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7 de Maio de 2024

STF 2023 - Pronúncia Baseada em Elementos Investigativos - Nulidade

há 2 meses

Inteiro Teor

HABEAS CORPUS 232.139 CEARÁ

RELATOR : MIN. ANDRÉ MENDONÇA

COATOR (A/S)(ES) : RELATOR DO ARESP Nº 1.420.221 DO SUPERIOR

TRIBUNAL DE JUSTIÇA

DECISÃO

HABEAS CORPUS . DECISÃO INDIVIDUAL DE MINISTRO DO STJ. SUBSTITUTIVO DE AGRAVO REGIMENTAL. INADEQUAÇÃO DA VIA ELEITA. HOMICÍDIO QUALIFICADO. PROCEDIMENTO DO JÚRI. FASE DO JUDICIUM ACCUSATIONIS . FINALIDADE: FILTRO A ACUSAÇÃO INVIÁVEL. DECISÃO DE PRONÚNCIA BASEADA SOMENTE EM ELEMENTOS INVESTIGATIVOS. ART. 155 DO CPP: VIOLAÇÃO. ILEGALIDADE MANIFESTA. NEGATIVA DE SEGUIMENTO. CONCESSÃO DA ORDEM, DE OFÍCIO.

1. Trata-se de habeas corpus impetrado contra decisão, proferida no Superior Tribunal de Justiça, pela qual o Ministro Relator do Agravo em Recurso Especial nº 1.420.221/CE não conheceu do recurso especial.

2. Colhe-se dos autos que o paciente foi pronunciado pela suposta prática do crime do art. 121, § 2º, inc. IV, do Código Penal (homicídio qualificado por recurso que dificultou a defesa da vítima).

3. O Tribunal de Justiça do Estado do Ceará negou provimento ao recurso em sentido estrito interposto pela defesa.

4. Houve a inadmissão de recurso especial na origem e, contra essa decisão, formalizou-se o agravo ao STJ.

5. Neste habeas corpus, o impetrante sustenta não haver indícios de autoria suficientes para a pronúncia. Alega que os dados que embasaram a convicção do Juízo de origem foram produzidos exclusivamente na fase de inquérito, violando-se o disposto no art. 155 do Código de Processo Penal.

6. Requer, em âmbito liminar, a suspensão do processo, evitando-se a realização do julgamento na data apontada, e, no mérito, a impronúncia do paciente.

7. Em consulta ao site do Tribunal de Justiça do Estado do Ceará, constatou-se que a sessão de julgamento no Tribunal do Júri foi designada para 15/03/2024.

É o relatório. Decido.

8. Este habeas corpus volta-se contra decisão individual de Ministro do Superior Tribunal de Justiça. Inexistindo pronunciamento colegiado do STJ, não compete ao Supremo Tribunal Federal examinar a questão de direito versada na impetração ( CRFB, art. 102, inc. I, al. i). O caso é de habeas corpus substitutivo de agravo regimental, cabível na origem. Nesse sentido: HC nº 115.659/PR (Rel. Min. Luiz Fux, Primeira Turma, j. 02/04/2013, p. 25/04/2013); HC nº 197.645-AgR/RJ (Rel. Min. Roberto Barroso, Primeira Turma, j. 08/04/2021, p. 16/04/2021); e HC nº 199.029-AgR/MA (Rel. Min. Edson Fachin, Segunda Turma, j. 19/04/2021, p. 29/04/2021).

9. Verificada a inadequação da via eleita, a concessão da ordem de ofício é providência excepcional , a ser implementada somente quando constatada flagrante ilegalidade, abuso de poder ou mesmo teratologia na decisão impugnada. Entendo ser o caso dos autos.

10. O rito alusivo ao processo dos crimes dolosos contra a vida é bifásico, constituído por uma etapa preliminar e outra voltada ao julgamento propriamente dito no Plenário do Júri. A fase que se desenvolve perante o juiz singular é denominada de sumário da culpa (ou judicium accusationis) e se encerra, quando viável a acusação, com a sentença de pronúncia, na qual o magistrado faz um juízo de admissibilidade da acusação, a fim de delimitá-la e demonstrar a prova da materialidade do crime e os indícios suficientes de autoria.

