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29 de Abril de 2024

Advogado processado e perseguido por cunhado é inocentado após 04 anos

há 2 anos

SENTENÇA

O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE GOIÁS, através do Promotor de Justiça em exercício perante este Juízo, ofereceu denúncia em face de MARCO AURÉLIO ALVES DE SOUZA, devidamente qualificado, como incurso nas sanções do artigo 171, caput, do Código Penal.

Narra a peça acusatória que “no mês de janeiro de 2018, nesta capital, MARCO AURÉLIO ALVES DE SOUZA obteve, para si, mediante ardil, vantagem ilícita em prejuízo de Rui Fernando de Andrade Martinelli e Ricardo Lopes Teixeira, induzindo aquele em erro.

Segundo restou apurado, o imputado, que é advogado e tinha mantido parceria com Ricardo Lopes Teixeira, ciente de que ele estava sendo executado por Rui Fernando de Andrade Martinelli para cobrança de um cheque no valor de R$500.000,00 (quinhentos mil reais), resolveu procurar este para o fim de obter vantagem ilícita.

Assim, no início do mês de janeiro de 2018, o imputado, visando a posse da mencionada cártula, procurou a vítima oferecendo seus serviços como advogado, momento em que convenceu aquela de que a ação estava perdida e, ao argumento de ser cunhado de Ricardo Lopes Teixeira, conseguiria um bom acordo entre eles para o recebimento dos valores.

Induzida em erro, no dia 09 de janeiro de 2018, a vítima conferiu ao imputado uma procuração pública, habilitando-o a resolver questões relativas ao cheque em execução, bem como uma escritura pública declaratória que o autorizava a negociar o crédito perante o devedor e respectivos causídicos, bem como a tomar posse da cártula, que se encontrava em poder dos advogados que ingressaram com a respectiva executória.

Ocorre que, o imputado, após apossar-se do cheque em tela, não tomou nenhuma providência relativa a ação em questão, contudo, aproveitando-se dos poderes a ele conferidos, desconstituiu os advogados da causa que estavam na posse do cheque executado, tendo comparecido ao escritório daqueles e assinado um contrato de confissão de dívidas e outras avenças em nome da vítima, além de apropriar-se do cheque emitido Ricardo Lopes Teixeira.

Em razão da inércia do imputado na ação de execução, a vítima revogou todos os poderes conferidos àquele, constituindo novo advogado, tendo, ato contínuo, entrado em acordo com Ricardo Lopes Teixeira, oportunidade em que formalizaram, em juízo, a desistência do feito executivo (protocolo nº 5159579.21.2017.8.09.0051) e do processo conexo (embargos à execução sob o nº 5444650.07.2017.8.09.0051), sendo decretada a extinção de ambos os feitos pelo juízo competente.

Posteriormente, o imputado e o anterior procurador da vítima Rui Fernando Martinelli tentaram anular a sentença e transação homologada entre aquela e Ricardo Lopes Teixeira, alegando ausência de legitimidade daqueles e pedindo a continuidade do feito em seu nome, uma vez que era ele o cessionário do crédito.

Diante dos fatos, a vítima e Ricardo Lopes Teixeira apresentaram notitia criminis narrando o ocorrido.”

Os autos físicos da ação penal estão digitalizados no evento 3, arquivos 1 a 3.

A inicial acusatória veio instruída com o inquérito policial de f. 02/133 dos autos físicos, tendo a denúncia sido recebida em Juízo no dia 20.09.2018 (f. 142/143 dos autos físicos).

Citado, o acusado Marco Aurélio Alves de Souza, apresentou resposta escrita à acusação por meio de defensor constituído (f. 147/157 dos autos físicos).

A decisão de f. 187/190 dos autos físicos afastou a possibilidade de absolvição sumária do acusado e designou audiência de instrução e julgamento.

Em audiência de instrução e julgamento, foram admitidas as vítimas Rui Fernando de Andrade Martinelli e Ricardo Lopes Teixeira como assistentes de acusação, termo de audiência de f. 234/236 dos autos físicos.

Durante a instrução processual foram inquiridas 06 (seis) testemunhas, dispensadas as demais e interrogado o réu.

O sujeito acusação e a defesa nada requereram.

Em alegações finais, f. 660/665 dos autos físicos, o Ministério Público sustentando estar provada a autoria e materialidade delitivas, pugnou pela condenação do acusado nas sanções do artigo 171, caput, do Código Penal, bem com asseverou ser necessária a fixação de valor mínimo para reparação dos danos causados às vítimas.

Por seu turno, os assistentes de acusação apresentaram suas alegações finais às f. 670/682 dos autos físicos, requerendo a condenação do acusado nas sanções do artigo 171, caput, do Código Penal; a decretação da perda da cártula de cheque apropriada indevidamente, reparação do dano causado a Rui Fernando de Andrade Martinelli; envio de cópia da sentença para a Ordem dos Advogados do Brasil, Seção de Goiás; e o envio dos autos ao Ministério Público para análise da eventual prática de patrocínio infiel pelos advogados Marco Aurélio Alves de Souza, Elcy Santos de Melo e Márcio de Souza, nos autos 5159579.21.2017.8.09.0051.

A Defesa, em suas alegações finais, f 701/713, pugnou pela absolvição do acusado, nos termos do artigo 386, incisos I, II, III, VI e VII, do Código de Processo Penal. Sustentou, para tanto, que o fato descrito na denúncia é atípico, asseverando que a discussão a respeito do negócio entre vítimas e acusado refere-se a mero ilícito civil praticado pelas vítimas, não havendo dolo na conduta do acusado.

Explicou que Rui Fernando de Andrade Martinelli outorgou uma escritura pública com amplos poderes e uma cessão de direitos sobre o produto de um processo de execução ao acusado Marco Aurélio para quitar uma dívida, bem como para negociar e honrar com os pagamentos dos honorários advocatícios dos advogados Elcy Santos de Melo e Márcio de Souza pela prestação de serviços. Obtemperou que o negócio jurídico entabulado entre Rui Fernando e Marco Aurélio é lícito.

