TST cancela penhora de imóvel adquirido antes da ação trabalhista
A Segunda Turma do Tribunal Superior do Trabalho cancelou a penhora de imóvel da Organização Paraense Educacional e de Empreendimentos Ltda. (ORPES), acusada de participar de fraude à execução pelas instâncias ordinárias da Justiça do Trabalho. Por maioria de votos, venceu a tese do relator, ministro Renato de Lacerda Paiva, que considerou inexistente a fraude na medida em que a reclamação trabalhista fora ajuizada depois da transação comercial com o bem. Para o ministro, a penhora violou o princípio da legalidade e o direito de propriedade - garantias constitucionais ( artigo 5º, incisos II e XXII, da Constituição Federal ).
Para a 11ª Vara do Trabalho de Belém e o Tribunal Regional do Trabalho da 8ª Região (PA), houve fraude à execução e contra credores quando a Sociedade Civil Nóbrega por Cotas de Responsabilidade Ltda. transferiu o imóvel para a ORPES. No entendimento do TRT, embora o registro de propriedade do imóvel tenha, de fato, ocorrido antes de iniciada a reclamação que originou a presente execução, "várias ações trabalhistas já tramitavam contra a mesma empresa, que fatalmente se transformariam em feitos executivos". Portanto, segundo o Regional, o objetivo do negócio foi prejudicar credores, porque as duas empresas tinham sócio comum.
No recurso de revista ao TST, a ORPES contou que recebeu o bem em fevereiro de 2001, e que a ação foi proposta em maio daquele ano. Além do mais, tomou posse do imóvel, mediante compromisso de compra e venda, em julho de 1982, ou seja, dezenove anos antes do ajuizamento da reclamação trabalhista. A Organização Paraense disse ainda que o imóvel penhorado fora adquirido diretamente da Universidade Federal do Pará (UFPA), sem intermediação da Sociedade Civil Nóbrega.
O relator, ministro Renato Lacerda, esclareceu que o artigo 593 do Código de Processo Civil considera fraude à execução a alienação ou oneração de bens quando estiver tramitando contra o devedor demanda capaz de reduzi-lo à insolvência. Como o imóvel em discussão foi adquirido antes de iniciada a reclamação trabalhista contra a Sociedade Civil Nóbrega, o relator deu razão à ORPES e concluiu que houve desrespeito à Constituição .
Já para o ministro José Simpliciano, estava correto o argumento do Regional de que houve o intuito de prejudicar credores, com base na informação de que várias ações trabalhistas tramitavam contra a mesma empresa - o que resultaria em diversas execuções no futuro. Mas, de acordo com o relator, o dispositivo legal que trata de fraude à execução é objetivo, logo, a fraude poderia eventualmente ser constatada em relação às demais ações, não quanto a este processo em particular.
A interpretação do relator foi acompanhada pelo ministro Walmir Oliveira da Costa. O ministro também não aceitou como verdadeira a hipótese de fraude, pois o negócio teve como intermitente a Universidade Federal do Pará, que pertence à Administração Pública e, em princípio, pratica atos revestidos de legalidade. O resultado do julgamento foi pelo conhecimento e provimento do recurso de revista, para anular a penhora do imóvel de propriedade da ORPES.
(RR 383/2007-011-08-40.5)
Leia, abaixo, a íntegra da decisão:
"NÚMERO ÚNICO PROC : RR - 383/ 2007-011-08-40
PUBLICAÇÃO: DJ - 26/06/2009
A C Ó R D Ã O
2ª Turma
GMRLP/gbq/cet/cl
AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECURSO DE REVISTA. EXECUÇÃO. EMBARGOS DE
TERCEIRO - EXISTÊNCIA DE REGISTRO DE COMPRA E VENDA DE IMÓVEL ANTERIOR AO
AJUIZAMENTO DA AÇÃO - ADQUIRENTE DE BOA-FÉ - FRAUDE À EXECUÇÃO E CONTRA
CREDORES DESCARACTERIZADAS. Ante a razoabilidade da tese de violação ao
artigo 5º, incisos II e XXII, da Constituição Federal, recomendável o
processamento do recurso de revista, para exame da matéria veiculada em
suas razões. Agravo provido.
