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17 de Junho de 2024
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    Que se entende por crime organizado (Parte 2)

    há 14 anos

    LUIZ FLÁVIO GOMES ( www.blogdolfg.com.br )

    Professor Doutor em Direito penal pela Universidade de Madri, Mestre em Direito penal pela USP e diretor-presidente da Rede de Ensino LFG (www.lfg.com.br). Foi Promotor de Justiça (1980 a 1983), Juiz de Direito (1983 a 1998) e Advogado (1999 a 2001).

    Como citar este artigo : GOMES, Luiz Flávio. Que se entende por crime organizado (Parte 2). Disponível em http:// www.lfg.com.br - 3 de março de 2010.

    6. Impossibilidade de restrição de direitos fundamentais

    Se não existe nenhuma definição legal válida, no direito interno brasileiro, do que se entende por organização criminosa, resulta evidente que nenhuma restrição (a qualquer direito fundamental) é cabível com base nesta locução indefinida e vaga (que é uma alma em busca de um corpo).

    7. Caso da Igreja Renascer: STF, HC 96.007-SP, rel. Min. Março Aurélio, j. 10.11.2009.

    A Turma iniciou julgamento de habeas corpus impetrado contra acórdão do STJ que denegara idêntica medida por considerar que a denúncia apresentada contra os pacientes descreveria a existência de organização criminosa que se valeria da estrutura de entidade religiosa e de empresas vinculadas para arrecadar vultosos valores, ludibriando fiéis mediante fraudes, desviando numerários oferecidos para finalidades ligadas à Igreja, da qual aqueles seriam dirigentes, em proveito próprio e de terceiros.

    A impetração sustenta a atipicidade da conduta imputada aos pacientes lavagem de dinheiro e ocultação de bens, por meio de organização criminosa (Lei 9.613/98, art. , VII) ao argumento de que a legislação brasileira não contempla o tipo organização criminosa. Pleiteia, em conseqüência, o trancamento da ação penal. O Min. Março Aurélio, relator, deferiu o writ para trancar a ação penal, no que foi acompanhado pelo Min. Dias Toffoli. Inicialmente, ressaltou que, sob o ângulo da organização criminosa, a inicial acusatória remeteria ao fato de o Brasil, mediante o Decreto 5.015/2004, haver ratificado a Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional - Convenção de Palermo (Artigo 2 - Para efeitos da presente Convenção, entende-se por: a) Grupo criminoso organizado - grupo estruturado de três ou mais pessoas, existente há algum tempo e atuando concertadamente com o propósito de cometer uma ou mais infrações graves ou enunciadas na presente Convenção, com a intenção de obter, direta ou indiretamente, um benefício econômico ou outro benefício material;). Em seguida, aduziu que, conforme decorre da Lei 9.613/98, o crime nela previsto dependeria do enquadramento das condutas especificadas no art. em um dos seus incisos e que, nos autos, a denúncia aludiria a delito cometido por organização criminosa (VII). Disse que o parquet, a partir da perspectiva de haver a definição desse crime mediante o acatamento à citada Convenção das Nações Unidas, afirmara estar compreendida a espécie na autorização normativa. Tendo isso em conta, entendeu que tal assertiva mostrar-se-ia discrepante da premissa de não existir crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal (CF, art. , XXXIX). Asseverou que, ademais, a melhor doutrina defenderia que a ordem jurídica brasileira ainda não contempla previsão normativa suficiente a concluir-se pela existência do crime de organização criminosa. Realçou que, no rol taxativo do art. da Lei 9.613/98, não consta sequer menção ao delito de quadrilha, muito menos ao de estelionato também narrados na exordial. Assim, arrematou que se estaria potencializando a referida Convenção para se pretender a persecução penal no tocante à lavagem ou ocultação de bens sem se ter o delito antecedente passível de vir a ser empolgado para esse fim, o qual necessitaria da edição de lei em sentido formal e material. Estendeu, por fim, a ordem aos co-réus. Após, pediu vista dos autos a Min. Cármen Lúcia (STF, HC 96.007-SP, rel. Min. Março Aurélio, j. 10.11.2009.

    8. Convenção de Palermo (da ONU): integração impossível

    Não havendo descrição típica no direito interno brasileiro, pretende-se (grande parte da doutrina) fazer a integração do direito interno com o direito internacional. O conceito de organização criminosa, dessa maneira, estaria dado pelo Decreto 5.015, de 2004:

    DECRETO Nº 5.015, DE 12 DE MARÇO DE 2004. Promulga a Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional.

    O PRESIDENTE DA REPÚBLICA, no uso da atribuição que lhe confere o art. 84, inciso IV, da Constituição, e

    Considerando que o Congresso Nacional aprovou, por meio do Decreto Legislativo nº 231, de 29 de maio de 2003, o texto da Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional, adotada em Nova York, em 15 de novembro de 2000;

    Considerando que o Governo brasileiro depositou o instrumento de ratificação junto à Secretaria-Geral da ONU, em 29 de janeiro de 2004;

    Considerando que a Convenção entrou em vigor internacional, em 29 de setembro de 2003, e entrou em vigor para o Brasil, em 28 de fevereiro de 2004;

    DECRETA:

    Art. 1º A Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional, adotada em Nova York, em 15 de novembro de 2000, apensa por cópia ao presente Decreto, será executada e cumprida tão inteiramente como nela se contém.

