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3 de Maio de 2024

STF Ago23 - Quebra da Cadeia de Custódia - Desentranhada a Prova Corrompida

há 7 meses

Inteiro Teor

HABEAS CORPUS 229.168 SÃO PAULO

RELATOR : MIN. GILMAR MENDES

COATOR (A/S)(ES) : RELATOR DO HC Nº 824.253 DO SUPERIOR

TRIBUNAL DE JUSTIÇA

DECISÃO: Trata-se de habeas corpus impetrado por XXXXXXXXXXXca e outros, em favor de Fernanda XXXXXXXXXX, contra decisão monocrática do Ministro Joel Ilan Paciornik, do Superior Tribunal de Justiça, que não conheceu do habeas corpus nº 824.253/SP.

A impetrante defende a ilicitude da investigação que culminou na denúncia oferecida contra ela pelo Ministério Público de São Paulo. Afirma que os atos de investigação foram eivados de ilegalidade em decorrência de perseguição política efetuada pelo então vereador Mario XXXXXXXo. Acrescenta que MarioXXXXXXXXXXX entregou ao parquet estadual gravação ambienta editada, razão pela qual aduz quebra da cadeia de custódia.

Requer liminarmente a suspensão da ação penal e, no mérito, a declaração da nulidade dos elementos de prova colhidos.

O juízo de origem prestou informações (eDOC 24).

O Ministério Público Federal manifesta-se pelo não conhecimento do habeas corpus ou pela denegação da ordem (eDOC 26).

É o relatório.

Decido.

Inicialmente, registro que o mérito da controvérsia não foi apreciado pelo colegiado do Superior Tribunal de Justiça, de modo que a apreciação por esta Corte resultaria em supressão de instância.

É que, ausente pronunciamento colegiado naquele Tribunal, não houve lá esgotamento da instância. Sem o esgotamento da instância, a análise por esta Corte resulta em sua supressão. Cito precedentes:

"Agravo regimental no habeas corpus.2. Habeas corpus que impugna decisão monocrática de mérito proferida por Ministro do Superior Tribunal de Justiça. Supressão de instância. Ausência de pronunciamento colegiado. Necessidade de interposição de agravo regimental. 3. Superação do óbice possível apenas nos casos de flagrante ilegalidade. Não ocorrência no caso concreto. 4. Agravo não provido". (AgR no HC 184.614, de minha relatoria, Segunda Turma, DJe 16.6.2020)

"Agravo regimental no habeas corpus. 2. Habeas corpus impetrado contra decisão monocrática proferida por Ministro de Tribunal Superior. Supressão de instância. Não há manifesta ilegalidade no caso concreto a autorizar a concessão da ordem.

3. Abrandamento de regime e substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos. Impossibilidade. Reincidência inespecífica. Irrelevância ao caso concreto. 4. Fixação de regime mais gravoso e negativa de substituição da pena corporal devidamente fundamentadas. 5 Agravo improvido". (AgR no HC 180.489, de minha relatoria, Segunda Turma, DJe 14.4.2020)

Conforme se afere no sítio eletrônico do Superior Tribunal de Justiça, o agravo regimental interposto em face da decisão monocrática ora guerreada foi incluído em pauta para julgamento em 08/08/2023.

O Supremo Tribunal Federal não é revisor direto de decisão monocrática proferida por Ministro de Tribunal Superior, mas a Turma à qual pertence, razão por que deve aguardar em regra o julgamento do agravo já interposto.

Verificada tonitruante ilegalidade, tais entendimentos podem ser flexibilizados, inclusive com a concessão da ordem de ofício. No presente caso, entendo necessária a superação do óbice formal tão somente quanto ao desentranhamento de uma das provas produzidas pelo órgão acusador.

Compulsando os autos, observo que FeXXXXXXXXXXXno foi denunciada pelo Ministério Público do Estado de São Paulo, com outros dois acusados, pela prática do delito previsto no art. 316, c.c. art. 327, § 2º, do Código Penal, por duas vezes em concurso material (eDOC 2, p. 01/14).

Inicialmente, observo que qualquer animosidade inerente à arena política não macula, por si só, a legalidade da instrução probatória. A fiscalização realizada comumente pela oposição na seara política, desde que limitada às regras constitucionais e legais, são inerentes à própria atuação democrática. Somente se legitima o controle jurisdicional de manifestações políticas quando extrapolam os limites da legalidade e da constitucionalidade, o que não foi demonstrado no presente caso.

