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4 de Maio de 2024
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    ARTIGO: O Assédio Moral no Ambiente de Trabalho

    Publicado por OAB - Piauí
    há 11 anos

    DÊNIO MELO MACAMBIRA, advogado e membro da Comissão de Promoção da Cidadania

    A revolução industrial e o seu desenvolvimento nos séc. XVIII e XIX geraram os movimentos sociais que deram origem ao Direito do Trabalho. No início, a tutela laboral era a vida e a saúde do trabalhador, como: proteção contra o trabalho perigoso e insalubre, limitação da jornada de trabalho e da idade permitida para o trabalho, etc.

    Finalmente, no final do séc. XX, chegou-se à conclusão de que a tutela à higidez física do trabalhador era insuficiente e percebeu-se que se fazia necessário tutelar a sua saúde mental através de medidas que coibissem os abusos decorrentes do poder de direção inerentes à relação de emprego.

    Devido a fatores, como: a excessiva competitividade entre os empregados para o cumprimento de metas, a cobrança de resultados, o estresse pela manutenção dos cargos de trabalho cada vez mais escassos, a insegurança quanto à estabilidade no emprego, a busca desenfreada pelo poder, o ambiente de trabalho se torna um lugar propicio a conflitos de toda ordem.

    E é justamente nesse contexto que se apresenta o assédio moral, conduta abusiva caracterizada pelos gestos, comportamentos obsessivos e vexatórios, humilhações públicas, amedrontamento, ameaças, ironias, sarcasmos, difamações, exposição ao ridículo, sorrisos, suspiros, trocadilhos, indiferença à presença do outro, silencio forçado, sugestão para pedido de demissão, ausência de serviço e tarefas impossíveis ou de difícil realização, controle de tempo no banheiro, divulgação pública de detalhes íntimos, etc.

    Esse processo longo e doloroso de humilhação interfere na vida do assediado de modo direto, comprometendo sua personalidade, fragilizando sua dignidade de modo a abalar suas relações afetivas e sociais. Na seqüência surgem danos à saúde física e profundos transtornos de ordem mental, capazes de evoluir para a incapacidade laborativa.

    Um estudo da faculdade de saúde pública da Universidade de São Paulo (USP), publicado em 12/05/2013, listou quatro razões para explicar os transtornos mentais ligados a pressões impostas no ambiente de trabalho. “A primeira é a alta demanda de trabalho. As pessoas têm baixo controle sobre o seu ritmo de trabalho; elas são solicitadas a várias e complexas tarefas. Outro aspecto são os relacionamentos interpessoais verticais e horizontais ruins. A terceira razão é o desequilíbrio entre o esforça e a recompensa adequada à dedicação. A gente não fala só de dinheiro. Às vezes, um reconhecimento, um elogio ao que você está desempenhando. O último aspecto é a dedicação excessiva ao trabalho, que também pode afetar a saúde mental” .

    Para a estudiosa francesa Marie France Hirigoyen, no livro “Assédio Moral: A violência perversa no cotidiano”: “O assédio moral no trabalho é toda e qualquer conduta abusiva manifestando-se através de palavras, gestos, atos escritos que possam trazer dano à personalidade, à dignidade, ou à integridade física ou psíquica de uma pessoa, pôr em perigo o seu emprego ou degradar o ambiente de trabalho” .

    No trabalho “Direitos humanos fundamentais do trabalho: Dano moral”, publicado por Francisco Meton Marques de Lima no Jornal do 11º Congresso Brasileiro de Direito do Trabalho: ”a maioria dos empregados assediados são estáveis, como diretores de sindicatos e funcionários públicos, pois a estabilidade impede que os mesmos sejam dispensados sem justa causa. Desta forma, os administradores procuram vencer pelo cansaço. Outro exemplo ocorre com os trabalhadores vítimas de doenças incapacitantes ou acidentes de trabalho que são alvo de zombaria pelos empregadores que criam um ambiente hostil ao reabilitado. Um exemplo que bem caracteriza essa diferença é a vítima de LER (Lesão por Esforço Repetitivo), constantemente ironizada ao ser informada que na verdade está com “LERdeza” .

    A preocupação com a progressão dos problemas causados pelo assédio moral, levou a Organização Internacional do Trabalho- OIT a criar, em novembro de 2000, uma comissão para estudo dos custos do assédio moral na segurança e na saúde dos trabalhadores. Composta de professores universitários e cientistas sociais, a comissão descreveu o fenômeno e relatou os custos do assédio em termos de estigmatização, problemas de saúde físicos e mentais, implicações na perda do emprego e relações trabalho-casa. A preocupação da OIT é tanto com a violência física quanto com a violência de natureza psicológica, sexual e racial. Segundo a organização: ”pesquisas realizadas no Reino Unido, demonstraram que 53% dos trabalhadores foram vítimas de coações no trabalho e que 78% foram testemunhas desse tipo de comportamento que pode afetar seriamente a saúde física e psíquica dos que dele sofrem. Ressalta o fato de que na Suécia ter-se estimado que esse tipo de violência é causa de 10% a 15% dos casos de suicídios” .

    A produtividade dos trabalhadores vítimas do assédio tende a diminuir muito, se comparada ao período em que não eram vítimas. Eles faltavam menos ao trabalho, raramente apresentavam atestados médicos, tinham menos problemas psicológicos. A partir do momento em que são assediados são visíveis as transformações em suas vidas, seja ela pessoal ou profissional.

