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25 de Maio de 2024
  • 2º Grau
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Tribunal de Justiça do Paraná TJ-PR - Apelação: APL XXXXX-81.2021.8.16.0014 Londrina XXXXX-81.2021.8.16.0014 (Acórdão)

Tribunal de Justiça do Paraná
há 2 anos

Detalhes

Processo

Órgão Julgador

11ª Câmara Cível

Publicação

Julgamento

Relator

Sigurd Roberto Bengtsson

Documentos anexos

Inteiro TeorTJ-PR_APL_00587648120218160014_382b5.pdf
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Ementa

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE INEXIGIBILIDADE DE DÉBITO C/C INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL. SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA DOS PEDIDOS INICIAIS. RECURSO PELA PARTE AUTORA VISANDO A INEXIGIBILIDADE DO DÉBITO HOSPITALAR EM RAZÃO DE INTERNAÇÃO DE SEU GENITOR OU, SUBSIDIARIAMENTE, A ANULAÇÃO DA SENTENÇA. INEXIGIBILIDADE CONFIGURADA. DÉBITO DISCUTIDO QUE PROVÉM DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS HOSPITALARES. GENITOR DO AUTOR/APELANTE QUE FOI INTERNADO EM CARÁTER PARTICULAR E, POSTERIORMENTE, EM RAZÃO DA IMPOSSIBILIDADE FINANCEIRA, A FAMÍLIA REQUEREU A TRANSFERÊNCIA PARA A REDE PÚBLICA (SUS). DEMORA NA TRANSFERÊNCIA EM RAZÃO DA NÃO LOCALIZAÇÃO DE LEITOS. DÉBITOS A PARTIR DO PEDIDO DE TRANSFERÊNCIA QUE NÃO PODEM SER IMPUTADOS AO AUTOR/APELANTE. DEVER DO ESTADO EM GARANTIR A SAÚDE E VIDA DE TODOS OS RESIDENTES NO PAÍS. HOSPITAL QUE DEVE INGRESSAR COM DEMANDA PRÓPRIA VISANDO O RECEBIMENTO DOS VALORES EM DESFAVOR DO ESTADO. RECURSO DE APELAÇÃO CÍVEL CONHECIDO E PROVIDO PARA DECLARAR A INEXIGIBILIDADE DO DÉBITO. (TJPR

- 11ª Câmara Cível - XXXXX-81.2021.8.16.0014 - Londrina - Rel.: DESEMBARGADOR SIGURD ROBERTO BENGTSSON - J. 01.08.2022)

