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2 de Maio de 2024

Juiz e o Sistema Acusatório

Publicado por Alm Li Diane
há 8 anos

A criação do Código de Processo Penal de 1941 foi criado nos moldes do Código Italiano (Códice Rocco), de 1930, época essa em que os costumes do Estado totalitário essa de um inquisidor, concentrando os poderes em uma única pessoa. Muito do CPP já foi alterado com o decorrer dos anos, mas ainda restam resquícios inquisitórios da época.

Como exemplo, pode-se citar o poder instrutório do juiz de produção de provas, ou seja, ele pode, antes mesmo de iniciada a ação penal, solicitar a qualquer tempo a produção de qualquer prova, assim como entende o Art. 156, I, do CPP:

“Art. 156. A prova da alegação incumbirá a quem a fizer, sendo, porém, facultado ao juiz de ofício:

I - ordenar, mesmo antes de iniciada a ação penal, a produção antecipada de provas consideradas urgentes e relevantes, observando a necessidade, adequação e proporcionalidade da medida;”

Ao que se diz certo a iniciativa probatória do juiz, que expõe “passa a ser explicita essa possibilidade, não podendo a parte alegar surpresa nem tampouco parcialidade do magistrado se assim atuar”. Isso se dá devido ao fato de essa iniciativa probatória do juiz estar amparado legalmente, fazendo com que seja entendido como possível e coerente com as demais normas vigentes.

Ainda, o mesmo autor conclui que esse determinado artigo de lei:

“Trata-se de decorrência natural dos princípios da verdade real e do impulso oficial. Em homenagem à verdade real, que necessita prevalecer no processo penal, deve o magistrado determinar a produção das provas que entender pertinentes e razoáveis para apurar o fato criminoso.

Não é errôneo o juiz poder vale-se de sua iniciativa probatória, uma vez que atenda aos princípios constitucionais, ou seja, se for buscar a produção e mais provas, as mesmas devem ser sempre em favor do acusado. Não se pode dizer que o juiz não pode ir em busca de provas que inocentassem o acusado, assim como se é feito com as liberdades provisórias, por exemplo. Cita:

“A regra do Art. 156, II, CPP, que autoriza o juiz a determinar diligencias imprescindíveis ao esclarecimento da verdade, dá-se durante o curso do processo judicial e visa atender ao principio do favor rei, ou seja, o juiz somente poderá buscar provas se for em favor do réu. Ora, se o juiz pode conceder, de oficio, ordem de habeas corpus concedendo liberdade, não há razão para se pensar que ele não poderia buscar uma prova que inocentasse o réu. Do contrário, viola-se, gravemente, o sistema acusatório”.

Por outro lado, isso pouco acontece. Na maioria dos casos, o juiz com resquícios inquisitórios, usa da redação do referido artigo de lei para buscar mais provas para condenar o réu, pois, se ele se utilizasse do princípio in dubio pro reo, como o próprio nome já diz, se o juiz estivesse na dúvida, deveria decidir inocentando o réu e não condenando-o e/ou pedindo a produção de mais provas. Entende-se que, se o juiz solicita a produção de mais provas, ele, querendo condenar o acusado, não teria provas suficientes para tal e, por essa razão, utiliza do artigo 156, II do CPP. Caso contrário, o inocentaria, por justamente estar em dúvida e fazer valer do sistema acusatório constitucional, em que nele usa-se o princípio in dubio pro reo.

A respeito da corrente contrária de pensamento, alega que, com esse artigo de lei, significa dizer que “o magistrado seja coautor na produção de provas”, uma vez que passa a adotar postura que deveria ser das partes, e jamais do órgão julgador, este imparcial no andamento do processo. Por outro lado, o mesmo autor alega que o juiz “não se deve contentar com as provas trazidas pelas partes, mormente-se detectar outras fontes possíveis de buscá-las.” Ou seja, o autor conclui que o juiz deve tomar um cuidado maior para que não leve um inocente ao cárcere privado, por isso deve ater-se a produção de provas e, se julgar necessário, ir em busca delas. Assim conclui que “na esfera criminal, ainda que o réu admita o teor da acusação, o juiz determinara a produção de provas, havendo um cuidado maior para não levar ao cárcere um inocente, visto que estão em jogo, sempre, os interesses individuais”.

Outro exemplo muito importante que evidencia os resquícios inquisitórios do Código de Processo Penal seria o da redação do Art. do CPP, em que tanto o juiz, quando o Ministério Público, ou até mesmo o ofendido podem requisitar a instauração do inquérito policial, in verbis:

“Art. 5º - Nos crimes de ação pública o inquérito policial será iniciado:

I - de ofício;

II - mediante requisição da autoridade judiciária ou do Ministério Público, ou a requerimento do ofendido ou de quem tiver qualidade para representá-lo

.

Possibilitar que o juiz requisite a instauração da investigação fere gravemente o texto constitucional, pois não deveria ser possível de que o órgão o qual irá julgar o indivíduo inicie uma investigação contra o mesmo, com o fundamento de que o princípio constitucional da imparcialidade do juiz ficaria extremamente prejudicado perante tudo isso.

Sobre a imparcialidade do magistrado, que “de jure constituendo deverá ser vetado ao juiz requisitar instauração de inquérito, mesmo porque não lhe cabe a atividade persecutória, e, assim, será preservada sua imparcialidade”.

“Se a imparcialidade é uma das características do sistema acusatório, colocando o juiz distante da persecução penal, não há dúvida de que a determinação de instauração de inquérito na hipótese em epigrafe não foi recepcionada pela Constituição Federal.”