Afirmou que “forma maliciosa, fraudulenta e artificiosa, Rui Fernando sem pagar pelos honorários devidos aos profissionais da advocacia, pelo áudio informado, enganou Ricardo Lopes Teixeira e anunciou nos autos acordo, onde omitiu ter passado o cheque ao acusado, bem como instrumentos públicos de procuração e cessão de direitos, para recebimento de valores que por lei eram devidos aos seus advogados, justamente da causa cedida ao acusado.” (sic)

Asseverou que o acusado não obteve nenhuma vantagem ilícita, bem como que as vítimas não suportaram nenhuma espécie de prejuízo; que não há provas do artifício, ardil ou outro meio fraudulento supostamente empregado pelo acusado.

Declarou estar ausente qualquer tipo de vício de consentimento da vítima na outorga da declaração pública e da cessão de direitos, tampouco a prática, pelo acusado, de excesso dos poderes expressos nos referidos documentos públicos. Ressaltou que “a procuração por instrumento público foi outorgada, pelo devedor contumaz Rui Fernando, obviamente ele correspondia a sua intenção de honrar os pagamentos que sabe dever até a presente data, de modo que ela (procuração) possuía validade. Desse modo, o mandato não havia cessado até porque todos os atos praticados pelo mandatário, são perfeitamente válidos” (sic)

Relatados. DECIDO.

Cuida-se de ação penal pública incondicionada proposta pelo Ministério Público Estadual em face de MARCO AURÉLIO por suposta prática de crime tipificado no artigo 171, caput, do Código Penal.

As condições da ação foram integralmente implementadas nestes autos. Os pressupostos processuais positivos, de seu turno, encontram-se presentes.

Dispõe o artigo 171, caput, do Código Penal:

Art. 171 - Obter, para si ou para outrem, vantagem ilícita, em prejuízo alheio, induzindo ou mantendo alguém em erro, mediante artifício, ardil, ou qualquer outro meio fraudulento:

Pena - reclusão, de um a cinco anos, e multa.

...................................................................................

O núcleo do tipo é obter a vantagem indevida induzindo ou mantendo outrem em erro, ou seja, o agente do crime consegue um benefício ou um lucro ilícito devido ao engado provocado na vítima, que colabora com o aquele sem perceber que está se despojando de seus bens.

O elemento subjetivo específico do tipo é o dolo consistente na vontade de obter o lucro indevido, para si ou para outrem, em prejuízo alheio. O elemento normativo do tipo consubstancia-se na perda ou dano de um objeto/bem, caracterizado pelo proveito econômico, pertencente a outrem.

Cuida-se de crime comum, material, de forma livre, comissivo, instantâneo, unissubjetivo e plurissubsistente.

No caso vertente, analisadas as provas produzidas sob o manto do contraditório e ampla defesa, verifica-se que a materialidade do fato restou duvidosa, senão vejamos.

Durante a instrução processual, Rui Fernando de Andrade Martinelli disse ter recebido o cheque de R$ 500.000,00 (quinhentos mil reais) de Ricardo para pagamento de uma dívida; que Ricardo ficou de acertar o cheque; que passou um tempo e contratou os advogados Dr. Elcy e Dr. Márcio para uma ação; que o Dr. Márcio fez uma alteração na data do cheque; que depositou o cheque em sua conta e ele foi devolvido; que ligou para Ricardo; que retornou no escritório do Dr. Márcio; que Dr. Márcio pegou o cheque e deu entrada no processo de execução; que o processo ficou parado um tempo e não resolveu; que resolveu procurar Ricardo, pois o conhecia a muitos anos; que o cheque estava com o Dr. Márcio; que “nunca mais vi esse cheque, até hoje”; que fez um acordo com Ricardo; que conheceu o acusado Marco Aurélio; que o acusado perguntou “como que tá o negócio do cheque que eu vi lá na justiça”; que respondeu que o Dr. Márcio estava mexendo, mas que o processo estava parado; que “Marco Aurélio aproveitou da ocasião da precisão da gente sabe, de ver a situação que a gente tava”; que o acusado disse que ajudaria; que o acusado disse que receberia o cheque; que o acusado tinha uma “briga na justiça” com Ricardo; que o acordo com Ricardo foi após passar a procuração para Marco Aurélio; que o acordo foi homologado judicialmente; que não sabe se alguém pediu a anulação do acordo; que não sabe quais documentos assinou para o acusado; que “eu fiquei conhecendo o Marco Aurélio a pouco tempo”; que não sabe dizer se Ricardo e Marco Aurélio tinham parceria em escritório; que perguntado se sabia que acusado tinha feito uma “confissão de dívida em seu nome”, respondeu que não sabia; que não havia autorizado o acusado; que não devia dinheiro para o Dr. Elcy e Dr. Márcio; que o acusado que lhe disse que “se caso eu conseguisse pegar o cheque com o Dr. Márcio, passasse para ele, ele falou assim 'eu tenho até pessoas que pode até comprar esse cheque para trocar entendeu, esse cheque é de quinhentos mil, você pega trezentos, quatrocentos mil e o cara recebe do Ricardo'”; que passou uma procuração para o Dr. Dorgival, que trabalha com o Dr. Ricardo, para ir até o Dr. Márcio para pegar o cheque; que o cheque não foi entregue; que o acusado não advogou em processo; que o acusado queria pegar o cheque para receber de Ricardo; que não sabe se autorizou o acusado a pegar o cheque com o Dr. Márcio; que assinou alguns papéis para o acusado mas não sabe o que era.