11. A razão de ser desta etapa, anterior à submissão da matéria ao Tribunal do Júri, está no fato de que os jurados, em regra, são pessoas das quais não se espera qualquer conhecimento técnico-jurídico. Esse exame prévio não tem natureza meramente protocolar, servindo para, além de simplificar e delimitar o fato a ser julgado, evitar a submissão imediata (e temerária) da inicial acusatória, por crime contra a vida, ao crivo de juízes leigos, inaptos à tarefa de distinguir acusações com e sem justa causa .

12. Com efeito, vale lembrar que o Tribunal do Júri adota o sistema da íntima convicção ( CPP, art. 472), ou seja, o jurado julga a partir do seu convencimento pessoal, não sendo necessário justificar ou motivar sua decisão.

13. Outrossim, vigora o princípio da soberania dos veredictos, o que implica, em regra, a imutabilidade das decisões do Júri, salvo as restritas hipóteses legais de cabimento da apelação - CPP, art. 593, inc. III. Nesse sentido, no caso de provimento de recurso em face de veredicto do Júri contrário à prova dos autos, não se retorna à fase do sumário da culpa, sendo apenas o réu sujeito a novo julgamento, valendo salientar que "não se admite, porém, pelo mesmo motivo, segunda apelação" ( CPP, art. 593, § 3º). Portanto, não resta dúvida de que a fase de pronúncia deve constituir uma barreira importante a eventual condenação injusta.

14. A respeito da finalidade e da relevância da mencionada fase preparatória, tomo de empréstimo a lição de Guilherme de Souza Nucci:

"A finalidade da existência de uma fase preparatória de formação da culpa , antes que se remeta o caso à apreciação dos jurados, pessoas leigas, recrutadas nos variados segmentos sociais, é evitar o erro judiciário, seja para absolver, seja para condenar. Porém, fundamentalmente, para evitar a condenação equivocada . Afinal, o Estado se comprometeu a evitar o erro judiciário e, não sendo possível, envidará esforços a repará-lo (art. 5º, LXXXV, CF)."

(NUCCI, Guilherme de Souza. Tribunal do júri . 8. ed. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2020, p. 66; grifos nossos).

15. Dito isso, espera-se, ao menos, que seja erigida uma barreira a acusações sem mínimo respaldo em prova colhida sob o contraditório. O Estado democrático de direito não se coaduna com atuação jurisdicional descompromissada que, valendo-se do famigerado brocardo in dubio pro societate , submete ao crivo de julgadores leigos causas cuja fragilidade levaria o próprio juiz togado a absolver o réu.

16. Estabelecidas essas premissas, passo ao caso concreto.

17. Na decisão de pronúncia , o Juízo considerou presentes indícios de autoria, com base nas seguintes premissas:

"Quanto à autoria, cujos indícios restaram suficientes, conforme acima se expôs, encontra-se delineada nos depoimentos testemunhais prestados na fase administrativa, e depois em juízo.

Ao serem interrogados em juízo, os acusados negam a autoria delitiva.