RECURSO DE REVISTA. EXECUÇÃO. EMBARGOS DE TERCEIRO - EXISTÊNCIA DE
REGISTRO DE COMPRA E VENDA DE IMÓVEL ANTERIOR AO AJUIZAMENTO DA AÇÃO -
ADQUIRENTE DE BOA-FÉ - FRAUDE À EXECUÇÃO E CONTRA CREDORES
DESCARACTERIZADAS. Afronta os incisos II e XXII do artigo 5º da Constituição Federal , que insculpem o princípio da legalidade e o direito
de propriedade, decisão que, não obstante constate que o registro do bem
imóvel - objeto da constrição judicial - tenha ocorrido antes do
ajuizamento da reclamação trabalhista, entende caracterizada a fraude à
execução e contra credores. Recurso de revista conhecido e provido.
AGRAVO DE INSTRUMENTO
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Agravo de Instrumento
em Recurso de Revista nº TST-RR-383/2007-011-08-40.5 , em que é Agravante
ORGANIZAÇÃO PARAENSE EDUCACIONAL E DE EMPREENDIMENTOS LTDA. - ORPES e
são Agravados LEUDES SARGES FILHO e SOCIEDADE CIVIL NÓBREGA POR COTAS
DE RESPONSABILIDADE LTDA. E OUTROS .
Agrava do r. despacho de fls. 616/616-verso, originário do Tribunal
Regional do Trabalho da Oitava Região, que denegou seguimento ao recurso
de revista interposto, sustentando, em suas razões de agravo de fls. 05/11, que o seu recurso merecia seguimento. Instrumento às fls. 12/617.
Não foram apresentadas contraminutas, conforme certidão de fls. 620.
Dispensado o parecer da d. Procuradoria-Geral, nos termos do artigo 83, § 2º, II, do RITST .
É o relatório .
V O T O
Conheço do agravo de instrumento, posto que presentes os pressupostos
de admissibilidade.
Primeiramente, há de se afastar a alegação de negativa de prestação
jurisdicional, ante a ausência de fundamentação do despacho. É que o juízo
de admissibilidade a quo é precário, não impedindo, pois, o reexame dos
pressupostos de admissibilidade pelo juízo ad quem , como, por ora,
ocorrerá.
Outrossim, há de se afastar a alegação de que o despacho agravado violou
o direito à ampla defesa e ao contraditório, previstos no artigo 5º,
incisos LV e LVI, da Constituição Federal . É que o juízo de
admissibilidade a quo , embora precário, tem por competência funcional o
exame dos pressupostos de admissibilidade do recurso de revista,
extrínsecos e intrínsecos, como ocorreu no presente caso.
Por outro lado, cumpre observar que a matéria relativa à competência da
Justiça do Trabalho não foi renovada no presente agravo. Assim, em face da
ausência de devolutividade, a agravante demonstrou seu conformismo com o
r. despacho denegatório.
Insurge-se a agravante, em suas razões recursais, contra o despacho que
denegou seguimento ao seu recurso de revista, sustentando que logrou
demonstrar violação de lei federal e de preceito constitucional, bem como
divergência jurisprudencial. Em suas razões de recurso de revista, alegou
que em 14/02/2001 o bem imóvel foi transferido definitivamente à terceira
embargante, ora agravante, não havendo qualquer participação dos
executados na transação, que culminou com a venda do bem em questão.
Asseverou que não podem ser imputadas à agravante a fraude à execução e a
má-fé, pois não participou do processo de conhecimento, não fazendo parte
do título executivo, portanto, não podendo ser chamada à lide para
responder com o seu bem sobre dívida de outrem. Afirmou que não há, no
presente caso, a solidariedade empresarial, assim há afronta ao direito de
propriedade e ao princípio da legalidade, pois não foram preenchidos os
requisitos necessários para a configuração da fraude contra credores ou à
execução. Sustentou que para a configuração de fraude à execução ou contra
credores torna-se necessário que, quando da alienação do bem, haja demanda
em andamento contra o alienante e que haja a possibilidade da empresa ser
reduzida à insolvência, o que não é o caso dos autos. Aduziu que o imóvel
penhorado foi adquirido diretamente da Universidade Federal do Pará
UFPA, sem qualquer intermediação da empresa executada, Sociedade Civil
Nóbrega por Cotas de Responsabilidade Ltda., que também não fez parte do
processo principal, assim o simples fato de ter havido uma promessa de
compra e venda registrada em Cartório entre a UFPA e a Sociedade Civil
Nóbrega por Cotas de Responsabilidade Ltda. não significou que houve uma
transação comercial e, ainda, que esta chegou a adquirir o imóvel objeto
do instrumento dessa promessa. Esclareceu que o bem imóvel foi
indevidamente penhorado, ocorrendo constrição ilegítima, pois não foi
parte nem participou da reclamação trabalhista onde se efetivou a penhora
ou tampouco pode ser responsabilizada por débitos da empresa reclamada.