    Art. São sujeitos à aprovação do Congresso Nacional quaisquer atos que possam resultar em revisão da referida Convenção ou que acarretem encargos ou compromissos gravosos ao patrimônio nacional, nos termos do art. 49, inciso I, da Constituição.

    Art. 3º Este Decreto entra em vigor na data de sua publicação.

    Brasília, 12 de março de 2004; 183º da Independência e 116º da República. LUIZ INÁCIO LULA DA SILVA. Samuel Pinheiro Guimarães Neto.

    CONVENÇAO DAS NAÇÕES UNIDAS CONTRA O CRIME ORGANIZADO TRANSNACIONAL

    Artigo 1

    Objetivo

    O objetivo da presente Convenção consiste em promover a cooperação para prevenir e combater mais eficazmente a criminalidade organizada transnacional.

    Artigo 2

    Terminologia

    Para efeitos da presente Convenção, entende-se por:

    a) Grupo criminoso organizado - grupo estruturado de três ou mais pessoas, existente há algum tempo e atuando concertadamente com o propósito de cometer uma ou mais infrações graves ou enunciadas na presente Convenção, com a intenção de obter, direta ou indiretamente, um benefício econômico ou outro benefício material;

    9. Da inadmissibilidade da tese da admissão da Convenção de Palermo

    A tese da admissão deste conceito de organização criminosa no direito interno brasileiro enfrenta dois obstáculos: (a) a Convenção versa (só) sobre a criminalidade organizada transnacional; admiti-la internamente para a criminalidade organizada não transnacional significaria autorizar (no Direito penal) a analogia in malam partem (que é vedada); (b) os tratados internacionais (centrípetos) não podem definir crimes e penas no Brasil (que exigem, por força da garantia da lex populi , uma lei discutida e aprovada pelo parlamento brasileiro).

    10. Quando o direito internacional pode ser aplicado internamente?

    Direito internacional : em relação ao Direito internacional impõe-se fazer a seguinte distinção: quando se trata das relações do indivíduo com organismos internacionais (com o Tribunal Penal Internacional, v.g.), os tratados e convenções constituem as diretas fontes desse Direito penal, ou seja, eles definem os crimes e as penas. É o que foi feito, por exemplo, no Tratado de Roma (que criou o TPI). Nele acham-se contemplados os crimes internacionais (crimes de guerra, contra a humanidade etc.) e suas respectivas sanções penais. Como se trata de um ius puniendi que pertence ao TPI (organismo supranacional), a única fonte (direta) desse Direito penal só pode mesmo ser um Tratado internacional. Quem produz esse específico Direito penal são os Estados soberanos que subscrevem e ratificam o respectivo tratado.

    Cuidando-se do Direito penal interno (relações do indivíduo com o ius puniendi do Estado brasileiro) tais tratados e convenções não podem servir de fonte do Direito penal incriminador, ou seja, nenhum documento internacional, em matéria de definição de crimes e penas, pode ser fonte normativa direta válida para o Direito interno brasileiro. O Tratado de Palermo (que definiu o crime organizado transnacional), por exemplo, não possui valor normativo suficiente para delimitar internamente o conceito de organização criminosa (até hoje inexistente no nosso país).

    Fundamento: o que acaba de ser dito fundamenta-se no seguinte: quem tem poder de celebrar tratados e convenções é o Presidente da República (Poder Executivo) (CF, art. 84, VIII), mas sua vontade (unilateral) não produz nenhum efeito jurídico enquanto o Congresso Nacional não aprovar (referendar) definitivamente o documento internacional (CF, art. 49, I). O Parlamento brasileiro, de qualquer modo, não pode alterar o conteúdo daquilo que foi subscrito pelo Presidente da República (em outras palavras: não pode alterar o conteúdo do Tratado ou da Convenção). O que resulta aprovado, por decreto legislativo , não é fruto ou expressão das discussões parlamentares, que não contam com poderes para alterar o conteúdo do que foi celebrado pelo Presidente da República. Uma vez referendado o Tratado, cabe ao Presidente do Senado Federal a promulgação do texto (CF, art. 57, ), que será publicado no Diário Oficial. Mas isso não significa que o Tratado já possua valor interno. Depois de aprovado ele deve ser ratificado (pelo Executivo). Essa ratificação se dá pelo Chefe do Poder Executivo que expede um decreto de execução (interna), que é publicado no Diário Oficial. É só a partir dessa publicação que o texto ganha força jurídica interna.[ 1 ]

    Conclusão: os tratados e convenções configuram fontes diretas (imediatas) do Direito internacional penal (relações do indivíduo com o ius puniendi internacional, que pertence a organismos internacionais TPI, v.g.), mas jamais podem servir de base normativa para o Direito penal interno (que cuida das relações do indivíduo com o ius puniendi do Estado brasileiro), porque o parlamento brasileiro, neste caso, só tem o poder de referendar (não o de criar a norma). A dimensão democrática do princípio da legalidade em matéria penal incriminatória exige que o parlamento brasileiro discuta e crie a norma. Isso não é a mesma coisa que referendar. Referendar não é criar ex novo .

    Notas de Rodapé: Cff. MAZZUOLI, Valério de Oliveira, Curso de Direito Internacional Público , 2. ed., São Paulo: RT, 2007, p. 291 e ss.

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