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26 de Maio de 2024
  • 1º Grau
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TRF1 • PROCEDIMENTO COMUM CÍVEL • Revogação • XXXXX-13.2013.4.01.3804 • Órgão julgador Vara Federal Cível e Criminal da SSJ de Passos-MG do Tribunal Regional Federal da 1ª Região - Inteiro Teor

Detalhes

Processo

Órgão Julgador

Órgão julgador Vara Federal Cível e Criminal da SSJ de Passos-MG

Assuntos

Revogação, Anulação de multa ambiental (10112)

Partes

Documentos anexos

Inteiro Teor3446bf5ddd48395c70e7390efb4668eeb9930f67.pdf
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09/02/2022

Número: XXXXX-13.2013.4.01.3804

Classe: PROCEDIMENTO COMUM CÍVEL

Órgão julgador: Vara Federal Cível e Criminal da SSJ de Passos-MG

Última distribuição : 19/12/2013

Valor da causa: R$ 10.000,00

Processo referência: XXXXX-13.2013.4.01.3804

Assuntos: Revogação/Anulação de multa ambiental

Segredo de justiça? NÃO

Justiça gratuita? NÃO

Pedido de liminar ou antecipação de tutela? NÃO

Partes Procurador/Terceiro vinculado SUSANA LUCIA ALVIM CAROTTA MULLER (AUTOR) JOSE DONIZETTI GONCALVES (ADVOGADO)

JACIARA GARCIA GONCALVES RIBEIRO (ADVOGADO) HORST WOLFGANG MULLER (AUTOR) JOSE DONIZETTI GONCALVES (ADVOGADO)

JACIARA GARCIA GONCALVES RIBEIRO (ADVOGADO) INSTITUTO BRASILEIRO DO MEIO AMBIENTE E DOS

RECURSOS NATURAIS RENOVAVEIS - IBAMA (REU)

INSTITUTO CHICO MENDES DE CONSERVACAO DA

BIODIVERSIDADE (REU)

Ministério Público Federal (Procuradoria) (FISCAL DA LEI)

Documentos

Id. Data da Documento Tipo

Assinatura

70351 25/08/2021 21:34 Sentença Tipo A Sentença Tipo A 9060

SENTENÇA

1. RELATÓRIO

Trata-se de ação de HORST WOLFGANG MULLER e SUSANA LÚCIA ALVIM CAROTTA MULLER contra INSTITUTO BRASILEIRO DE MEIO AMBIENTE e INSTITUTO CHICO MENDES DE BIODIVERSIDADE - ICMBio, pedindo condenação em obrigação de não fazer cumulada com declaração de nulidade de atos administrativos.

Relatam que são proprietários da Fazenda Pedra Branca, em Delfinópolis - MG, e afirmam que "o IBAMA e o ICMBio vêm, há alguns anos, efetivando urn verdadeiro terrorismo contra os proprietários de imóveis situados no entorno do Parque Nacional da Serra da Canastra, proibindo- os de usarem e gozarem de seus direitos de proprietários, sob argumentos de que, no futuro, referidas áreas integrarão o Parque Nacional da Serra da Canastra.".

Fizeram um relato histórico da criação do PNSC.

Alegaram que "não são contra a expansão do Parque, menos ainda quanto a aplicação do instituto da desapropriação. O que não se concebe é o confisco puro e simples das fazendas, objeto desta lide, num verdadeiro desrespeito ao estado de direito. Se pretendem os requeridos adquirir as fazendas que os façam dentro do direito, observando o devido processo legal, promovendo uma desapropriação conforme manda a Constituição Federal e as Leis especiais reguladoras da matéria ou a simples aquisição administrativa, com o que não se opõem os requerentes, desde que pago o justo preço."

Afirmaram que o auto de infração XXXXX-A, que lhes imputou multa e embargou atividades inerentes ao uso e gozo da propriedade, foram aplicados de forma irregular, pois sua propriedade não se encontra inserida no PNSC.

Defenderam que "a conduta dos requeridos está a subtrair dos requerentes TODOS os atributos da propriedade que o direito brasileiro lhes confere. À medida que os requeridos se propõem a levar a cabo uma verdadeira campanha no sentido de que as terras daquela região não po,em sofrer nenhum tipo de intervenção - porque no futuro serão desapropriadas todas aquelas áreas, alertando inclusive que os adquirentes não poderão" usar "nem" gozar "das propriedades adquiridas, temos sem embargos, que os requerentes não podem mais" DISPOR "de sua fazenda, eis que ninguém em sã consciência se atreve a compra de imóveis com estas restrições feitas pelo poder público."

Sustentaram que cumprem com o princípio constitucional da função social da propriedade, e que "respeitando a legislação ambiental e delas retirando o sustento de suas famílias, não podem os requeridos, sob argumento de que aquelas áreas serão futuramente incorporadas ao Parque Nacional da Serra da Canastra, proibir os autores de exercerem os atributos da propriedade, sem antes proceder a desapropriação com prévia e justa indenização."

Alegam que "não possuem os requeridos nenhum instrumento legal para dar efetividade a intenção de expansão do Parque Nacional da Serra da Canastra. Em primeiro lugar ressentem do ato declaratório de interesse social das áreas que irão integrar o Parque, que deve preceder o instituto da desapropriação; não possuem os requeridos um plano de manejo que, dentre outros, contenha a regularização da zona de amortecimento da Unidade de Conservação. Assim, não havendo a desapropriação não há possibilidade juridica nem material para expandir a Unidade de Conservação. Ocorre que o IBAMA e o ICMBio ignoram todo sistema legal e em ato abusivo realizam verdadeiro confisco dos imóveis lindeiros ao Parque, sob o argumento de que promoverão desapropriação futura, o que não pode prevalecer na medida em que, esta prática só era permitida no estado totalitário, banida no estado de direito."

Pediram a antecipação de tutela.

No mérito, requereram a condenação do IBAMA e ICMBio a obrigação de não fazer, abstendo-se de turbar, esbulhar ou subtrair os atributos da propriedade sob o fundamento de desapropriação futura, até a implementação efetiva da referida desapropriação, bem como a decretação da nulidade do auto de infração XXXXX-A, da respectiva multa, e dos embargos deles decorrentes.

Juntaram os documentos de fls. 25/40.

Antecipação de tutela indeferida (fls. 62/64).

Informada a interposição pela parte autora de agravo (fl. 81) .

Mantida a decisão pelos próprios fundamentos (fls. 91/94).

ICMBIO e IBAMA apresentaram contestação à fl. 96.