Acórdão

I- RELATÓRIO. Trata-se de recurso de apelação cível interposto da sentença de mov. 33.1, prolatada na ação declaratória de inexigibilidade de débito c/c indenização por dano moral, nº XXXXX-81.2021.8.16.0014, que julgou improcedentes os pedidos iniciais. Inconformado, o autor interpôs recurso de apelação (mov. 38.1), sustentando, em síntese: i) o juízo a quo deixou de se manifestar quanto ao pedido de inversão do ônus da prova requerido pela parte autora, dada a relação de consumo existente entre as partes, tampouco determinou os pontos controvertidos a serem sanados, entendendo pelo julgamento antecipado da lide; ii) a parte ré em sede de contestação alegou que não haviam vagas disponíveis para atendimento ao paciente via SUS, porém não houve a apresentação de quaisquer documentos hábeis a comprovação, diferentemente da parte autora, que comprovou o pedido de transferência imediata para o SUS, visto piora no estado de saúde de seu pai; iii) o juízo a quo cerceou a produção de provas que pudessem demonstrar a veracidade dos fatos elencados pela parte autora, o que induz a necessidade de retorno dos autos para que haja a realização do despacho saneador, manifestação quanto a inversão do ônus da prova e posterior abertura do prazo para apresentação das provas que as partes entenderem necessárias; iv) após o conhecimento de que seu pai necessitava de atendimento médico mais complexo em decorrência do agravamento do estado de saúde e verificando que não poderia arcar com os custos, o autor solicitou a ré a transferência imediata para atendimento por meio do SUS; v) após a solicitação não foi realizado nenhum contrato entre as partes, nem mesmo a pactuação automática da contratação no caso de ausência de disponibilidade de atendimento pelo SUS; vi) em momento algum a parte ré prestou contas dos procedimentos médicos necessários que estavam sendo realizados, bem como não prestou contas do que foi extrapolado a título de material e procedimentos não contratados; vii) no momento em que a parte autora procurou atendimento hospitalar particular para o seu genitor não havia a previsão de seu estado de saúde piorar, portanto efetuou o pagamento da prestação no limite de suas condições financeiras; viii) a parte ré deveria ao menos ter realizado uma nova contratação para sua prestação de serviços, ou até mesmo ter realizado a alta de atendimento sob responsabilidade de seus familiares, porém, agindo de má-fé, continuou a prestar os serviços sem qualquer prestação de contas e anuência por parte do contratante; ix) quando estamos diante da negativa da parte autora quanto ao negócio jurídico, o ônus probatório é de responsabilidade da ré em demonstrar que houve a contratação; x) o encerramento da prestação de serviços médicos ocorreu no momento do pedido de transferência para o atendimento ao SUS, em que não mais lhe cabia a responsabilidade em custear as despesas, mas sim cabia ao Estado, sendo que a ré havia convenio para a disponibilização de leitos para tratamento exclusivo da patologia do genitor do autor. Por fim, requer a anulação da sentença por sentença para que haja despacho saneador e fixação dos pontos controvertidos, com a manifestação a respeito do pedido de inversão do ônus da prova. Subsidiariamente, requer a reforma da sentença para que se declare a inexigibilidade do débito. Contrarrazões apresentadas no mov. 42.1 alegando, em síntese: i) não houve cerceamento de defesa, pois o juiz é o destinatário das provas, cabendo a ele decidir quais provas são ou não pertinentes para o deslinde do feito; ii) em sentença o magistrado fundamentou os motivos que entendeu pelo julgamento antecipado do feito, inclusive pela impossibilidade de inversão do ônus da prova automaticamente; iii) o julgamento antecipado se mostrou correto, posto que a questão da lide está devidamente esclarecida e os documentos juntados nos autos são suficientes para a resolução