A versão oferecida pelos delatados em juízo, contudo, não encontrou respaldo na prova testemunhal produzida . A testemunha Alexandre Martins Carneiro quando ouvida perante a autoridade policial afirmou ter ouvido 04 disparos e em seguida viu Jhou e Alexandre correndo cada um com uma arma na mão; Tales XXXXXX , por sua vez, afirmou que por volta das 19:00 horas dois indivíduos armados passando próximo, que reconheceu um dos indivíduos como sendo Alexandre e o outro mais alto e mais forte do que Alexandre que os dois seguiam correndo subindo o morro; Andressa XXXXXX afirmou ter ouvido falar de populares que Jhou e Alexandre, teriam pedido carona a vítima e quando chegaram perto do Motel Dunas eles teriam pedido para parar o carro por irem à comunidade do Gengibre conversar com uma mulher, que tão logo parou o veículo Gleison foi alvejado a bala, não sabendo precisar qual dos dois efetuou o disparo , que inclusive uma pessoa teria visto os dois acusados saindo correndo de dentro do veículo, afirmou ainda está sendo ameaçada de morte por meio de um perfil de nome ‘Morte chegou a tua vez’ no Facebook, e ainda que foi ameaçada pessoalmente por Clint, irmão de Jhou, que teria dito ‘vai dar certo para você’, que chegou a parar de estudar por temer ser morta pois sabe que os irmãos Jhou XXXXXXX e XXXXXXXX, bem como Alexandre, são pessoas perigosas .
Já quando ouvidas em juízo, as testemunhas desdizem o que anteriormente afirmaram perante a autoridade policial. Tales e Alexandre demonstram patente nervosismo, negam tudo o que antes afirmaram e solicitam expressamente que seus depoimentos sejam tomados na presença dos acusados, o que não é o usual e causa estranheza.
(...)
Diante disso; da prova testemunhal apresentada; e da prudente convicção justificada deste juízo ; além do amparo legal acima lançado, outra não seria a conclusão que existe prova da materialidade e, também, existem indícios suficientes de autoria , merecendo os réus serem levados a julgamento perante o Tribunal Popular do Júri." (e-doc. 3, p. 3/5; grifos nossos).

18. A conclusão foi mantida pelo Tribunal de Justiça, ao apreciar o recurso em sentido estrito (e-doc. 4), e pelo Ministro Relator, no STJ. No ato ora impugnado, consignou-se que, "da análise dos autos, verifica-se que as instâncias ordinárias, além de fazerem referências à prova da materialidade do crime, apoiaram-se nos depoimentos de testemunhas para concluir pela existência, nos autos, de elementos mínimos de autoria para fundamentar o decreto de pronúncia em desfavor do denunciado ." (e-doc. 5, p. 4; sem grifos no original).

19. O art. 413 do CPP disciplina os termos da decisão de pronúncia:

"Art. 413. O juiz, fundamentadamente, pronunciará o acusado, se convencido da materialidade do fato e da existência de indícios suficientes de autoria ou de participação.

§ 1º-A fundamentação da pronúncia limitar-se-á à indicação da materialidade do fato e da existência de indícios suficientes de autoria ou de participação, devendo o juiz declarar o dispositivo legal em que julgar incurso o acusado e especificar as circunstâncias qualificadoras e as causas de aumento de pena." (grifos nossos).

20. O standard probatório exigido, que se extrai do art. 413 do CPP, mais especificamente da expressão "indícios suficientes" , por óbvio, não é o mesmo da sentença condenatória (prova da acusação além da dúvida razoável), isto é, não se exige uma certeza da culpa. Nada obstante, é indispensável prova suficiente a evidenciar um juízo de probabilidade da culpa superior ao da ocasião do recebimento da denúncia, por exemplo. Mostra-se necessário um grau de probabilidade considerável da culpa, não se contentando a lei com a mera possibilidade.

21. Entretanto, no caso concreto, ao contrário do que se espera, a decisão de pronúncia não tem amparo em provas colhidas sob o crivo do contraditório, mas tão somente em dados colhidos na fase de inquérito (depoimentos de Alexandre, Tales e Andressa). Todos se retrataram ao serem ouvidos em juízo, passando a relatar que nada sabiam a respeito do fato.

22. Estando a decisão de pronúncia baseada apenas em elementos coligidos no inquérito, não ratificados durante o sumário da culpa , houve clara transgressão ao disposto no art. 155 do CPP, in verbis:

"Art. 155.

O

juiz

formará

sua

convicção

pela

livre

apreciação da prova produzida em contraditório judicial, não

apreciação da prova produzida em contraditório judicial, não

podendo

fundamentar

sua

decisão

exclusivamente

nos

podendo

fundamentar

sua

decisão

exclusivamente

nos

elementos informativos colhidos na investigação, ressalvadas

as provas cautelares, não repetíveis e antecipadas." (grifos nossos).

23. A norma em questão confere maior valor aos dados colhidos sob o crivo dos princípios constitucionais informadores de todo o sistema processual penal brasileiro: devido processo legal, contraditório e ampla defesa, nos termos do art. 5º, incs. LIV e LV, da CRFB.

