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8 de Maio de 2024

STF 2023 - Tráfico Privilegiado afastado com base no fato de o crime ter sido cometido em rodovia federal - Ilegalidade

há 2 meses

Inteiro Teor

HABEAS CORPUS 212.808 SÃO PAULO

RELATOR : MIN. EDSON FACHIN

COATOR (A/S)(ES) : SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

DECISÃO: Trata-se de habeas corpus impetrado contra acórdão proferido pelo Superior Tribunal de Justiça no HC 707.668/SP, assim ementado (eDOC 12):

"AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE DROGAS. DOSIMETRIA. PENA-BASE. FUNDAMENTAÇÃO CONCRETA E IDÔNEA. MINORANTE. QUANTIDADE DE DROGA APREENDIDA E OUTROS ELEMENTOS CONCRETOS. DEDICAÇÃO A ATIVIDADES CRIMINOSAS. AGRAVO REGIMENTAL NÃO PROVIDO. 1. O Tribunal de origem considerou devida a imposição da pena- base acima do mínimo legal, em razão da quantidade de droga apreendida, qual seja, 538,8 kg de maconha, mais de meia tonelada. 2. Uma vez que foram apontados argumentos concretos e específicos dos autos para a fixação da pena-base acima do mínimo legal, não há como esta Corte simplesmente se imiscuir no juízo de proporcionalidade feito pelas instâncias de origem para, a pretexto de ofensa aos princípios da proporcionalidade e da individualização da pena, reduzir a reprimenda-base estabelecida ao acusado. 3. Para a aplicação da minorante prevista no art. 33, § 4º, da Lei n. 11.343/2006, é exigido, além da primariedade e dos bons antecedentes do acusado, que este não integre organização criminosa nem se dedique a atividades delituosas. Isso porque a razão de ser dessa causa especial de diminuição de pena é justamente punir com menor rigor o pequeno traficante. 4. As instâncias de origem - dentro do seu livre convencimento motivado - apontaram elementos concretos dos autos a evidenciar que as circunstâncias em que perpetrado o delito em questão não se compatibilizariam com a posição de um pequeno traficante ou de quem não se dedica, com certa frequência e anterioridade, a atividades criminosas, notadamente ao tráfico de drogas. 5. Não há bis in idem na dosimetria da pena, quando, para justificar a impossibilidade de aplicação do redutor previsto no § 4º do art. 33 da Lei n. 11.343/2006, são mencionados, além da quantidade de drogas apreendidas, outros elementos concretos dos autos que permitem a conclusão de que o agente se dedica a atividades criminosas ou integra organização criminosa. 6. Agravo regimental não provido."

Busca-se, em síntese, a reforma na dosimetria da pena, alegando-se deficiência na sua fundamentação, a fim de que: a) seja reduzida a pena- base, fixada em patamar alegadamente desproporcional; b) seja aplicada a minorante prevista no art. 33, § 4º, da Lei 11.343/2006 em seu grau máximo.

A PGR opinou pela denegação da ordem (eDOC 17).

É o relatório. Decido.

1. No caso dos autos , a apontada ilegalidade, quanto à primeira fase da dosimetria da pena, não pode ser aferida de pronto.

A esse respeito, a jurisprudência desta Corte é consolidada no sentido de que "o juízo revisional da dosimetria da pena fica circunscrito à motivação (formalmente idônea) de mérito e à congruência lógico-jurídica entre os motivos declarados e a conclusão" ( HC 69.419/MS, Primeira Turma, da relatoria do Ministro Sepúlveda Pertence, DJ de 28.08.92).

Não bastasse, merece ponderação o fato de que "é vedado subtrair da instância julgadora a possibilidade de se movimentar com certa discricionariedade nos quadrantes da alternatividade sancionatória" ( HC 97.256, Relator (a): Min. AYRES BRITTO, Tribunal Pleno, julgado em 01.09.2010).

Diante desse limite cognitivo, a revisão da dosimetria não permite incursão no quadro fático-probatório, tampouco a reconstrução da discricionariedade constitucionalmente atribuída às instâncias ordinárias.

Quando o assunto consiste em aplicação da pena, a atividade do Supremo Tribunal Federal, em verdade, circunscreve-se "ao controle da legalidade dos critérios utilizados, com a correção de eventuais arbitrariedades" ( HC 128.446, Relator (a): Min. TEORI ZAVASCKI, Segunda Turma, julgado em 15.09.2015).

