Busca sem resultado
jusbrasil.com.br
4 de Maio de 2024

A (i)licitude do aborto na gravidez resultante de estupro .

Publicado por Angela Coelho Reis
há 2 anos

Esta imagem no pode ser adicionada

SINOPSE DO CASE: A (i) licitude do aborto na gravidez resultante de estupro[1]

Angela Coelho Reis[2]

Maria do Socorro Almeida de Carvalho[3]

  1. DESCRIÇÃO DO CASO

Certo dia quando Laura Vieira saia do local onde exercia suas atividades laborais, foi violada sexualmente por um sujeito até então desconhecido, mas que posteriormente foi identificado como Guto Magalhães. Tal contingência deixou Laura horrorizada, com o psicológico extremamente frágil, ensejando transtornos mentais. Um mês após o ocorrido, a vítima descobriu que carregava um fruto de tal atrocidade. Estava grávida! Laura optou por não ter a criança e abortou.

  1. IDENTIFICAÇÃO E ANÁLISE DO CASO
    1. Descrição das decisões possíveis:

Excludente de ilicitude do tipo penal;

O aborto viola os direitos do nascituro;

    1. Argumentos Capazes de Fundamentar Cada Decisão

2.2.1. Excludente de ilicitude do tipo penal

O aborto de modo geral é um tabu que sempre teve um alto grau de reprovação social, especificamente por membros religiosos e etc, o assunto em qestão, hodiernamente tem causado muitos debates na sociedade, logo, engloba uma série de questões que muitos questonam sua moralidade e constitucionalidade. Pois bem, em que pese o Código Penal já trate sobre essa matéria trazendo como licito o aborto de gravidez resultante de estupro no art. 128, II, o caso em comento merece uma atenção um tanto especial. O motivo de tantos sentimentos diferentes acerca da permissão para o aborto nesse caso, é os direitos e garantias fundamentais da gestante, bem como os do nascituro que é inocente. (MASSON, 2015).

Vale aqui dizer que, Sarlet (2012) no livro de tange acerca da eficácia dos direitos fundamentais, traz reiteradas vezes que nenhum direito fundamental é absoluto, portanto, de acordo com o princípio da proporcionalidade, quando dois ou mais direitos fundamentais colidem, estes estão propensos a restrições. Tais restrições consistem na escolha de uma solução proporcional, racional e razoável, mesmo que isso implique na não exerção de um de seus direitos e garantias fundamentais, para chegar a melhor solução do caso concreto.

Trazendo aqui a situação hipotética de que a exclusão de ilicitude do aborto de gravidez intrínseca ao estupro não fosse taxativa, os direitos e garantias fundamentais de Laura Vieira estariam sendo fortemente agredidos, a título de exemplo, a dignidade da pessoa humana (art. , III, CF), a integridade física e mental (art. , X CF), bem como o princípio da autonomia da vontade, ademais de estar sendo torturada (art. , III, CF), sentindo-se na obrigação de gerar e carregar para o resto da vida o fruto de uma gestação trágica, que lhe trará lembranças dolorosas cada vez que tiver que olhar para o filho. Acerca da afronta aos direitos fundamentais, o TJ-SC traz o entendimento de que: “a sua incolumidade não pode ser preservada a qualquer custo, em detrimento dos direitos básicos da mulher, que devem ser preservados em razão da exclusão da ilicitude, por aplicação do art. 128, I e II, do CP, por analogia “in bonam partem". (APR 0006705-12.2019.8.24.0064)

Conforme discorrido anteriormente acerca dos direitos e garantias fundamentais da gestante, o STF em seu HC 124.306-RJ traz que:

“A criminalização é incompatível com os seguintes direitos fundamentais: os direitos sexuais e reprodutivos da mulher, que não pode ser obrigada pelo Estado a manter uma gestação indesejada; a autonomia da mulher, que deve conservar o direito de fazer suas escolhas existenciais; a integridade física e psíquica da gestante, que é quem sofre, no seu corpo e no seu psiquismo, os efeitos da gravidez; e a 2 igualdade da mulher, já que homens não engravidam e, portanto, a equiparação plena de gênero depende de se respeitar a vontade da mulher nessa matéria.”

