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16 de Junho de 2024
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    A revogação tácita dos artigos 30 e 31 da Lei do Colarinho Branco em razão da alteração legislativa promovida pela lei 12.403/11

    há 13 anos

    Por Ricardo Henrique Araújo Pinheiro


    Recentemente publicamos um artigo no qual criticamos veementemente a falha legislativa advinda da publicação equivocada introduzida pela Lei nº. 12.403/11 no parágrafo primeiro do artigo 313 do Código de Processo Penal[1]. Em síntese, afirmamos no citado artigo que em decorrência das alterações em alguns dispositivos do CPP, a prisão preventiva só poderá ser decretada nas seguintes hipóteses e caso haja o descumprimento injustificado de eventual obrigação cautelar imposta diferente da prisão (caráter secundário): a) crimes dolosos; b) pena máxima do delito igual ou superior a cinco anos; c) juridicamente reincidente. A nosso juízo as demais possibilidades elencadas na citada Lei, quando aplicadas de forma primária, são ilegais.

    Com isso, acreditamos que a prisão preventiva só poderá ser decretada quando descumprida injustificadamente a eventual obrigação cautelar diversa da prisão anteriormente deferida. Para que a discussão não se estenda, ficaremos atrelados ao objeto deste estudo que são os artigos 30[2] e 31[3] da Lei nº. 7492/86, também conhecida como Lei do Colarinho Branco.

    Não há dúvidas de que a cláusula sem prejuízo do disposto no Código de Processo Penal (art. 30 da Lei nº. 7492/86) leva o intérprete a analisar o contexto da forma como melhor lhe favoreça, de modo que a referida expressão poderá ser interpretada conforme a oportunidade e a conveniência do julgador, para que a magnitude da lesão causada possa fundamentar a eventual decretação da prisão preventiva, e agirá como razão autônoma para a prisão preventiva, o que estará fundamentada como um dos requisitos do artigo 312 do CPP (garantia da ordem pública).

    No presente estudo a expressão magnitude da lesão seguirá a interpretação da evolução jurisprudencial atinente à Lei nº. 7492/86. Não nos vincularemos à magnitude da lesão interpretada em outras espécies de delitos, dentre os quais os delitos contra a ordem tributária que também não admite a privação da liberdade com base na magnitude da infração, sem que outros elementos concretos e atuais possam fundamentar a privação da liberdade[4].


    Evolução jurisprudencial

    No dia 13 de junho de 2001 ocorreu o emblemático julgamento do HC 80717, cuja relatoria para Acórdão foi conferida à Ministra GRACIE. Por maioria de votos, o Pleno do Supremo Tribunal Federal acompanhou o voto divergente da Ministra GRACIE para, no mérito, indeferir a revogação da prisão preventiva do agente envolvido em suposta fraude praticada no Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região. Ressaltou-se, no voto vencedor, que apesar de a magnitude da lesão não ser considerada razão autônoma para a decretação da preventiva, deve ser considerada, quando presentes os pressupostos que a autorizam, interpretando-se a garantia da ordem pública como magnitude da lesão patrimonial[5].

    Apesar de ter sido apertado o placar do referido julgamento para que fosse indeferida a ordem [6], muitas interpretações favoráveis ao decreto de prisão preventiva, com respaldo exclusivo no artigo 30 da Lei nº. 7.492/86 foram disseminadas pelo País.

    No dia 17 de dezembro de 2002, o Superior Tribunal de Justiça, ao julgar o HC 24798, cuja Relatoria foi conferida ao Ministro FISCHER, manteve a ordem de prisão cautelar de agente acusado de obter fraudulentamente empréstimo junto ao Banco do Brasil. Prevaleceu à interpretação assentada no julgamento do HC 80717/STF, cuja fundamentação dada pelo Ministro FISCHER seguiu o mesmo entendimento da Ministra GRACIE, ressaltando-se que: E, noutra oportunidade, o Pleno da Corte Excelsa entendeu legítima a prisão cautelar de autor de crime contra o sistema financeiro, ainda que fundamentada unicamente na magnitude da lesão[7]

    Conforme afirmamos anteriormente, foi apertado o placar no julgamento do HC 80717. Aliás, o voto vencido exarado pelo, à época, Ministro PERTENCE é, a nosso juízo, o que mais se compatibiliza com as características da prisão cautelar. Afirmou-se que não se pode presumir violação a ordem pública pela análise da magnitude da lesão patrimonial, sob pena de tornar inconstitucional a norma[8].