Descrevendo o regime das áreas não regularizadas em unidades de conservação, afirmaram que "não é a implantação requisito para que se materializem os atos de proteção e de fiscalização sobre a área afetada, tampouco a implantação define o momento quando serão impostas as limitações administrativas do SNUC, posto já serem exigíveis desde a criação. Assim, nem os atos de proteção e fiscalização, nem as limitações administrativas impostas as propriedades particulares podem ser consideradas como atos de esbulho possessório."

Sustentaram que "embora não pertençam ainda à União, ou ‘ao Parque Nacional da Serra do Canastra’, sujeitam-se as propriedades inseridas nos limites da UC ao regime especial de proteção ambiental criado pelo Decreto que instituiu a Unidade de Conservação.", posicionamento que teria adesão do MPF e da jurisprudência.

Afirmaram a "insuscetibilidade dos decretos expropriatórios de áreas inseridas em unidades de conservação de domínio público ao prazo de caducidade de cinco anos" e a impossibilidade de decisão judicial direcionada a reduzir os limites de unidade de conservação ou declarar a caducidade de um decreto de criação, e que "incide sobre as áreas um regime jurídico de transição, no qual se admite a continuidade das atividades realizadas antes da criação da unidade de conservação, desde que estas não impliquem em ampliação ou impacto ambientais negativos à biota da unidade".

Sustentaram que o prazo de caducidade quinquenal não se aplica a unidades de conservação.

Defenderam a legalidade dos autos de infração, que estariam respaldados pela presunção de legitimidade e de veracidade, pela Lei nº 9.605/98 e Decreto nº 6.514/08 e pelo fato do imóvel estar inserido dentro de uma Unidade de Conservação, sendo que as multas decorreram de constatação objetiva de infrações previstas naqueles diplomas, conforme consta das narrativas registradas nos autos de infração.

Pediram a improcedência dos pedidos.

Juntaram os documentos de fls. 119/200 (volume 1 pdf) - 201/226 (volume 2 pdf).

Processo suspenso até ultimação de tentativa de conciliação (fl.232).

Manifestação do MPF às fls. 250/253

Designada audiência de conciliação (fl. 254), não se chegando a um acordo (fl. 259), foram os autos conclusos para sentença.

Não havendo mais provas a produzir, passo ao julgamento.

É o relatório. Passo a decidir.

2. FUNDAMENTAÇÃO

O conflito apresenta cronologia muito extensa, o que torna bastante árida a elucidação dos parâmetros de resolução. Em situações tais, recomenda-se a utilização de recursos de visual law .

[1]

QUADRO 1: Parâmetros legislativos e jurisprudenciais adotados para julgamento da ação

2.1 Delineamento da Decisão

Passa-se a concatenar os argumentos pormenorizados em forma discursiva.

Preliminarmente, cumpre esclarecer que a criação e implementação do Parque Nacional da Serra da Canastra assentou sobre dois dispositivos normativos fundamentais: 1) o Decreto nº 70.355, de 3 de abril de 1972, que criou o Parque (doravante Decreto A ); e 2) Decreto nº 74.447/74, que declarou o interesse social da área para fins de consolidação do Parque (doravante, Decreto B ).

DECRETO A

DECRETO Nº 70.355, DE 3 DE ABRIL DE 1972

Art. 1º Fica criado, no Estado de Minas Gerais, o Parque Nacional da Serra da Canastra, com os limites discriminados neste Decreto.

Art. 2º O Parque Nacional da Serra da Canastra, com uma área estimada em 200.000 ha (duzentos mil hectares), é delimitado por uma linha assim definida: no extremo oeste, inicia-se no Ribeirão do Engano...

Art. 3º A área patrimonial do Parque Nacional da Serra da Canastra fica sob a administração e jurisdição do Instituto Brasileiro de Desenvolvimento Florestal do Ministério da Agricultura.

Art. 4º Das áreas definidas no artigo 2º do presente Decreto poderão ser excluídas, a critério do Instituto Brasileiro de Desenvolvimento Florestal, aquelas que tenham alto valor agricultável, desde que esta exclusão não afete as características ecológicas do Parque.

Art. 5º Fica o Ministério da Agricultura, através do seu órgão competente, autorizado a promover as desapropriações necessárias à execução do presente Decreto.

Art. 6º O presente Decreto entra em vigor na data de sua publicação.

Brasília, 3 de abril de 1972; 151º da Independência e 84º da República.

EMÍLIO G. MÉDICI

L. F. Cirne Lima - grifamos

DECRETO B

DECRETO Nº 74.447 DE 21 DE AGOSTO DE 1974

Declara de interesse social, para fins de desapropriação, imóveis rurais situados nos Municípios de Vargem Bonita, Sacramento e São Roque de Minas, compreendidos na área prioritária de emergência, para fins de Reforma Agrária, de que trata o Decreto nº 74.446,de 21 de agosto de 1974.

Art. 1º - É declarada de interesse social, para fins de desapropriação, nos termos do artigo 18, letra h, artigo 20, inciso II e VI, e artigo 24, inciso V, da Lei nº 4.504, de 30 de novembro de 1964, uma área de terras, medindo aproximadamente 106.185,50ha (cento e seis mil, cento e oitenta e cinco hectares e cinquenta ares), de diversos proprietários,situada nos Municípios de Vargem Bonita, Sacramento e São Roque de Minas, no Estado de Minas Gerais, localizada entre os meridionais de 46º 15' e 47º 00' a Oeste de Greenwich e os paralelos de 20º 00' e 20º 30' de latitude Sul.Parágrafo único. A área a que se refere este artigo é definida pelo seguinte perímetro: ... - grifamos

Iniciaremos pelo exame do DECRETO B ( Decreto nº 74.447/74), que traz a declaração de interesse social para fins de desapropriação, e seus efeitos.

E, conforme registro na linha do tempo e análise pormenorizada adiante, o referido Decreto de interesse social foi fulminado em quatro frentes:

1º) sua declaração caducou em 23/08/79, por força art. 10 do Decreto 3.365/41;

2º) foi revogado expressamente pelo Decreto de 10/05/91;

3º) sobre quase metade da área jamais incidiu sequer declaração de interesse social;

4º) teve sua caducidade reconhecida em julgados do Superior Tribunal de Justiça e pelo Tribunal Regional Federal da Primeira Região.

Vejamos.

1º) Caducidade

Por força do art. 10 do Decreto-Lei n. 3.365, de 21/6/41, há que reconhecer a caducidade:

Art. 10. A desapropriação deverá efetivar-se mediante acordo ou intentar-se judicialmente, dentro de cinco anos, contados da data da expedição do respectivo decreto e findos os quais este caducará. (grifamos)

A caducidade do decreto em questão já foi reconhecida expressamente pelo Superior Tribunal de Justiça e pelo Tribunal Regional Federal da Primeira Região, ao tratar especificamente do Parque da Canastra:

AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL Nº 611.366 - MG (2014/0299347- 4)

RELATOR : MINISTRO NEFI CORDEIRO

...

