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5 de Maio de 2024

STJ Fev23 - Nulidade da Busca e Apreensão e Consecutiva Nulidade do Encontro Fortuito de Provas

ano passado

Decisão Monocrática

HABEAS CORPUS Nº 789998 - SP (2022/0390647-4)


DECISÃO

XXXXXXXXXXX alega sofrer constrangimento ilegal em face de acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo na Revisão Criminal n. 0035928-80.2021.8.26.0000.

Consta dos autos que o réu foi condenado à pena de 1 ano de detenção, em regime inicial semiaberto, mais multa, pela prática do crime previsto no art. 12 da Lei n. 10.826/2003.

A defesa busca a absolvição do paciente, sob o argumento, em síntese, de que a decisão que deferiu a busca e apreensão na residência dele e culminou com a apreensão da arma de fogo carece de fundamentação idônea.

O Ministério Público Federal opinou pelo não conhecimento do habeas corpus (fls. 63-67).

Diante da juntada das peças necessárias à compreensão do caso, reconsidero a decisão de fls. 71-72 e passo a examinar a impetração.

Decido.

I. Busca e apreensão - fundamentação inidônea

Infere-se dos autos que, em investigação destinada a apurar possível estupro de vulnerável, a autoridade policial solicitou a expedição de mandado de busca e apreensão para apreender o automóvel supostamente usado no crime. Todavia, ao cumprir a diligência, a polícia encontrou uma arma de fogo, o que ensejou a condenação do réu pelo crime previsto no art. 12 da Lei n. 10.826/2003.

O Juízo de primeiro grau deferiu a busca e apreensão nos seguintes termos (fl. 4, grifei):

Considerando os documentos que instruíram o pedido e a manifestação retro do Ministério Público, presentes os requisitos autorizadores para a concessão da medida .

Assim, com fundamento no 240 e seguintes do Código de Processo Penal, defiro o pedido de busca e apreensão de automóvel utilizado na empreitada delituosa, objetos ilícitos e de interesse policial, na residência deXXXXXXXXX situada na Rua XXXXXXXXXX, Nosso Teto - CEP 1XXXXXXXXX, Rio das Pedras-SP, guardando-se sigilo da diligência até sua efetivação, a ser realizado no endereço.

Findas as diligências, deverá a Autoridade Policial lavrar os autos circunstanciados nos termos do art. 245, § 7º, do Código de Processo Penal, comunicando-se o Juízo no prazo de 02 (dois) dias.

A Corte estadual assim se pronunciou sobre a questão (fls. 37-38, destaquei):

Infere-se dos autos que o revisionando foi preso em flagrante dado que no interior de sua residência, sito na XXXXXXXXX, bairro Nosso Teto, Rio das Pedras foi localizada uma arma de fogo, tipo espingarda, sem marca e numeração, calibre 16mm, sem autorização e em desacordo com determinação legal e regulamentar.

Da análise do conjunto probatório amealhado, denota-se que a Polícia Civil do Estado de São Paulo representou pela expedição de mandado de busca e apreensão no endereço do peticionário, porquanto apuraram, por meio de diligências, que o peticionário era investigado pelo delito de estupro de vulnerável e naquele endereço visava a apreensão de automóvel utilizado na empreitada delituosa, de objetos ilícitos e de interesse às investigações , restando acolhido pelo Juízo nos seguintes termos: Considerando os documentos que instruíram o pedido e a manifestação retro do Ministério Público, presentes os requisitos autorizadores para a concessão da medida. Assim, com fundamento no 240 e seguintes do Código de Processo Penal, DEFIRO O PEDIDO DE BUSCA E APREENSÃO de

AUTOMÓVEL UTILIZADO NA EMPREITADA DELITUOSA, OBJETOS ILÍCITOS E DE INTERESSE POLICIAL, na residência de XXXXXXXXXX NA XXXXXXXXXXXXXX, Rio das Pedras-SP, guardando-se sigilo da diligência até sua efetivação, a ser realizado no endereço. Findas as diligências, deverá a Autoridade Policial lavrar os autos circunstanciados, nos termos do artigo 245, § 7º, do Código de Processo Penal, comunicando-se ao Juízo no prazo de 02 (dois) dias.

Deverá o presente ser cumprido em observância às garantias constitucionais e formalidades legais e devidamente assinado, serve de mandado, ficando os averiguado advertidos de que em caso de desobediência ou recalcitrância, será arrombada a porta, forçada a entrada e permitido o emprego de força contra coisas existentes no interior da casa, para o descobrimento de que se procura (art. 245, parágrafos 2º e , do Código de Processo Penal) (fls.19).