da questão; iv) o apelante sequer apontou qualquer prova para sua produção, referindo-se de forma genérica quando intimado para especificar as provas que pretendia produzir; v) não se sustenta a tese de inversão do ônus da prova apenas ao fato de que incide ao caso a legislação consumerista, devendo existir, ao menos, verossimilhança nas alegações do autor ou hipossuficiência na realização da prova; vi) o apelante confessa que internou seu genitor no hospital particular e que somente após um período verificou a impossibilidade de continuar arcando com as custas do hospital, momento em que solicitaram a transferência para os leitos do SUS; vii) o pedido foi atendido pela equipe médica às 02h31min do dia 23/06, ou seja, o hospital não deixou de atender o pedido dos familiares; viii) não poderia a apelada proceder da forma como sustenta o apelante, deixando a míngua da sorte o paciente enquanto não ocorria a transferência, porque há deveres legais que precisa atender, inclusive a espera de vaga perante a central de regulação de leitos; ix) em tempos de pandemia a ocupação dos leitos era extremamente alta; x) a apelante reiterou o pedido no dia 23/06 às 10h07min e no dia 24/06 às 10h58min, 10h59min e 11h01min, porém não encontrou vagas; xi) a transferência ocorreu em 25/06/2021; xii) ficou comprovado que não se olvidaram esforços para que o apelante fosse imediatamente transferido para um leito do SUS, porém a transferência dependia de autorização da Secretaria Municipal de Saúde e de vagas disponíveis; xiii) a ausência de vaga no SUS, por si só, não é o bastante para impor que a rede hospitalar privada realize qualquer tratamento sem a contraprestação devida; xiv) não há como sustentar que enquanto não houvesse a transferência para o SUS a agravada deixasse o pai do apelante aos seus cuidados ou lhe desse alta, algo totalmente incompatível e sem pensar com o estado de saúde do paciente naquele momento, na medida em que foi transferido para um leito de UTI, com estado de saúde precário e urgente; xv) não há qualquer ato ilícito da apelada, mas apenas a cobrança de valores que são devidos no exercício regular de direito, conforme previsto no artigo 188, inciso I, do CC. É a breve exposição. II- VOTO E FUNDAMENTAÇÃO. II.I. Breve síntese fática. Na origem, trata-se de ação declaratória de inexigibilidade de débito c/c indenização por dano moral ajuizada por ERIC HENRIQUE ASSUNÇÃO em face de HOSPITAL DO CORAÇÃO DE LONDRINA LTDA. Na inicial, relatou que no dia 21.06.2021 o pai do autor procurou atendimento médico no Hospital do Coração de Londrina para realizar consulta devido aos sintomas de Covid-19. Relatou que em atendimento foi solicitado exame de tomografia do abdômen, que evidenciou a necessidade de internamento do paciente. Informou que a internação ocorreu de forma particular, por um dia, ficando a diária no valor de R$3.220,24 (três mil duzentos e vinte reais e vinte e quatro centavos), sendo que o autor ficou como responsável pela internação do pai, a qual foi paga em dez vezes no cartão de crédito. Alegou que no dia seguinte, 22.06.2021, o autor e sua mãe compareceram ao hospital, momento em que foram informados sobre a piora no estado de saúde do pai e a necessidade de que este permanecesse internado por mais tempo. Afirmou que neste momento informou ao hospital que não teria condições financeiras de arcar com mais despesas médicas, solicitando por escrito a transferência de seu pai para um leito do Sistema Único de Saúde – SUS. Sustentou que o hospital manteve seu pai internado, tendo realizado transferência para a Unidade de Terapia Intensiva (UTI), sendo que não houve justificativa para a não transferência do paciente para leito do SUS. Relatou que o hospital mantinha contrato com a Prefeitura de Londrina para atendimento e fornecimento de leitos de UTI para pacientes acometidos pelo COVID-19, sendo que o contrato foi encerrado apenas em 