No caso dos autos, o Juízo de primeiro grau realizou a dosimetria da pena-base nestes termos (eDOC 5, p. 19):

Na primeira fase da dosimetria penal, passo a analisar as circunstâncias judiciais do artigo 59 do Código Penal: culpabilidade (inerente ao tipo, sem considerações que possam aumentar significativamente a reprovabilidade da conduta); antecedentes (o acusado é primário); conduta social (nada a ser valorado); personalidade (não há elementos para aferir eventual personalidade nociva do réu); motivos do crime (inerentes à espécie); circunstâncias do crime (nada a considerar); consequências do crime (inerentes à espécie); comportamento da vítima (nada a considerar); quantidade da droga (considerando que o acusado foi surpreendido com expressiva quantidade de drogas, 550,2 kg de maconha (massa bruta), certamente suficiente para sustentar o vício de uma imensa quantidade de pessoas, aumento a pena do acusado no dobro); natureza da droga (tendo em vista que as investigações demonstraram que o réu traficava maconha e, considerando que numa escala de ofensividade o crack está à frente da cocaína que, por sua vez, está à frente da maconha, em homenagem ao princípio da proporcionalidade, verifico a necessidade de majorar em 1/4 quando se tratar de crack e em 1/6 quando se tratar de cocaína, não merecendo majoração quando se tratar de maconha. Portanto, deixo de valorar essa circunstância negativamente).

Assim, fixo a pena base acima do mínimo legal, ou seja, em 10 (dez) anos de reclusão e 1000 (mil) dias-multa.

O Tribunal bandeirante manteve a dosagem da pena com base nesta

fundamentação (eDOC 6, p. 6):

Na primeira fase, o Juízo "a quo" elevou a pena-base do apelante ao dobro, atingindo-se 10 (dez) anos de reclusão e 1000 (mil) dias-multa, patamar que, embora rigoroso, encontra justificativa idônea e concreta.

Ressalte-se que o artigo 42 da Lei 11.343/06 estatui o seguinte: "O juiz, na fixação das penas, considerará, com preponderância sobre o previsto no art. 59 do Código Penal, a natureza e a quantidade da substância ou do produto, a personalidade e a conduta social do agente" (grifei).

"In casu", o apelante foi surpreendido enquanto transportava, na rodovia Régis Bittencourt, mais de meia tonelada de maconha (massa líquida de 538,8 kg fl. 31), quantidade de droga que extrapola em demasia os limites inerentes ao tipo penal, porquanto indicativa de tráfico de larga escala, sendo capaz de alcançar inúmeros usuários e acarretar, por consequência, gravíssimos danos individuais, familiares e sociais.

Destarte, à luz do princípio da igualdade em seu sentido material, calcado na máxima aristotélica de que se deve tratar desigualmente os desiguais, bem como do princípio da individualização das penas ambos os princípios de hierarquia constitucional , mostra-se necessário maior rigor na fixação da pena-base.

Observo que as instâncias ordinárias, soberanas quanto à matéria fática, concluíram, de modo fundamentado e com base na muitíssimo elevada quantidade de drogas apreendidas, mais de meia tonelada de maconha, que as circunstâncias dos arts. 59 do CP e 42 da Lei de Drogas recomendavam a fixação da pena-base acima do mínimo legal. Não há ilegalidade nessa conclusão.

Trata-se, à obviedade, de juízo empreendido à luz das particularidades do caso em apreço, as quais desbordam dos elementos ínsitos ao tipo e efetivamente denotam maior reprovabilidade à conduta dos pacientes. Nesse contexto, não cabe à Suprema Corte reanalisar tais aspectos inerentes à discricionariedade afeta à dosimetria da pena.

A questão situa-se, portanto, dentro da margem legalmente atribuída às instâncias ordinárias no mister de, discricionariamente, atribuir plena concretude ao princípio da individualização da pena, não havendo que se falar em constrangimento ilegal, nesse tocante.