Discute-se, aqui, na verdade, sua condição de Unidade de Conservação Federal, instituída por Decreto Federal. Sabe-se que o art. 10 do Decreto-Lei n. 3.365, de 21/6/41, o qual dispõe sobre as desapropriações por utilidade pública, estabelece que referida expropriação deverá efetivar-se mediante acordo ou intentar-se judicialmente, dentro de cinco anos, contados da data da expedição do respectivo decreto e findos os quais este caducará. Na hipótese, o Decreto Federal foi editado em 1972. Todavia, a desapropriação jamais se consumou, permanecendo a área sob a propriedade do particular, assim como diversas outras no País que, "criadas no papel", acabam não se transformando em realidade concreta.

Da peça acusatória consta que FABRIZZIO ANTÔNIO DE OLIVEIRA, Documento: XXXXX - Despacho / Decisão - Site certificado - DJe: 20/10/2016 Página 8 de 13 Superior Tribunal de Justiça EDSON LUIS RIGOTTO e DÉCIO LUIS RIGOTTO teriam suprimido vegetação nativa para plantio de capim napier em área de preservação permanente (margens de curso d'água afluente do ribeirão Babilônia), bem como construíram um poço, no interior da cognominada "Fazenda Vale Formoso", Delfinópolis/MG, causando dano direto ao Parque Nacional da Serra da Canastra (unidade de conservação de proteção integral - fls. 07/12). Ocorre que a constatação da referida supressão, a qual teria dado causa aos danos indicados, deu-se apenas em julho de 2008, quando já operada a caducidade do Decreto original (e não se tem nos autos qualquer notícia de sua reedição). Assim, considerando que o Decreto Federal, conforme acima exposto, já teve sua caducidade superada há tempos, não vejo como limitar o direito de propriedade conferido constitucionalmente aos ora agravantes. Referida limitação seria atentatória à mencionada garantia constitucional, bem como ao direito à justa indenização, previstos nos incisos XXII e XXIV do art. da CF. Nessa linha, o seguinte precedente do Supremo Tribunal Federal: EMENTA: RECURSO EXTRAORDINÁRIO. ESTAÇÃO ECOLÓGICA JURÉIA-ITATINS. DESAPROPRIAÇÃO. MATAS SUJEITAS À PRESERVAÇÃO PERMANENTE. VEGETAÇÃO DE COBERTURA. INDENIZAÇÃO DEVIDA. 1. Desapropriação. Cobertura vegetal sujeita a limitação legal. A vedação de atividade extrativista não elimina o valor econômico das matas preservadas, nem lhes retira do patrimônio do proprietário. 2. Impossível considerar essa vegetação como elemento neutro na apuração do valor devido pelo Estado expropriante. A inexistência de qualquer indenização sobre a parcela de cobertura vegetal sujeita a preservação permanente implica violação aos postulados que asseguram os direito de propriedade e a justa indenização ( CF, artigo , incisos XXII e XXIV). 3. Reexame de fatos e provas técnicas em sede extraordinária. Inadmissibilidade. Retorno dos autos ao Tribunal de origem para que profira nova decisão, como entender de direito, considerando os parâmetros jurídicos ora fixados.

Recurso extraordinário conhecido em parte e, nesta, provido. ( RE XXXXX, Relator (a): Min. MAURÍCIO CORRÊA, Segunda Turma, julgado em 29/10/2002, DJ XXXXX-11-2002 PP-00042 EMENT VOL-02093- 03 PP-00523). ...

Destarte, uma vez que decorridos muito mais de 5 anos desde a edição do Decreto que declarou a área uma Unidade de Conservação Federal, sem que a respectiva desapropriação tenha se concretizado, não há como, em observância aos direitos constitucionais supracitados, imputar aos proprietários da terra a prática do delito ambiental em referência (art. 40 da Lei n. 9.605/98).

Fica afastada, portanto, a tipicidade do fato no que se refere ao delito de competência da Justiça Federal (art. 40 da Lei n. 9.605/98). Ante o exposto, dou provimento ao agravo para, provendo o recurso especial, restabelecer a decisão de 1º Grau.

Documento: XXXXX - Despacho / Decisão - Site certificado - DJe: 20/10/2016 - grifamos

AMBIENTAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. PARQUE NACIONAL DA SERRA DA CANASTRA. UNIDADE DE CONSERVAÇÃO FEDERAL DE PROTEÇÃO INTEGRAL. CRIAÇÃO. DECRETO Nº 70.355/1972. DECRETO-LEI 3.365/1941, ART. 10. DESAPROPRIAÇÃO DE PARTE DA ÁREA. NÃO OCORRÊNCIA. CADUCIDADE.

I - Sobre a criação de unidade de conservação de proteção integral, o art. 22 da Lei 9.985/2000 dispõe que "As unidades de conservação são criadas por ato do Poder Público".

II - Regulamentando tal dispositivo, o art. do Decreto 4.340/2002 assim preceitua que o ato de criação de uma unidade de conservação deve indicar, dentre outros, a área da unidade e as atividades econômicas.

III - "O Parque Nacional é de posse e domínio públicos, sendo que as áreas particulares incluídas em seus limites serão desapropriadas, de acordo com o que dispõe a lei" ( § 1º do art. 11 da Lei 9.985/2000).

IV - O Parque Nacional da Serra da Canastra foi criado pelo Decreto 70.355/1972, com área estimada de 200.000,00ha., porém, somente foram efetivamente desapropriados 71.525ha, e a área objeto das atividades minerárias estaria incluída nos limites dos 200.000 ha previstos no Decreto 70.355/1972, contudo até o momento não foi objeto de desapropriação.

V - Argumento do Ministério Público Federal de que o DNPM não poderia ter concedido os títulos minerários e o ICMBio não poderia ter formalizado o TAC, pois o fato de a área em questão ainda não ter sido objeto de desapropriação não autoriza a prática de atividades degradantes ao meio ambiente, pois a criação de unidade de conservação prescinde de qualquer outro requisito, mesmo de desapropriação, ou seja, uma vez editado o decreto criação, não mais

é possível a prática de atividades danosas ao meio ambiente, ainda que não tenha ocorrido a desapropriação da área.

VI - O eg. STJ concluiu pela aplicabilidade do prazo decadencial de 05 anos previsto no art. 10 do Decreto-lei 3.365/1941.

VII - "Passado o prazo de cinco anos sem que o Poder Público tenha efetivado o ato expropriatório ou praticado qualquer esbulho possessório, resulta inequivocamente caduco o ato declaratório de utilidade pública por força do artigo 10 do Decreto-Lei nº 3.365, de 21 de junho de 1941". (EREsp XXXXX/SP, Rel. Ministro HAMILTON CARVALHIDO, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 23/06/2010, DJe 02/08/2010.)