    O aumento dos custos nas empresas é determinado pelas faltas por doenças, substituições e despesas processuais. O rendimento da vítima chega a diminuir cerca de 60% se comparado ao período anterior ao assédio. Estes custos não ficam restritos somente à empresa, é de se observar que o Estado arca com uma grande quantia, considerando-se que as licenças médicas superiores a quinze dias, os afastamentos por acidentes de trabalho decorrentes de estresse psicológico gerado pela violência e, por que não dizer, as inúmeras aposentadorias precoces, são pagas pelo Instituto Nacional de Seguridade Social-INSS, ou melhor, pelo contribuinte. Assim é possível falar, também, em custo social decorrente das situações de coação moral no trabalho.

    Márcia Novaes Guedes, no livro “Terror psicológico no trabalho”, afirma que: ”Em 1994 foi aprovada na Suécia a Lei de Reabilitação Profissional que obriga o empregador a apresentar um plano de reabilitação profissional à Previdência Social. A finalidade dessa lei é transferir os custos de reabilitação à origem em que as condições ambientais desajustadas causaram os mesmos custos É uma forma de obrigar as empresas à não só renunciarem a essa prática abusiva, como também adotarem medidas de combate a essa espécie de violência” .

    É importante ressaltar que a Constituição Federal veda a prática do assédio moral a começar do art. que estabelece como fundamentos da República Federativa do Brasil, a cidadania, a dignidade da pessoa humana e os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa e no art. , inciso III, veda a tortura e o tratamento desumano ou degradante. Do ponto de vista da indenização devida pelo cometimento de ato ilícito, temos a tutela dos arts. 186 c/c 927 do Código Civil. O assédio, além de nulidade da despedida e da reintegração no emprego (art. , I da lei 9029/95), pode dar nascimento à pretensão de resolução do contrato de trabalho, por descumprimentos dos deveres legais e contratuais (art. 483, d da CLT), rigor excessivo ou exigência de serviços além das forças do trabalhador (art. 483, a e b da CLT). O assédio também autoriza a justa causa dos colegas, chefes, gerentes, diretores, responsáveis pela ilicitude (art. 482,b da CLT).

    Outro efeito jurídico é que o assédio moral pode gerar a reparação de danos patrimoniais e morais decorrentes dos prejuízos de ordem econômica, como: despesas médicas, despesas com psicólogos, perda de emprego, etc. E no campo da honra, da boa fama e da auto-estima, conforme tutela do art. , X da CF/88. O decreto nº. 3.048/99 (anexo II, lista B), que regulamenta a Lei 8.213/91 (Lei dos benefícios da previdência social), enumera os transtornos mentais e do comportamento relacionado com o trabalho. Nesse capítulo ele reconhece a existência de doenças profissionais e do trabalho originadas no assédio moral.

    Como o assédio moral causa um comprovado prejuízo ao meio ambiente do trabalho, o Ministério Público do trabalho, mediante ação civil pública e ação civil coletiva tem legitimidade para atuar com o intuito de exigir a observância das normas de segurança e medicina do trabalho, bem como de prevenir, afastar ou minimizar os riscos à saúde e integridade psíquica e física dos trabalhadores.

    Devido aos enormes prejuízos causados pelo assédio moral, os legisladores procuram editar normas que o previnam e o reprimam. No âmbito internacional a legislação pioneira sobre assédio moral ou coação moral é a da Noruega que em sua regulamentação trabalhista de 1977, proíbe o assédio em geral. A França, em 2002, na chamada Lei de modernização social trata do assédio moral, dedicando o capítulo IV ao tema. Em termos de projetos de lei, podemos destacar os seguintes países: Suécia, Alemanha, Itália, Austrália, Uruguai, Inglaterra, Suíça. Bélgica, Portugal. França, Japão e Estados Unidos.

    No Brasil, a competência para legislar sobre direito do trabalho é privativa da união (art. 22, I da CF/88). Diversos projetos de lei tramitam no Congresso Nacional com o objetivo de disciplinar a questão do assédio moral. Existem leis e projetos de leis municipais já aprovados, entre eles: Estado de São Paulo - Americana, Campinas, Guarulhos, Iracemópolis, Jaboticabal e São Paulo; Cascavel/PR; Natal/RN; Porto Alegre/RS; São Gabriel do Oeste, Sindrolândia/MS, Teresina/PI, etc.

    Enquanto não são aprovadas as leis, os sindicatos já começaram a inserir em suas convenções coletivas normas que previnem e estabelecem infrações e sanções para o assédio moral. O assédio moral deve ser combatido por suas conseqüências sob todos os aspectos. As condutas ilícitas dos agressores clamam por uma sanção que reprimam ações passadas e previnam ações futuras como providência necessária à saúde do empregado e à prosperidade da empresa. Omitir-se diante de comportamentos ultrajantes de assédio moral é incentivar a ocorrência de patologias, quem sabe, até mais graves.

    É importante que os empregadores se empenhem em construir um ambiente de trabalho saudável e de respeito aos direitos de todos, pois as relações existentes no processo produtivo condicionam, de certa maneira, a qualidade de vida dos indivíduos na sociedade. Discutir o assédio moral é discutir a necessidade de se preservar a saúde mental dos trabalhadores que constitui um dos valores inerentes à própria dignidade da pessoa humana, princípio sobre o qual se alicerçam os ordenamentos democráticos modernos, sendo também sinal de justiça e progresso social.

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    Disponível em: https://www.jusbrasil.com.br/noticias/artigo-o-assedio-moral-no-ambiente-de-trabalho/100551427

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