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28 de Maio de 2024
  • 1º Grau
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TJPE • PROCEDIMENTO ESPECIAL DA LEI ANTITÓXICOS • DIREITO PENAL (287) • XXXXX-58.2021.8.17.2480 • 2ª Vara Criminal da Comarca de Caruaru do Tribunal de Justiça de Pernambuco - Inteiro Teor

há 2 anos

Detalhes

Processo

Órgão Julgador

2ª Vara Criminal da Comarca de Caruaru

Assuntos

DIREITO PENAL (287), Crimes Previstos na Legislaão Extravagante (3603), Crimes de Tráfico Ilícito e Uso Indevido de Drogas (3607), Tráfico de Drogas e Condutas Afins (3608

Partes

Documentos anexos

Inteiro TeorTJPE_c36e6e3287afe7207a0b46f31a0e710dc0445393.pdf
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Tribunal de Justiça de Pernambuco

Poder Judiciário

2a Vara Criminal da Comarca de Caruaru

AV JOSÉ FLORÊNCIO FILHO, MAURÍCIO DE NASSAU, CARUARU - PE - CEP: 55014-837 -

F:(81) 37257400

Processo nº XXXXX-58.2021.8.17.2480

ACUSADO: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE PERNAMBUCO

REQUERENTE: 2º PROMOTOR DE JUSTIÇA CRIMINAL DE CARUARU

ACUSADO: LUCIANO DA SILVA, RODRIGO SILVA DE OLIVEIRA

S E N T E N Ç A

Relatório

G

Trata-se de denúncia na qual o Ministério Público imputa a Luciano da Silva e Rodrigo Silva de Oliveira a prática do crime previsto no artigo 33, caput, da Lei nº 11.343/06, sob a alegação, em síntese, de que no dia 4 de junho de 2021, às 22h20min, o primeiro denunciado adquiriu do segundo uma pedra de crack de aproximadamente 16 gramas, a qual iria repassar para terceira pessoa não identificada.

Vieram-me os autos conclusos para juízo de admissibilidade da denúncia.

Fundamentação

G

Depois de analisar a prova dos autos, observo que há questão bastante relevante, que chega ao ponto de provocar a rejeição da peça acusatória.

Deve-se notar que a denúncia não cuidou de detalhar qual a "atitude suspeita" que teria motivado a busca pessoal no primeiro acusado, Luciano da Silva, ponto de partida de toda a diligência policial realizada nos autos.

A narrativa acusatória diz expressamente "Policiais Militares realizavam policiamento ostensivo no centro desta cidade, quando abordaram o denunciado Luciano, o qual estava em atitude suspeita. Realizada uma revista pessoal, foi encontrada em poder dele uma considerável porção de cocaína, em forma de pedra bruta de crack com cerca de 16 gramas. [...]" ID XXXXX.

Os depoimentos dos policiais, na fase inquisitorial, vão no mesmo sentido, sem qualquer detalhamento de qual teria sido a atitude suspeita do acusado Luciano que levou à abordagem policial e, consequentemente, a prisão do segundo denunciado Rodrigo Silva de Oliveira, conforme termos de depoimento constante nos autos.

Tal circunstância, a atitude suspeita, deveria estar presente desde a narrativa da denúncia, não apenas por exigência do art. 41 do CPP, mas principalmente porque é ela que autoriza busca pessoal sem apresentação de mandado judicial, conforme exige o art. 240, § 2º, do mesmo CPP:

"Art. 240. A busca será domiciliar ou pessoal.

§ 1 o Proceder-se-á à busca domiciliar, quando fundadas razões a autorizarem, para:

a) prender criminosos;

b) apreender coisas achadas ou obtidas por meios criminosos;

c) apreender instrumentos de falsificação ou de contrafação e objetos falsificados ou contrafeitos;

d) apreender armas e munições, instrumentos utilizados na prática de crime ou destinados a fim delituoso;

e) descobrir objetos necessários à prova de infração ou à defesa do réu;

f) apreender cartas, abertas ou não, destinadas ao acusado ou em seu poder, quando haja suspeita de que o conhecimento do seu conteúdo possa ser útil à elucidação do fato;

g) apreender pessoas vítimas de crimes;

h) colher qualquer elemento de convicção.

§ 2º Proceder-se-á à busca pessoal quando houver fundada suspeita de que alguém oculte consigo arma proibida ou objetos mencionados nas letras b a f e letra h do parágrafo anterior."