01.08.2021. Alegou que a transferência para o SUS ocorreu apenas em 25.06.2021 para o Hospital Norte Paranaense, local em que o genitor do autor veio a falecer em 06.07.2021. Aduziu que pela realização do tratamento e despesas de internação o hospital enviou cobrança no valor de R$32.198,00 (trinta e dois mil, cento e noventa e oito reais), que inclui despesas médicas entre os dias 22.06.2021 até 25.06.2021, mesmo após a solicitação expressa da transferência do paciente para o SUS. Defendeu que, a partir da solicitação de transferência, há de se impor aos entes públicos a responsabilidade pelo custeio do período em que o de cujus ficou internado em hospital particular aguardando a liberação de vagas na rede pública de saúde, visto que, considerando o grave estado de saúde noticiado, este deveria permanecer internado. Liminarmente, requereu a concessão de tutela de urgência para impedir a continuidade da cobrança e a inclusão do nome do autor nos órgãos de proteção ao crédito. No mérito, requereu a aplicação do Código de Defesa do Consumidor, com a inversão do ônus da prova, a procedência da ação para declarar a inexigibilidade do débito e a condenação do requerido ao pagamento de indenização por danos morais no importe de R$20.000,00 (vinte mil reais). No mov. 12.1 o magistrado concedeu a tutela de urgência pretendida determinando a suspensão da cobrança pelo réu da dívida apontada na inicial. Em contestação o requerido sustentou, em síntese: i) a necessidade de tramitação do processo em segredo de justiça dada a apresentação do prontuário médico do paciente; ii) a ilegitimidade passiva do hospital, devendo ser incluído da demanda o Município de Londrina; iii) foi solicitada a transferência do paciente no dia 22.06.2021 para um leito do SUS e, após o caso ser analisado pelo médico responsável, foi solicitada, às 2h31min do dia 23.06, uma vaga nos leitos de UTI disponíveis pelo convênio com o Sistema Único de Saúde; iv) conforme cláusula segunda do contrato juntado pelo autor no mov. 1.15, qualquer internação ou transferência para os leitos SUS deveriam ocorrer mediante autorização específica fornecida pela Regulação da Central de Leitos Especializados de Londrina e validados pela auditoria do Município; v) não cabia ao Hospital do Coração de Londrina remover um paciente particular para um leito SUS sem a anuência da Central de Leitos, mesmo estando dentro da instituição; vi) o pedido de transferência foi reiterado várias vezes, tendo sido realizado em: 23.06 às 10h07min, 24.06 às 10h58min, 24.06 às 10h59, 24.06 às 11h01, porém todos os leitos estavam ocupados; vii) a transferência só foi possível no dia 25.06.2021, não por culpa do hospital, mas porque apenas nesse dia houve permissão do SUS, com surgimento de vaga em outro hospital; viii) não há onerosidade excessiva na cobrança realizada pelo hospital, pois os valores das diárias do hospital que foram acordadas com o SUS não tem computadas as excepcionalidades, não estão presentes os medicamentos, equipamento, material e pessoal utilizado no tratamento do paciente; ix) não é à toa que no mesmo contrato o valor mensal acordado com o SUS chega a R$2.400.000,00 (dois milhões e quatrocentos mil reais); x) as cobranças enviadas ao SUS eram realizadas de acordo com as especificidades do contrato firmado e não se referiam a um paciente específico, de modo que resta impossível afirmar qual valor seria cobrado e/ou repassado ao SUS por paciente exclusivo; xi) o valor acordado com o SUS trata-se de valor para alta demanda, como se fosse “uma compra por atacado”, não podendo se comparar com a prestação de serviços realizada de forma particular; xii) é indiscutível que o paciente deu entrada no hospital devido ao Covid-19 e, em relação a isso, infelizmente é preciso apontar que a indústria de fornecedores de insumos para tratamento e contenção desse realizou aumentos expressivos nos valores de produtos relacionados