Partindo desses fundamentos constitucionais, doutrinários e jurisprudenciais, entende-se que o art. 128, II do CP, é uma válvula de escape, sendo fruto da colisão entre os direitos fundamentais da gestante e do direito à vida do nascituro. Claro, não é obrigatório, a gestante ou o responsável da incapaz gestante, poderão optar por ter ou não a criança, é uma questão de preservação da saúde mental, ademais da preservação da saúde pública também, portanto, o legislador andou mais que bem em tornar taxativa a excludente de ilicitude do aborto nos casos de gestação decorrente de estupro.

Faz-se necessário trazer aqui o impacto que a economia do Estado sofre (ria). Supondo ainda que o aborto sentimental ou humanitário não fosse legal, ainda assim maioria das vítimas optariam por fazê-lo às escondidas, quando não, teriam a criança, mas os abandonariam, os rejeitariam ou não teriam condições financeiras nem psicológicas de criá-los, o que seria muito pior. A criança incapaz de se cuidar sozinha e/ou se defender dos males que a própria sociedade proporciona, teria uma vida de angústia e de miséria, pois sem ter quem a cuidasse ou a protegesse, viveria nas ruas, sem educação, e sem saúde básica sendo tratada como um semovente sem dono se perguntaria cotidianamente porque alguém a pôs no mundo, se não queria/podia cuidar, e no fundo a verdade é que quem tivesse a posto no mundo, não teve escolha alguma, teria sido violentada e como se não fosse pouco, seria obrigada a conviver com um trauma para o resto da vida deixando seu psicológico cada vez mais fraco. Destarte, abortar de modo geral deveria ser legalizado sim, quanto mais na situação aqui abordada que é mais que merecida estar elencada no Código Penal, é questão de saúde pública, é questão de sobreviver ao que não se acha capaz nem tem condições psicológicas e/ou financeiras de ter/cuidar!

2.2.2. O aborto viola os direitos do nascituro

O fato de a gravidez ser decorrente de estupro, não dá o direito a gestante de abortar, pois assim como ela, o nascituro também tem seus direitos, direito à vida é um deles. Conforme fala o estimado doutrinador Rogério Greco (2015), a vida deve ser protegida independente do tempo, dentro ou fora do ventre esta tem o mesmo valor, pois após a nidação (14 dias após a fecundação), esta vida deve ser protegida de igual forma que a de qualquer outro ser humano. O simples fato de não poder ser ouvido os gritos do feto, não quer dizer que ele não sinta dor tanto quanto uma criança fora do ventre sentiria.

Essa excludente de ilicitude estaria baseada no art. 23 do CP, no entanto ao analisar o caput do artigo 24 do Código Penal: “Considera-se em estado de necessidade quem pratica o fato para salvar de perigo atual, que não provocou por sua vontade, nem podia de outro modo evitar, direito próprio ou alheio, cujo sacrifício, nas circunstâncias, não era razoável exigir-se”, na primeira parte do artigo é possível visualizar que a excludente de ilicitude só ocorre quando o agente executa tal conduta para salvar de perigo atual que por sua vez não tenha provocado, mas que perigo atual uma gravidez decorrente de estupro estaria causando? Laura Vieira não teria outra opção além de abortar? Seria admissível sacrificar uma vida inocente? Pois bem, conforme já fora mencionado, a gravidez não está pondo em perigo à vida da gestante a ponto de sacrificar a vida do feto frugalmente em detrimento de não querer conviver com a criança após o nascimento. Essa não seria a única opção da gestante, o que desqualifica o tipo penal como excludente de ilicitude, pois a gestante também tem a opção de ter a criança e colocar para a adoção, caso não queira ou não tenha condições psicológicas ou financeiras de cuidá-la.