Ricardo Lopes Teixeira, ao ser ouvido em juízo, disse ter emitido o cheque de R$ 500.000,00 no final do ano de 2007; que o cheque estava atrelado a um documento, uma confissão de dívida no valor de R$ 800.000,00; que o cheque estava com uma data para apresentação para o dia 30/03 de 2016 ou 2017; que posteriormente houve uma renovação para pagamento do cheque; que o cheque foi emitido para Rui Martinelli; que foi advogado de Rui há dez anos e tomou um empréstimo com ele; que na renovação, deu uns lotes para Rui em troca do cheque; que no final do ano de 2017 o cheque foi depositado uma vez; que ligou para Rui e avisou que o cheque não poderia ter sido depositado; que Rui respondeu dizendo que havia sido seu advogado que pediu para depositar; que se deparou com uma ação de execução do Rui; que fez os embargos e “demonstrei que o cheque havia sido adulterado”; que o cheque estava pré-datado para 30/03/2016; que o cheque não havia sido datado “para não prescrever mesmo”; que não foi sócio do acusado em escritório; que teve uma parceria com o acusado até o ano de 2012; que em maio de 2018 foi procurado por Rui para fazerem um acordo; que Rui destituiu os advogados; que “nós fizemos um acordo, foi levado à homologação. Os embargos foi homologado, transitou em julgado. A ação de execução, eles não permitiram, os patronos dele. Entraram com habilitação, falaram que não podia, que tinham honorários a receber e que ira frustrar o negócio, a homologação do acordo”; que “apareceu do nada uma procuração pública em nome do Marco Aurélio com uma declaração pública em nome do Marco Aurélio, do dia 09/01/2017”; que chamou o Rui e perguntou o que era isso; que Rui respondeu “pois é Ricardo, Marco Aurélio um dia passando lá em casa na fazenda lá com um (inaudível) lá, me conheceu e viu, sabia do processo e falou que tinha a solução para resolver isso daí, que tava tudo perdido, que os advogados adulteraram o cheque e que eu não ia receber nada, me fez eu passar essa procuração para ele e eu já estava todo perdido mesmo, inclusive Ricardo, falou que o seu cheque voltava e ele vendia seu cheque de 500 por 300, 400”; que foi isso que o Rui me falou; que o acusado pegou esses documentos em 09/01, procuração pública e declaração pública e nunca fez nada; que quando o acusado viu que o processo estava “tudo homologado”, os mesmos defensores do Rui passaram a advogar para o Marco Aurélio, dizendo que aquele cheque já havia sido cedido e que o acordo não podia ser homologado na execução; que “o Rui achou que estava contratando um advogado para receber aquilo que ele tinha direito”; que “no dia 09/01, oito horas da noite, o Marco Aurélio faz um texto de própria destituição dos patronos Dr. Elcy e Dr. Márcio, falando que eles agiram de forma errada, de forma sorrateira, por assim dizer, que um outro advogado, Dr. Nadim, iria tomar as providências para ele de grafotécnico se eles não quisessem entregar o cheque para o Marco Aurélio, que era para destituir eles com base no whatsapp, falando que não tem nem condições para vir em Goiânia para ir lá fazer o distrato, pegar o cheque e que ele ia resolver”; que o acusado assinou “com base nesse documento do Rui” uma confissão de dívida no valor de R$ 800.000,00; que Rui tinha um contrato de R$ 150.000,00 com os advogados e já havia pago R$ 50.000,00; que tem conhecimento que foi o Dr. Márcio quem rasurou o cheque; que não sabe onde está o cheque; que não procurou anular o cheque, pois devia a quantia.

Dorgival Antunes Leite, ao ser ouvido em juízo, disse conhecer o acusado; que é sócio do Ricardo em uma empresa, trabalhando no mesmo escritório; que teve conhecimento do cheque, da negociação do Ricardo com o Rui; que o cheque foi passado para Rui, que afirmou que tinha passado para o Dr. Márcio; que o objetivo era o Dr. Márcio executar o cheque para receber do Ricardo; que “o Rui descobriu que não ia conseguir receber o cheque e foi até o escritório e procurou o Dr. Ricardo para poder fazer um acerto, fazer um acordo”; que tem dez anos que o Ricardo conhece o Rui e que eles negociam; que foi feito o acerto do cheque de quinhentos mil; que foi feito um documento, foram dados dois cheques, uma camionete Hilux e ficou faltando uma parte; que não sabe dos valores; que o cheque original, “nesta altura”, estava com o Dr. Márcio; que foi convencionado no acordo a devolução do cheque; que Ricardo lhe pediu para pegar o cheque com o Dr. Márcio; que o Dr. Márcio disse que o cheque estava depositado no banco; que perguntou ao Dr. Márcio como o cheque estava no banco se ele foi devolvido a primeira vez sem fundos e sustado na segunda vez; que o Dr. Márcio disse que o cheque estava no cofre do Dr. Elcy e que ele estava de viagem para os Estados Unidos e que não tinha como pegar; que voltou uma segunda vez mas não conseguiu pegar o cheque; que o Dr. Márcio disse que o acusado tinha ido no escritório com uma procuração do Rui para pegar o cheque; que não sabe se o cheque foi entregue para o Dr. Marco Aurélio; que a procuração era particular com firma reconhecida.