ao enfrentamento dessa crise; xiii) sua atuação está amparada nos princípios da ordem econômica insculpidos no artigo 170 da Constituição Federal, portanto, os preços praticados pelo hospital contêm a margem de remuneração pela atividade e estão dentro dos padrões de mercado; xiv) a ré não possui poderes para remeter a cobrança de uma dívida que “teoricamente não existe” ao município, eis que o pai do autor não havia sido aceito para transferência em leito de UTI do SUS; xv) não há qualquer ato ilícito por parte da ré, mas apenas a cobrança dos valores que lhe são devidos em exercício regular de direito, conforme previsto no artigo 188 do Código Civil; xvi) não restou configurado o dano moral, uma vez que a cobrança não foi realizada de forma vexatória e o nome do autor sequer foi inscrito nos cadastros de inadimplentes; xvii) não há como se inverter o ônus da prova. Impugnação a contestação apresentada no mov. 23.1. Determinada a especificação de provas (mov. 25.1), oportunidade em que o requerido pugnou pelo julgamento antecipado do feito (mov. 30.1) e o autor requereu o saneamento do feito, com a fixação dos pontos controvertidos e a determinação da inversão do ônus da prova (mov. 31.1). Sobreveio a sentença (mov. 33.1), na qual o magistrado julgou improcedentes os pedidos iniciais. Inconformado, o autor interpôs o presente recurso, no qual pretende a reforma da sentença para que se declare inexigível o débito cobrado pelo hospital requerido ou, subsidiariamente, requer a anulação da sentença para que haja despacho saneador e fixação dos pontos controvertidos, com a manifestação a respeito do pedido de inversão do ônus da prova. II.II. Do mérito recursal. Do pedido de efeito suspensivo. Inicialmente, importante citar que o pedido liminar realizado em sede de apelação, no qual pretende o apelante o impedimento na continuidade da cobrança, bem como a não inclusão de seu nome nos órgãos de proteção ao crédito, na verdade se trata de pedido de efeito suspensivo, uma vez que a sentença julgou improcedentes os pedidos iniciais e, por consequência, revogou a tutela antecipada concedida na origem. Em regra, todos os recursos de apelação são recebidos com efeito suspensivo, conforme disposto no artigo 1.012 do Código de Processo Civil: Art. 1.012. A apelação terá efeito suspensivo. Contudo, o § 1º do supracitado artigo prevê exceções em que a sentença produzirá efeitos imediatamente após a sua publicação, estando entre elas a sentença que confirma, concede ou revoga tutela provisória: § 1º Além de outras hipóteses previstas em lei, começa a produzir efeitos imediatamente após a sua publicação a sentença que:(...) V - confirma, concede ou revoga tutela provisória; Ocorre que o pedido de efeito suspensivo deve ser formulado por requerimento separado das razões recursais, dirigido ao Tribunal quando ainda não distribuída a apelação, ou ao Relator, após a sua distribuição, conforme disposto no artigo 1.012, § 3º do CPC: § 3º O pedido de concessão de efeito suspensivo nas hipóteses do § 1º poderá ser formulado por requerimento dirigido ao:I - tribunal, no período compreendido entre a interposição da apelação e sua distribuição, ficando o relator designado para seu exame prevento para julgá-la;II - relator, se já distribuída a apelação. Desse modo, considerando que se trata de sentença que revogou tutela provisória concedida na origem, o pedido de efeito suspensivo deveria ter sido realizado em petição autônoma, nos termos do artigo 1.012, § 3º do CPC, não comportando conhecimento o pedido realizado nas próprias razoes recursais, uma vez que em desconformidade com o disposto na legislação processual civil. Da (in) exigibilidade do débito hospitalar. Cinge-se a controvérsia acerca da exigibilidade da dívida referente aos serviços médicos prestados pelo Hospital do Coração de Londrina LTDA, ora apelado, quanto ao paciente Sr. Henrique Assunção, genitor do ora