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23 de Maio de 2024
  • 1º Grau
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TJSP • Ação Penal - Procedimento Ordinário • Lesão Corporal • XXXXX-93.2016.8.26.0554 • 3ª Vara Criminal - Foro de Santo André do Tribunal de Justiça de São Paulo - Inteiro Teor

Tribunal de Justiça de São Paulo
há 6 anos

Detalhes

Processo

Órgão Julgador

3ª Vara Criminal - Foro de Santo André

Assuntos

Lesão Corporal, Ameaça, Crimes Previstos no Estatuto do Idoso

Juiz

Jarbas Luiz dos Santos

Partes

Documentos anexos

Inteiro TeorAlegações Finais - Páginas 100 - 109.pdf
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MEMORIAIS DA DEFESA

3a Vara Criminal da Comarca de Santo André

Processo: XXXXX-93.2016.8.26.0554

Acusação: MINISTÉRIO PÚBLICO

Ré: DÉBORA MARIA TEIXEIRA

MM. Juiz (a),

I - Síntese do Processo.

DÉBORA MARIA TEIXEIRA está sendo processada, pois conforme a acusação, a ré teria praticado o delito do artigo 129, § 9º e artigo 147, caput , na forma do art. 69, caput , todos do Código Penal.

Encerrada a instrução probatória, o Ministério Público entendeu que seria caso de procedência da ação.

É o relatório.

II - Da Absolvição: Atipicidade da Conduta de Ameaça por Ausência de Dolo e da Inaplicabilidade da Lei Maria da Penha.

O delito de ameaça constitui-se pela promessa de causar mal injusto e grave a outrem. No entanto, não é qualquer promessa que possui o condão de configurar o delito em apreço.

O Direito Penal submete-se ao princípio maior da intervenção mínima. Os fatos pequenos do cotidiano não merecem a atenção desse ramo do Direito, tão drástico que deixa sequelas na vida do ser humano. Qualquer discussão, entrevero ou desenlace infeliz, grosso, rude, mal-educado não pode ser compreendido como ameaça.

A ameaça tem de ser séria, idônea e objetivamente crível, caso contrário, não passa de bravata.

A seriedade, idoneidade e credibilidade devem ser transparecidas na denúncia e nos elementos de prova que a acompanham, bem como deve ser descrita para que se possa aferir sua a idoneidade e credibilidade, ainda que num juízo de prelibação.

Em depoimento a vítima Francisca relatou que não se recorda dos fatos, mas afirmou que a acusada não lhe ameaçou e nem lhe agrediu na data em questão. Disse também que as discussões são frequentes, mas não passam de entreveros familiares (fls. 72/77).

A testemunha Rafael, ex-companheiro da acusada, declarou já ter presenciado as agressões, garantido que tais fatos eram frequentes. Disse que Débora costumeiramente exigia a chave do carro da vítima e dinheiro para "as gandaias". Declarou também já ter agredido a acusada por conta de tais desavenças (fls. 78/84).

Por fim, a acusada DÉBORA negou os fatos narrados na denúncia, que as discussões não passam de desarranjos familiares, e que no dia dos fatos estavam ambas de cabeça quente. Afirmou que a testemunha Rafael, seu ex-companheiro, não presenciou os fatos, e que atualmente ele responde por processo de agressão contra ela, além de haver medida protetiva proibindo sua aproximação da acusada, e por conta disso ele tem motivos para ter raiva dela (fls. 85/92).

O elemento subjetivo do tipo previsto no artigo 147 do Código Penal não ficou evidenciado no contexto probatório.

O depoimento da testemunha Rafael deve ser analisado com ressalvas, já que há interesses pessoais envolvidos nesse caso. Conforme explicado pela própria acusada, há um processo criminal a que responde Rafael por agressão à acusada, além de um processo judicial movido pela acusada contra Rafael para pagamento de pensão alimentícia de seu filho.

Assim, não é possível levar em consideração somente os fatos alegados pela testemunha.

No caso, a bravata esbravejada pela acusada não soa como ameaça, mas como desentendimento, como explosão sentimental, transposição do sentimento interno para a vida que a descontenta.

É evidente que na briga familiar quem sofre com o desabafo seja o outro, alvo da irritação pelo fato de estar ali. A discussão veemente, a ofensa, o sentimento de vingança é comum, e muitas vezes ultrapassa o controle racional.