Márcio de Souza, ao ser ouvido em juízo, disse ser advogado do acusado nesta ação; que não invoca o direito de se recusar a depor; que em março de 2016 foi apresentado ao Rui, ao seu irmão Sebastião Thomaz Martinelli e a D. Maria de Lurdes de Andrade Martinelli, genitora de ambos, para prestação de serviços em um cumprimento de sentença em Formosa, valor da causa à época de R$ 4.800.000,00; que a fazenda deles havia sido adjudicada, bem como todos os bens imóveis e veículos da família na época; que “nós fomos contratados sob a premissa de que a família estava quebrada e o Dr. Ricardo nos pagaria os honorários, tendo em vista que ele se disse devedor dos mesmos”; que iniciou o patrocínio para que eles fizessem um acordo, “tendo em vista que o Dr. Ricardo havia comprado 11.800 TDA's do Rui e o Rui havia vendido essas TDA's para uma terceira pessoa, que se tornou exequente dele, o Sr. Sílvio Gonçalves dos Reis, na Comarca de Formosa”; que até então não tinha conhecimento “desse” cheque; que venceu o prazo do primeiro pagamento e cobrou do Ricardo e de Rui; que passados 40 dias, Rui pagou uma parcela de R$ 50.000,00; que os honorários daquela prestação de serviços foram combinados em R$ 150.000,00, em três pagamentos; que o contrato de prestação de serviços previa que os advogados anteriores tinham de ser desligados, inclusive com o pagamento de honorários; que o Rui disse dever R$ 80.000,00 para esses antigos advogados; que o Ricardo havia se comprometido a pagar aqueles advogados, mas não havia pago; que havia sido pago uma importância de R$ 10.000,00 pelo Sr. Dorgival; que perguntou ao Rui se também ficaria sem receber; que Rui respondeu que não e apresentou o cheque pré-datado para o dia 30/09/2016 com o campo da data e local em branco; que Rui perguntou se havia problema em preencher aquele campo e depositar o cheque para que pudessem executar; que “em nenhum momento nós pedimos o cheque para executar”; que advogou até 2018 sem receber, com a promessa de que com o cheque seriam pagos os honorários; que o recurso no Tribunal de Justiça tentando anular a adjudicação daquele imóvel foi improvido; que chamou Rui e falou que o serviço contratado era até aquele momento; que precisariam fazer novo contrato para irem ao STJ; que Rui endossou o cheque e lhe entregou como garantia para pagamento dos honorários; que conseguiu a assistência judiciária para Rui e executaram o cheque; que chamou Rui para assinar uma confissão de dívida, mas ele disse não poder assinar naquele momento; que a partir de novembro de 2017 eles não atenderam mais suas ligações; que em 09/01/2018, o acusado deixou em seu escritório documentos e uma procuração pública; que o acusado narrou que “esse pessoal deu o cano em muita gente e eu falei para eles que eu só vinha aqui renegociar com vocês para vocês continuarem nas demandas através de instrumento público”; que “Marco Aurélio, nós só continuamos com essa execução aqui se fizer um contrato de confissão de dívida que conste que nós teremos 20% do direito sobre a dívida principal, conforme o novo CPC autoriza. E assim foi feito para cobrar os honorários”; que entregou o cheque para o acusado; que o acusado era o legítimo procurador e cessionário daquele direito de crédito; que em agosto de 2018 foi destituído mediante notificação dizendo que o Ricardo e o Rui tinham feito um acordo “sem receber valores alguns”; que o acordo foi juntado na execução e nos embargos à execução pedindo a extinção; que juntou o contrato de horários solicitando que o produto da execução fosse reservado para pagamento dos honorários; que Ricardo e outro advogado, “Kalleb”, que se diz representante de Rui, passaram a falar que “nós havíamos cometido estelionato porque estaríamos cobrando nossos honorários”; que o processo foi arquivado; que apelou, em nome do acusado, e o recurso aguarda julgamento; que foi cedido o produto da execução, não falando em valores; que não sabe se o acusado pagou alguma coisa para Rui pela cessão de direitos; que conheceu o acusado em 09/01/2018; que segundo o acusado, “o Rui procurou ele dizendo que não tinha condições de nos pagar mais e que nós estávamos pressionando ele para receber nossos honorários. E ele me parece que com algum tipo de receio, porque me parece que pelo histórico de documentos que eu tenho eles já não haviam pago os outros profissionais da advocacia, mandou um preposto para fazer essa renegociação conosco”; que os honorários seriam pagos através do que fosse ganho na execução; que o acusado ficou como cessionário do cheque e como procurador legalmente habilitado pelo Rui para conduzir esse processo “através de nós”; que o acusado tinha poder para confessar dívida em nome de Rui.

Elcy Santos de Melo, ao ser ouvido em juízo, disse ser advogado do acusado nesta ação; que invoca a garantia do art. 7º, inciso XIX, do Estatuto da OAB, e se recusa a depor.

Carlos Silon Rodrigues Gebrim, ao ser ouvido em juízo, disse ser advogado; que no ano de 2014 foi procurado por uma cliente de Formosa; que tinha uma demanda de um pessoal conhecido dela; que o Rui ou o Thomaz convivia com uma parente dessa cliente; que era uma questão de terra; que pediu para eles irem ao escritório, em Planaltina-DF; que eles foram e contaram que estavam perdendo a fazenda em um processo; que eles tinham uma dívida anterior com Sílvio; que quem pagaria os honorários seria uma pessoa de Goiânia que devia dinheiro a eles; que foi em Formosa; que eram duas ações, uma que executava eles e uma anterior; que tirou cópia dos processos; que as cópias ficaram em “quatrocentos e poucos reais”; que eles não tinham esse dinheiro no momento e pagaram depois; que foi ao escritório do Dr. Ricardo em Goiânia; que explicou ao Dr. Ricardo qual medida vislumbrava ser possível ali; que não acertaram honorários naquele momento; que ligou para o Dr. Ricardo; que cobrou R$ 90.000,00 por uma exceção de pré-executividade e pelo agravo; que fez um contrato; que Rui, Thomaz e Maria de Lurdes ficaram de assinar o contrato; que fez a exceção sem receber os honorários; que a exceção não foi acolhida; que foi em Goiânia uma segunda vez para protocolar um agravo no Tribunal; que retornou em Goiânia uma terceira vez e conversou com um assessor de desembargador para que fosse analisado o agravo; que “nas viagens que a gente fazia de lá para cá, eles narravam que tinham um crédito com o Ricardo”; que “eles já queriam que eu executasse o Ricardo”; que Ricardo ficou de pagar os honorários, mas não pagou; que no final do ano recebeu R$ 10.000,00; que não recebeu o restante; que não sabe se existe parentesco entre Ricardo e Marco Aurélio.