Apontou violação aos artigos 5º, incisos II, XXII, LIV e LV, da Constituição Federal, 158 e 159 do Código Civil, 593, incisos I e II, do Código de Processo Civil e 2º, § 2º, da Consolidação das Leis do Trabalho .
Colacionou arestos.
O Tribunal Regional, ao analisar o tema, deixou consignado, in verbis :
A discussão gira em torno do imóvel objeto da penhora que a
agravante diz ser de sua exclusiva propriedade.
Impõe-se o exame da Certidão de folhas 21/23 e, com mais detalhes, a
de folhas 348/350, expedida pelo Cartório do Registro de Imóveis - 2º
Ofício, desta Comarca, por onde se vê que, em 09.08.1999, foi registrado o
instrumento particular de Promessa de Compra e Venda, datado de
07.07.1982, tendo, como promitente vendedora, a Universidade Federal do
Pará, e, como promitente compradora, Sociedade Civil Nóbrega Ltda,
executada.
Adiante, vê-se que, em 14.02.2001 , foi registrada a transferência do
mesmo imóvel, constando, como transmitente, Universidade Federal do Pará;
Interveniente Cedente: Sociedade Civil Nóbrega Ltda, executada, e
Adquirente: Organização Paraense de Estudos Superiores S/C Ltda,
agravante.
Não há, dúvida, portanto, que o imóvel foi transferido pela executada à
agravante em 14.02.2001.
Vale notar que os representantes da Sociedade Civil Nóbrega Ltda, naquela
oportunidade, foram os Srs. Francisco Cândido da Silva e Emília Cândido da
Silva, sócios cotistas, sendo que este último também o era da Organização
Paraense de Estudos Superiores S/C Ltda (fls. 111/113).
Saliento que, no mesmo local, e antes que fosse registrada a
transferência do imóvel penhorado, funcionou o Colégio Christus, onde os
reclamados Francisco Cândido da Silva e Emília Cândido da Silva também
aparecem como sócios cotistas (fl. 113).
A princípio poderia parecer inexistente a fraude à execução, eis que a
reclamatória foi ajuizada posteriormente à transferência do bem penhorado,
muito embora a relação laboral tivesse iniciado em data anterior. Ocorre,
contudo, que, à época, várias ações trabalhistas já tramitavam contra a
mesma empresa, que fatalmente se transformariam em feitos executivos, o
que assegura afirmar que o procedimento da executada bem sinalizou o
intuito de prejudicar os credores trabalhistas, caracterizando,
verdadeiramente, a fraude à execução, conforme estabelece o inciso II do
Não merece prosperar a alegação de que a executada possuía e possui
outros bens suficientes à garantia da dívida executada, eis que nenhuma
prova foi produzida em tal sentido, sendo certo, também, que eventuais
danos sofridos pela agravante em decorrência de atos causados pela
executada, poderão ser objeto de apreciação via ação própria a ser
intentada no juízo competente.
Também não se sustenta o argumento embasado na Súmula 205 do C. TST , ou
seja, de que não tendo participado da fase de conhecimento não há como ser
sujeito passivo na execução, posto que tal Súmula já foi cancelada.
Ademais, não se está executando a agravante, mas se está mantendo a
penhora sobre um imóvel pertencente à executada, fraudulentamente
transferido, como já se viu acima.