apelante. Na inicial relatou o autor que o seu genitor foi internado de forma particular no Hospital do Coração de Londrina no dia 21.06.2021 com Covid-19, oportunidade em que realizaram o pagamento de uma diária, no valor de R$3.220,24 (três mil duzentos e vinte reais e vinte e quatro centavos), sendo que o autor ficou como responsável pela internação do pai, a qual foi paga em dez vezes no cartão de crédito. Alegou que no dia seguinte, 22.06.2021, em razão da piora do estado de saúde do genitor e da ausência de recursos para continuar custeando o tratamento de forma particular, solicitou por escrito a transferência de seu genitor para um leito do Sistema Único de Saúde – SUS, porém esta ocorreu apenas no dia 25.06.2021. Sustentou que o hospital manteve seu pai internado, tendo realizado transferência para a Unidade de Terapia Intensiva (UTI), sendo que não houve justificativa para a não transferência do paciente para leito do SUS, tendo sido surpreendido com cobrança do hospital pelas despesas ocorridas entre os dias 22.06.2021 e 25.06.2021 no valor de R$32.198,00 (trinta e dois mil, cento e noventa e oito reais). Por sua vez, o requerido alegou em sede de contestação que a demora na transferência do paciente para um leito do SUS ocorreu em razão da ausência de vagas, sendo que realizou pedido de transferência nas seguintes datas e horários: 23.06 às 2h31min, 23.06 às 10h07min, 24.06 às 10h58min, 24.06 às 10h59, 24.06 às 11h01. Relatou que a transferência só foi possível em 25.06.2021, não por culpa do hospital, mas porque apenas nesse dia houve permissão do SUS para transferência do paciente, com surgimento de vaga em outro hospital. Na sentença o magistrado julgou improcedentes os pedidos iniciais, mantendo a exigibilidade do débito, uma vez que o atraso na transferência não pode ser imputado ao hospital, tendo ocorrido por motivos alheios a sua vontade. Pois bem. Restou incontroverso nos autos que o autor buscou, inicialmente, o internamento do seu genitor no hospital em 21.06.2021, em caráter particular, porém, no dia 22.06.2021 requereu formalmente a transferência do paciente para leito do SUS (mov. 1.7), fato confirmado pelo próprio agravado. Inobstante a requerida tenha comprovado que a demora na transferência ocorreu em decorrência da ausência de leitos no Sistema Único de Saúde, tal fato não justifica a imputação da responsabilidade do pagamento das despesas hospitalares pelo período em que o paciente aguardou a efetiva transferência (22.06.2021 a 25.06.2021) ao apelante. Isso porque a Constituição Federal assegura a saúde como garantia fundamental, ou seja, é um direito de todos e dever do Estado, sendo que a prestação da saúde insere a obrigação de várias atividades por parte do Estado, entre elas a internação hospitalar para garantia e conservação da vida e da saúde de todos os cidadãos. Quando por deficiência da rede pública de saúde o atendimento de urgência ou emergência for prestado pela rede privada, como é o caso dos autos, em que o paciente permaneceu internado em hospital particular em razão da ausência de vagas para transferência ao Sistema Único de Saúde (SUS), a cobrança das despesas hospitalares não pode recair sobre o cidadão, mas sim se dirigir ao Estado, o qual tem o dever de garantir tal atendimento à todos os residentes no país que não disponham de recursos próprios para contratá-lo. É o que dispõe a Constituição Federal nos respectivos artigos: Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:(...) III - a dignidade da pessoa humana; Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes. Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição. Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação. Art. 198. As ações e serviços públicos de saúde integram uma rede regionalizada e hierarquizada e constituem um sistema único, organizado de acordo com as seguintes diretrizes:(...) II - atendimento integral, com prioridade para as atividades preventivas, sem prejuízo dos serviços assistenciais; Em outras palavras, a partir do pedido de transferência do paciente, o apelante não pode mais ser responsável por custear as despesas hospitalares de forma particular, mas sim, o Estado. Pela não responsabilização do paciente quanto à dívida hospitalar após o pedido de transferência, já decidiu esta C. Câmara, em recurso em que participei do quórum de votação: APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO CIVIL. COBRANÇA. DESPESAS HOSPITALARES. INTERNAMENTO PARTICULAR. POSTERIOR PLEITO DE TRANSFERÊNCIA PARA A REDE PÚBLICA. CREDORA. ACEITAÇÃO DA TRANSFERÊNCIA. TERMO DE ENCERRAMENTO DA OBRIGAÇÃO. DÍVIDA. COBRANÇA DE TODO O PERÍODO. IMPOSSIBILIDADE. OBRIGAÇÃO PECUNIÁRIA A PARTIR DO PEDIDO DE TRANSFERÊNCIA, FINALIZADA ATÉ O MOMENTO DE DISPONIBILIZAÇÃO PARA TRANSFERÊNCIA. RECURSO CONHECIDO E NÃO PROVIDO. 1. Merece acolhimento parcial o pedido de cobrança de internação particular até o momento em que solicitada, e anuída às expensas da credora, a transferência do paciente para o SUS. 2. Eventual demora na transferência, depois do pedido dos familiares do paciente, a implicar aumento no valor devido, não pode a eles ser imputados, pois, por ato próprio e voluntário, o hospital particular assumiu a obrigação de transferência.3. Recurso conhecido e não provido.(TJPR - 11ª C.Cível - XXXXX-75.2015.8.16.0030 - Foz do Iguaçu - Rel.: DESEMBARGADOR FABIO HAICK DALLA VECCHIA - J. 03.08.2020) Quanto à cobrança da dívida em desfavor do Estado, também já decidiu este E. Tribunal de Justiça: APELAÇÃO CÍVEL. CONSTITUCIONAL E CIVIL. AÇÃO COM PRETENSÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER PARA RESSARCIMENTO DE DESPESAS HOSPITALARES C/C INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. DESPESAS DE INTERNAÇÃO EM UTI DE HOSPITAL DA REDE PARTICULAR. PEDIDO DE TRANSFERÊNCIA PARA UM LEITO EM HOSPITAL PÚBLICO - SUS NEGADO ADMINISTRATIVAMENTE POR AUSÊNCIA DE VAGAS. DIREITO CONSTITUCIONAL À SAÚDE OBTIDO A PARTIR DO PEDIDO NEGADO PARA ATENDIMENTO EM HOSPITAL PÚBLICO. PAGAMENTO DEVIDO NO PERÍODO EM QUE RESTA DEMONSTRADA A OMISSÃO ESTATAL. DANOS MATERIAIS. DEVIDOS. RESSARCIMENTO DO VALOR INTEGRAL GASTO PELA PACIENTE. DANO MORAL. OCORRÊNCIA. SITUAÇÃO PECULIAR. IDOSO QUE TEVE QUE VENDER O ÚNICO BEM PARA CUSTEAR ATENDIMENTO NA UTI. CUSTAS PROCESSUAIS. IRRESIGNAÇÃO. SERVENTIA ESTATIZADA. ISENÇÃO QUE NÃO SE OPERA. INEXISTÊNCIA DE CONFUSÃO PATRIMONIAL. FUNJUS QUE É DOTADO DE PERSONALIDADE JURÍDICO CONTÁBIL. INEXISTÊNCIA DE LEGISLAÇÃO QUE ISENTE FAZENDA ESTADUAL DO PAGAMENTO DAS CUSTAS PROCESSUAIS. POSICIONAMENTO FIXADO EM INCIDENTE DE UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA Nº. XXXXX-8/01. SÚMULA Nº.72 RECURSO DE APELAÇÃO CÍVEL CONHECIDO E PARCIAL PROVIDO. (TJPR - 3ª C.Cível - AC - 1567643-2 - Curitiba - Rel.: DESEMBARGADOR JOSÉ SEBASTIÃO FAGUNDES CUNHA - Unânime - J. 21.02.2017) APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXIGIBILIDADE DE DÉBITO - COBRANÇA DE DESPESAS HOSPITALARES - INTERNAMENTO NO HOSPITAL SÃO VICENTE PELO CONVÊNIO "SAS" - POSTERIOR PEDIDO DE TRANSFERÊNCIA AO SUS PARA REALIZAÇÃO DE SESSÕES DE HEMODIÁLISES - DÉBITO BUSCADO DA REQUERENTE QUE DECORRE DA REALIZAÇÃO DE TAIS PROCEDIMENTOS - CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇO QUE EMBASA A COBRANÇA CELEBRADO ANTES DE EXPRESSO PEDIDO DE TRANSFERÊNCIA DA PACIENTE PARA O SUS - EVENTUAIS VALORES QUE DEVERÃO SER COBRADOS DO SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE - VIOLAÇÃO À AMPLA DEFESA POR AUSÊNCIA DE DISCUSSÃO NOS AUTOS EM RELAÇÃO A FORMA DO CONTRATO - INOCORRÊNCIA - PEÇAS PROCESSUAIS QUE ABORDAM TAIS PONTOS - AUSÊNCIA DE PREJUIZO - RECURSO DESPROVIDO.(TJPR - 7ª C.Cível - AC - 1025239-8 - Curitiba - Rel.: DESEMBARGADORA DENISE KRUGER PEREIRA - Unânime - J. 04.06.2013) Nesse sentido é o entendimento do E. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo: APELAÇÃO CÍVEL. INEXIGIBILIDADE DE DÉBITO C.C. DANO MORAL. INTERNAÇÃO EM HOSPITAL PARTICULAR. CARÁTER EMERGENCIAL. AUSÊNCIA DE VAGA NA REDE PÚBLICA. 1. RESPONSABILIDADE DA ADMINISTRAÇÃO. Ação ajuizada contra o hospital particular e o Município de São Paulo, sob a alegação de que a Autora solicitou a transferência de sua mãe para a rede pública de saúde logo após a internação. Entes federativos que têm a obrigação de prestar serviços de saúde ao cidadão. Custeio das despesas havidas a partir do momento em que se requereu a transferência. Inteligência do disposto nos arts. 196 e 198, II, da CF/88. 2. MONTANTE A SER PAGO. Discussão em liquidação, onde serão examinados os elementos constantes da cobrança e se os valores deverão seguir o previsto nas normas procedimentais do SUS (Lei nº 8.080/94). 3. DANO MORAL. Atendimento médico devidamente prestado. Dano não demonstrado. 4. VERBA HONORÁRIA. Fixação por equidade, considerando o valor elevado da causa (R$ 824.676,17 - março/2013). Observância da razoabilidade e proporcionalidade, bem como do princípio geral do direito que veda o enriquecimento sem causa. Honorários arbitrados em R$ 5.000,00, já considerado o trabalho desenvolvido em grau de recurso. 5. Recurso da autora não provido e apelo dos réus parcialmente providos. (TJSP; Apelação Cível XXXXX-94.2014.8.26.0053; Relator (a): Osvaldo de Oliveira; Órgão Julgador: 12ª Câmara de Direito Público; Foro Central - Fazenda Pública/Acidentes - 6ª Vara de Fazenda Pública; Data do Julgamento: 06/06/2018; Data de Registro: 07/06/2018) Contudo, considerando que o Estado não participou do tramite processual na origem, cabe ao apelado (Hospital do Coração de Londrina LTDA) ingressar com cabível em desfavor do ente público, visando a satisfação dos valores despendidos no tratamento do paciente, não havendo que se falar em exigibilidade das cobranças em desfavor do ora apelante. Da redistribuição do ônus sucumbencial Em razão do provimento do recurso, necessário se faz a redistribuição do ônus sucumbencial. Na petição inicial o autor, ora apelante, realizou os seguintes pedidos: i) a inexigibilidade do débito; ii) a condenação do requerido ao pagamento de indenização por danos morais. A sentença julgou improcedentes os pedidos iniciais, condenando o autor ao pagamento da totalidade das custas processuais e honorários advocatícios em favor do patrono do requerido, os quais fixou em 10% (dez por cento) sobre o valor atualizado da causa, suspendendo a sua exigibilidade em razão da concessão dos benefícios da gratuidade da justiça em favor do autor. O autor interpôs recurso de apelação visando tão somente a inexigibilidade do débito hospitalar, ao qual obteve provimento. Assim, com a reforma da sentença, o autor objete parcial provimento dos seus pedidos iniciais, havendo, portanto, sucumbência recíproca entre as partes. A respeito, dispõe o artigo 86 do Código de Processo Civil: Art. 86. Se cada litigante for, em parte, vencedor e vencido, serão proporcionalmente distribuídas entre eles as despesas. Desse modo, diante da sucumbência recíproca entre as partes, incumbe a cada um deles o pagamento de 50% (cinquenta por cento) das custas processuais, ressalvada a gratuidade da justiça concedida em favor do autor. No que diz respeito aos honorários advocatícios fixados na sentença em 10% (dez por cento) sobre o valor atualizado da causa, cabe o pagamento de 50% pelo requerido em favor do advogado da parte autora e 50% (cinquenta por cento) pelo autor em favor do advogado do requerido, ressaltada a gratuidade da justiça concedida em seu favor. Conclusão. Diante do exposto, voto no sentido de dar provimento ao recurso a fim de declarar a inexigibilidade dos débitos hospitalares em desfavor do apelante, nos termos do voto.
Disponível em: https://www.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/tj-pr/1726816303

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