VIII - Apesar de o STJ entender cabível a aplicação, por analogia, do art. 19 da Lei 4.717/65 às ações civis públicas (ex. REsp XXXXX/SC), apenas o faz quando versam sobre proteção ao patrimônio público (a título de exemplo, ACP por ato de improbidade ou ressarcimento ao erário, hipótese diversa da dos autos). Não há que se falar, pois, em remessa oficial tida por interposta.

IX - Recurso de apelação a que se nega provimento.

( AC XXXXX-52.2007.4.01.3804 / MG, Rel. DESEMBARGADOR FEDERAL JIRAIR ARAM MEGUERIAN, SEXTA TURMA, e-DJF1 de 11/05/2016). - grifamos

O Decreto 74.447/74 se encontra, portanto, caduco. Há 42 (quarenta e dois) anos.

2º) Revogação Expressa

Além da caducidade, também salta aos olhos outra circunstância intransponível: o Decreto 74.447/74 foi expressamente revogado em 1991. Confira-se:

DECRETO DE 10 DE MAIO DE 1991

EMENTA: Ressalva os efeitos jurídicos dos atos declaratórios de interesse social ou de utilidade pública para fins de desapropriação ou instituição de servidão administrativa, mantém autorizações para funcionamento de empresas aos domingos e feriados, e revoga os decretos que menciona.

O PRESIDENTE DA REPÚBLICA , no uso da atribuição que lhe confere o art. 84, inciso IV, da Constituição, e tendo em vista o disposto no Decreto-Lei nº 3.365, de 21 de junho de 1941, e nas Leis nºs 605, de 5 de janeiro de 1949, e 4.504, de 30 de novembro de 1964,

DECRETA:

Art. 1º Ficam ressalvados os efeitos jurídicos dos atos declaratórios de interesse social ou de utilidade pública para fins de desapropriação ou instituição de servidão administrativa relativas a processos judiciais em curso ou àqueles transitados em julgado há menos de dois anos da vigência deste decreto.

Art. 2º Ficam mantidas as autorizações outorgadas mediante decreto a empresas, para funcionarem aos domingos e feriados, civis e religiosos.

Parágrafo único. O Ministro de Estado do Trabalho e da Previdência Social declarará, mediante portaria, as autorizações de que trata este artigo.

Art. 3º Este decreto entra em vigor na data de sua publicação.

Art. 4º Declaram-se revogados os decretos relacionados no anexo.

Brasília, 10 de maio de 1991; 170º da Independência e 103º da República. - grifamos

Dentre os decretos relacionados como revogados, encontra-se o Decreto em questão, nº 74.447/74 - como, aliás, se pode verificar em consulta à página eletrônica da Câmara dos Deputados:

3º) Inexistência de declaração de interesse social

Por fim, um simples exame dos dois decretos que são os pilares de criação do Parque Nacional da Serra da Canastra evidencia uma situação ainda mais grave. Atente-se para as áreas de criação ( Decreto A ) e de interesse social ( Decreto B ):

DECRETO A

DECRETO Nº 70.355, DE 3 DE ABRIL DE 1972

Art. 1º Fica criado, no Estado de Minas Gerais, o Parque Nacional da Serra da Canastra, com os limites discriminados neste Decreto.

Art. 2º O Parque Nacional da Serra da Canastra, com uma área estimada em 200.000 ha (duzentos mil hectares), é delimitado por uma linha assim definida: no extremo oeste, inicia-se no Ribeirão do Engano... - grifamos

DECRETO B

DECRETO Nº 74.447 DE 21 DE AGOSTO DE 1974

Declara de interesse social, para fins de desapropriação, imóveis rurais situados nos Municípios de Vargem Bonita, Sacramento e São Roque de Minas, compreendidos na área prioritária de emergência, para fins de Reforma Agrária, de que trata o Decreto nº 74.446,de 21 de agosto de 1974.

Art. 1º - É declarada de interesse social, para fins de desapropriação, nos termos do artigo18, letra h, artigo 20, inciso II e VI, e artigo 24, inciso V, da Lei nº 4.504, de 30 de novembro de 1964, uma área de terras, medindo aproximadamente 106.185,50 ha (cento e seis mil, cento e oitenta e cinco hectares e cinquenta ares), de diversos proprietários,situada nos Municípios de Vargem Bonita, Sacramento e São Roque de Minas, no Estado de Minas Gerais, localizada entre os meridionais de 46º 15' e 47º 00' a Oeste de Greenwich e os paralelos de 20º 00' e 20º 30' de latitude Sul.Parágrafo único. A área a que se refere este artigo é definida pelo seguinte perímetro: ..."- grifamos

Em suma: apesar do Decreto A (70.355/72) ter inicialmente previsto uma Unidade de Conservação de 200 mil hectares, o Decreto B (74.447/74) declarou de interesse social apenas 106.185,50 (cento e seis mil, cento e oitenta e cinco hectares e meio). No mapa a seguir fica clara a diferença das áreas:

Ou seja: o Poder Executivo, por seus órgãos ambientais, vem praticando, há mais de quarenta anos, atos de polícia (fiscalização, multas, notitiae criminis ) e procedimentos com efeitos patrimoniais (desapropriação, doação, compensação de reserva legal) em áreas sobre as quais nunca foi declarado o interesse social. Um simples olhar sobre o mapa evidencia que quase a totalidade das chamadas" áreas não-consolidadas "do Parque jamais foram sequer declaradas de interesse social.

A questão da caducidade poderia, em tese, ser refutada numa interpretação sistemática inspirada em princípios de Direito Ambiental. Mas não pode o Poder Judiciário reconhecer o interesse social em área sobre a qual jamais incidiu qualquer diploma normativo com tal declaração - o que implicaria assumir o papel de legislador ativo, criador de norma abstrata.

No diploma axial das Unidades de Conservação, o SNUC, o legislador deixou bem claro que a limitação temporal à intervenção estatal sobre a propriedade continua sendo uma das linhas retoras do processo de consolidação territorial:

Art. 22-A. O Poder Público poderá, ressalvadas as atividades agropecuárias e outras atividades econômicas em andamento e obras públicas licenciadas, na forma da lei, decretar limitações administrativas provisórias ao exercício de atividades e empreendimentos efetiva ou potencialmente causadores de degradação ambiental, para a realização de estudos com vistas na criação de Unidade de Conservação, quando, a critério do órgão ambiental competente, houver risco de dano grave aos recursos naturais ali existentes.