Nesse sentido, observo que o agente público supramencionado e vítimas de supostas práticas criminosas perpetradas em tese pela impetrante levaram ao conhecimento do Ministério Público do Estado de São Paulo notícia de fato aparentemente criminoso. (eDOC 2, p. 42)

Diante do crime noticiado, qualquer pessoa do povo, e, ainda mais, um representante eleito, que tivesse conhecimento da infração penal, para a qual cabe ação penal pública, poderia verbalmente ou por escrito, comunicá-la às autoridades, as quais, verificando a procedência das informações, caberia prosseguir na persecução criminal, a teor do art. 5, § 3º, do Código de Processo Penal.

Entre a notícia do fato apresentada e a oitiva dos comunicantes, foi apresentado pendrive com gravações aparentemente dessincronizadas.

Cumpre ressaltar que, diante da notícia do crime apresentada ao Ministério Público, foi instaurado Procedimento Investigatório Criminal que colacionou robusto lastro probatório, no qual constam vários depoimentos testemunhais e relatos das vítimas, levantamento de dados cadastrais de linhas telefônicas dos supostos envolvidos, provas documentais, elementos probatórios advindos de buscas e apreensões, comprovante de pagamentos, levantamento de dados em publicações oficiais, entre outros (eDOC 2 a 4).

Assim, eventual alegação de incerteza da idoneidade do material apresentado tão somente como acréscimo à notícia-crime não tem qualquer aptidão de macular o lastro probatório adequadamente coligido pelo parquet estadual em procedimento próprio.

Vale mesmo frisar que diante do conhecimento pela autoridade de qualquer fato supostamente criminoso, é seu dever iniciar investigações a fim de apurar se a comunicação apresentada realmente indica o cometimento de fato típico.

Nesse sentido, o mero comparecimento da vítima à sede do Ministério Público, relatando a dinâmica supostamente delituosa da qual foi vítima, é suficiente para motivar o parquet a proceder com diligências que atestem a verossimilhança dos fatos noticiados, observadas as reservas jurisdicionais (eDOC 2, p.64).

A Portaria nº 5/2022 de instauração do Procedimento Investigatório Criminal em comento está expressamente fundamentada nos relatos pormenorizados levados ao parquet pela vítima ReXXXXXXX, no dia 19 de abril de 2022, a respeito dos fatos aparentemente criminosos (eDOC 2, p.64/65).

Vislumbra-se, assim, que qualquer gravação apresentada seria acréscimo dispensável, e não elemento imprescindível à investigação licitamente efetuada pelo Ministério Público.

Nesse ponto, cumpre observar que, além da gravação, há outros elementos informativos apresentados pelo titular da ação penal, capazes de, em tese, conferir substrato probatório para a instauração da ação penal.

Destaco, ainda, considerações da Procuradoria-Geral da República (eDOC 26):

"a Portaria nº 5/2022, que instaurou o procedimento investigativo criminal no Ministério Público do Estado de São Paulo, se baseou no relato de RXXXXXX que compareceu ao Grupo de Atuação Especial de Recuperação de Ativos e Repressão aos Crimes de Formação de Cartel e Lavagem de Dinheiro - GEDEC e relatou a ocorrência dos fatos sem qualquer menção ao referido vereador.

Esse documento (Portaria nº 5/2022), por sua vez, foi expressamente indicado na denúncia, asseverado pelo Ministério Público do Estado de São Paulo que os fatos atribuídos à paciente, em tese tipificados no delito de concussão, estavam amparados em Procedimento Investigatório Criminal instaurado a partir de relato da vítima, a Sra. RegXXXXXXXXXXXg,"que noticiou fatos que denotaram a ocorrência de crimes contra a administração pública praticados por servidores públicos do Município de São Paulo, com o auxílio de particular (fl. 22)

(...)

Merece destaque, ainda, que foram indicados na denúncia outros elementos indiciários que demonstravam a materialidade delitiva e o envolvimento dos denunciados, a exemplo dos relatos de Maria CCCCCCCCCCCCa e de uma testemunha protegida, nominada como "Alpha" (Prov. 32/2000-TJSP), que apontaram a existência de dificuldades na obtenção de documentação para realização de eventos na área de competência da subprefeitura da Lapa.

