Inquérito do STF, Inconstitucional e inquisitorial ex-officio
Inquérito 4781 anomalia jurídica
É no mínimo descabido, apesar de ser de uma gravidade colossal que um dos assuntos mais importantes da atualidade (a disseminação e o financiamento de “fake news”) trafegue em um Inquérito absolutamente irregular, instaurado de ofício pelo STF, ao qual não tem competência para tanto. Quando um ministro ou seus familiares são vítimas, a competência para apuração das infrações é da polícia Civil ou Federal, em paralelo com o Ministério Público (poder conferido equivocadamente pelo próprio STF – RE 593.727). Jamais pode o próprio STF avocar com base em regra regimental uma competência não existente na Constituição da República (artigo 102). Logo, fazer subir a investigação não sendo competente para conhecer da ação penal é um equívoco.
Tal possível ação penal não seria da competência para julgamento do STF. Assim, cabe ao Ministério Público (CF, art. 129) deliberar sobre a existência de elementos suficientes à instauração de investigação, aliás, no órgão policial com atribuição legal para tanto. Assim, como atividade exercida pelo Estado em face da invasão de Direitos Fundamentais, somente pode dar por meio de Instituições reconhecidas pela normatividade, ou seja, não se pode investigar fora do contexto democrático. O perigo de se atribuir a instituições não previstas expressamente em lei o poder de investigar é o de se dar o fenômeno da cegueira estapafúrdia de provas, por efeito da dissonância cognitiva.
O objeto do inquérito 4781 é indefinido, não está indicando fato específico a ser investigado. O que o inquérito instaurado pelo Presidente do STF faz, basicamente, é instituir um “Estado Policial” no Brasil. Qualquer pessoa hoje está sob permanente investigação sobre qualquer fato que, segundo opinião subjetiva dos próprios ministros, “atingem a honorabilidade e segurança do Supremo Tribunal Federal, de seus membros e familiares”. Obviamente isso é um ato flagrantemente abusivo. É incompatível com as liberdades constitucionais uma investigação que não contenha um fato específico que lhe sirva de objeto.
Há vários dispositivos que, seguindo as garantias protegidas pela Constituição, caminham nesse sentido: o Código de Processo Penal, por exemplo, em seu art. 5º, § 1º, define que o requerimento para abertura de inquérito deve conter “a narração do fato, com todas as circunstâncias“. Logo, o primeiro vício do inquérito instaurado pelo Presidente do STF, decorre de possuir alcance excessivamente amplo, determinando a investigação de fato incerto e de pessoas indetermináveis.
A indicação de ministro responsável para o inquérito se isso ainda fosse constitucional, viola a exigência da livre distribuição. É o que expressamente impõe o art. 66 do Regimento Interno do STF: “A distribuição será feita por sorteio ou prevenção, mediante sistema informatizado, acionado automaticamente, em cada classe de processo.” No mesmo sentido vai o art. 75 do Código de Processo Penal.Por isso, foi abusivo o procedimento adotado pelo Presidente do STF ao designar o Ministro Alexandre de Moraes como responsável pelo inquérito.
A Instauração de inquérito pelo órgão do Poder Judiciário viola o sistema acusatório adotado pela Constituição de 1988. A Constituição Brasileira de 1988, no art. 129, I, ao determinar que compete privativamente ao Ministério Público promover a ação penal pública, alijou o Poder Judiciário da função de acusar, instituindo um sistema acusatório, o qual, diga-se de passagem, é mais condizente com as garantias do cidadão perante o poder de punir do Estado.
Assim, conforme leciona a maioria dos processualistas penais no Brasil, os juízes não possuem atribuição para acusar, tampouco para deflagrar a investigação, visto que essa é um desdobramento instrumental da função de acusar. Se o juiz pudesse participar da investigação, ainda que apenas determinando sua abertura, o magistrado já fulminaria sua imparcialidade, pois demonstraria comprometimento com o sucesso da persecução do ato ou da pessoa investigada. A fixação de “quem”, “onde”, “como” e “quando”, poderá promover investigação é de importância democrática fundamental. Daí os perigos de um “Inquisidor de Terno/Toga” se meter a realizar atividade investigatória desprovida de meios adequados e vinculada à recompensa, sem afastamento objetivo, subjetivo e cognitivo. Pior ainda quando investigador se arvora também no papel de futuro julgador.
O inquérito viola a liberdade de expressão. A forma como o inquérito foi aberto, sem indicar fato preciso, indicam a finalidade de instaurar um clima de terror, uma autêntica “caça às bruxas”, inibindo críticas à Corte.
Embora a liberdade de expressão não seja absoluta no Brasil, ela assegura o direito à crítica, mesmo que ácida, especialmente contra os titulares de cargos do Estado. Isso porque nesse caso a crítica encontra fundamento não só na liberdade de manifestação, mas também no princípio republicano. O cidadão é o titular da coisa pública. O servidor público o mero exercente de uma função a ele atribuída. Ora, é lógico que o cidadão possa criticar aquele que deve atuar em seu favor. Por isso, o inquérito também viola a liberdade de expressão e de crítica política.
O reconhecimento do sistema acusatório, todavia, não pode ser ad-hoc, mas sim para todos os casos em que se tolera ações inquisitórias por parte dos magistrados do Brasil. Como desenhou o Min Celso de Mello (Ag. Reg. no IP 4.435/DF):
Os fins não justificam os meios. Há parâmetros ético-jurídicos que não podem e não devem ser transpostos pelos órgãos, pelos agentes ou pelas instituições do Estado. Os órgãos do poder público, quando investigam, processam ou julgam, não estão exonerados do dever de respeitar os estritos limites da lei e da Constituição, por mais gaves que sejam os fatos cuja prática tenha motivado a instauração do procedimento estatal. Todas as condutas violadoras de regras devem ser apuradas dentro do devido processo legal substancial e com liberdade de expressão.
Hoje violam a Constituição usando a estrutura do poder judiciário contra um PR e seus pares, mas se isso se esculpir, quanto tempo para chegar até nós? já sabemos que jus esperniandi não vai trazer segurança jurídica.
Jorge Alexandre Fagundes
Advogado
F&M advogados Associados
3 Comentários
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Servidor Público aqui usado em sentido amplo. Acrescente-se. Artigo bastante lúcido. Infelizmente hoje vivemos uma época em que os Poderes constitucionalmente definidos, à partir do momento em que os seus gestores começaram a se imiscuir nas competências uns dos outros (essas definidas na CF/88 de forma clara) tudo é possível. Estado Democrático de Direito vive uma crise. Não se pode querer lucidez de um sem cobrar do outro. continuar lendo
Muito estranho!
O conteúdo do artigo é juridicamente perfeito, no entanto, o site não permite que o leitor nele deixe seu like, inclusive apenas 06 conseguiram.
Mordaça não guia súditos, mordaça cria monstros, monstros estes que encontram na força bruta seu único recurso, basta o primeiro disparo.
Democracia é o caminho mais viavel, pensem nisso! continuar lendo
O STF é uma aberração, é um tribunal político e ideológico que NÃO merece NENHUM respeito. continuar lendo