O dispositivo legal é muito claro que não pode ser transformado em letra morta pela práxis policial.

Temos um pressuposto de legalidade que toda e qualquer busca pessoal deve observar: que haja fundada suspeita para a busca pessoal sem mandado judicial.

Sem essa exigência legal adimplida, temos que a busca pessoal, sem ordem judicial, é ilegal, pois não observou o comando do dispositivo acima transcrito e o resultado é também a ilegalidade da prova obtida mediante tal violação.

É intuitivo: se uma prova é obtida por meio ilegal, resta também ilícita, conforme determina o art. 157 do CPP:

"CPP: 157. São inadmissíveis, devendo ser desentranhadas do processo, as provas ilícitas, assim entendidas as obtidas em violação a normas constitucionais ou legais."

No caso presente, como já se disse, nem a denúncia e sequer os policiais declinaram qual a fundada suspeita que autorizaria a busca pessoal, de modo que tal busca foi procedida sem mandado judicial e sem observar a exigência legal posta no art. 140, § 2º, do CPP, acima transcrito.

O resultado é que a droga apreendida com o acusado Luciano da Silva é prova ilícita, conforme art. 157, do CPP, posto que produzida com violação a normas legais. Do mesmo modo, por derivação, a abordagem e as provas produzidas em relação ao segundo denunciado, Rodrigo Silva de Oliveira, também encontram-se eivada de ilegalidade.

Sendo assim, não há qualquer prova legalmente produzida quanto à existência material do fato criminoso, ou seja, como é comum no jargão do foro, não há prova lícita da materialidade delitiva, resultando na absolvição dos réus por força do art. 386, inciso II, do CPP.

Nesse sentido, recente acórdão do Superior Tribunal de Justiça:

"RECURSO EM HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE DROGAS. BUSCA PESSOAL. AUSÊNCIA DE FUNDADA SUSPEITA. ALEGAÇÃO VAGA DE" ATITUDE SUSPEITA ". INSUFICIÊNCIA. ILICITUDE DA PROVA OBTIDA. TRANCAMENTO DO PROCESSO. RECURSO PROVIDO. 1. Exige-se, em termos de standard probatório para busca pessoal ou veicular sem mandado judicial, a existência de fundada suspeita (justa causa) - baseada em um juízo de probabilidade, descrita com a maior precisão possível, aferida de modo objetivo e devidamente justificada pelos indícios e circunstâncias do caso concreto - de que o indivíduo esteja na posse de drogas, armas ou de outros objetos ou papéis que constituam corpo de delito, evidenciando-se a urgência de se executar a diligência. 2. Entretanto, a normativa constante do art. 244 do CPP não se limita a exigir que a suspeita seja fundada. É preciso, também, que esteja relacionada à" posse de arma proibida ou de objetos ou papéis que constituam corpo de delito ". Vale dizer, há uma necessária referibilidade da medida, vinculada à sua finalidade legal probatória, a fim de que não se converta em salvo-conduto para abordagens e revistas exploratórias (fishing expeditions), baseadas em suspeição genérica existente sobre indivíduos, atitudes ou situações, sem relação específica com a posse de arma proibida ou objeto (droga, por exemplo) que constitua corpo de delito de uma infração penal. O art. 244 do CPP não autoriza buscas pessoais praticadas como"rotina"ou"praxe"do policiamento ostensivo, com finalidade preventiva e motivação exploratória, mas apenas buscas pessoais com finalidade probatória e motivação correlata. 3. Não satisfazem a exigência legal, por si sós, meras informações de fonte não identificada (e.g. denúncias anônimas) ou intuições e impressões subjetivas, intangíveis e não demonstráveis de maneira clara e concreta, apoiadas, por exemplo, exclusivamente, no tirocínio policial. Ante a ausência de descrição concreta e precisa, pautada em elementos objetivos, a classificação subjetiva de determinada atitude ou aparência como suspeita, ou de certa reação ou expressão corporal como nervosa, não preenche o standard probatório de"fundada suspeita"exigido pelo art. 244 do CPP.