Neste sentido, é a jurisprudência desta Corte:

RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS . HOMICÍDIO E PORTE ILEGAL DE ARMA DE FOGO. WRIT JULGADO PREJUDICADO PELO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. DOSIMETRIA. CIRCUNSTÂNCIAS E MOTIVOS DO CRIME. BIS IN IDEM NÃO CONFIGURADO. 1. Escorreita a decisão do Superior Tribunal de Justiça que julga prejudicado writ impetrado contra decisão da Corte Estadual que já fora impugnada por meio de agravo em recurso especial, ao qual negado provimento anteriormente. 2. A dosimetria da pena é matéria sujeita a certa discricionariedade judicial. O Código Penal não estabelece rígidos esquemas matemáticos ou regras absolutamente objetivas para a fixação da pena. Cabe às instâncias ordinárias, mais próximas dos fatos e das provas, fixar as penas. Às Cortes Superiores, no exame da dosimetria das penas em grau recursal, compete o controle da legalidade e da constitucionalidade dos critérios empregados, bem como a correção de eventuais discrepâncias, se gritantes ou arbitrárias, nas frações de aumento ou diminuição adotadas pelas instâncias anteriores . 3. A ocorrência de vetoriais negativas do art. 59 do Código Penal autoriza a elevação da pena acima do mínimo legal. 4. Inexistência de bis in idem. 5. Recurso ordinário em habeas corpus a que se nega provimento. ( RHC 118196, Relator (a): Min. ROSA WEBER, Primeira Turma, julgado em 26/11/2013, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-250 DIVULG 17-12-2013 PUBLIC 18-12-2013)

AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. TRÁFICO E ASSOCIAÇÃO PARA O TRÁFICO DE DROGAS. INEXISTÊNCIA DE COAÇÃO ILEGAL MANIFESTA NA DOSIMETRIA DA PENA. DROGA DE ACENTUADA POTENCIALIDADE LESIVA. CIRCUNSTÂNCIAS PESSOAIS E DO CRIME QUE JUSTIFICAM O EXASPERAMENTO DA PENA-BASE. AGRAVO A QUE SE NEGA PROVIMENTO. ( RHC 173325 AgR, Relator Alexandre de Moraes, DJe 10.10.2019)

Ademais, não verifico excesso arbitrário no dimensionamento da sanção penal. Com efeito, não há como se empreender juízo exato da correspondência entre o aumento da pena e a quantidade de circunstâncias judiciais desfavoráveis. Em verdade, cada circunstância insimilar do delito, se negativa, demanda incremento próprio, de acordo com as peculiaridades do caso concreto, o que ocorreu na espécie.

2. No mais, a apontada ilegalidade, relativamente à terceira fase da dosimetria da pena, pode ser aferida de pronto.

No caso concreto , verifico que a não incidência do § 4º do art. 33 da Lei 11.343/2006 foi estabelecida pelo Juízo sentenciante nos seguintes termos (eDOC 5, pp. 20-21):

Não há como aplicar a causa de diminuição de pena prevista no art. 33, § 4º, da Lei de Drogas.

Isso porque embora o acusado seja primário, não tenha maus antecedentes e não existam provas de que faça parte de organização criminosa, o acusado foi flagrado com uma quantidade enorme de maconha, vale dizer, aproximadamente 550kg.

Como é sabido, tamanha quantidade de droga não seria confiada a um iniciante ou amador, mas somente para alguém que fosse o próprio dono da droga ou, no mínimo, gozasse da confiança do traficante indicando habitualidade no comércio ilícito de entorpecentes.

Nesse sentido, observa-se que a elevada quantidade de drogas, por si só, ser hábil para afastar a incidência do redutor previsto no artigo 33, § 4º, da Lei 11.343/06, segundo entendimento externado pelo o Superior Tribunal de Justiça no REsp nº 1.773.834, que por unanimidade de votos decidiu "que a elevada quantidade de drogas apreendidas pode ser perfeitamente sopesada para aferir o grau de envolvimento do acusado com a criminalidade organizada ou de sua dedicação a atividades delituosas, comportando, todavia, prova em sentido contrário."

Além disso, no caso concreto verifico haver, ainda, outras circunstâncias que reforçam o afastamento do referido redutor.

Isso porque deve ser levado em consideração que o transporte da droga estava sendo feito em um carro especialmente preparado para o tráfico de tamanha quantidade de drogas, considerando terem sido retirados os bancos traseiros, o que denota um certo planejamento das pessoas envolvidas.