Diante de tudo isso, começou a se pensar numa mudança do Código de Processo Penal, para que seja enterrado de vez esses resquícios inquisitórios e que se possa entender que o Brasil segue um sistema penal acusatório, entendido em nossa Constituição. Sendo assim, foi aberto no âmbito do Senado um projeto de novo Código Processual Penal.

Analisando o anteprojeto do CPP, conclui-se que este exclui totalmente as bases inquisitórias do Códice Rocco, da Itália, de 1930. Ademais, atribui postura integralmente acusatória, unificando-se com a nossa Lei Maior.

A imparcialidade do juiz tem perfeita e intima correlação com o sistema acusatório adotado pela ordem constitucional vigente, pois, exatamente visando retirar o juiz da persecução penal, mantendo-o imparcial, é que a Constituição Federal deu exclusividade da ação penal ao Ministério Público, separando, nitidamente, as funções dos sujeitos processuais.

A solução aparente já foi feita, da qual seria modificar o sistema penal vigente do CPP, em que se possa valer do princípio do juiz natural. O juiz poderá julgar, de certa forma, de uma maneira imparcial o acusado sem precisar pedir a produção de mais provas, encargos estes que ficaram evidentemente estabelecido para as partes.

O sistema misto (juizado de instrução), não obstante ser um avanço frente ao sistema inquisitivo, não é o melhor sistema, pois ainda mantém o juiz na colheita de provas, mesmo que na fase preliminar da acusação.

Há uma corrente chamada de realista, defendida por Jerome Frank, em que, nas palavras de Norberto Bobbio, afirma exatamente os caminhos que o legislador optou a fazer quando constituiu regime acusatório na CF de 1988. O direito é uma criação do juiz, em que se adapta conforme os ditames da sociedade, a sua necessidade de julgamento e, principalmente, a validade e eficácia em que esses ordenamentos estão estabelecidos. Cita:

A tese fundamental por ela sustentada é que não existe um direito objetivo, isto é, objetivamente dedutível de dados determinados, sejam estes fornecidos pelos costumes, pela lei ou pelo precedente jurídico: o direito é continua criação do juiz, é obra exclusivamente do magistrado no ato em que decide uma controvérsia. Cai deste modo o tradicional principio da certeza jurídica. A certeza, uma das pilastras dos ordenamentos jurídicos continentais, é um mito, que deriva de uma espécie de aquiescência infantil do principio de autoridade: um mito a ser derrubado para se elevar sobre as suas ruínas o direito como continua e imprevisível criação.

Com efeito, é possível concluir que as mudanças dentro da justiça e, automaticamente, dentro do direito, são feitas, com base na teoria realista, pelo magistrado, em que decide a validade, eficácia e a justiça das demais normas. Para que tivesse advindo uma Constituição extremamente adversa do atual Código de Processo Penal, o juiz, em sua total jurisdição, veio adaptando-se as raízes do sistema acusatório, modelo este que, em decorrência disso tudo, o legislador optou, em razão das mudanças na sociedade, em adotar na Constituição. Sendo assim, jamais poderá afirmar que não deve haver mudanças no CPP, pois ambos, CPP e CF, estão em conformidade, muito pelo contrário, para se garantir a eficácia das normas jurídicas, estas precisam estar em consonância e, por essa razão, ambos os institutos legais precisam estar de acordo com as vontades do magistrado, que evidentemente já mais do que as comprovou com a adoção do sistema acusatório dentro da Constituição Federal.

Entender o sistema jurídico se, no seu ápice, estiver a Constituição, significa que o direito só estará totalmente e integralmente sistematizado de maneira correta se suas leis estiverem de acordo com a Lei Maior, caso contrário, haverá divergências, como as já em questão. Isso não significa que, ao concordar as demais leis com a Constituição, nossa Constituição Federal, o sistema acusatório conseguirá atingir sua máxima e será atendido por inteiro. Acontece que, ao colocarmos em acordo toda a legislação vigente no pais, o sistema acusatório será o sistema atual brasileiro, entendido unanimemente por todos os juristas e operadores do direito. Porem, ainda seria pouco provável que o juiz se tornaria um julgador imparcial em toda a sua essência.

Seria improprio afirmar que o juiz julgará de forma totalmente neutra e imparcial a causa, inclusive o próprio Projeto de Lei do novo CPP exclui essa possibilidade, caso este que será analisado posteriormente. Entretanto, ainda sob este aspecto, dita Carnelutti a respeito do tema:

“Se, entretanto, aqueles que estão defronte ao juiz para serem julgados são partes, quer dizer que o juiz não é uma parte. Entretanto, também ele, o juiz, é um homem e, se é um homem, é também uma parte. Esta, de ser ao mesmo tempo parte e não parte, é a contradição, na qual o conceito do juiz se agita.

Sendo assim, entende-se que o juiz será sempre parte da ação penal, por ser entendido de que o mesmo faz parte do processo penal, sendo indiscutível tal afirmação.

No entanto, não deve ser descartado a possibilidade de um Código com sistema íntegro acusatório, pois deve-se pensar pelo lado Constitucional, em que deve-se unir os dois parâmetros para que o processo ande com maior perfeição.

Desta forma, visto os sistemas processuais penais, no próximo capítulo será abordado sobre a evolução histórica do juiz no processo penal, em que suas bases do direito brasileiro são encontrados no direito lusitano, em Portugal, no direito canônico, defendido pela antiga Igreja Católica e, por fim, no direito romano, em Roma.

Visto a evolução do direito processual penal brasileira e a figura do juiz como um garantidor de direitos individuais, no próximo capítulo será abordado as peculiaridades do juiz frente aos sistemas processuais penais, à luz da Constituição Federal e demais leis, como o Código de Processo Penal, como a atuação do magistrado frente aos princípios constitucionais do contraditório, ampla defesa, a motivação de suas decisões, a busca pela verdade real, entre outros.

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