4. O fato de haverem sido encontrados objetos ilícitos - independentemente da quantidade - após a revista não convalida a ilegalidade prévia, pois é necessário que o elemento" fundada suspeita de posse de corpo de delito "seja aferido com base no que se tinha antes da diligência. Se não havia fundada suspeita de que a pessoa estava na posse de arma proibida, droga ou de objetos ou papéis que constituam corpo de delito, não há como se admitir que a mera descoberta casual de situação de flagrância, posterior à revista do indivíduo, justifique a medida. 5. A violação dessas regras e condições legais para busca pessoal resulta na ilicitude das provas obtidas em decorrência da medida, bem como das demais provas que dela decorrerem em relação de causalidade, sem prejuízo de eventual responsabilização penal do (s) agente (s) público (s) que tenha (m) realizado a diligência. 6. Há três razões principais para que se exijam elementos sólidos, objetivos e concretos para a realização de busca pessoal - vulgarmente conhecida como ‘dura’, ‘geral’, ‘revista’," enquadro "ou ‘baculejo’ -, além da intuição baseada no tirocínio policial: a) evitar o uso excessivo desse expediente e, por consequência, a restrição desnecessária e abusiva dos direitos fundamentais à intimidade, à privacidade e à liberdade (art. , caput, e X, da Constituição Federal), porquanto, além de se tratar de conduta invasiva e constrangedora - mesmo se realizada com urbanidade, o que infelizmente nem sempre ocorre -, também implica a detenção do indivíduo, ainda que por breves instantes; b) garantir a sindicabilidade da abordagem, isto é, permitir que tanto possa ser contrastada e questionada pelas partes, quanto ter sua validade controlada a posteriori por um terceiro imparcial (Poder Judiciário), o que se inviabiliza quando a medida tem por base apenas aspectos subjetivos, intangíveis e não demonstráveis;

c) evitar a repetição - ainda que nem sempre consciente - de práticas que reproduzem preconceitos estruturais arraigados na sociedade, como é o caso do perfilamento racial, reflexo direto do racismo estrutural. 7. Em um país marcado por alta desigualdade social e racial, o policiamento ostensivo tende a se concentrar em grupos marginalizados e considerados potenciais criminosos ou usuais suspeitos, assim definidos por fatores subjetivos, como idade, cor da pele, gênero, classe social, local da residência, vestimentas etc. Sob essa perspectiva, a ausência de justificativas e de elementos seguros a legitimar a ação dos agentes públicos -- diante da discricionariedade policial na identificação de suspeitos de práticas criminosas - pode fragilizar e tornar írritos os direitos à intimidade, à privacidade e à liberdade. 8. ‘Os enquadros se dirigem desproporcionalmente aos rapazes negros moradores de favelas dos bairros pobres das periferias. Dados similares quanto à sobrerrepresentação desse perfil entre os suspeitos da polícia são apontados por diversas pesquisas desde os anos 1960 até hoje e em diferentes países do mundo. Trata-se de um padrão consideravelmente antigo e que ainda hoje se mantém, de modo que, ao menos entre os estudiosos da polícia, não existe mais dúvida de que o racismo é reproduzido e reforçado através da maior vigilância policial a que é submetida a população negra". Mais do que isso, "os policiais tendem a enquadrar mais pessoas jovens, do sexo masculino e de cor negra não apenas como um fruto da dinâmica da criminalidade, como resposta a ações criminosas, mas como um enviesamento no exercício do seu poder contra esse