§ 2 o A destinação final da área submetida ao disposto neste artigo será definida no prazo de 7 (sete) meses, improrrogáveis, findo o qual fica extinta a limitação administrativa. (grifamos)

A reserva sistêmica, expressa e implícita, de princípios constitucionais como legalidade e segurança jurídica não surpreende. O direito ambiental não é autotélico; nenhum direito constitucional é.

Dessarte, o Decreto nº 74.447/74 se encontra: 1º) caduco; 2º) revogado; e 3º) não incidente sobre quase a totalidade da área considerada ainda não-consolidada do Parque.

Inexistente na ordem jurídica o Decreto nº 74.447/74, resta analisar o chamado DECRETO A. Especificamente:

1) se o Decreto nº 70.355/72 ainda se encontra em vigor;

2) se ainda em vigor, quais os efeitos que emanam de sua existência no ordenamento jurídico.

Isso porque a alegação do Poder Público ambiental se funda na tese de que apenas o referido decreto bastaria para gerar todos os efeitos emanados quando de sua conjugação com o Decreto nº 74.447/74, inclusive quanto à força executória da pretensão de intervenção na propriedade privada.

Em síntese, essa é a tese central da administração ambiental: a autossuficiência do Decreto nº 70.355/72.

Quanto à primeira questão, conclui-se que o Decreto nº 70.355/72 se encontra em vigor, pois não foi expressa ou tacitamente revogado (Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro), e nem se submete à regra de caducidade quinquenal, estabelecida apenas para a instrumental declaração de interesse social.

Contudo, os desdobramentos da segunda questão não podem ser deduzidos de maneira simplista. Somente uma cuidadosa análise hermenêutica poderá definir quais seriam os efeitos remanescentes daquela norma. E uma investigação sistemática, temporal e teleológica do feixe normativo mostra que sem o decreto complementar aquela norma perde grande parte de sua eficácia e vigor executório, permanecendo como diploma meramente declaratório.

Em primeiro lugar, porque a edição simbiótica dos Decretos 74.447/74 e 70.355/72 formou um bloco unitário de diplomas legais, numa realidade jurídico-legislativa análoga à dos atos administrativos compostos. Constituiu-se assim um microssistema normativo uno, resultante da somatória das pretensões declaratória e de exequibilidade.

A invocada autossuficiência do Decreto nº 70.355/72 é formalmente incompatível com o regime anterior, pois sua premissa seria a completa inutilidade do Decreto nº 74.447/74. Não existe lei desnecessária, e a interpretação não pode levar a esse disparate hermenêutico.

Lado outro, a almejada autossuficiência também é materialmente inadmissível: se no novo regime jurídico estabelecido pelo SNUC a criação da unidade de conservação pode se dar com ato único, o a priori substancial e procedimental desse ato engloba uma série de medidas e requisitos que sequer foram ventilados no decreto de 1.972:

LEI N o 9.985, DE 18 DE JULHO DE 2000.

Art. 22. As unidades de conservação são criadas por ato do Poder Público.

... § 2 o A criação de uma unidade de conservação deve ser precedida de estudos técnicos e de consulta pública que permitam identificar a localização, a dimensão e os limites mais adequados para a unidade, conforme se dispuser em regulamento.

§ 3 o No processo de consulta de que trata o § 2 o , o Poder Público é obrigado a fornecer informações adequadas e inteligíveis à população local e a outras partes interessadas.

Art. 22-A. O Poder Público poderá, ressalvadas as atividades agropecuárias e outras atividades econômicas em andamento e obras públicas licenciadas, na forma da lei, decretar limitações administrativas provisórias ao exercício de atividades e empreendimentos efetiva ou potencialmente causadores de degradação ambiental, para a realização de estudos com vistas na criação de Unidade de Conservação, quando, a critério do órgão ambiental competente, houver risco de dano grave aos recursos naturais ali existentes.

§ 2 o A destinação final da área submetida ao disposto neste artigo será definida no prazo de 7 (sete) meses, improrrogáveis, findo o qual fica extinta a limitação administrativa. (grifamos)

DECRETO Nº 4.340, DE 22 DE AGOSTO DE 2002

Art. 2 o O ato de criação de uma unidade de conservação deve indicar:

I - a denominação, a categoria de manejo, os objetivos, os limites, a área da unidade e o órgão responsável por sua administração;

II - a população tradicional beneficiária, no caso das Reservas Extrativistas e das Reservas de Desenvolvimento Sustentável;

III - a população tradicional residente, quando couber, no caso das Florestas

Nacionais, Florestas Estaduais ou Florestas Municipais; e

IV - as atividades econômicas, de segurança e de defesa nacional envolvidas.

Art. 3 o A denominação de cada unidade de conservação deverá basear-se, preferencialmente, na sua característica natural mais significativa, ou na sua denominação mais antiga, dando-se prioridade, neste último caso, às designações indígenas ancestrais.

Art. 4 o Compete ao órgão executor proponente de nova unidade de conservação elaborar os estudos técnicos preliminares e realizar, quando for o caso, a consulta pública e os demais procedimentos administrativos necessários à criação da unidade.

Art. 5 o A consulta pública para a criação de unidade de conservação tem a finalidade de subsidiar a definição da localização, da dimensão e dos limites mais adequados para a unidade.

§ 1 o A consulta consiste em reuniões públicas ou, a critério do órgão ambiental competente, outras formas de oitiva da população local e de outras partes interessadas.

§ 2 o No processo de consulta pública, o órgão executor competente deve indicar, de modo claro e em linguagem acessível, as implicações para a população residente no interior e no entorno da unidade proposta. (grifamos)

Portanto, a tese de autonomia do Decreto nº 70.355/72 para os fins pretendidos não encontra amparo normativo, nem do ponto de vista formal (haja vista que carece da norma integrativa, ora caduca e revogada), nem do material (pois não poderia ser recepcionado automaticamente pelo regime de ato único do SNUC, já que não cumpriu nenhum dos requisitos ali estabelecidos - identificação de população tradicional, atividades envolvidas, consulta pública, oitiva da população local, dentre outros).

Por fim, há que se cumprir a Constituição Federal:

Art. 5º, XXIV - a lei estabelecerá o procedimento para desapropriação por necessidade ou utilidade pública, ou por interesse social, mediante justa e prévia indenização em dinheiro, ressalvados os casos previstos nesta Constituição;

Art. 184. Compete à União desapropriar por interesse social, para fins de reforma agrária, o imóvel rural que não esteja cumprindo sua função social, mediante prévia e justa indenização em títulos da dívida agrária, com cláusula de preservação do valor real, resgatáveis no prazo de até vinte anos, a partir do segundo ano de sua emissão, e cuja utilização será definida em lei.

... § 2º O decreto que declarar o imóvel como de interesse social, para fins de reforma agrária, autoriza a União a propor a ação de desapropriação.