Por fim, destaco também que embora o acusado tenha tentado passar a imagem de que se trataria de pessoa com parcos recursos, observo não ter justificado a alteração do objeto da empresa que possui, isto é, de venda de roupas para realização de transporte de cargas (conforme os documentos de fls. 102/104 e 339), nem mesmo explicou a origem ou como poderia arcar com apenas um boleto de quase R$ 1.000,00 (mil reais), acostado aos autos pelo próprio acusado às fls. 101, sendo que alegou em juízo perceber o valor mensal de cerca de R$ 1.000,00 (mil reais) a R$ 2.000,00 (dois mil reais).

Diante dessas circunstâncias, verifico que o acusado se dedicava à atividade criminosa, o que impede a concessão do benefício pela própria literalidade do dispositivo legal

O TJSP negou provimento ao recurso defensivo para manter a sentença condenatória, chancelando o afastamento do redutor em razão da quantidade da droga apreendida e do fato de o tráfico ter ocorrido em rodovia federal, o que denotaria inserção do paciente na criminalidade organizada, nestes termos (eDOC 6, p. 7):

Na terceira fase, descabida a aplicação da causa de diminuição do artigo 33, § 4º, da Lei 11.343/06 ("tráfico privilegiado").

Referida minorante se destina, por essência, a crimes de tráfico cujas circunstâncias evidenciem um menor desvalor da ação, o que não se verifica na presente persecução penal.

As circunstâncias da conduta delituosa (tráfico em rodovia federal), bem como a quantidade exacerbada de droga (repita- se: mais de meia tonelada de maconha), dão fortes indícios de dedicação a atividades criminosas e de inserção, ainda que em menor grau, na cadeia hierárquica da criminalidade organizada, até porque a posse de tal volume de estupefaciente não é franqueada a pessoas que não sejam da confiança dos membros das organizações criminosas.

O STJ, por sua vez, considerou válida a fundamentação empregada pelas instâncias ordinárias para o afastamento do redutor, por se basear em elementos concretos, e entendeu ser necessário, para a alteração das conclusões adotadas na origem, o reexame de fatos e provas, indevido na via do habeas corpus (eDOC 12).

Inicialmente, observo que a sentença condenatória, mantida pelo TJSP, utilizou a quantidade da droga apreendida como circunstância judicial negativa e, simultaneamente, como fundamento para não aplicar o redutor do art. 33, § 4º, da Lei 11.343/2006 , o que não se compatibiliza com a jurisprudência pacificada por esta Suprema Corte, no sentido de que "configura ilegítimo bis in idem considerar a natureza e a quantidade da substância ou do produto para fixar a pena base (primeira etapa) e, simultaneamente, para a escolha da fração de redução a ser imposta na terceira etapa da dosimetria" ( § 4º do art. 33 da Lei 11.343/2006). ( HC 112.776, Relator (a): Min. TEORI ZAVASCKI, Tribunal Pleno, julgado em 19.12.2013).

A questão ficou definitivamente sedimentada, sob a sistemática da repercussão geral, no julgamento do Tema 712:

Recurso extraordinário com agravo. Repercussão Geral. 2. Tráfico de Drogas. 3. Valoração da natureza e da quantidade da droga apreendida em apenas uma das fases do cálculo da pena. Vedação ao bis in idem. Precedentes. 4. Agravo conhecido e recurso extraordinário provido para determinar ao Juízo da 3a VECUTE da Comarca de Manaus/AM que proceda a nova dosimetria da pena. 5. Reafirmação de jurisprudência. ( ARE 666334 RG, Relator (a): Min. GILMAR MENDES, julgado em 03.04.2014).

De outra parte, quanto ao afastamento do redutor, o Supremo Tribunal Federal fixou entendimento segundo a qual "[a] quantidade e natureza da droga são circunstâncias que, apesar de configurarem elementos determinantes na modulação da causa de diminuição de pena, por si sós, não são aptas a comprovar o envolvimento com o crime organizado ou a dedicação à atividade criminosa." ( HC 152.001 AgR, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, Redator p/ acórdão Gilmar Mendes, Segunda Turma, DJe 28.11.2019).