Marco Aurélio Alves de Souza, ao ser interrogado em juízo, disse ser advogado; que “eu conheci eles em 2009, quando começou o processo desapropriatório”; que não foi o advogado, mas tinha ciência da existência do processo; que tem uma contenda judicial com seu cunhado “muito grande”; que “o Ricardo é casado com minha irmã há 20 anos”; que trabalhou com ele até 2016; que emprestou dinheiro para o Rui e o Thomaz; que “o promotor aqui sabe da briga minha e do Ricardo judicial, nós somos inimigos capitais declarados”; que “ele” (Rui) foi ao escritório falando mal do Dr. Márcio e do Dr. Elcy; que já sabia como o Ricardo opera “porque ele já devia o Dr. Carlos Gebrim”; que “você faz uma cessão de direitos para mim de R$ 200.000,00, que você me deve mais ou menos, e eu vou procurar… primeiro eu tenho de destituir, conversar com o outro advogado”; que foi ao escritório do Dr. Márcio e do Dr. Elcy com Thomaz; que “como que eu vou destituir uma pessoa dessa”; que estava com a procuração e a cessão de direitos em seu nome; que “eu tinha que me garantir”; que deixou o processo com o escritório do Dr. Márcio; que conheceu o Dr. Márcio no dia 08/01/2018; que “o Márcio, diante disso aqui agora, quem vai assumir então a dívida é o Marco Aurélio”; que “eu sou devedor solidário, se ele não pagar o Dr. Márcio, se ele não pagar o escritório, eu tenho que pagar”; que deixou o processo com o escritório do Dr. Márcio; que procuração foi feita pela manhã no cartório; que a procuração foi feita no dia 06; que “a gente procurou o Márcio, fez a confissão de dívida, porque não é só esse processo de execução, existe outros processos lá que dava, só o valor da causa era R$ 4.000.000,00, então já dava oitocentos e poucos mil reais. Então esse cheque era simplesmente uma caução de um falido que iria pagar ele lá”; que “no dia ele mandou no meu whatsapp, falou assim, estou indo fazer o acordo com o seu cunhadinho, Ricardinho”; que disse “tudo bem, você vai e faça o acordo, mande para o Dr. Márcio, vê se ele aceita, porque tem que pagar o Dr. Márcio primeiro”, que está com o cheque desde o dia 08/01; que Rui lhe devia; que emprestou dinheiro para Rui; que tinha poderes para confessar dívida em nome do Rui; que possui uma procuração pública; que “ele” (Rui) deve os Drs. Márcio e Elcy; que “existia um contrato do Rui do cheque de R$ 500.000,00, no qual o Ricardo tinha que dar R$ 50.000,00 e depois mais R$ 100.000,00, só do cheque”; que são dois processos; que orientou Rui a destituir os antigos advogados; que mudou de ideia ao conhecer o Dr. Márcio e o Dr. Elcy; que manteve os Drs. Márcio e Elcy no processo; que a procuração pública dava poderes para negociar com os advogados; que o processo do STJ foi defendido pelo Dr. Márcio; que o valor da causa é “quatro milhões e tanto”.

Inicialmente, antes de adentrar a análise do mérito da denúncia constante dos autos, necessários alguns esclarecimentos sobre a dinâmica de fato que culminou no presente processo. Para ilustrar, vejamos o seguinte quadro acerca dos fatos narrados nos autos:

Fato 1 – Rui Fernando recebe um cheque de R$ 500.000,00 de Ricardo em razão de uma negociação (não especificado o tipo de negociação);

Fato 2 – Rui Fernando contrata os advogados Dr. Elcy e Dr. Márcio para uma ação na cidade de Formosa (processo de desapropriação);

Fato 3 – Rui Fernando apresenta o cheque de R$ 500.000,00 para ser executado; Dr. Elcy e Dr. Márcio ajuízam a ação de execução do cheque contra Ricardo Lopes Teixeira;

Fato 4 – Marco Aurélio se torna procurador de Rui Fernando (Procuração Pública de f. 27/28 dos autos físicos, digitalizada no evento 3, arquivo 1) e cessionário do cheque (Escritura Pública de f. 30/31 dos autos físicos, digitalizada no evento 3, arquivo 1);

Fato 5 – Marco Aurélio recebe o cheque dos advogados Dr. Elcy e Dr. Márcio e assina um contrato de confissão de dívida em nome de Rui Fernando com os advogados Dr. Elcy e Dr. Márcio;

Fato 6 – Rui Fernando e Ricardo fazem um acordo para desistência do processo de execução do cheque de R$ 500.000,00.

Pois bem, é incontroverso nos autos que Ricardo Lopes Teixeira entregou um cheque, no valor de R$ 500.000,00 (quinhentos mil reais), para Rui Fernando de Andrade Martinelli por uma negociação realizada entre ambos (Fato 1).

A partir do Fato 2, começam a surgir certas inconsistências entre a narração das vítimas, testemunhas e interrogatório do acusado. É inquestionável que os advogados Elcy e Márcio começaram a prestar serviços para o Sr. Rui Fernando, em um processo oriundo da Comarca de Formosa-GO. O que as vítimas Rui Fernando e Ricardo não explicaram em seus depoimentos é como ocorreu a contratação.