Asseverou o Ministro Joel Ilan Paciornik que as teses de nulidade de elementos de prova e de quebra de cadeia de custódia não foram deduzidas pela defesa no acórdão recorrido, sendo incabível ao STJ, na apreciação da ordem impetrada, em supressão de instância, adentrar nas questões (eDOC 14).

Não obstante, constam dos autos indícios de que o material apresentado da gravação efetuada pela câmera digital miniaturizada e constante do notebook analisado pelo Núcleo de Evidências Forenses do Centro de Apoio à Execução foram editados antes da entrega ao Ministério Público. Nesse sentido, destaco parecer do assistente técnico acostado aos autos pela defesa, indicando diversas falhas na produção dessa prova, sobretudo a quebra da cadeia de custódia. Dessa forma, a melhor cautela recomenda a extração dos autos do mencionado vídeo, em respeito às formalidades que são inerentes ao processo penal.

Com efeito, destaca-se do relatório 12/22, relativo ao PIC 5/22 que a gravação foi feita com utilização de uma câmera digital miniaturizada embutida e dissimulada dentro de um relógio , não tendo sido este fornecido ao GEDEC para análise (eDOC 2, p. 107).

O relatório aponta que o vídeo identificado como MOV00006.AVI parecia estar fora de sincronia, apresentava incompatibilidade de data assinalada na imagem e mostrava horário registrado de início não zerado.

No caso em análise, as dúvidas suscitadas, conjugadas ao fato de não haver nos autos a integralidade do vídeo questionado nem a possibilidade de realização de perícia no equipamento utilizado para a gravação, pode levar a futuras falhas probatórias e repercutir no direito de ampla defesa.

A esse respeito, cumpre observar as regras que impõem a garantia e a manutenção de custódia da prova:

Art. 158-A. Considera-se cadeia de custódia o conjunto de todos os procedimentos utilizados para manter e documentar a história cronológica do vestígio coletado em locais ou em vítimas de crimes, para rastrear sua posse e manuseio a partir de seu reconhecimento até o descarte.

§ 1º O início da cadeia de custódia dá-se com a preservação do local de crime ou com procedimentos policiais ou periciais nos quais seja detectada a existência de vestígio. § 2º O agente público que reconhecer um elemento como de potencial interesse para a produção da prova pericial fica responsável por sua preservação.

§ 3º Vestígio é todo objeto ou material bruto, visível ou latente, constatado ou recolhido, que se relaciona à infração penal"

Assim, apesar do material ter sido apresentado conjuntamente à notícia do crime, e feita a ressalva de autonomia dos elementos que conduziram a legítima instauração e processamento do PIC, deve ser considerado que o mencionado arquivo foi submetido à análise pericial em laudo constante dos autos da ação penal. Assim, a preservação de sua integralidade , para o documento permanecer nos autos, é cautela que se impõe para assegurar a credibilidade da atividade probatória e de eventual juízo condenatório.

Diante da não apresentação integral do arquivo nem do equipamento utilizado para a gravação, verifico, portanto, nos limites cognitivos desta via, a necessidade de parcial concessão da ordem, tão somente para determinar o desentranhamento dos autos do mencionado arquivo.

Ademais, determino ao Juízo de origem que verifique eventuais outros elementos probatórios contaminados pelo material objeto do desentranhamento ou atos que devam ser anulados em razão de neles estarem fundamentados. Ressalto que essa incumbência deverá ser desempenhada pelas instâncias ordinárias, nos autos da ação penal, e não na via estreita deste habeas corpus.

Ante o exposto, concedo parcialmente a ordem, para determinar que sejam desentranhadas do processo o material probatório correspondente à gravação identificada como vídeo MOV00006.AVI (eDOC 2, p. 107), bem como as provas dele decorrentes, nos termos do art. 157, § 1º, do CPP.

Dada a urgência do caso, atribuo à decisão força de

mandado/ofício.

Oficie-se, com urgência, ao Juízo de primeiro grau, encaminhamento cópia desta decisão.

Publique-se.

Brasília, 2 de agosto de 2023.

Ministro GILMAR MENDES

Relator

Documento assinado digitalmente

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(STF - HC: 229168 SP, Relator: GILMAR MENDES, Data de Julgamento: 02/08/2023, Data de Publicação: PROCESSO ELETRÔNICO DJe-s/n DIVULG 03/08/2023 PUBLIC 04/08/2023)

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