Nego provimento ao pedido. Nada a modificar, portanto, na r. decisão
agravada. (fls. 600/602)
Esclareça-se, inicialmente, que a admissibilidade do apelo revisional
interposto contra acórdão proferido em agravo de petição está restrita à
demonstração de violência direta e literal ao texto constitucional, nos
termos da Súmula nº 266 do Tribunal Superior do Trabalho e do § 2º do
artigo 896 da Consolidação das Leis do Trabalho . Assim, não há que se
falar em violação aos artigos 158 e 159 do Código Civil, 593, incisos I e II, do Código de Processo Civil e 2º, § 2º, da Consolidação das Leis do Trabalho e em divergência jurisprudencial.
Ocorre que o Tribunal Regional, considerando que a propriedade do imóvel
somente se transfere com a transcrição no registro de imóveis, constatou
que tal fato se deu quando a ação judicial, que originou a execução em
curso, não tinha, ainda, sido ajuizada. Todavia, entendeu caracterizada a
fraude à execução e contra credores, porque à época, várias ações
trabalhistas já tramitavam contra a mesma empresa, que fatalmente se
transformariam em feitos executivos .
É incontroverso que o registro do bem imóvel - objeto da constrição
judicial - ocorreu em 14/02/2001, antes, portanto, do ajuizamento da
reclamação trabalhista, proposta em 21/05/2001 por Leudes Sarges Filho
em desfavor de Sociedade Civil Nóbrega por Cotas de Responsabilidade
Ltda. e outros (fls. 90) .
Além do mais, a embargante, Organização Paraense Educacional e de
Empreendimentos Ltda. - ORPES , tomou posse do referido imóvel, mediante
compromisso de compra e venda, em 07/07/1982 , ou seja, dezenove anos
antes do ajuizamento da reclamação trabalhista.
Saliente-se, ainda, que o registro em cartório do instrumento particular
de promessa de compra e venda, em 09/8/1999, também ocorreu anteriormente
ao ajuizamento da reclamação trabalhista.
Nesse passo, entendo razoável a tese de afronta direta aos incisos II
e XXII do artigo 5º da Constituição Federal , que insculpem o princípio da
legalidade e o direito de propriedade. Isso porque, o inciso II do artigo 593 do Código de Processo Civil é expresso ao dispor que Considera-se em
fraude de execução a alienação ou oneração de bens: (...) quando, ao
tempo da alienação ou oneração, corria contra o devedor demanda capaz de
reduzi-lo à insolvência (grifei).
Recomendável, pois, o processamento do recurso de revista, para exame
da matéria veiculada em suas razões, posto que presentes os pressupostos
do § 2º do artigo 896 da Consolidação das Leis do Trabalho.
Do exposto, conheço do agravo de instrumento para dar-lhe provimento
e, em consequência, determinar o processamento do recurso de revista.
RECURSO DE REVISTA
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Recurso de Revista nº
TST-RR-383/2007-011-08-40.5, em que é Recorrente ORGANIZAÇÃO PARAENSE
EDUCACIONAL E DE EMPREENDIMENTOS LTDA. - ORPES e são Recorridos LEUDES
SARGES FILHO e SOCIEDADE CIVIL NÓBREGA POR COTAS DE RESPONSABILIDADE LTDA.
E OUTROS.
A reclamada interpôs recurso de revista, pelas razões de fls. 606/615,
postulando a reforma do decidido, em relação ao seguinte tema: 1)
embargos de terceiro - existência de registro de compra e venda de imóvel
anterior ao ajuizamento da ação - adquirente de boa-fé - fraude à execução
e contra credores descaracterizadas, por violação aos artigos 5º, incisos II, XXII, LIV e LV, da Constituição Federal, 158 e 159 do Código Civil, 593, incisos I e II, do Código de Processo Civil e 2º, § 2º, da Consolidação das Leis do Trabalho e por divergência jurisprudencial. Não
foram apresentadas contrarrazões, conforme certidão de fls. 620.
Dispensado o parecer da d. Procuradoria Geral, nos termos do artigo 83, § 2º, item II, do Regimento Interno do TST. Relatados.
PRESSUPOSTOS EXTRÍNSECOS
Recurso tempestivo (acórdão publicado em 21/09/2007, sexta-feira,
conforme certidão de fls. 604, e recurso de revista protocolizado às fls.