Através do depoimento de Márcio de Souza, foi esclarecido que a negociação ocorrida entre seu escritório advocatício e o Sr. Rui Fernando foi intermediada por Ricardo. Segundo o depoente Márcio, seria Ricardo Lopes Teixeira quem arcaria com os honorários contratados, pois devia dinheiro à família de Rui Fernando. Neste sentido o depoimento de Márcio: (…) “nós fomos contratados sob a premissa de que a família estava quebrada e o Dr. Ricardo nos pagaria os honorários, tendo em vista que ele se disse devedor dos mesmos” (mídia constante do evento 4)

Como os honorários não foram quitados na integralidade por Ricardo, Márcio cobrou a dívida de Rui Fernando, momento em que este apresentou o cheque de R$ 500.000,00 como garantia do pagamento dos honorários advocatícios. De posse do título de crédito os advogados Márcio de Souza e Elcy Santos de Melo ajuizaram a ação de execução objetivando o recebimento de seus honorários (Fato 3).

Neste meio tempo, o acusado Marco Aurélio Alves de Souza se tornou procurador de Rui Fernando, mediante instrumento público, e cessionário do produto do processo de execução (Fato 4). Não está claro nos autos como se deu essa negociação. As vítimas Rui Fernando e Ricardo Lopes, bem como a denúncia ofertada, afirmaram que o acusado, objetivando a posse do cheque de R$ 500.000,00, teria empregado ardil, consistente em dizer ao Sr. Rui Fernando que a ação de execução estaria perdida e que por ser cunhado de Ricardo Lopes, conseguiria um bom acordo.

Por seu turno, o acusado Marco Aurélio afirmou que Rui Fernando fora até seu escritório para reclamar do andamento da ação de execução. Para oficiar no processo, Rui Fernando lhe outorgou procuração pública, bem como lhe outorgou uma cessão de direitos relativa a uma dívida que possuiria com o acusado.

Ato contínuo, Marco Aurélio se dirigiu ao escritório dos advogados Márcio e Elcy e apresentou a procuração pública, momento em que teria assinado um contrato de confissão de dívida em nome de Rui Fernando relativamente aos honorários, figurando como credores os advogados Márcio de Souza e Elcy Santos de Melo.

Assim, o informante Márcio de Souza disse em seu depoimento judicial:

(…) o acusado deixou em seu escritório documentos e uma procuração pública; que o acusado narrou que “esse pessoal deu o cano em muita gente e eu falei para eles que eu só vinha aqui renegociar com vocês para vocês continuarem nas demandas através de instrumento público”; que “Marco Aurélio, nós só continuamos com essa execução aqui se fizer um contrato de confissão de dívida que conste que nós teremos 20% do direito sobre a dívida principal, conforme o novo CPC autoriza. E assim foi feito para cobrar os honorários” (…).

Na Procuração Pública de f. 27/28 dos autos físicos, digitalizada no evento 3, arquivo 1, verificam-se os seguintes poderes conferidos por Rui Fernando de Andrade Martinelli ao acusado Marco Aurélio Alves de Souza em 09/01/2018:

(…) ao qual confere poderes amplos e gerais para o fim especial de representar o Outorgante no Foro em geral, apresentando-se perante qualquer Instância, Juízo ou Tribunal, podendo dito procurador contratar advogados, bem como utilizar-se dos poderes da cláusula “AD JUDICIA”, e mais para propor e variar de ações, acordar, concordar, discordar, transigir, recorrer e desistir, requerer, alegar, declarar e assinar o que preciso for, inclusive passar os direitos do outorgante para outorgado em relação ao processo de um cheque da Caixa Econômica Federal, agência 0012, conta 01012172-3, sob nº 000824, emitido por Ricardo Lopes Teixeira, nominal ao outorgante, podendo para tanto, receber o produto da operação, dar e aceitar recibos e quitações, outorgar e assinar o competente termo de transferência com as cláusulas e solenidade de estilo (…).

A vítima Rui Fernando somente em 14/05/2018 notificou extrajudicialmente os advogados Elcy e Márcio de sua destituição como seus procuradores, mesmo dia em que constituiu novo advogado, na pessoa do Dr. Calebe Rocha Silva.

Em 04/06/2018 as vítimas Ricardo (advogando em causa própria) e Rui Fernando (através do advogado Calebe Rocha Silva) entabularam um acordo para desistência da ação de execução do cheque de R$ 500.000,00. Não obstante, a procuração pública outorgada ao acusado Marco Aurélio somente fora revogada em 13/06/2018. (Fato 6)

Passando a análise do mérito propriamente dito da presente ação penal, como cediço, para que haja a configuração do crime de estelionato, mister a conjugação de quatro fatores, que nas lições de Celso Delmanto podem assim serem discriminados, in litteris1:

Para que o estelionato se configure, é necessário: 1º) o emprego, pelo agente, de artifício, ardil ou qualquer outro meio fraudulento; 2º) induzimento ou manutenção da vítima em erro; 3º) obtenção de vantagem patrimonial ilícita pelo agente: 4º) prejuízo alheio (do enganado ou de terceira pessoa). Portanto, mister se faz que haja o duplo resultado (vantagem ilícita e prejuízo alheio) relacionado com a fraude (ardil, artifício etc.) e o erro que esta provocou. Sobre a distinção entre fraude civil e fraude penal, pode-se, resumidamente, dizer que a fraude civil busca o lucro do negócio, enquanto a fraude penal visa ao lucro ilícito. Note-se que se inexiste dano civil não se pode falar em prejuízo ou dano penal (FREDERICO MARQUES, "Estelionato: ilicitude civil e ilicitude penal", RT 560/286).

Fixadas tais premissas, verifica-se que a imputação deduzida na denúncia não restou plenamente comprovada em juízo.

Analisando detidamente a procuração pública, o contrato de confissão de dívida, a notificação extrajudicial, a revogação da procuração pública em cotejo com as declarações prestadas pelas vítimas, informante, testemunhas e interrogatório do acusado, percebe-se que entre todos os envolvidos houve sucessivas negociações, cuja promessa de pagamento era materializada pelo cheque de R$ 500.000,00. As prováveis causas dessas negociações (origem das possíveis dívidas) não foram explicitadas, exceto as relativas aos honorários advocatícios.