Na mesma linha:

"[...] 2. A quantidade e a natureza da droga apreendida não são fatores que, isoladamente, impedem a aplicação da minorante prevista no art. 33, § 4º da Lei 11.343/2006. 3. Diversamente do que ocorre na primeira fase da dosimetria da pena, em que a quantidade e qualidade de drogas são vetores legalmente expressos (art. 42 da Lei 11.343/2006) e, portanto, dispensam maiores digressões, a utilização dessa circunstância na terceira fase só é admitida se constituir um indicativo de não preenchimento de algum dos vetores legalmente eligidos. Precedentes. 4. A inexistência de argumentação apta a infirmar o julgamento monocrático conduz à manutenção da decisão agravada. 5. Agravo regimental desprovido."( HC 186.909 AgR, Rel. Min. Edson Fachin, Segunda Turma, julgado em 08.09.2020, grifei)

"[...] A grande quantidade de entorpecente, apesar de não ter sido o único fundamento utilizado para afastar a aplicação do redutor do art. 33, § 4º, da Lei 11.343/2006, foi, isoladamente, utilizado como elemento para presumir-se a participação da paciente em uma organização criminosa e, assim, negar-lhe o direito à minorante. II - A quantidade de drogas não poderia, automaticamente, proporcionar o entendimento de que a paciente faria do tráfico seu meio de vida ou integraria uma organização criminosa. Ausência de fundamentação idônea, apta a justificar o afastamento da aplicação da causa especial de diminuição de pena prevista no art. 33, § 4º, da Lei 11.343/2006 . Precedentes. III - E patente a contradição entre os fundamentos expendidos para absolver a paciente da acusação da prática do delito tipificado pelo art. 35 da Lei 11.343/2006 e aqueles utilizados para negar-lhe o direito à minorante constante do art. 33, § 4º, do mesmo diploma legal. Precedentes.

IV - Recurso ordinário ao qual se dá provimento, em parte, para reconhecer a incidência da causa de diminuição da pena prevista no art. 33, § 4º, da Lei 11.343/2006, e determinar que o juízo a quo, após definir o patamar de redução, recalcule a pena e proceda ao reexame do regime inicial do cumprimento da sanção e da substituição da pena privativa de liberdade por sanções restritivas de direitos, se preenchidos os requisitos do art. 44 do Código Penal." (RHC 138.715, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, Segunda Turma, DJe 09.06.2017)

Ainda quanto à não aplicação da causa de diminuição, o fato de existir um uma preparação específica no veículo para o transporte de grande quantidade de drogas não permite deduzir a habitualidade criminosa do paciente, uma vez que tais ajustes podem ter sido realizados para um único deslocamento.

Do mesmo modo, o fato de o delito ter sido praticado em rodovia federal, mencionado no acórdão que manteve a sentença condenatória, é meramente circunstancial, nada dizendo quanto à dedicação do paciente às atividades criminosas ou ao seu vínculo com a criminalidade organizada.

Nesse sentido, os argumentos utilizados pelas instâncias ordinárias não são aptos a demonstrar o não preenchimento dos vetores previstos no art. 33, § 4º, da Lei 11.343/2006, apenas reforçam o entendimento de que o paciente incidiu no tipo penal denunciado (tráfico de drogas).

Ressalte-se, ainda, que, embora o juízo de origem tenha feito menção à não alteração do objeto social do empreendimento do paciente e à incongruência entre a renda por ele declarada e o pagamento de um boleto correspondente à quase totalidade de seu salário, tais dados não passam de ilações sobre a habitualidade na prática delitiva.

Importa ressaltar, ademais, que o paciente foi absolvido com relação ao delito de associação para o tráfico, por não haver elementos suficientes nos autos acerca da existência de vínculo associativo que o ligasse a outras pessoas.

Assim, de todo o colhido, depreende-se que o afastamento do redutor deveria lastrear-se em elementos que comprovassem que o réu não preenche os requisitos legais para a concessão da referida benesse. Todavia, as instâncias antecedentes negaram a aplicação da causa de diminuição de pena apenas em razão da quantidade da droga apreendida (mais de meia tonelada de maconha) e em elementos que dizem respeito à comprovação do crime de tráfico, bem como em meras ilações que nada comprovam, fundamentos que, conforme demonstrado, não se compatibilizam com a jurisprudência desta Corte.

