade administrativa que importam ofensa aos princípios da Administração Pública, impõe-se a obrigação, aos Requeridos Hercules Flávio Barbosa, Jaime Soares Ferreira e José Dodo da Rocha, de responderem frente às sanções previstas na norma regente.

Nos termos do art. 12 da Lei n.º 8.429/92, na fixação das penas, que podem ser aplicadas isolada ou cumulativamente, o Juiz levará em conta a extensão do dano causado, assim como o proveito patrimonial obtido pelo agente, respeitando os princípios da razoabilidade e proporcionalidade.

Por sua vez, o incisos III do mesmo dispositivo estabelece que o responsável pelo ato de improbidade está sujeito: " III - na hipótese do art. 11, ressarcimento integral do dano, se houver, perda da função pública, suspensão dos direitos políticos de três a cinco anos, pagamento de multa civil de até cem vezes o valor da remuneração percebida pelo agente e proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de três anos. "

Acerca da dosimetria da pena da Lei de Improbidade Administrativa e proporcionalidade, ensina Eduardo Arruda Alvim:

Uma vez levada a hipótese a respeito da qual se alega improbidade à apreciação do Judiciário, caberá a este, reconhecido que o ato trazido para sua apreciação é ímprobo, a aplicação das penas, sempre levando em consideração a gravidade do ato, o proveito patrimonial experimentado, a boa-fé do agente, dentre outros critérios, com vistas a que ditas sanções não extravasem o critério de proporcionalidade no sentido da proibição do acesso. (Estudos sobre Improbidade Administrativa, Salvador, Jus Podivm, 2012, p. 225).

In casu , a partir da análise criteriosa das condutas dos Requeridos e atentando-se à dimensão do fato praticado e o grau de responsabilidade dos agentes, que, sem qualquer respeito aos princípios administrativos, agiram com total menosprezo ao dever de impessoalidade, legalidade, moralidade e eficiência, dentre as penalidades cabíveis reputo necessárias e suficientes a aplicação das penas de suspensão dos direitos políticos e pagamento de multa civil.

Com efeito, no caso em exame, não obstante tenha ficado evidente a contratação pelos Prefeitos José Dodo da Rocha e Jaime Soares Ferreira de Hercules Flávio Barbosa, constou também que prestou os serviços na Prefeitura Municipal, não sendo o caso, portanto, de determinação de ressarcimento dos valores recebidos.

Isso posto, julgo parcialmente procedentes os pedidos da presente demanda, para condenar os Requeridos Hercules Flávio Barbosa, Jaime Soares Ferreira e José Dodo da Rocha, por ato de improbidade administrativa que atenta contra os princípios da administração pública, na forma do art. 11 da Lei n.º 8.429/92, às seguintes penalidades:

1. Suspensão dos direitos políticos por 03 (três) anos, período

esse a ser contado a partir do trânsito em julgado dessa decisão;

2. Pagamento de multa civil, para cada um dos Requeridos,

correspondente a uma vez o valor da última remuneração percebida, pelo requerido José Dodo da Rocha no cargo de Prefeito, bem como pelo requerido Jaime Soares Ferreira também no cargo de Prefeito, e do requerido Hercules Flávio Barbosa no cargo de Secretário Municipal de Esportes. O valor da multa deverá incidir correção monetária pelo INPC/IBGE e juros moratórios de 1% a.m, a partir desta data até o efetivo pagamento.

Outrossim, julgo extinto o presente feito com resolução de mérito, com base no art. 487, inciso I, do Código de Processo Civil.

Custas pelos Requeridos condenados em proporção igual (art. 87, § 1º, NCPC). Sem honorários, uma vez que o Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul tem entendido que estes são indevidos ao Ministério Público, mesmo que para o recolhimento ao Fundo Especial de Apoio e Desenvolvimento do Ministério Público - FEADMP/MS.

Com o trânsito em julgado, oficie-se ao TRE informando o teor desta decisão e venham conclusos para lançamento do nome dos Requeridos no Cadastro Nacional de Condenados por ato de Improbidade Administrativa.

Acaso seja interposto recurso de Apelação, intime-se a parte apelada para apresentar contrarrazões no prazo de 15 (quinze) dias (art. 1.010, § 1º, NCPC).

Se o apelado interpuser apelação adesiva, intime - se o apelante para apresentar contrarrazões (art. 1.010, § 2º, NCPC).

Na sequência, com ou sem contrarrazões, remetam-se os autos ao Egrégio Tribunal de Justiça.

Publique-se. Registre-se. Intimem-se . Oportunamente, arquivem- se com as baixas e anotações necessárias.

Três Lagoas, 17 de novembro de 2016.

Aline Beatriz de Oliveira Lacerda

Juíza de Direito

(assinado digitalmente)

Disponível em: https://www.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/tj-ms/1549031772/inteiro-teor-1549031773