24. A premissa é aplicável tanto à sentença condenatória quanto à decisão de pronúncia, evitando-se que os jurados condenem o réu apenas com base em elementos colhidos sem qualquer participação da defesa, já que nada assegura o surgimento de prova nova durante os debates em Plenário . No Tribunal do Júri, a garantia de não sofrer condenação com base exclusivamente em elementos do inquérito ganha mais relevância, pois, como dito, os jurados - cujas decisões, em regra, são soberanas - não precisam motivar suas conclusões, alcançadas a partir da íntima convicção , o que pode dificultar, ou até inviabilizar, a verificação de uma condenação em desconformidade com o art. 155 do CPP.

25. Destaco, a esse respeito, elucidativa lição doutrinária:

"Se os elementos informativos colhidos na investigação, isoladamente considerados, não podem ser usados para a formar a convicção do juiz ( CPP, art. 155), é de rigor a conclusão no sentido de que também não poderão servir como fundamento exclusivo da decisão de pronúncia. Muito embora a análise aprofundada dos elementos probatórios seja feita somente pelo Tribunal Popular, não se pode admitir a pronúncia do réu, dada sua carga decisória, sem qualquer lastro probatório colhido em juízo (...)." 1
1 Lima, Renato Brasileiro de. Manual de processo penal: volume único. 9. ed. rev., ampl. e

26. Esse raciocínio não implica abandonar os elementos coligidos na fase inquisitorial, mas impõe que estes não sirvam , sozinhos , a sustentar o livre convencimento motivado do julgador togado. Ensina a doutrina que esses elementos podem servir para corroborar o que foi produzido na fase judicial . Caso haja, contudo, divergência com a prova judicial, esta última, pelas razões expostas, deve prevalecer. Para estabelecer o sentido dessa corroboração, reporto-me às seguintes lições:

"Tanto os elementos de informação do inquérito quanto as provas em contraditório devem ser convergentes, apontando para um convencimento judicial no mesmo sentido . Não será possível ao julgador, no caso em que haja provas produzidas em contraditório em um sentido, e elementos colhidos no inquérito no outro sentido, ficar com essa versão e, com base nela, condenar o acusado . Nesse caso, substancialmente, o acusado terá sido condenado exclusivamente com base nos elementos de formação colhidos no inquérito, sem a observância do contraditório.
Por fim, é de se ver que a corroboração das provas deve ter por objeto uma mesma afirmação sobre fato juridicamente relevante para a decisão da causa, independentemente de ser o mesmo tipo de prova, ou a mesma fonte de prova." 2 (grifos nossos).

27. Dito isso, constata-se inexistir conjunto fático-probatório capaz de dar apoio à decisão de pronúncia, impondo-se a impronúncia.

28. Em arremate, faço a seguinte ponderaçã o. Caso os elementos colhidos na fase investigatória fossem suficientes, por si sós, à submissão de acusado ao julgamento do Plenário do Júri, não haveria necessidade

2 BADARÓ, Gustavo Henrique. Processo penal. 8. ed. rev., ampl. e atual. São Paulo:

da etapa preliminar, isto é, da primeira fase do procedimento do júri. Nessa hipótese, o inquérito seria apresentado pelo Ministério Público ao magistrado, e este, então, de imediato, efetuaria o juízo preliminar de admissão da acusação, encerrando-se a fase do judicium accusationis . Isso por óbvio, não é o que se extrai da interpretação das normas legais e constitucionais sobre a matéria, sendo incabível relegar a instrução probatória da fase do sumário da culpa a um papel de irrelevância e neutralidade, sob pena de se tornar inócua etapa processual obrigatória e indispensável à consecução do justo processo.