Uma discussão, dentro da intimidade de uma relação familiar, cumulada com a questão patrimonial, enseja muitas vezes vontade de ofender o outro contendor, vontade de impor-se pela agressividade. Isso não significa querer mal, fazer mal. Significa descontrole emocional somente.

A discussão acalorada, por si só, dissipa a configuração da ameaça, que deve ser pensada, querida no sentido de raciocinada pelo agente.

Ora, aqui se aplica o entendimento já esposado em nossos Tribunais que o estado colérico afasta o elemento subjetivo do tipo de ameaça, valendo conferir:

PENAL. AMEAÇA VAGA PROFERIDA DURANTE DISCUSSÃO ACALORADA. SUPOSTA TRAIÇÃO DA ESPOSA. ÂNIMO IRREFLETIDO DO AGENTE. AUSÊNCIA DE INTIMIDAÇÃO DA MULHER. PERDÃO RECÍPROCO E RECONCILIAÇÃO DO CASAL. DOLO NÃO CONFIGURADO. ATIPICIDADE DA CONDUTA. SENTENÇA REFORMADA.

1. Réu condenado por infringir o artigo 147 do Código Penal, por haver ameaçado a mulher por e-mail, depois de receber telefonema da mulher do patrão dela, confirmando a suspeita de traição conjugal.

2. Ameaça vaga proferida durante discussão acalorada, embora possa configurar o crime de ameaça, muitas vezes decorre de descontrole emocional momentâneo, não se mostrando idônea para intimidar efetivamente. O crime acontece apenas quando o contexto da discussão revelar seriedade e plausibilidade da

ameaça, diante da probabilidade concreta de sua realização, deixando a vítima desassossegada. Se o casal esclarece ter superado a crise conjugal e passado a viver em harmonia, sem novas agressões ou ameaças, o dolo não se configura.

3. Apelação provida para absolver o réu com base no artigo 386, inciso III, do Código de Processo Penal. 1

PENAL E PROCESSO PENAL. VIOLÊNCIA DOMÉSTICA. CRIME DE AMEÇA. BEM JURÍDICO PROTEGIDO. TESTEMUNHA PRESENCIAL. ANIMUS DO AGENTE. AMEAÇA PROFERIDA EM MEIO A UMA DISCUSSÃO. ATIPICIDADE. RECURSO DESPROVIDO.

1. O bem jurídico protegido no crime de ameaça é a liberdade psíquica do indivíduo, além da liberdade física, que poderá ser assegurada em razão do grande temor produzido.

2. Para configuração do crime de ameaça é necessário o preenchimento dos requisitos do art. 147 do Código Penal, que o mal seja injusto e grave, apto a intimidar a vítima.

3. Tratando-se de uma discussão em que os ânimos estavam exaltados e a suposta ameaça foi proferida impulsivamente, sem a seriedade e idoneidade que caracterizam referido delito, a conduta

é atípica.

4. Recurso desprovido. 2

APELAÇÃO - CRIME DE AMEAÇA - DISCUSSÃO RAIVOSA - AUSÊNCIA DE ANIMUS CALMO E REFLETIDO - ABSOLVIÇÃO. É firme a orientação doutrinária e jurisprudencial no sentido de que a ameaça proferida no contexto de uma discussão, com ânimo exaltado e raivoso não configura o delito do art. 147 do Código Penal por ausência de tipicidade subjetiva. 3

VIOLÊNCIA DOMÉSTICA - AMEAÇA - Negativa do réu - Vítima que se mostra insegura e com bastante hesitação em ratificar a suposta ameaça praticada pelo réu contra ela, com quem teve relacionamento amoroso recentemente dissolvido - Discussão acalorada entre ex- companheiros inidônea a caracterizar o ilícito - Absolvição decretada - Recurso provido 4 .

O crime de ameaça, conforme entendimento pacificado pela doutrina e jurisprudência, exige seriedade e idoneidade para sua caracterização.

1 TJDFT - Acórdão n.685005, n. CNJ XXXXX-06.2012.8.07.0016, 1a Turma Criminal, rel. Des. George Lopes Leite, j.

13/06/2013.

Em sentido contrário, quando praticada a ameaça em momentos de cólera, discussão, não se vê caracterizado esse crime.

No caso dos autos, a ameaça proferida não se mostrou crível a ponto de sobremaneira abalar o estado de tranquilidade da vítima, de modo que a conduta da agente não chegou a afetar o bem juridicamente tutelado. Trata-se, no caso, de hipótese de atipicidade material.