    Disse ainda que a presunção de culpa pela lesão fere o normativo constitucional de que ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado da sentença penal condenatória[9]. E arrematou a sua brilhante exposição argüindo que a magnitude da lesão não pode constituir razão autônoma para justificar o decreto de prisão preventiva, pois haverá inserção de normanão prevista no Código de Processo Penal[10].

    Com a chegada do Ministro MENDES à Corte Constitucional (20/06/2002) muitos paradigmas foram superados, de modo que interpretações vencidas no julgamento do HC 80717/STF ressurgiram como forma enigmática e, para muitos, contrárias ao povo brasileiro. Surge a nova era da aplicação dos direitos e garantias individuais. A técnica na interpretação da norma que trata sobre privação de liberdade começa a ganhar espaço entre aqueles que criticavam o garantismo penal.

    A máxima de que ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória - brilhantemente interpretada pelo à época Ministro PERTENCE naquele emblemático julgamento - pôde, enfim, ser ratificada pelo Ministro MENDES no dia 13 de dezembro de 2005, quando do julgamento do HC 85615. Concedeu-se a ordem de habeas corpus ao agente acusado de gerir fraudulentamente instituição financeira (art. da Lei nº. 7.492/86), reafirmando-se que a magnitude decreto prisional, rechaçando-se o decreto de prisão preventiva motivada com base na garantia da ordem econômica[11].

    Entrelinhas, o que foi decidido no HC 85615/STF foi tão forte e positivo para a quebra de paradigmas, que o próprio Ministro FISCHER, em 12 de setembro de 2006, alterou o seu posicionamento para declarar inconstitucional a razão autônoma do artigo 30 da Lei nº. 7.492/86, de modo que passou a exigir a concomitância dos requisitos do artigo 312 do CPP para que a prisão preventiva fosse decretada como garantia da ordem pública ou econômica: A três, porque o art. 30 da Lei nº 7.492/86, ao mencionar a magnitude da lesão supostamente causada pela prática, em tese, criminosa, não dispensa, para a imposição da custódia cautelar, os requisitos do art. 312 do Código de Processo Penal[12]. Aliás, Sua Excelência Ministro FISCHER fundamentou a alteração de seu posicionamento com base no HC 85615/STF.

    A evolução história da interpretação do artigo 30 da Lei nº. 7492/86 demonstra uma manifesta quebra de paradigmas. Se quando do julgamento do HC 80717/STF havia uma corrente com formação ideológica para a interpretação da norma constitucional com vista a exigir a prisão como forma de resposta imediata à sociedade, hoje não há. Aos que criticam o posicionamento hermenêutico e garantista inicialmente sustentado pelo então Ministro PERTENCE, e agora confirmado por grandes julgadores, chegou o momento de refletir sobre a falência do instituto da condenação antecipada.

    Apesar de criticarmos o texto legislativo insculpido na Lei nº. 12403/11, não há dúvidas de que o legislador tem se preocupado em racionalizar o instituto da prisão, de modo a resguardar a satisfação final do processo. Evoluir significa quebrar paradigmas e aprimorar normas. Nesse passo, as novidades introduzidas pela citada Lei 12403/11 reforçaram a tese daquele voto vencido proferido pelo então Ministro PERTENCE (HC 80717) ao exigir fundamentação idônea e dogmática, ou seja, com respaldo na letra da referida Lei, que exige: a) o descumprimento injustificado de obrigação cautelar anteriormente decretada pelo juiz (caráter secundário); b) que a pena máxima do delito seja igual ou superior a cinco anos; c) que o agente seja juridicamente reincidente.