29. A ilustrar a motivação consignada, cito os seguintes precedentes do Supremo Tribunal Federal :

"HABEAS CORPUS" - TRIBUNAL DO JÚRI - DECISÃO DE PRONÚNCIA - IMPOSSIBILIDADE DE REFERIDO ATO DECISÓRIO TER COMO ÚNICO SUPORTE PROBATÓRIO ELEMENTOS DE INFORMAÇÃO PRODUZIDOS, UNILATERALMENTE, NO ÂMBITO DE INQUÉRITO POLICIAL OU DE PROCEDIMENTO DE INVESTIGAÇÃO CRIMINAL INSTAURADO PELO PRÓPRIO MINISTÉRIO PÚBLICO - TRANSGRESSÃO AOS PRINCÍPIOS DO CONTRADITÓRIO E DA PLENITUDE DE DEFESA, VIOLANDO-SE, AINDA, A BILATERALIDADE DO JUÍZO - O PROCESSO PENAL COMO INSTRUMENTO DE SALVAGUARDA DA LIBERDADE JURÍDICA DAS PESSOAS SOB PERSECUÇÃO CRIMINAL - (...). - O sistema jurídico- constitucional brasileiro não admite nem tolera a possibilidade de prolação de decisão de pronúncia com apoio exclusivo em elementos de informação produzidos, única e unilateralmente, na fase de inquérito policial ou de procedimento de investigação criminal instaurado pelo Ministério Público, sob pena de frontal violação aos postulados fundamentais que asseguram a qualquer acusado o direito ao contraditório e à plenitude de defesa . Doutrina. Precedentes. - Os subsídios ministrados pelos procedimentos inquisitivos estatais não bastam, enquanto isoladamente considerados, para legitimar a decisão de pronúncia e a consequente submissão do acusado ao Plenário do Tribunal do Júri. - O processo penal qualifica-se como instrumento de salvaguarda da liberdade jurídica das pessoas sob persecução criminal. Doutrina. Precedentes. - (...)."

(HC nº 180.144/GO, Rel. Celso de Mello, Segunda Turma,

j. 10/10/2020, p. 22/10/2020; grifos nossos).

"SEGUNDO AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS . PENAL. TENTATIVA DE HOMICÍDIO QUALIFICADO. IMPRONÚNCIA. PROVIMENTO DO APELO MANTIDO PELO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA: PRONÚNCIA DO RÉU. SENTENÇA DE PRONÚNCIA: JUÍZO PROVISÓRIO DE ADMISSIBILIDADE DA ACUSAÇÃO: EXIGÊNCIA DE PROVA DA MATERIALIDADE E DE INDÍCIOS DE AUTORIA NEGADO NA ESPÉCIE. CONSTRANGIMENTO ILEGAL DEMONSTRADO. CONCESSÃO DA ORDEM PARA RESTABELECER A DECISÃO DE IMPRONÚNCIA. AGRAVO REGIMENTAL AO QUAL SE NEGA PROVIMENTO."

(HC nº 179.201-AgR-segundo/PI, Rel. Min. Cármen Lúcia, Segunda Turma, j. 20/10/2020,p. 17/11/2020, grifos nossos).

"Penal e Processual Penal. 2. Júri. 3. Pronúncia e standard probatório: a decisão de pronúncia requer uma preponderância de provas, produzidas em juízo, que sustentem a tese acusatória, nos termos do art. 414, CPP. 4. Inadmissibilidade in dubio pro societate : além de não possuir amparo normativo, tal preceito ocasiona equívocos e desfoca o critério sobre o standard probatório necessário para a pronúncia. 5. Valoração racional da prova: embora inexistam critérios de valoração rigidamente definidos na lei, o juízo sobre fatos deve ser orientado por critérios de lógica e racionalidade, pois a valoração racional da prova é imposta pelo direito à prova (art. 5º, LV, CF) e pelo dever de motivação das decisões judiciais (art. 93, IX, CF). 6. Critérios de valoração utilizados no caso concreto: em lugar de testemunhas presenciais que foram ouvidas em juízo, deu-se maior valor a relato obtido somente na fase preliminar e a testemunha não presencial, que, não submetidos ao contraditório em juízo, não podem ser considerados elementos com força probatória suficiente para atestar a preponderância de provas incriminatórias. 7. Dúvida e impronúncia: diante de um estado de dúvida, em que há uma preponderância de provas no sentido da não participação dos acusados nas agressões e alguns elementos incriminatórios de menor força probatória, impõe-se a impronúncia dos imputados, o que não impede a reabertura do processo em caso de provas novas (art. 414, parágrafo único, CPP). Primazia da presunção de inocência (art. 5º, LVII, CF e art. 8.2, CADH). 8. Função da pronúncia: a primeira fase do procedimento do Júri consolida um filtro processual, que busca impedir o envio de casos sem um lastro probatório mínimo da acusação, de modo a se limitar o poder punitivo estatal em respeito aos direitos fundamentais. 9. Inexistência de violação à soberania dos veredictos: ainda que a Carta Magna preveja a existência do Tribunal do Júri e busque assegurar a efetividade de suas decisões, por exemplo ao limitar a sua possibilidade de alteração em recurso, a lógica do sistema bifásico é inerente à estruturação de um procedimento de júri compatível com o respeito aos direitos fundamentais e a um processo penal adequado às premissas do Estado democrático de Direito. 10. Negativa de seguimento ao Agravo em Recurso Extraordinário. Habeas corpus concedido de ofício para restabelecer a decisão de impronúncia proferida pelo juízo de primeiro grau, nos termos do voto do relator."