O acusado Marco Aurélio relatou ter sido procurado pela vítima Rui Fernando. No encontro, a vítima Rui Fernando teria reclamado do andamento do processo de execução até então conduzido pelos advogados Márcio de Souza e Elcy Santos de Melo. Em juízo, o acusado Marco Aurélio declarou ainda ter solicitado uma procuração pública e escritura pública declaratória (cessão) para assumir o patrocínio da ação de execução do cheque de R$ 500.000,00, vez que, segundo seu interrogatório, Rui Fernando lhe devia a quantia de R$ 200.000,00. E, como visto, assim foi feito.

Ora, foi o acusado Marco Aurélio quem procurou Rui Fernando e afirmou que a ação de execução estava perdida e que conseguiria um acordo por ser cunhado de Ricardo Lopes, ou foi o próprio Rui Fernando quem procurou o acusado para reclamar dos advogados que conduziam o processo de execução do cheque e solicitou os serviços advocatícios do acusado? A vítima Rui Fernando deve ou não deve dinheiro para o acusado Marco Aurélio? Se Rui Fernando não possui nenhuma dívida com Marco Aurélio, porque “cedeu” o produto da ação de execução do cheque para o acusado mediante escritura pública declaratória?

A reposta para tais questionamentos não foram suficientemente esclarecidas no presente feito. As versões apresentadas pelas vítimas Rui Fernando e Ricardo Lopes são diametralmente opostas a versão do acusado Marco Aurélio.

Ademais, não é crível a afirmação da vítima Rui Fernando de que não sabia quais documentos tinham sido confeccionados. Trata-se de um fazendeiro da região de Formosa-GO, que aparenta ter boa instrução e que se dirigiu até um Cartório de Registro Civil e Tabelionato de Notas da Comarca de Goiânia e outorgou uma procuração pública e uma escritura pública declaratória ao acusado. Não há como dar crédito a esta afirmação, especialmente porque Rui Fernando afirmou em seu depoimento que conhecia o acusado a pouco tempo, ou seja, não é comum que se outorgue documentos de tamanha importância a alguém sem que se tenha pleno conhecimento do teor de tais documentos.

As demais negociações referentes a honorários advocatícios envolvendo as vítimas Ricardo Lopes Teixeira e Rui Fernando de Andrade Martinelli e os advogados Márcio de Souza, Elcy Santos de Melo, Carlos Silon Rodrigues Gebrin, ao que parece, foram formalizadas sob as mesmas condições. Ricardo Lopes, por dever uma quantia a Rui Fernando, assumia, supostamente, a responsabilidade pelo pagamento dos honorários dos advogados que atuavam nos processos em que Rui Fernando figurava com parte. Estranhamente, teria havido sucessivas trocas de advogados sem que estes profissionais recebessem pelos serviços prestados. Vejamos novamente, por oportuno, a íntegra do depoimento de Carlos Silon Rodrigues Gebrim em juízo:

Carlos Silon Rodrigues Gebrim, ao ser ouvido em juízo, disse ser advogado; que no ano de 2014 foi procurado por uma cliente de Formosa; que tinha uma demanda de um pessoal conhecido dela; que o Rui ou o Thomaz convivia com uma parente dessa cliente; que era uma questão de terra; que pediu para eles irem ao escritório, em Planaltina-DF; que eles foram e contaram que estavam perdendo a fazenda em um processo; que eles tinham uma dívida anterior com Sílvio; que quem pagaria os honorários seria uma pessoa de Goiânia que devia dinheiro a eles; que foi em Formosa; que eram duas ações, uma que executava eles e uma anterior; que tirou cópia dos processos; que as cópias ficaram em “quatrocentos e poucos reais”; que eles não tinham esse dinheiro no momento e pagaram depois; que foi ao escritório do Dr. Ricardo em Goiânia; que explicou ao Dr. Ricardo qual medida vislumbrava ser possível ali; que não acertaram honorários naquele momento; que ligou para o Dr. Ricardo; que cobrou R$ 90.000,00 por uma exceção de pré-executividade e pelo agravo; que fez um contrato; que Rui, Thomaz e Maria de Lurdes ficaram de assinar o contrato; que fez a exceção sem receber os honorários; que a exceção não foi acolhida; que foi em Goiânia uma segunda vez para protocolar um agravo no Tribunal; que retornou em Goiânia uma terceira vez e conversou com um assessor de desembargador para que fosse analisado o agravo; que “nas viagens que a gente fazia de lá para cá, eles narravam que tinham um crédito com o Ricardo”; que “eles já queriam que eu executasse o Ricardo”; que Ricardo ficou de pagar os honorários, mas não pagou; que no final do ano recebeu R$ 10.000,00; que não recebeu o restante; que não sabe se existe parentesco entre Ricardo e Marco Aurélio.

Assim sendo, não é possível vislumbrar qualquer tipo de ardil, ou outro meio fraudulento empregado pelo acusado ao negociar seus serviços advocatícios com o Sr. Rui Fernando de Andrade Martinelli.

A suposta conduta atribuída ao acusado, qual seja, dizer que “a ação de execução do cheque estava perdida e que por ser cunhado de Ricardo Lopes, conseguiria um bom acordo” não pode ser interpretada, com base nas provas produzidas no presente feito, sob o manto do contraditório e ampla defesa, como sendo “ardil”. O advogado pode, no exercício de sua profissão, tentar captar clientes utilizando das mais variadas técnicas, inclusive aquela em que “garante” o resultado almejado pela pessoa que o procura. Tal conduta pode ser eticamente reprovável, vez que o advogado não pode garantir o êxito das demandas postas a apreciação do Poder Judiciário, não obstante não pode ser confundida com algum tipo de engodo ou ardil para configurar um ilícito penal. Existem diversos fatores que são analisados pelo juiz ao decidir o pedido formulado pela parte, sendo inclusive comum sua utilização pelos advogados na prática forense.