Sendo observada uma margem para poupar a vida do feto, esta deverá ser mantida, logo com base na teoria diferenciadora, a vida do feto tem valor superior equiparado às más memórias da gestante. Foi concebido de forma brutal e inesperada, mas isso de modo algum deve ser justificativa para sacrificar a vida do pobre inocente que poderá ter toda uma vida pela frente, pela honra da gestante. Devido os bens tutelados serem desiguais e o de menor valor prevalecer, esta excludente de ilicitude deverá ser considerada como inconstitucional. (GRECO, 2015 )

Ainda acerca da antijuricidade do aborto, Alexandre de Moraes (2007) aponta este como inconstitucional, pois vai em desencontro da carta constitucional de 1988, onde nela os direitos humanos e o direito da vida são fundamentais para o bom funcionamento da sociedade, permitir o aborto, seria então ir contra o preceito fundamental direito à vida, pois reitera que todo bem da vida deve ser resguardado e zelado. Permitir o aborto então à luz da Constituição Federal, é inconstitucional, portanto quando o feito, deverá ser punido nos termos dos arts. 124 a 127 do Código Penal de 1940

Critérios e valores envolvidos:

  • Preceitos fundamentais: São os direitos e garantias fundamentais que garantem à pessoa humana tratamentos isonômicos na legislação brasileira e tratados internacionais que esta é signatária.
  • Proteção do bem jurídico: Equipara os bens jurídicos que colidem, para proporcionalmente defender aquele de maior valor jurídico p.ex., à vida

REFERÊNCIAS

BRASIL. Lei. 2.848: Código Penal. Brasília-DF, 7 de dezembro de 1940.

BRASIL. Constituição Federal. Brasília-DF, 5 de outubro de 1988.

GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal: parte especial, vol. 2. ed. Niterói, RJ : 2015.

MASSON, Cleber. Direito penal esquematizado: parte especial. vol. 2. 7.ª ed. Rio de Janeiro: MÉTODO, 2015.

MASSON, Cleber. Direito penal esquematizado: parte especial. vol. 2. 7.ª ed. Rio de Janeiro: MÉTODO, 2015.

SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais: uma teoria geral dos direitos fundamentais na perspectiva constitucional. 11.ed. rev. atual. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2012.

STF- HC 124.306/RJ. Disponível em: > https://www.stf.jus.br/arquivo/cms/noticiaNoticiaStf/anexo/HC124306LRB.pdf < dia 22 de março de 2021.

TJ-SC - APR: 00067051220198240064 São José 0006705-12.2019.8.24.0064, Relator: Getúlio Corrêa, Data de Julgamento: 31/07/2019, Terceira Câmara Criminal.

  1. Case referente à disciplina de Penal Especial I do curso de Direito, UNDB.

  2. Aluna do Centro Universitário UNDB, curso de Direito, 5º período noturno.

  3. Professora e orientadora da disciplina de Penal Especial I

    .

  • Publicações3
  • Seguidores0
Detalhes da publicação
  • Tipo do documentoNotícia
  • Visualizações48
De onde vêm as informações do Jusbrasil?
Este conteúdo foi produzido e/ou disponibilizado por pessoas da Comunidade, que são responsáveis pelas respectivas opiniões. O Jusbrasil realiza a moderação do conteúdo de nossa Comunidade. Mesmo assim, caso entenda que o conteúdo deste artigo viole as Regras de Publicação, clique na opção "reportar" que o nosso time irá avaliar o relato e tomar as medidas cabíveis, se necessário. Conheça nossos Termos de uso e Regras de Publicação.
Disponível em: https://www.jusbrasil.com.br/noticias/a-i-licitude-do-aborto-na-gravidez-resultante-de-estupro/1312474774

Informações relacionadas

Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região
Jurisprudênciahá 15 anos

Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região TRT-2 - RECURSO ORDINÁRIO: RECORD XXXXX00937102000 SP XXXXX-2009-371-02-00-0

William Fabricio, Estudante de Direito
Artigoshá 11 meses

O impacto do aborto na sociedade

Tribunal Regional do Trabalho da 23ª Região
Jurisprudênciahá 4 anos

Tribunal Regional do Trabalho da 23ª Região TRT-23: XXXXX-43.2018.5.23.0006 MT

Editora Revista dos Tribunais
Doutrinahá 3 meses

Direito Penal: Parte Geral

Jhennefer Peixoto, Estudante de Direito
Artigoshá 2 anos

O Aborto sob uma Perspectiva Feminista

0 Comentários

Faça um comentário construtivo para esse documento.

Não use muitas letras maiúsculas, isso denota "GRITAR" ;)