    Portanto, se desde o julgamento do HC 85615/STF ratificou-se a quebra de paradigma inicialmente argüida pelo voto vencido do Ministro PERTENCE no julgamento do HC 80717, proibindo-se a decretação da prisão preventiva com respaldo na razão autônoma da magnitude da lesão (art. 30 da Lei nº. 7492/86), com o advento da Lei nº. 12403/11 - que transformou a prisão processual em caráter subsidiário, e passou a exigir o descumprimento injustificado de norma cautelar anteriormente decretada para que o julgador pudesse motivar o decreto de prisão preventiva acreditamos que o citado artigo 30 da Lei nº. 7.492/86, além de apresentar manifesta inconstitucionalidade superveniente, está tacitamente revogado.

    Se de um lado a magnitude da lesão não pode ser interpretada como razão autônoma para a prisão preventiva, de outro, a evolução jurisprudencial demonstra que o referido artigo 30 é norma morta, na medida em que deverá ser interpretado em conformidade com o artigo 312 do CPP que até o advento da Lei nº. 12403/11 era visto como norma autônoma e que impossibilitava o julgador de aplicar medida diversa da prisão (ou decretava a prisão preventiva ou não).

    Aliás, se antes da publicação da Lei nº. 12403/11 já se questionava a constitucionalidade do artigo 30 da Lei nº. 7.492/86, agora não há dúvidas de que o referido artigo 30 não tem aplicação prática, porquanto deverá ser interpretado em conformidade com o disposto na Lei nº. 12403/11, de modo que a magnitude da lesão não será fundamento idôneo para a decretação da prisão preventiva.

    Aliás, se antes da publicação da Lei nº. 12403/11 o artigo 31[13] da Lei nº. 7.492/86 era letra morta, pois o próprio artigo 324, IV do Código de Processo Penal[14] impedia a concessão de fiança quando presentes os requisitos que autorizavam a prisão preventiva, com o advento daquela Lei, à concessão de fiança passou a ser tratada como obrigação do julgador, tornando inaplicável a letra do artigo 31 da Lei nº. 7.492/86, pois, agora, a prisão preventiva é tratada como meio secundário na instrução, de modo que a concessão de fiança - por ser medida diversa da prisão (art. 319, VIII do CPP15) - deverá ser utilizada como meio de cautela inaugural pelo julgador, ou seja, deverá ser arbitrada antes da eventual decretação da prisão preventiva, nos termos do artigo 282, do CPP: A prisão preventiva será determinada quando não for cabível a sua substituição por outra medida cautelar (art. 319).

    Igualmente, é despiciendo anotar (mas não menos importante) a incompatibilidade da cláusula prevista no mesmo artigo 31 da Lei nº. 7.492/86 nem apelar antes de recolhido à prisão. Primeiro, porque se o agente permaneceu solto durante a instrução criminal, não estão presentes os requisitos que autorizam a decretação da prisão preventiva. Segundo, porque a apelação de sentença condenatória terá efeito suspensivo (art. 597 do CPP16). Portanto, o fato de se tratar de crime contra o Sistema Financeiro não é requisito automático para que o encarceramento do agente que permaneceu solto durante a instrução criminal, porquanto ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória (art. , LVII do CF).

    As considerações que fizemos longe de serem as melhores e as mais corretas podem levar ao leitor informações preciosas a respeito da evolução jurisprudencial e dogmática que aconteceram na última década. Não temos dúvidas de que o entendimento do Supremo Tribunal Federal acerca da aplicabilidade e manutenção do instituto da prisão processual mudou e continuará mudando. Apenas três Ministros (GRACIE, MARÇO AURÉLIO E MELLO) que participaram daquele julgamento emblemático quereiteradamente nos referimos neste artigo (HC 80717) continuam na Corte Constitucional. Uma coisa é certa: o instituto da prisão processual nunca será o mesmo (para o bem ou para o mal) após a publicação da Lei nº. 12.403/11.



    [1] Mais uma falha legislativa na tentativa desesperada de retificar oCódigo de Processo Penall. Análise feita à luz da Lei nº12.4033333/11 (disponível em www.araujopinheiro.com.br)

    [2] Ar3000000. Sem prejuízo do disposto no art. 312 do Código de Processo Penal, aprovado pelo Decretolei nº 3.689, de 3 de outubro de 1941, a prisão preventiva do acusado da prática de crime previsto nesta lei poderá ser decretada em razão da magnitude da lesão causada (VETADO).
    [3] Art.31111. Nos crimes previstos nesta lei e punidos com pena de reclusão, o réu não poderá prestar fiança, nem apelar antes de ser recolhido à prisão, ainda que primário e de bons antecedentes, se estiver configurada situação que autoriza a prisão preventiva.