§ 3º Cabe à lei complementar estabelecer procedimento contraditório especial, de rito sumário, para o processo judicial de desapropriação. (grifamos)

No que se poderia denominar de uma perspectiva dworkiniana , a CF/88 estabelece um critério claro e intransponível para fazer a balança dos princípios pender mais para o lado do poder de império estatal do que para o lado da propriedade privada: a declaração formal do interesse público por meio de decreto que positive a prevalência do interesse social sobre o privado. In nuce : se quiser avançar na expansão da unidade de conservação, o poder público precisa editar novo ato normativo, nos termos da legislação em vigor (Lei nº 9.985/00 e Decreto nº 4.340/02).

QUANTO À QUESTÃO DAS MULTAS

A propósito da situação patrimonial da fazenda, o fato de ser uma propriedade privada não desapropriada é incontroverso.

Nesse ponto - competência para fiscalização e multa - há que se analisar o regime jurídico do processo de criação e implantação das UCs sob o aspecto da gradação da intensidade da intervenção estatal na propriedade privada . Essa pode ter várias nunances, num arco que vai desde simples atos preparatórios como medição e avaliação do terreno até atos de fiscalização, multa e interdição - manifestações máximas do poder de império, pois chegam a anular os atributos do direito de propriedade. O panorama normativo-constitucional pode ser divisado a partir dos seguintes referenciais objetivos:

CONSTITUIÇÃO FEDERAL

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

XXII - é garantido o direito de propriedade;

XXIII - a propriedade atenderá a sua função social;

Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios:

I - soberania nacional;

II - propriedade privada;

III - função social da propriedade;

(grifamos)

DECRETO-LEI Nº 3.365, DE 21 DE JUNHO DE 1941.

Art. 7 o Declarada a utilidade pública, ficam as autoridades administrativas autorizadas a penetrar nos prédios compreendidos na declaração, podendo recorrer, em caso de oposição, ao auxílio de força policial.

Àquele que for molestado por excesso ou abuso de poder, cabe indenização por perdas e danos, sem prejuizo da ação penal.

DECRETO Nº 70.355, DE 3 DE ABRIL DE 1972

Art. 3º A área patrimonial do Parque Nacional da Serra da Canastra fica sob a administração e jurisdição do Instituto Brasileiro de Desenvolvimento Florestal do Ministério da Agricultura. (grifamos)

No que atine a esse objeto específico da contenda, o desaparecimento do Decreto nº 74.447/74, o desvelamento dos efeitos supérstites do Decreto nº 70.355/72 e a análise de seu próprio teor à luz do novo regime constitucional revela que, enquanto a propriedade não for integrada ao patrimônio público, o Poder Público não terá direito de administração ou jurisdição administrativa - o que inclui, como regra geral, salvo exceções expressas, a fiscalização ambiental e imputação de sanções.

O próprio ato fundador da UC coloca sob jurisdição e administração federal apenas a área patrimonial do Parque - ou seja, aquela que tenha sido incorporada a seu patrimônio, nos termos das normas regentes do direito de propriedade.

Além disso, o Decreto nº 3.365 fornece parâmetros bastante claros para sopesar o grau de intervenção admissível: sem a declaração formal de interesse social - in casu , inexistente - as autoridades ambientais não podem sequer adentrar os imóveis objetos da declaração. E quem não pode o menos, não pode o mais (ou seja, se não pode nem entrar, quanto mais exercer poder de polícia).

A propósito:

"(...) Neste terreno, aliás, a legitimidade de atuação do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade - Instituto Chico Mendes, à luz da legislação reitora (Lei 11.516/2007, art. , I), confina-se aos limites da área do Parque efetivamente implantada e regularizada, isto é, aos 71.525 hectares: quanto à área não regularizada, juridicamente estranha ao conceito de Unidade de Conservação, não lhe é dado legalmente fiscalizar, atuar ou autuar"(STJ - AgRg no AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL Nº 611.366 - MG - 2014/XXXXX-4 - Relator MINISTRO NEFI CORDEIRO - Réu Décio Luiz Rigotto e outro)

Dessa forma, da falta de declaração de interesse social decorre que os agentes que lavraram os autos de infração questionados não possuem delegação normativa para tais atos, pelo que os autos são nulos por falta de competência fiscalizatória, pelo que se impõe a procedência da ação.

Quanto à segunda parte do pedido: ENTRADA DOS FISCAIS NA PROPRIEDADE.

Além da anulação dos autos de infração a parte autora busca impedir os agentes do ICMBio de adentrar sua propriedade com o intuito de fiscalizar e lavrar multas administrativas ambientais.

A questão se resolve também pelos fundamentos supra, e cabe trazer de novo à tona o texto expresso do Decreto-Lei nº 3.365/41:

Art. 7 o Declarada a utilidade pública, ficam as autoridades administrativas autorizadas a penetrar nos prédios compreendidos na declaração, podendo recorrer, em caso de oposição, ao auxílio de força policial.

Àquele que for molestado por excesso ou abuso de poder, cabe indenização por perdas e danos, sem prejuizo da ação penal.

Como já explicitado anteriormente: se somente com a declaração de utilidade pública ou interesse social ficam as autoridades administrativas autorizadas a penetrar nos imóveis; e se inexiste tal declaração, os agentes do ICMBio não podem, sem autorização do proprietário, ingressar em sua propriedade.

Isso não quer dizer que a localidade se tornará uma" zona franca "das normas ambientais. Apenas fica sujeita à norma geral de fiscalização, que será exercida, como em toda parte, pela Polícia Militar Ambiental e pelos agentes ambientais municipais e estaduais.

SÍNTESE FINAL

Foram enfrentadas sob forma técnica as questões e teses jurídicas; mas o conflito subjacente desperta interesse regional, e não raro as decisões a ele atinentes são buscadas por pessoas sem formação jurídica, muitos deles campesinos de populações tradicionais. Por esse motivo, passo a apresentar a um resumo da tese em linguagem mais acessível.

A discussão girou em torno de termos técnicos como"caducidade","revogação","segurança jurídica", e a decisão se fundou nos comandos legais relativos a esses institutos e também à coerência de ferramentas à disposição do juiz, também de nomes complexos, como os chamados princípios de hermenêutica e interpretação da lei no tempo.

O texto pode ser complexo, mas a razão da decisão é simples: seu alicerce é aquilo a que chamamos Princípio da Legalidade. Ele se encontra na Constituição, e é descrito pelo seguinte comando, que mesmo os não formados em direito podem entender:

"II - ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei".

Artigo , inciso II, da Constituição Federal de 1988

Apesar de caber em apenas dezesseis palavras, não pode ser subestimado.

