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6 de Maio de 2024

A desconsideração da personalidade jurídica perante o Novo Código de Processo Civil

Publicado por Natália Scalabrini
há 8 anos

A desconsiderao da personalidade jurdica perante o Novo Cdigo de Processo Civi


A priori cumpre elucidar o que é o instituto da desconsideração da personalidade jurídica.

Dispõe o Código de Defesa do Consumidor, em seu art. 28, que “o juiz poderá desconsiderar a personalidade jurídica da sociedade quando, em detrimento do consumidor, houver abuso de direito, excesso de poder, infração da lei, fato ou ato ilícito ou violação dos estatutos ou contrato social. A desconsideração também será efetivada quando houver falência, estado de insolvência, encerramento ou inatividade da pessoa jurídica provocados por má administração”.

Posteriormente, também adveio regulamentado no Código Civil, no art. 50, esclarecendo que “em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade, ou pela confusão patrimonial, pode o juiz decidir, a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no processo, que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares dos administradores ou sócios da pessoa jurídica”.

Ambos os dispositivos tratam da desconsideração da personalidade jurídica ordinária. Por esta, apenas se permite a aplicação da desconsideração caso a personalidade jurídica da sociedade empresária se coloque como entrave à justa composição dos interesses. Assim, inversamente, se a autonomia patrimonial da sociedade não evitar a atribuição de responsabilidade ao sócio ou administrador, não existe desconsideração.

Conta no NCPC, no seu art. 133:

Art. 133. O incidente de desconsideração da personalidade jurídica será instaurado a pedido da parte ou do MP, quando lhe couber intervir no processo.

Além disso, o NCPC também disciplinou acerca da desconsideração inversa, no parágrafo 2ºdo artigoo supra citado. Vide:

§ 2o Aplica-se o disposto neste Capítulo à hipótese de desconsideração inversa da personalidade jurídica.

Este é um procedimento para a suspensão episódica da eficácia do ato constitutivo da pessoa jurídica, com o fulcro de alcançar o patrimônio da pessoa jurídica, por dívidas contraídas pelo sócio.

Neste sentido já posicionou-se o STJ:

"3. A desconsideração inversa da personalidade jurídica caracteriza-se pelo afastamento da autonomia patrimonial da sociedade para, contrariamente do que ocorre na desconsideração da personalidade propriamente dita, atingir o ente coletivo e seu patrimônio social, de modo a responsabilizar a pessoa jurídica por obrigações do sócio controlador. 4. É possível a desconsideração inversa da personalidade jurídica sempre que o cônjuge ou companheiro empresário valer-se de pessoa jurídica por ele controlada, ou de interposta pessoa física, a fim de subtrair do outro cônjuge ou companheiro direitos oriundos da sociedade afetiva". (STJ, 3•. T., REsp n. 1.236.916, rei. Min. Nancy Andrighi, j. Em 22.10.2013, publicado em 28.10.2013)

Quanto ao momento em que é incitada a desconsideração:

O instituto da desconsideração foi tratado no Novo Código de Processo Civil como uma modalidade de intervenção de terceiros, arts. 133 e seguintes.

Neste caso, a desconsideração será incidental e determinará propriamente o acesso de um terceiro em juízo, terceiro representado pelas figuras do sócio/acionista ou da pessoa jurídica - quer se trate da desconsideração ordinária ou a desconsideração inversa da personalidade jurídica.

Em razão do ingresso desta nova parte no processo, essencial a sua citação a fim de que tome ciência da discussão dos autos e apresente as provas que entender cabíveis e manifestações em 15 dias, assim como determina o art. 135 NCPC.

Tanto no caso de desconsideração ordinária quanto na inversa, se requerida incidentalmente, pressupõe-se a existência de um processo judicial, já em trâmite, em que já se notou a prática de atos contrários à satisfação de obrigações patrimoniais em decorrência de infração da lei, fato ou ato ilícito ou violação dos estatutos ou contrato social, a tornar a demanda sem êxito, em face de sócio/acionista que se vale do privilégio da limitação da responsabilidade em determinadas conjunturas para eximir-se de suas obrigações.

Nesse contexto, com o fito de não se permitir a “irresponsabilidade” do sócio/acionista é que tem lugar a desconsideração da personalidade para atingir-se o patrimônio da pessoa jurídica da qual integra o sócio demandado.