Posto isso, não prospera a alegação de que não houve a devida fundamentação, em tese maculando o decisum. Isso porque verifica-se que o pronunciamento sob análise reveste-se de motivação idônea e suficiente à expedição do mandado de busca e apreensão, respeitando tanto o art. 93, IX, da Constituição Federal (princípio da fundamentação necessária das decisões judiciais) quanto o art. 240 do Código Processual Penal e, consequentemente, observando o postulado da inviolabilidade de domicílio.

[...]

Com efeito, na hipótese vertente, a Magistrada de primeiro grau demonstrou as razões pelas quais deferiu o pedido, não havendo falar-se em ausência de fundamentação.

Quando registra que o pedido foi formulado pela autoridade policial "[...], DEFIRO O PEDIDO DE BUSCA E APREENSÃO de AUTOMÓVEL UTILIZADO NA EMPREITADA DELITUOSA, OBJETOS ILÍCITOS E DE INTERESSE POLICIAL, na residência de XXXXXXXXXXXXX, Rio das Pedras-SP, certamente externa haver analisado os elementos que embasaram a postulação e a sua conformidade com o direito.

[...]

Não bastasse, não se olvida que as infrações penais das quais se tinham informações de eventual prática no endereço indicado na ordem, assim como o injusto sob análise, são de natureza permanente, cuja consumação se prolonga no tempo, de modo que, enquanto o agente mantiver sob sua posse produto de crime estará em estado de flagrância, o que permite que a sua prisão ocorra a todo tempo.

Nesse quadro, tendo em vista a fundada suspeita de que no domicílio do autor estavam armazenados produtos ilícitos, a ação dos servidores estatais e a posterior captura do objeto de procedência fraudulenta sequer exigiriam expedição de mandado de busca e apreensão para tanto, pois patente o estado flagrancial, sendo exatamente esta a exceção prevista pela norma constitucional invocada pela defesa.

[...]

Ademais, tendo o crime de posse ilegal de arma de fogo natureza de" crime permanente ", o estado flagrancial do crime não cessa, permitindo-se a prisão de quem quer que esteja praticando essa conduta, razão pela qual não há que se falar em nulidade da apreensão da arma de fogo, uma vez que os policiais militares prenderam o réu em flagrante justamente pela prática do crime em tela, sendo prescindível ordem judicial para o fim de se reprimir e fazer cessar tal prática delituosa.

[...]

Desse modo, diante das nuances probatórias do caso concreto e do fato de a posse de arma de fogo ser crime permanente e, portanto, em constante situação de flagrância, resulta claro que não há, pois, falar em condenação baseada em prova ilícita, não se acolhendo, assim, a pretensão absolutória.

Na hipótese, verifico que não há fundamentação idônea a justificar a medida de busca e apreensão , visto que o Juízo singular não demonstrou nem a existência de indícios de autoria, nem a existência de fundadas razões, muito menos a necessidade da medida, evidenciando-se, assim, o caráter genérico da decisão.

Embora a representação da autoridade policial haja descrito a situação objeto da investigação e o embasamento do pedido (fls. 82-84), a decisão que autorizou a busca e apreensão está absolutamente carente de fundamentação idônea , porquanto nem sequer fez referência concreta aos argumentos mencionados na dita representação (o que, de todo modo, consoante entendimento desta Corte, exigiria menção a argumentos próprios pelo Magistrado), tampouco demonstrou, de forma adequada, o porquê da necessidade da medida invasiva da intimidade.

A rigor, se trocado apenas o nome do réu, a decisão - proferida em caráter absolutamente genérico - serviria a qualquer procedimento investigatório; é insuficiente, portanto, para suprir os requisitos constitucionais e legais de fundamentação da cautela.

Não desconheço, naturalmente, que esta Corte Superior admite o emprego da técnica de fundamentação per relationem. Sem embargo, tem-se exigido, na jurisprudência desta Turma, que o juiz, ao reportar-se a

fundamentação e a argumentos alheios, ao menos os reproduza e os ratifique,

com acréscimo de seus próprios motivos. Confiram-se, a propósito:

[...]

1. A Terceira Seção deste Casa, no julgamento do Habeas Corpus

n. 216.659, concluiu que a mera transcrição do parecer ministerial não é suficiente para assegurar o compromisso constitucional de fundamentação das decisões judiciais, delineado no art. 93, inciso IX, da Constituição Federal. 2. Na espécie, verifica-se a total falta de fundamentação do acórdão, uma vez que o voto condutor apenas fez menção a trechos do parecer do Ministério Público, para embasar a sua conclusão, sem tecer nenhuma consideração autônoma acerca das questões levantadas no recurso de apelação . Precedentes. 3. Agravo regimental desprovido. ( AgInt no AREsp n. 1.197.859/RS, Rel. Ministro Antonio Saldanha Palheiro , 6a T., DJe 13/11/2018, destaquei)

[...]