(ARE nº 1.067.392/CE, Rel. Min. Gilmar Mendes, Segunda Turma, j. 26/03/2019, p. 02/07/2020; grifos nossos).

30. Por outro lado, a" estranheza "destacada pelo magistrado na pronúncia em relação à mudança no depoimento das testemunhas, que teriam demonstrado nervosismo ao negar os fatos declarados em sede de inquérito, não infirma a conclusão. Em primeiro lugar, caso, de fato, fosse constatada coação ou receio das testemunhas, cumpriria ao Ministério Público, ou ao juiz da causa, lançar mão dos meios jurídicos disponíveis na Lei nº 9.807, de 1999 3 . Eis o que preceitua essa legislação:

"Art. 1º As medidas de proteção requeridas por vítimas ou por testemunhas de crimes que estejam coagidas ou expostas a grave ameaça em razão de colaborarem com a investigação ou processo criminal serão prestadas pela União, pelos Estados e pelo Distrito Federal, no âmbito das respectivas competências, na forma de programas especiais organizados com base nas disposições desta Lei.

(...)

Art. 5º-A solicitação objetivando ingresso no programa poderá ser encaminhada ao órgão executor:

I - pelo interessado;

II - por representante do Ministério Público;

III - pela autoridade policial que conduz a investigação criminal;

3 Estabelece normas para a organização e a manutenção de programas especiais de

IV - pelo juiz competente para a instrução do processo criminal;

V - por órgãos públicos e entidades com atribuições de defesa dos direitos humanos."

31. Não foi o que houve, sendo impróprio pressupor atuação do acusado no sentido de interferir no ânimo das testemunhas. É possível, aliás, no campo hipotético , que o primeiro depoimento, prestado na fase investigatória, não seja consentâneo com a realidade, mas o segundo, sim. Na verdade, deve-se dar mais credibilidade à prova colhida em juízo, pois formada em observância ao devido processo legal, ao contraditório e à ampla defesa, e não o contrário .

32. Por fim, importante ressaltar que impronúncia não se confunde com absolvição, uma vez que, enquanto não extinta a punibilidade, o paciente poderá ser novamente processado se surgirem novas provas, nos termos do art. 414, parágrafo único, do CPP :

"Art. 414. Não se convencendo da materialidade do fato ou da existência de indícios suficientes de autoria ou de participação, o juiz, fundamentadamente, impronunciará o acusado.

Parágrafo único. Enquanto não ocorrer a extinção da punibilidade, poderá ser formulada nova denúncia ou queixa se houver prova nova."

33. Por todo o exposto, nego seguimento ao habeas corpus , mas, com fundamento no art. 192 do RISTF, concedo a ordem, de ofício, para impronunciar o paciente (processo nº 0792723-64.2014.8.06.0001, da 3a Vara do Júri da Comarca de Fortaleza/CE) .

Comunique-se, com urgência. Publique-se . Brasília, 9 de novembro de 2023.

Ministro ANDRÉ MENDONÇA

Relator

(STF - HC: 232139 CE, Relator: ANDRÉ MENDONÇA, Data de Julgamento: 09/11/2023, Data de Publicação: PROCESSO ELETRÔNICO DJe-s/n DIVULG 09/11/2023 PUBLIC 10/11/2023)

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