Nesse sentido a doutrina de Júlio Fabbrini Mirabete: O importante é saber se a ameaça é idônea para influir na tranquilidade psíquica da vítima, bem jurídico protegido pelo art. 147 do CP. O mal pronunciado deve ser grave, sério, capaz de intimidar, de atemorizar a vítima. Deve também a ameaça ser verossímil, crível e referir-se à prática de um mal iminente e não remoto.

Evidencia-se que os fatos ocorreram num momento de destempero verbal, lançada a ameaça como mera expressão de bazófia, ou como simples descarga de um subitâneo assomo de ira (JTACrim 71/225), situação essa que demonstra ausência do dolo específico de causar sobressalto, temor ou inquietação de ânimo à vítima.

Assim, não havendo espaço para descrição da conduta da acusada, deve-se absolver a apelante por atipicidade da conduta de ameaça por ausência de dolo.

No que diz respeito à Lei 11.340/2006 ( Lei Maria da Penha), é de rigor a exclusão de sua aplicação, sob pena de negar-se direitos à acusada de maneira arbitrária.

Essa exclusão se faz necessária uma vez que houve exagero ao enquadrar-se os fatos como ensejadores da aplicação da Lei Maria da Penha à luz da descrição dos fatos, de sorte a tolher direitos reservados à apelante na legislação penal.

É certo o afastamento da Lei Maria da Penha no caso, porquanto pela denúncia não se denota eventual prática de crime baseado na específica condição de gênero, como exige a teleologia do art. da L. 11.340/06 e de toda a lei especial.

Do pouco que narrado da peça acusatória, se crime houve, esse crime não se deveu à inferioridade de gênero, à vulnerabilidade especial, à hipossuficiência econômica ou física da vítima, ou mesmo sua subjugação sexista, mas simplesmente à alteração de espírito da acusada na data dos fatos, decorrente de uma discussão entre vítima e acusada.

Caso não se descreva na incoativa acusatória e/ou não venha ela amparada por lastro probatório mínimo que demonstre o desprezo pelo gênero feminino, a inaplicação da Lei Maria da Penha é medida que se afigura imperiosa.

Há de se diferenciar aqui o crime praticado contra a Mulher (gênero) do crime praticado contra uma vítima mulher (matriz cromossômica). Há de se caracterizar a violência de gênero para a aplicação da Lei Maria da Penha, mais rigorosa - mister que compete ao órgão acusatório -, vedando-se, então, sua aplicação indistinta.

A simples condição de mulher (matriz cromossômica) não atrai a incidência da referida lei.

Ou seja, para configurar a violência contra a mulher que atraia a incidência da Lei Maria da Penha, não basta que se constate uma das hipóteses dos arts. e da L. 11.340/06, mas é também necessário que se constate a violência de gênero , denotada por relação de poder sexista, submissão em razão do gênero, preconceito, desprezo, ou qualquer outra circunstância que evidencie aversão à condição de Mulher (gênero).

Em suma, exigir-se-ia dolo específico do agente para a aplicação da Lei Maria da Penha, como já decidido pelo Superior Tribunal de Justiça:

AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. ESTUPRO DE VULNERÁVEL. LEI MARIA DA PENHA. MOTIVAÇÃO DE GÊNERO. AUSÊNCIA. COMPETÊNCIA DA VARA CRIMINAL COMUM. AGRAVO REGIMENTAL NÃO PROVIDO.

(...).

2. Na hipótese dos autos, o crime de estupro de vulnerável foi cometido contra a filha da prima do recorrido, que se aproveitando

desta condição adentrou na casa da vítima e a obrigou à prática de ato libidinoso diverso da conjunção carnal.

3. Neste cenário, não se evidencia que o delito eventualmente praticado teve como motivação o dolo específico exigido para a aplicação da Lei Maria da Penha. (...). 5

Assim não comprovada ter sido a ameaça proferida com seriedade, descaracterizado está o tipo penal, pela atipicidade de conduta de ameaça por ausência do dolo. Além disso, a inaplicabilidade da Lei Maria da Penha é o que autoriza a absolvição da ré, nos termos do art. 386, inciso III, do Código de Processo Penal.

III - Da Absolvição por Ausência de Provas. Aplicação do Princípio in dubio pro reo .

Da análise das provas trazidas aos autos, resta clara a inexistência da robusteza necessária para embasar um édito condenatório.

Em depoimento, a vítima Francisca relatou que não se recorda muito bem dos fatos, mas afirmou que a acusada não lhe ameaçou e nem lhe agrediu na data em questão. Disse também que as discussões são frequentes, mas não passam de entreveros familiares (fls. 72/77).