grupo social, independentemente do seu efetivo engajamento com condutas ilegais, por um direcionamento prévio do controle social na sua direção’ (DA MATA, Jéssica, A Política do Enquadro, São Paulo: RT, 2021, p. 150 e 156). 9. A pretexto de transmitir uma sensação de segurança à população, as agências policiais - em verdadeiros" tribunais de rua "- cotidianamente constrangem os famigerados" elementos suspeitos "com base em preconceitos estruturais, restringem indevidamente seus direitos fundamentais, deixam-lhes graves traumas e, com isso, ainda prejudicam a imagem da própria instituição e aumentam a desconfiança da coletividade sobre ela. 10. Daí a importância, como se tem insistido desde o julgamento do HC n. 598.051/SP (Rel. Ministro Rogerio Schietti, 6a T., DJe 15/3/2021), do uso de câmeras pelos agentes de segurança, a fim de que se possa aprimorar o controle sobre a atividade policial, tanto para coibir práticas ilegais, quanto para preservar os bons policiais de injustas e levianas acusações de abuso. Sobre a gravação audiovisual, aliás, é pertinente destacar o recente julgamento pelo Supremo Tribunal Federal dos Embargos de Declaração na Medida Cautelar da ADPF n. 635 (" ADPF das Favelas ", finalizado em 3/2/2022), oportunidade na qual o Pretório Excelso - em sua composição plena e em consonância com o decidido por este Superior Tribunal no HC n. 598.051/SP - reconheceu a imprescindibilidade de tal forma de monitoração da atividade policial e determinou, entre outros pontos, que ‘o Estado do Rio de Janeiro, no prazo máximo de 180 (cento e oitenta) dias, instale equipamentos de GPS e sistemas de gravação de áudio e vídeo nas viaturas policiais e nas fardas dos agentes de segurança, com o posterior armazenamento digital dos respectivos arquivos’. 11. Mesmo que se considere que todos os flagrantes decorrem de busca pessoal - o que por certo não é verdade -, as estatísticas oficiais das Secretarias de Segurança Pública apontam que o índice de eficiência no encontro de objetos ilícitos em abordagens policiais é de apenas 1%; isto é, de cada 100 pessoas revistadas pelas polícias brasileiras, apenas uma é autuada por alguma ilegalidade. É oportuno lembrar, nesse sentido, que, em Nova Iorque, o percentual de" eficiência "das stop and frisks era de 12%, isto é, 12 vezes a porcentagem de acerto da polícia brasileira, e, mesmo assim, foi considerado baixo e inconstitucional em 2013, no julgamento da class action Floyd, et al. v. City of New York, et al. pela juíza federal Shira Scheindlin. 12. Conquanto as instituições policiais hajam figurado no centro das críticas, não são as únicas a merecê-las. É preciso que todos os integrantes do sistema de justiça criminal façam uma reflexão conjunta sobre o papel que ocupam na manutenção da seletividade racial. Por se tratar da" porta de entrada "no sistema, o padrão discriminatório salta aos olhos, à primeira vista, nas abordagens policiais, efetuadas principalmente pela Polícia Militar. No entanto, práticas como a evidenciada no processo objeto deste recurso só se perpetuam porque, a pretexto de combater a criminalidade, encontram respaldo e chancela, tanto de delegados de polícia, quanto de representantes do Ministério Público - a quem compete, por excelência, o controle externo da atividade policial (art. 129, VII, da Constituição Federal) e o papel de custos iuris -, como também, em especial, de segmentos do Poder Judiciário, ao validarem medidas ilegais e abusivas perpetradas pelas agências de segurança. 13. Nessa direção, o Manual do Conselho Nacional de Justiça para Tomada de Decisão na Audiência de Custódia orienta a que: ‘Reconhecendo o perfilamento racial nas abordagens policiais e, consequentemente, nos flagrantes lavrados pela polícia, cabe então ao Poder Judiciário assumir um papel ativo para interromper e reverter esse quadro, diferenciando- se dos atores que o antecedem no fluxo do sistema de justiça criminal". 14. Em paráfrase ao mote dos movimentos antirracistas, é preciso que sejamos mais efetivos ante as práticas autoritárias e violentas do Estado brasileiro, pois enquanto não houver um alinhamento pleno, por parte de todos nós, entre o discurso humanizante e ações verdadeiramente transformadoras de certas práticas institucionais e individuais, continuaremos a assistir, apenas com lamentos, a morte do presente e do futuro, de nosso país e de sua população mais invisível e vulnerável. E não realizaremos o programa anunciado logo no preâmbulo de nossa Constituição, de construção de um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos. 15. Na espécie, a guarnição policial ‘deparou com um indivíduo desconhecido em atitude suspeita’ e, ao abordá-lo e revistar sua mochila, encontrou porções de maconha e cocaína em seu interior, do que resultou a prisão em flagrante do recorrente. Não foi apresentada nenhuma justificativa concreta para a revista no recorrente além da vaga menção a uma suposta ‘atitude suspeita’, algo insuficiente para tal medida invasiva, conforme a jurisprudência deste Superior Tribunal, do Supremo Tribunal Federal e da Corte Interamericana de Direitos Humanos. 16. Recurso provido para determinar o trancamento do processo. (STJ - RHC XXXXX / BA - 2021/XXXXX-0, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, T6 - Sexta Turma, Data do julgamento: 19/04/2022, Data da publicação: 25/04/2022)

Dispositivo

G

Pelo exposto, REJEITO a denúncia por absoluta ausência de justa causa , o que faço com base no art. 395, inciso III, do Código de Processo Penal.

Expeça-se, de imediato, alvará de soltura em relação a Luciano da Silva.

Publique-se. Registre-se. Intimem-se.

Após o trânsito em julgado, arquivem-se.

Caruaru, data conforme assinatura eletrônica.

PIERRE SOUTO MAIOR COUTINHO DE AMORIM

Juiz de Direito

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