1. É válida a utilização da técnica da fundamentação per relationem , em que o magistrado emprega trechos de decisão anterior ou de parecer ministerial como razão de decidir , desde que a matéria haja sido abordada pelo órgão julgador, com a menção a argumentos próprios . Na espécie, a instância antecedente, além de fazer remissão a razões elencadas pelo Juízo natural da causa e pelo Ministério Público Federal, indicou os motivos autônomos pelos quais considerava necessária a manutenção da prisão preventiva do réu e a insuficiência de sua substituição por medidas cautelares diversas. [...] ( HC n. 465.889/PR, Rel. Ministro Rogerio Schietti , 6a T., DJe 11/3/2019, grifei)

[...]

1. Consoante imposição do art. 93, IX, primeira parte, da Constituição da Republica de 1988,"todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade", exigência que funciona como garantia da atuação imparcial e secundum legis (sentido lato) do órgão julgador. Presta-se a motivação das decisões jurisdicionais a servir de controle, da sociedade e das partes, sobre a atividade intelectual do julgador, para que verifiquem se este, ao decidir, considerou todos os argumentos e as provas produzidas pelas partes e se bem aplicou o direito ao caso concreto.

2. Nas decisões atacadas, o Juízo da 3a Vara Criminal da Comarca de Ribeirão Preto-SP não explicitou as razões de seu convencimento quanto à necessidade das medidas cautelares em comento. Aliás, os documentos cingem-se a citar a existência de relatório policial e parecer favorável do Ministério Público, sem qualquer indicação do contexto fático, nem mesmo os nomes dos investigados, incorrendo, assim, no vício previsto no art. 489, § 1º,

II e III, do CPC, aplicável, analogicamente, por força do art. do CPP.

3. Em que pese tais decisões terem sido chanceladas pela Corte local, sob o argumento de que se trata"de motivação per relationem", segundo o entendimento do Superior Tribunal de Justiça, para que não haja ilegalidade na adoção da técnica da fundamentação per relationem , a autoridade judiciária, quando usa trechos de decisão anterior ou de parecer ministerial como razão de decidir, deve acrescentar motivação que justifique a sua conclusão, com menção a argumentos próprios, o que não é o caso desses autos.

4. Considerando que as decisões que prorrogaram as quebras de sigilo não têm o condão de convalidar os defeitos de origem ora demonstrados nas decisões proferidas dos Autos n. 0011048- 68.2015.8.26.0506 - mesmo porque repetem o mesmo padrão de ausência de falta de fundamentação idônea -, forçoso concluir pela falta de utilidade em se analisar as dezenas de decisões que prorrogaram tais quebras.

[...]

( RHC n. 117.462/SP, Rel. Ministro Rogerio Schietti , 6a T., DJe 26/5/2021, destaquei)

Observo, ademais, que a investigação dizia respeito a um estupro de vulnerável e objetivava apreender o automóvel supostamente usado no delito, de modo que a apuração não era de crime permanente e, por isso, nem sequer se cogitava previamente a existência de situação flagrancial que justificasse eventual ingresso em domicílio sem mandado judicial válido.

Diante de todas essas considerações, entendo ser o caso de conceder a ordem de habeas corpus, a fim de reconhecer a nulidade da busca e apreensão, o que torna imprestável, no caso concreto, a prova ilicitamente obtida e, por conseguinte, todos os atos dela decorrentes e o próprio processo penal - relativo ao delito descrito no art. 12, caput , da Lei n. 10.826/2003 -, porque apoiado exclusivamente nessa diligência policial.

A propósito, faço lembrar que a essência da Teoria dos Frutos da Árvore Envenenada (melhor seria dizer venenosa, tradução da fruits of the poisonous tree doctrine , de origem norte-americana), consagrada no art. , LVI, da nossa Constituição da Republica, repudia as provas supostamente lícitas e admissíveis, obtidas, porém, a partir de outra contaminada por ilicitude original.

II. Dispositivo

À vista do exposto, concedo a ordem para reconhecer a nulidade, por ausência de fundamentação idônea, da decisão que deferiu medida de busca e apreensão, bem como de todas as provas colhidas com base nessa diligência e, por consequência, absolver o paciente da condenação a ele imposta no Processo n. 0000396-40.2016.8.26.0511.

Comunique-se, com urgência , o inteiro teor desta decisão às instâncias ordinárias, para as providências cabíveis.

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(STJ - HC: 789998 SP 2022/0390647-4, Relator: Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, Data de Publicação: DJ 15/02/2023)

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