Desse modo, constatada a motivação inidônea, sendo para tanto desnecessário qualquer reexame de fatos e provas, concluo que a deficiência na fundamentação da dosimetria da reprimenda configura situação de flagrante ilegalidade, especialmente porque o paciente é primário, não ostenta maus antecedentes e, à míngua de outros elementos probatórios, não há comprovação de que integre organização criminosa ou se dedique à traficância habitualmente .

Dito isso, não visualizo qualquer argumento ou fundamento hábil a negar a incidência da minorante, razão pela qual, neste ponto, o acórdão deve ser reformado.

2.1. Partindo das balizas já estabelecidas no acórdão do TJSP , passo à alteração da dosimetria.

A pena-base, quanto ao crime de tráfico, foi fixada em 10 (dez) anos de reclusão e pagamento de 1000 (mil) dias-multa, em razão da elevada quantidade de droga apreendida, e mantida na segunda fase, em razão da compensação de circunstâncias atenuantes ou agravantes a serem consideradas.

Na terceira fase, conforme anteriormente consignado, não há motivação idônea apta a afastar o redutor do § 4º do art. 33 da Lei 11.343/2006, que deve ser aplicado no patamar máximo (dois terços), tendo em vista que a quantidade de droga já foi sopesada na primeira fase, levando a pena definitiva a 3 (três) anos e 4 (quatro) meses de reclusão e 333 (trezentos e trinta e três) dias-multa.

A pena fixada para o crime de receptação, de 1 (um) ano, 5 (cinco) meses e 15 (quinze) dias de reclusão e 14 (catorze) dias-multa, permanece inalterada.

A pena resultante do concurso material entre os delitos é de 4 (quatro) anos, 9 (nove) meses e 15 (quinze) dias de reclusão e 347 (trezentos e quarenta e sete) dias-multa.

Finalmente, à luz das modificações realizadas na dosimetria, o regime prisional imposto ao paciente deve permanecer o fechado, uma vez que, embora o quantum de pena, por si só, indique a fixação do regime semiaberto, a quantidade da droga apreendida e o reconhecimento de circunstância desfavorável também quanto ao crime de receptação recomendam a imposição de regime mais gravoso, nos termos do art. 33, § 3º, do Código Penal e do art. 42 da Lei 11.343/2006.

Registro que, na hipótese do crime de tráfico de drogas, as circunstâncias do art. 42 da Lei 11.343/2006, por expressa previsão legal, preponderam sobre as do art. 59 do CP e, por tal razão, desempenham especial função na fixação do regime inicial.

Da mesma forma, a fixação de regime mais severo que o correspondente para a pena é admissível tão somente nas hipóteses de motivação idônea, calcada, como dito, nas circunstâncias descritas no art. 59 do Código Penal:

Súmula 719: A imposição de regime de cumprimento mais severo do que a pena aplicada permitir exige motivação idônea.

Nesse contexto, a expressiva quantidade da droga apreendida - mais de meia tonelada de maconha - , sopesada na primeira fase da dosimetria , justifica a imposição do regime mais gravoso.

Permanece inalterada a decisão proferida na origem quanto às penas de detenção fixadas em relação aos demais crimes.

3. Posto isso, com base no art. 192 do RISTF, concedo a ordem em parte para aplicar o redutor do § 4º do art. 33 da Lei 11.343/2006 no patamar de 2/3 (dois terços) e, consequentemente, fixar a pena de reclusão do paciente em 4 (quatro) anos, 9 (nove) meses e 15 (quinze) dias de reclusão, a ser cumprida no regime inicial fechado, nos termos do art. 33, §§ 3º, do CP, e a pena pecuniária respectiva em 347 (trezentos e quarenta e sete) dias-multa, mantida a decisão proferida na origem quanto às penas de detenção e às sanções pecuniárias respectivas.

Comunique-se ao Juiz da causa, com urgência e pelo meio mais expedito, a quem incumbirá a cientificação do Juiz da Execução Penal, se já definido.

Publique-se. Intime-se. Brasília, 6 de novembro de 2023.

Ministro EDSON FACHIN

Relator Documento assinado digitalmente

(STF - HC: 212808 SP, Relator: EDSON FACHIN, Data de Julgamento: 06/11/2023, Data de Publicação: PROCESSO ELETRÔNICO DJe-s/n DIVULG 10/11/2023 PUBLIC 13/11/2023)

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