605, em 1º/10/2007), subscrito por procurador habilitado (procuração às
fls. 23/24), preparo desnecessário, cabível e adequado, o que autoriza a
apreciação dos seus pressupostos específicos de admissibilidade.
EMBARGOS DE TERCEIRO - EXISTÊNCIA DE REGISTRO DE COMPRA E VENDA DE
IMÓVEL ANTERIOR AO AJUIZAMENTO DA AÇÃO - ADQUIRENTE DE BOA-FÉ - FRAUDE À
EXECUÇÃO E CONTRA CREDORES DESCARACTERIZADAS
CONHECIMENTO
A recorrente sustenta que em 14/02/2001 o bem imóvel foi transferido
definitivamente à terceira embargante, ora agravante, não havendo qualquer
participação dos executados na transação, que culminou com a venda do bem
em questão. Assevera que não podem ser imputadas à agravante a fraude à
execução e a má-fé, pois não participou do processo de conhecimento, não
fazendo parte do título executivo, portanto, não podendo ser chamada à
lide para responder com o seu bem sobre dívida de outrem. Afirma que não
há, no presente caso, a solidariedade empresarial, assim há afronta ao
direito de propriedade e ao princípio da legalidade, pois não foram
preenchidos os requisitos necessários para a configuração da fraude contra
credores ou à execução. Sustenta que para a configuração de fraude à
execução ou contra credores torna-se necessário que, quando da alienação
do bem, haja demanda em andamento contra o alienante e que haja a
possibilidade da empresa ser reduzida à insolvência, o que não é o caso
dos autos. Aduz que o imóvel penhorado foi adquirido diretamente da
Universidade Federal do Pará UFPA, sem qualquer intermediação da empresa
executada, Sociedade Civil Nóbrega por Cotas de Responsabilidade Ltda.,
que também não fez parte do processo principal, assim o simples fato de
ter havido uma promessa de compra e venda registrada em Cartório entre a
UFPA e a Sociedade Civil Nóbrega por Cotas de Responsabilidade Ltda. não
significou que houve uma transação comercial e, ainda, que esta chegou a
adquirir o imóvel objeto do instrumento dessa promessa. Esclarece que o
bem imóvel foi indevidamente penhorado, ocorrendo constrição ilegítima,
pois não foi parte nem participou da reclamação trabalhista onde se
efetivou a penhora ou tampouco pode ser responsabilizada por débitos da
empresa reclamada. Aponta violação aos artigos 5º, incisos II, XXII, LIV e LV, da Constituição Federal, 158 e 159 do Código Civil, 593, incisos I e II, do Código de Processo Civil e 2º, § 2º, da Consolidação das Leis do Trabalho . Colaciona arestos.
O Tribunal Regional, ao analisar o tema, deixou consignado, in verbis
:
A discussão gira em torno do imóvel objeto da penhora que a
agravante diz ser de sua exclusiva propriedade.
Impõe-se o exame da Certidão de folhas 21/23 e, com mais detalhes, a
de folhas 348/350, expedida pelo Cartório do Registro de Imóveis - 2º
Ofício, desta Comarca, por onde se vê que, em 09.08.1999, foi registrado o
instrumento particular de Promessa de Compra e Venda, datado de
07.07.1982, tendo, como promitente vendedora, a Universidade Federal do
Pará, e, como promitente compradora, Sociedade Civil Nóbrega Ltda,
executada.
Adiante, vê-se que, em 14.02.2001 , foi registrada a transferência do
mesmo imóvel, constando, como transmitente, Universidade Federal do Pará;
Interveniente Cedente: Sociedade Civil Nóbrega Ltda, executada, e
Adquirente: Organização Paraense de Estudos Superiores S/C Ltda,
agravante.
Não há, dúvida, portanto, que o imóvel foi transferido pela executada à
agravante em 14.02.2001.
Vale notar que os representantes da Sociedade Civil Nóbrega Ltda, naquela
oportunidade, foram os Srs. Francisco Cândido da Silva e Emília Cândido da
Silva, sócios cotistas, sendo que este último também o era da Organização
Paraense de Estudos Superiores S/C Ltda (fls. 111/113).
Saliento que, no mesmo local, e antes que fosse registrada a
transferência do imóvel penhorado, funcionou o Colégio Christus, onde os
reclamados Francisco Cândido da Silva e Emília Cândido da Silva também
aparecem como sócios cotistas (fl. 113).