Com relação ao ardil, a seguinte doutrina ensina que, ipsis litteris:

"(...) O ardil é, por sua vez, sinônimo de astúcia, manha ou sutileza; não é de natureza tão material, mas intelectual; é a tramoia, o estratagema levado a cabo pelo agente para enganar a vítima mediante a excitação na vítima da convicção, paixão ou emoção. De fato, pouco ou nada relevante a distinção entre artifício ou ardil, tendo em vista que ambos são espécies do gênero fraude, o que por si basta para a configuração do delito. É dizer, comete-se o estelionato mediante a utilização de qualquer meio fraudulento, dentre os que se incluem artifício e ardil." (QUEIROZ, Paulo, et al. Curso de Direito Penal: Parte Especial. 2ª ed. Bahia: Ed. Jus PODIVM, 2015. p. 416). Original sem destaque.

Desta forma, a possível alegação utilizada pelo acusado para conseguir o patrocínio da ação não é suficiente para ser entendida como ardil e tampouco fraude. Como visto acima, além do meio fraudulento, deve ser obtida pelo agente vantagem patrimonial em prejuízo das vítimas.

In casu, também não tem prova nos autos do prejuízo, in thesi, suportado pelas vítimas Rui Fernando Andrade Martinelli e Ricardo Lopes Teixeira. Embora o acusado esteja na posse de um título de crédito, não houve comprovação da diminuição do patrimônio de Ricardo Lopes Teixeira. Com Rui Fernando de Andrade Martinelli ocorre idêntica situação, pois seu patrimônio não sofreu prejuízo, vez que não consta dos autos que o acusado tenha recebido qualquer valor pelo cheque e que os Drs. Elcy Santos de Melo e Márcio de Souza tenham recebido valores pela de confissão de dívida. Sobre o assunto, informa a jurisprudência pátria:

PROCESSUAL PENAL. ADVOGADO. ESTELIONATO EM JUÍZO. AÇÃO PENAL. FALTA DE JUSTA CAUSA. ATIPICIDADE. TRANCAMENTO. ENTENDIMENTO JURISPRUDENCIAL E DOUTRINÁRIO. 1. Não configura "estelionato judicial" a conduta de fazer afirmações possivelmente falsas, com base em documentos também tidos por adulterados, em ação judicial, porque a Constituição da Republica assegura à parte o acesso ao Poder Judiciário. O processo tem natureza dialética, possibilitando o exercício do contraditório e a interposição dos recursos cabíveis, não se podendo falar, no caso, em "indução em erro" do magistrado. Eventual ilicitude de documentos que embasaram o pedido judicial são crimes autônomos, que não se confundem com a imputação de "estelionato judicial". 2. A deslealdade processual é combatida por meio do Código de Processo Civil, que prevê a condenação do litigante de má-fé ao pagamento de multa, e ainda passível de punição disciplinar no âmbito do Estatuto da Advocacia. 3. Ordem concedida para reconhecer a atipicidade do delito de estelionato, trancando, por conseguinte, a ação penal, por falta de justa causa, somente neste particular, devendo a persecução prosseguir em relação à falsidade. ( HC 404.255/RJ, Rel. Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, SEXTA TURMA, julgado em 26/09/2017, DJe 04/10/2017)

PENAL. PROCESSUAL PENAL APELAÇÃO. ESTELIONATO. ABSOLVIÇÃO. RECURSOS DO MINISTÉRIO PÚBLICO E DO ASSISTENTE DE ACUSAÇÃO. Pretendida condenação da acusada pelo crime de estelionato. Impertinência. Absolvição mantida com fulcro na atipicidade da conduta. Ausência de comprovação segura quanto ao dolo específico da acusada de induzir a vítima a erro, com o fim de auferir vantagem ilícita. Responsabilização penal. Impossibilidade. Atipicidade da conduta. Mero ilícito civil. Inexistência do dolo. Sentença absolutória mantida. Negado provimento. (TJSP; Apelação Criminal 0007494-17.2017.8.26.0099; Relator (a): Alcides Malossi Junior; Órgão Julgador: 9ª Câmara de Direito Criminal; Foro de Bragança Paulista - 2ª Vara Criminal; Data do Julgamento: 12/08/2021; Data de Registro: 12/08/2021)

APELAÇÃO CRIMINAL. ESTELIONATO. ATIPICIDADE. DOLO. NÃO COMPROVADO. ILÍCITO CIVIL. ABSOLVIÇÃO MANTIDA. Sem prova do dolo, mantém-se a absolvição. Apelação desprovida. (TJGO, Apelação ( CPP e L.E ) 0176641-31.2011.8.09.0097, Rel. Des (a). IVO FAVARO, 1ª Câmara Criminal, julgado em 18/12/2020, DJe de 18/12/2020)

Nestes autos, ao que parece, o cerne da discussão trazida a este juízo diz respeito a inadimplemento de honorários advocatícios, suposto vício na elaboração de documentos públicos e discussões outras de natureza extrapenal que não foram levadas ao juízo competente para apreciação e para julgamento de tais fatos.Ainda, com a desistência da ação executiva os documentos na posse do acusado de nada valeriam.

Assim sendo a prova produzida em juízo apresenta-se frágil para um édito condenatório, motivo pelo qual nos termos da fundamentação supra, torna-se necessária a absolvição por falta de provas.

Ante o exposto, nos termos do artigo 386, VII, do Código de Processo Penal, JULGO IMPROCEDENTE a exordial acusatória para absolver MARCO AURÉLIO ALVES DE SOUZA.

Publique-se. Registre-se. Intimem-se. Transitada em julgado, arquivem-se com as providências de praxe.

Goiânia, data e hora da assinatura eletrônica.

MARIA ANTÔNIA DE FARIA

Juíza de Direito


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