O Princípio da Legalidade não caiu do céu e nem surgiu como um raio de alguma cabeça iluminada. Pelo contrário, resulta de um processo histórico e, como tal, percorreu um longo caminho com avanços e recuos, vitórias e derrotas, acertos e tropeços - mas sempre com muita luta. E, como toda luta da comunidade humana, o Princípio da Legalidade pertence à constelação do que chamamos de conquista civilizatória histórica - e, sendo histórico, pode ser comparado a uma estalagmite que cresce das gotas que caem no chão de uma gruta, a corais que crescem no fundo do mar ou, para usar um exemplo local, uma canela-de-ema que leva um ano inteiro para crescer poucos centímetros: somente através de uma lenta e constante sedimentação se tornam estruturas belas e consistentes, porém frágeis.

Quem se recorde do primeiro contato, ainda na infância, com uma estalagmite no caminho durante uma excursão escolar a uma gruta; de um coral no primeiro contato com o ambiente submarino; ou da florada roxa de uma canela-de-ema na estação seca, certamente guardou o impacto da visão. Talvez tenha sentido o impulso de arrancar aquela estrutura ou aquela planta - para levar de recordação, decorar um ambiente ou plantar no jardim de casa e, assim, compartilhar aquele momento com um ente querido. Quem negará que haja algo de bom, e talvez até virtuoso, em querer prolongar ou repartir a emoção de uma experiência estética?

Provavelmente esse impulso foi contido. Pela própria pessoa, pela fiscalização, ou até mesmo por ter assimilado a famosa lição:"Leve apenas lembranças; deixe apenas pegadas."

O Princípio da Legalidade é como a estalagmite, o coral, ou a canela-de-ema: por mais elevados ou virtuosos que possam ser os motivos internos de alguma pessoa ou instituição para arrancá- los de seu ambiente, isso não pode ser, pois eles não pertencem àquela única pessoa, àquele único momento, àquela instituição, ou mesmo àquela geração. Não são deles para arrancar, são de toda humanidade.

Fala-se em linguagem simples para facilitar a compreensão do homem do campo, que não tem o acesso aos recursos da linguagem técnico-jurídica. Mas, talvez por não ter os arranha-céus e a poluição - de fumaça e de informação - bloqueando o horizonte, o campesino ainda não esqueceu uma lição simples que o citadino técnico por vezes não consegue mais enxergar: há muitos caminhos para chegar ao fundo da gruta, mas nenhum deles passa por arrancar a estalagmite. Da mesma forma podemos afirmar: existem muitos caminhos para se garantir um direito, mas nenhum deles passa por arrancar o Princípio da Legalidade.

O alicerce intergeracional do Direito Ambiental exige não só o cuidado com os direitos das gerações futuras, mas também o respeito ao legado das gerações passadas. Há que ter humildade; há que olhar o Princípio da Legalidade como uma catedral respeitável e magnífica, e não como um amontoado sem sentido de tijolos sobrepostos que se pode afastar em nome de algum objetivo imediato. Isso não deve ser difícil de enxergar para um autêntico ambientalista: a humildade é uma virtude que vibra na mesma freqüência do ambientalismo, emanando desde remotos tempos da prática diária de São Francisco de Assis, seu fundador.

A uma geração sem consciência ecológica, mesmo que não tenha hoje noção da importância dessa visão de mundo, não servirá no futuro um mundo sem equilíbrio ambiental.

Contudo, a uma geração sem consciência histórica, mesmo que hoje não o veja por força de uma perspectiva imediatista, também de nada servirá no futuro uma sociedade na qual não se respeite o Princípio da Legalidade.

O imediatismo, sob impulso de algo como um exercício autoritário das próprias razões 2 , não é bom conselheiro (por mais virtuoso que seja o discurso que o embrulha no momento presente). Há que cuidar para não arrancar hoje a estalagmite da legalidade: certamente, mais adiante no tempo, precisaremos dela para garantir que haja caminhos possíveis para o exercício da liberdade coletiva e individual.

Sobre a aridez do Direito o poeta Carlos Drummond de Andrade escreveu:"As leis não bastam. Os lírios não nascem da lei."Ainda é possível aqui acrescentar alguma coisa: os lírios não nascem da lei mas, num espaço sem lei, como protegê-los, se alguém um dia vier arrancá-los?

Resumindo, dentro do propósito da linguagem acessível: tentar fazer o certo é muito bom. Mas num Estado de Direito, é preciso ser mais do que bom, é preciso ser Legal. E, no caso dos autos, não há essa lei. O decreto que assegurava a legalidade fiscalizatória caducou depois de cinco anos de sua publicação e, mesmo sem necessidade (pois já caducara), foi revogado expressamente, como referido na decisão. Na verdade, nem mesmo chegou a abarcar toda a área declarada. Por outro lado, não é possível aplicar automaticamente o decreto que sobrou, pois a lei atual exige, com muita sabedoria, a participação das populações tradicionais na formação da unidade - o que o decreto da década de 1970 não fez. Talvez por isso mesmo o Parque da Canastra esteja prestes a completar cinquenta anos sem solução.

Os prazos de caducidade são estabelecidos por um motivo também fundamental: segurança jurídica, que é avessa à arbitrariedade. Vale aqui tudo o que foi dito sobre o Princípio da Legalidade: quem hoje arranca a segurança jurídica, amanhã ficará indefeso diante da arbitrariedade. E arbitrariedade foi o que emergiu no caso do Parque da Canastra: a bem- intencionada equiparação hermenêutica dessas terras privadas a terras públicas gerou um regime de esvaziamento patrimonial prestes a completar 50 (cinquenta) anos. Mais do que três vezes o prazo de uma usucapião extraordinária. Os pequenos e grandes produtores rurais, sem a possibilidade de usufruir economicamente de suas propriedades (até mesmo o jus abutendi fica comprometido; afinal, ninguém se interessa pela aquisição de uma propriedade rural onde é vedado produzir), se viram por duas gerações submetidos a um regime em que se tornaram verdadeiros" fiscais gratuitos "de terras dos outros (no caso, do governo). O que diriam os citadinos se, como esses campesinos, tivessem suas casas ou apartamentos sujeitos a restrições draconianas de uso e disposição, sem indenização, por cinquenta anos?

Não se trata de uma situação intransponível, não é nenhum beco sem saída: a Administração Pública ambiental dispõe de todos os meios para edição das normas exigidas em lei. Contudo, no contexto constitucional e legal atuais, o processo de criação dessas normas é estruturado sobre requisitos dialéticos decorrentes dos princípios democráticos. 3 Talvez isso possa ser um estorvo para quem ache justificável arrancar a estalagmite, o coral ou a canela-de-ema. Mas certamente não será nenhum problema para quem paute sua atuação pela Constituição Federal - a mesma que garante, também por emanação do Princípio da Legalidade, o próprio acesso ao cargo ou função públicos.