A testemunha Rafael, ex-companheiro da acusada, declarou já ter presenciado as agressões, e que tais fatos são frequentes. Disse que Débora costumeiramente exige a chave do carro da vítima e dinheiro para "as gandaias". Declarou também já ter agredido a acusada por conta de desavenças (fls. 78/84).

Por fim, a acusada DÉBORA negou os fatos narrados na denúncia, que as discussões não passam de desarranjos familiares, e que no dia dos fatos estavam vítima e acusada de cabeça quente. Afirmou que a testemunha Rafael, seu ex- companheiro, não presenciou os fatos, e que atualmente ele responde por processo de agressão contra ela, além de haver medida protetiva proibindo sua aproximação da acusada, e por conta disso ele tem motivos para ter raiva dela (fls. 85/92).

Não foram produzidas provas, portanto, isentas de dúvidas a respeito de como ocorreram os fatos.

A testemunha não presenciou a suposta agressão. Anote-se que tal testemunha é ex-companheiro da acusada e possui interesses pessoais no presente caso, motivo pelo qual suas palavras devem ser analisadas com ressalvas.

Nesse contexto, verifica-se que não há qualquer prova que vincule a acusada à prática dos delitos de violência doméstica e de ameaça em questão.

Como se sabe, o Direito Penal exige a convicção plena do julgador, ancorada em dados objetivos, concretos, irrefutáveis. A dúvida, menor que seja, milita em favor dos acusados, como determina o secular princípio do in dubio pro reo ( CF, art. , LVII), devendo levar, necessariamente, à absolvição.

Como é cediço, na Constituição Federal vigora o princípio democrático da presunção de inocência, 6 de tal sorte que se faz mister um conjunto probatório harmonioso e robusto para a imposição de um édito condenatório.

Ausente prova mínima para condenação da ré, e sendo a prova frágil e indireta, pairam dúvidas acerca da autoria delitiva, motivo pelo qual a absolvição é medida que se impõe, em respeito ao princípio do in dubio pro reo .

O princípio in dubio pro reo , deve, portanto, ser homenageado e, então, aguarda esta Defesa a absolvição da ré pelos delitos do art. 129, § 9º e art. 147, caput , ambos do Código Penal, por falta de provas, nos moldes do artigo 386, inciso VII, do Código de Processo Penal.

IV - Pena e Regime.

Por último, caso os pedidos anteriores não sejam atendidos, em primeira fase de dosimetria da reprimenda a pena-base dos dois delitos deve ser fixada no patamar mínimo legal, já que não há reprovabilidade maior do que a trazida pelos crimes.

Ainda, deve ser levada em consideração a primariedade da ré, já que não há nos autos certidão de objeto e pé que indique que a acusada ostente condenação definitiva.

Tendo em vista que eventual pena aplicada deve ser fixada em quantidade menor do que quatro anos, o regime a ser fixado deverá ser o aberto, devido à incidência do artigo 33, § 2º, alínea c, do Código Penal.

Em derradeiro, é devida a conversão da pena privativa de liberdade em restritiva de direitos, já que além de estarem presentes os requisitos objetivos do art. 44 do Código Penal, diante das circunstâncias e do tipo de crime cometido, a medida é recomendável.

Dessa forma, requer a fixação do regime inicial aberto para o cumprimento de pena, e a substituição da pena privativa de liberdade pela restritiva de direitos, já que estarão preenchidos os requisitos legais para tanto.

V - Conclusão.

Diante disso, aguarda-se o não acolhimento do pedido condenatório, declarando-se a ABSOLVIÇÃO da ré por ausência de dolo; a ABSOLVIÇÃO da ré por insuficiência de provas; ou, o acolhimento dos pedidos subsidiários, nos termos acima descritos.

No ensejo e ao término, ressalta a Defensoria Pública do Estado de São Paulo gozar de prerrogativas legais, em especial a intimação pessoal da signatária mediante vista dos autos e a contagem dos prazos dobrados, consoante prevê dos arts. 4 ̊, V, e , I, da Lei Complementar federal nº / 4.

Santo André, 3 de setembro de 2018. ELIZÂNGELA OLIVEIRA DOS SANTOS

Defensora Pública do Estado

10a Defensoria Pública Unidade Santo André

GIOVANNA TONOBOHN ZAMPRONIO Estagiária da Defensoria Pública do Estado

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