A princípio poderia parecer inexistente a fraude à execução, eis que a
reclamatória foi ajuizada posteriormente à transferência do bem penhorado,
muito embora a relação laboral tivesse iniciado em data anterior. Ocorre,
contudo, que, à época, várias ações trabalhistas já tramitavam contra a
mesma empresa, que fatalmente se transformariam em feitos executivos, o
que assegura afirmar que o procedimento da executada bem sinalizou o
intuito de prejudicar os credores trabalhistas, caracterizando,
verdadeiramente, a fraude à execução, conforme estabelece o inciso II do
Não merece prosperar a alegação de que a executada possuía e possui
outros bens suficientes à garantia da dívida executada, eis que nenhuma
prova foi produzida em tal sentido, sendo certo, também, que eventuais
danos sofridos pela agravante em decorrência de atos causados pela
executada, poderão ser objeto de apreciação via ação própria a ser
intentada no juízo competente.
Também não se sustenta o argumento embasado na Súmula 205 do C. TST , ou
seja, de que não tendo participado da fase de conhecimento não há como ser
sujeito passivo na execução, posto que tal Súmula já foi cancelada.
Ademais, não se está executando a agravante, mas se está mantendo a
penhora sobre um imóvel pertencente à executada, fraudulentamente
transferido, como já se viu acima.
Nego provimento ao pedido. Nada a modificar, portanto, na r. decisão
agravada. (fls. 600/602)
Cabe inicialmente, para melhor exame da tese que se adotará a seguir,
um breve caminhar sobre as figuras da fraude contra credores e a fraude à
execução.
E para melhor compreensão do tema, se faz necessário discorrer brevemente
sobre a questão do patrimônio garante na responsabilidade do devedor .
A doutrina firmou entendimento de que o conceito de obrigação é de
natureza pessoal, mas que acaba tendo reflexos no patrimônio do devedor.
Daí a idéia de garantia ou de responsabilidade . Aquele representa para
o credor a garantia da satisfação do cumprimento da obrigação. De modo
que, se de um lado a dívida consiste no dever de prestar por parte do
devedor, por outro a responsabilidade compreende o estado de sujeição dos
bens do obrigado à ação do credor. A dívida é, assim, um vínculo pessoal;
a responsabilidade, um vínculo do patrimônio. (Sobre este tema, discorre
magistralmente Yussef Said Chahali em Fraude Contra Credores). Por isso, a
doutrina entende que respondem pelas dívidas do devedor, seus bens
presentes e futuros.
Tal mecanismo atribui ao devedor a possibilidade de usar, gozar e
dispor dos seus bens, como bem lhe parecer, pressupondo sempre a boa fé,
mas desde que garantida a segurança dos créditos de terceiros.
Assim, para que não desapareça a garantia que o patrimônio do devedor
representa para os credores, a lei reconhece ao devedor, plena liberdade
de contratar, e, por conseguinte, de alienar, com o único limite de não
serem as alienações feitas com conhecimento do prejuízo que se vai causar
aos credores por falta de outros bens capazes de garantir-lhes a
satisfação de seus direitos. A lei desaprova a alienação feita nessas
condições, pois a qualifica de fraudulenta. (Liebman referido na obra
citada à página 47).
Em outros termos, essa transposição maliciosa dos limites de
disponibilidade dos bens livres, que repercute, através da diminuição
fraudulenta do patrimônio, como ameaça à garantia dos credores, na medida
em que deve ser coarctada pelo sistema jurídico, antecipa desde logo o
similar fundamento ontológico dos institutos da fraude à execução e da
fraude contra credores; embora se possa pretender que aquelas restrições
se apresentam assim acentuadas no âmbito do processo de execução.
Aliás, esta similitude ontológica , que envolve os dois institutos
embora inseridos agora, um no processo civil, outro no direito material
é que terá inspirado, por certo, a mais precisa e moderna doutrina, no
sentido de uma identificação de conseqüencialidades; ainda que os
resultados sejam obtidos por meios específicos, é manifesta a sucumbência
da melhor doutrina às origens comuns dos dois institutos, como vai ser
visto no local próprio. (obra citada, página 48).