Nunca é demais repisar o conselho: hoje pode parecer bom retirar ou anular a propriedade de alguém sem um decreto de interesse social, desde que em nome do meio ambiente; mas desencadeado esse movimento, amanhã essa retirada poderá se dar em nome da segurança nacional; depois de amanhã, em nome de alguma peculiar visão de mundo; mais à frente, em busca de realizar no mundo uma determinada referência metafísica ... e, na expressão popular:"Por falta de um prego, perdeu-se a ferradura; por falta de uma ferradura, perdeu-se o cavalo; por falta de um cavalo, perdeu-se um cavaleiro; por falta de um cavaleiro, perdeu-se a mensagem; por falta da mensagem, perdeu-se a batalha; por perder-se a batalha, perdeu-se a guerra; por perder-se a guerra, perdeu-se o reino."E o Princípio da Legalidade é muito mais que um prego: é uma estalagmite. Não sem motivo também integra os tratados internacionais como pilar estruturante de toda a ordem jurídica comum do mundo civilizado, como se vê da Declaração Universal dos Direito Humanos:

Artigo XXIX

2. No exercício de seus direitos e liberdades, toda pessoa estará sujeita apenas às limitações determinadas pela lei, exclusivamente com o fim de assegurar o devido reconhecimento e respeito dos direitos e liberdades de outrem e de satisfazer às justas exigências da moral, da ordem pública e do bem-estar de uma sociedade democrática.

Por fim, não é possível fechar os olhos para o fato de que a presente lide singular faz parte de um feixe de processos que vem engrossando desde a década de 1970, formando a moldura judicial de um conflito socioambiental generalizado. É sabido que o processo tem várias potencialidades além de suas funções imediatas, sendo uma delas a estabilização histórica de um contexto fático. Nesse aspecto, é preciso ter responsabilidade histórica e reconhecer que, de tudo isso, uma pergunta exige resposta: como é que uma série de medidas administrativo-ambientais e ações judiciais ambientais que, pontualmente consideradas, parecem ferramentas adequadas à preservação ambiental, em seu entrelaçamento histórico no curso de cinco décadas, ao invés de consolidar um espaço geográfico ambientalmente preservado, induziram antagonismos e consolidaram um território conflagrado e refratário ao discurso ambiental? Mesmo nossa experiência de quase uma década lidando com a questão não permite apontar uma causa única; contudo, é razoável supor que se numa camada superficial o conjunto histórico das ações do poder público ambiental visou e assumiu como desdobramento fático necessário a expansão da área preservada, uma arqueologia de camadas mais profundas permite identificar a existência de uma opacidade de princípio 4 que, encobrindo um erro de concepção sob vestes de verdade, e impulsionado por um discurso legítimo, traiu o princípio regulador:" Agir de modo que o curso das ações concretas tenda sempre para uma maior conservação do meio ambiente - e não o oposto ". Evidente que, no longo prazo, os resultados da conduta adotada foram contrários à preservação - e não pode o Judiciário também se perder nessa opacidade. Em situações tais o rumo deve ser um só, que é aquele traçado pela legislação em vigor.

EFEITOS PRÁTICOS DA DECISÃO

A solução da lide não significa que haverá um vácuo fiscalizatório: a competência permanece especificamente sob o comando da polícia militar ambiental e fiscalização estadual e municipal - que já a exercem de fato, autonomamente ou como força de apoio, na própria área em questão e no entorno infinitamente maior, pois possuem muito mais efetivo, logística e capilaridade do que a equipe de vigilância do PNSC.

3. DISPOSITIVO

Pelo exposto, julgo parcialmente procedente a ação para:

1. Declarar a nulidade do Auto de Infração número XXXXX-A e tornar sem efeitos os embargos e demais atos dele decorrentes;

2. Declarar que a propriedade em questão, enquanto não for definitivamente expropriada na forma da lei e da Constituição Federal, fica sob a tutela ambiental dos órgãos de fiscalização geral (polícia militar ambiental, fiscalização estadual e municipal), nos termos do Código Florestal em vigor, ficando vedado aos réus adentrar com o intuito de limitar o uso da propriedade sob o fundamento de futura expropriação para criação de Unidade de Conservação.

Informe-se aos relatores dos agravos.

De todo o exposto na sentença, evidente a presença dos requisitos do direito e da urgência do provimento, pelo que defiro a liminar requerida na inicial, nos limites dos termos do provimento final ora prolatado.

Considerando que a parte autora sucumbiu em parte mínima do pedido, nos termos do art. 86, parágrafo único, do CPC, condeno a parte ré ao pagamento de verba de patrocínio, à base de 10% (dez por cento) sobre o valor atualizado da causa, assegurada atualização plena, cada réu arcando com 50% do montante devido. Custas e despesas, ex lege .

Publique-se. Intimem-se, inclusive com a advertência do artigo Oficie-se, com urgência.

Passos (MG), 25 de agosto de 2021.

Bruno Augusto Santos Oliveira

JUIZ FEDERAL

[1] Em cumprimento ao telos da Resolução3477 de 2020 do CNJ - diploma focado na política de governança que, adotando a Agenda 2030 da ONU, fez irradiar suas diretrizes sobre quaisquer atos tendentes à efetivação do Objetivo 16 daquela Agenda (fazer a avançar o acesso à justiça por meio da efetivação do direito material à informação). A propósito: Art. 32, Parágrafo único. Sempre que possível, dever-se-á utilizar recursos de visual law que tornem a linguagem de todos os documentos, dados estatísticos em ambiente digital, análise de dados e dos fluxos de trabalho mais claros, usuais e acessíveis.

2 Zygmunt Bauman chamaria isso de auto-referencialidade egotística ambiental

3 Nesse aspecto, Habermas consideraria elogiáveis os termos dos arts. 22 e 22-A da Lei 9.985/02 e art. do Decreto 4.340/02, que incorporam com clareza admirável os requisitos e expectativas de construção institucional democrática: edificação e manutenção das instituições (no caso, da UC e seu entorno) por interações linguisticamente mediadas, linguagem cotidiana intersubjetivamente partilhada, transparência quanto às expectativas recíprocas de comportamento e internalização dos respectivos papéis sociais, induzindo uma construção ambiental emancipatória e tendente à individuação e expansão da comunicação livre de dominação dentre os atores daquele ecossistema. A propósito, HABERMAS, Jürgen. Técnica e ciência como" ideologia " . São Paulo: Editora Unesp, 2014, p. 92.

4 Sartre, J.-P., Elkaïm-Sartre, A., 2017. L’ être et le néant: essai d’ontologie phénoménologique, Edition corrigée. ed, Collection TEL. Gallimard, Paris, p.83.

Disponível em: https://www.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/trf-1/1374664610/inteiro-teor-1374664613