    [4] No julgamento do HC 86620, Relator Ministro Eros Grau, foi deferida a ordem de habeas corpus para que fosse revogada a prisão preventiva do agente acusado de crime contra a ordem tributária, decretada com base na magnitude da infração.

    [5] Esta me parece ser a leitura adequada da cláusula sem prejuízo do disposto no art. 3122 doCPPP inserida naquele dispositivo. Isso significa que a magnitude da lesão não é razão autônoma para decretação da preventiva, mas que essa dimensão deve ser considerada, quando presentes os pressupostos que a autorizam.

    [6] Decisão: O Tribunal, por maioria, indeferiu a ordem quanto à nulidade do julgamento procedido por força do habeas corpus impetrado perante o Tribunal Regional Federal da 3ª Região (São Paulo), vencidos os Senhores Ministros Sepúlveda Pertence (Relator), Ilmar Galvão, Celso de Mello e o Presidente. E, por maioria, indeferiu o habeas corpus, relativamente à prisão preventiva, vencidos os Senhores Ministros Sepúlveda Pertence (Relator), Ilmar Galvão, Celso de Mello e o Presidente, que também ficou vencido quanto à concessão de habeas corpus de ofício, pelo excesso de prazo. Presidiu o julgamento o Senhor Ministro Março Aurélio. Redigirá o acórdão a Senhora Ministra Ellen Gracie. Plenário, 13.6.2001.

    [7] No julgamento do HC 24798, Relator Ministro Felix Fischer, 5ª Turma do STJ, declarou-se legítima a prisão cautelar do agente que supostamente havia cometido crime contra o sistema financeiro nacional, unicamente, em razão da magnitude da lesão.

    [8] se se cuida de estabelecer uma presunção absoluta de abalo da ordem pública pela só magnitude da lesão patrimonial alegadamente resultante do crime, a sua inconstitucionalidade é chapada

    [9] Uma tal presunção teria por pressuposto lógico a afirmação de responsabilidade do acusado pela lesão acarretada, o que obviamente é repelido pela consagração constitucional da garantia de que ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado da sentença condenatória (art. 5º, LVII)

    [10] A cláusula sem prejuízo do disposto no art312312 do C.Pr. Pen., se pode emprestar, no contexto, o significado de que a magnitude da lesão passa a constituir uma razão autônoma para a prisão preventiva,além das previstas no preceito referido no Código hipótese em que a terá revogadoconstituiçãoção, por inconstitucionalidade superveniente.

    [11] Com relação à garantia da ordem econômica, observa-se que, diferentemente do entendimento firmado por este Tribunal no precedente referido (HC nº. 80.717-SP), a magnitude da lesão provocada foi invocada no decreto prisional como elemento autônomo para a custódia cautelar. Assim, de igual modo, não vislumbro fundamentação idônea da decretação da prisão preventiva com base na garantia da ordem econômica

    [12] Recurso Especial 772504/PR, Relator Ministro Felix Fischer, Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça.

    [13] Art. 31. Nos crimes previstos nesta lei e punidos com pena de reclusão, o réu não poderá prestar fiança, nem apelar antes de ser recolhido à prisão, ainda que primário e de bons antecedentes, se estiver configurada situação que autoriza a prisão preventiva.

    [14] Art3244444. Não será, igualmente, concedida fiança: IV quando presentes os motivos que autorizam a decretação da prisão preventiva (art. 312).

    [15] Art. 319. São medidas cautelares diversas da prisão: VIII fiança, nas infrações que admitem, para assegurar o comparecimento a atos do processo, evitar a obstrução do seu andamento ou em caso de resistência injustificada à ordem judicial.

    [16 ]Art. 597. A apelação de sentença condenatória terá efeito suspensivo, salvo o disposto no art. 393, a aplicação provisória de interdição de direitos e de medidas de segurança (arts. 374 e 378), e o caso de suspensão condicional da pena.

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