Nesse contexto, a apreensão de bens passados, do devedor, que não mais
lhe pertencem, mas alienados em fraude contra credores ou em fraude à
execução. Esta extensão da responsabilidade patrimonial a bens de
terceiro resulta da interferência do terceiro na violação do contrato.
(Ob.cit. página 49).
Vale lembrar que, consoante ensinamento de Amílcar de Castro (
Comentários ao Código de Processo Civil , Ed. Revista dos Tribunais, São
Paulo, vol. VIII, 1974, p. 88), A fraude será sempre apreciada em relação
ao tempo da alienação, para atingir primeiramente as alienações mais
próximas, de tal sorte que se o devedor, quando acionado, tinha bens
superabundantes, mas aos poucos foi dispondo deles, a um ou mais
adquirentes, de modo que veio a tornar-se insolvente, a execução deverá
recair sobre os bens por último alienados, até o cômputo da dívida .
Do que foi dito, decorre que a configuração da fraude contra credores e
da fraude à execução nasce com a subtração da satisfação da obrigação,
daqueles bens que ao tempo da sua formação, garantiam o ajuste.
Ocorre que o Tribunal Regional, considerando que a propriedade do
imóvel somente se transfere com a transcrição no registro de imóveis,
constatou que tal fato se deu quando a ação judicial, que originou a
execução em curso, não tinha, ainda, sido ajuizada. Todavia, entendeu
caracterizada a fraude à execução e contra credores, porque à época,
várias ações trabalhistas já tramitavam contra a mesma empresa, que
fatalmente se transformariam em feitos executivos .
É incontroverso que o registro do bem imóvel - objeto da constrição
judicial - ocorreu em 14/02/2001, antes, portanto, do ajuizamento da
reclamação trabalhista, proposta em 21/05/2001 por Leudes Sarges Filho
em desfavor de Sociedade Civil Nóbrega por Cotas de Responsabilidade
Ltda. e outros (fls. 90) .
Além do mais, a embargante, Organização Paraense Educacional e de
Empreendimentos Ltda. - ORPES , tomou posse do referido imóvel, mediante
compromisso de compra e venda, em 07/07/1982 , ou seja, dezenove anos
antes do ajuizamento da reclamação trabalhista.
Saliente-se, ainda, que o registro em cartório do instrumento
particular de promessa de compra e venda, em 09/8/1999, também ocorreu
anteriormente ao ajuizamento da reclamação trabalhista.
Nesse passo, entendo caracterizada afronta direta aos incisos II e XXII
do artigo 5º da Constituição Federal , que insculpem o princípio da
legalidade e o direito de propriedade. Isso porque, o inciso II do artigo 593 do Código de Processo Civil é expresso ao dispor que Considera-se em
fraude de execução a alienação ou oneração de bens: (...) quando, ao
tempo da alienação ou oneração, corria contra o devedor demanda capaz de
reduzi-lo à insolvência (grifei).
Assim, conheço do recurso de revista por ofensa ao artigo 5º, incisos II e XXII, da Constituição Federal , como exige o § 2º do artigo 896 da Consolidação das Leis do Trabalho .
MÉRITO
Como consequência lógica do conhecimento do recurso por ofensa ao
artigo 5º, incisos II e XXII, da Constituição Federal , dou-lhe provimento
para, julgando procedentes os embargos de terceiro, declarar insubsistente
a penhora efetuada sobre o bem imóvel.
ISTO POSTO
ACORDAM os Ministros da Segunda Turma do Tribunal Superior do Trabalho,
por unanimidade, conhecer do agravo de instrumento e dar-lhe provimento
para destrancar o recurso de revista. E, por maioria, conhecer do recurso
de revista por violação ao artigo 5º, incisos II e XXII, da Constituição Federal e, no mérito, dar-lhe provimento para, julgando procedentes os
embargos de terceiro, declarar insubsistente a penhora efetuada sobre o
bem imóvel. Vencido o Exmo. Ministro José Simpliciano Fontes de F.
Fernandes.
Brasília, 10 de junho de 2009.
RENATO DE LACERDA PAIVA
Ministro Relator"
0 Comentários
Faça um comentário construtivo para esse documento.