Para Fredie Didier Jr.:

O incidente de desconsideração da personalidade jurídica, além de trazer sujeito novo, amplia também o objeto litigioso do processo. Acresce-se ao processo um novo pedido: aplicação da sanção da desconsideração da personalidade jurídica ao terceiro. Por isso, o pedido de instauração do incidente deve demonstrar o preenchimento dos pressupostos legais que autorizam a intervenção (art. 134, § 4o, CPC), sob pena de inépcia (ausência de causa de pedir, art. 330, § 1o, I, CPC).

Oras, o fato de o NCPC ter elencado o instituto da desconsideração como modalidade de intervenção de terceiros não exclui a possibilidade de uma ação autônoma.

Ressalva-se que, em caso de a desconsideração da personalidade jurídica ser requerida logo no início do processo, em peça exordial de ação autônoma, já figurará no polo passivo da demanda o próprio sócio/acionista ou a pessoa jurídica contra quem se pretende direcionar a responsabilidade patrimonial e, portanto, não há que se falar em incidente de desconsideração vez que não existirá a intervenção de terceiro.

Assim dispõe o art. 134, § 2o do NCPC:

Dispensa-se a instauração do incidente se a desconsideração da personalidade jurídica for requerida na petição inicial, hipótese em que será citado o sócio ou a pessoa jurídica.

Contudo, explica-se que o requerimento feito incidentalmente no curso do processo em que já se constatou a prática de atos contrários à satisfação de obrigações patrimoniais em decorrência de infração da lei, fato ou ato ilícito ou violação dos estatutos ou contrato social que permitam a aplicação da desconsideração é deveras muito mais célere.

Também por isto já se posicionavam os Tribunais Superiores sobre a desnecessidade de ação autônoma para se discutir a desconsideração. Vide:

“Processo civil. Recurso ordinário em mandado de segurança. Falência. Grupo de sociedades. Estrutura meramente formal. Administração sob unidade gerencial, laboral e patrimonial. Desconsideração da personalidade jurídica da falida. Extensão do decreto falencial a outra sociedade do grupo. Possibilidade. Terceiros alcançados pelos efeitos da falência. Legitimidade recursal. – Pertencendo a falida a grupo de sociedades sob o mesmo controle e com estrutura meramente formal, o que ocorre quando as diversas pessoas jurídicas do grupo exercem suas atividades sob unidade gerencial, laboral e patrimonial, é legitima a desconsideração da personalidade jurídica da falida para que os efeitos do decreto falencial alcancem as demais sociedades do grupo. - Impedir a desconsideração da personalidade jurídica nesta hipótese implicaria prestigiar a fraude à lei ou contra credores. - A aplicação da teoria da desconsideração da personalidade jurídica dispensa a propositura de ação autônoma para tal. Verificados os pressupostos de sua incidência, poderá o Juiz, incidentemente no próprio processo de execução (singular ou coletiva), levantar o véu da personalidade jurídica para que o ato de expropriação atinja terceiros envolvidos, de forma a impedir a concretização de fraude à lei ou contra terceiros.- Os terceiros alcançados pela desconsideração da personalidade jurídica da falida estão legitimados a interpor, perante o próprio juízo falimentar, os recursos tidos por cabíveis, visando a defesa de seus direitos. (RMS 12.872/SP, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 24/06/2002, DJ 16/12/2002 p. 306)

Da consequência do acolhimento da desconsideração

Preocupou-se o NCPC em estabelecer que a alienação do patrimônio ocorrida mediante fraude de execução, tornar-se-á ineficaz em relação ao requerente cujo pedido de desconsideração fora acolhido. Vide:

Art. 137. Acolhido o pedido de desconsideração, a alienação ou a oneração de bens, havida em fraude de execução, será ineficaz em relação ao requerente.

Explica bem Rubens Requião:

"O mais curioso é que a 'disregard doctrine' não visa a anular a personalidade jurídica, mas somente objetiva desconsiderar no caso concreto, dentro de seus limites, a pessoa jurídica, em relação às pessoas e os bens que atrás dela se escondem. É caso de declaração de ineficácia especial da personalidade jurídica para determinados efeitos, prosseguindo todavia a mesma incólume para seus outros fins legítimos" . ("Abuso de direito e fraude através da personalidade jurídica (disregard doctrine)". Revista dos Tribunais. São Paulo: RT, 1969, n. 410, p. 14.)

Desse modo, não há vez para a sua associação ao instituto da despersonalização, que consiste em sanção que culmina na extinção da pessoa jurídica, criada, ex vi, para fins ilícitos.


Referências:

DIDIER JR, Fredie

NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. Lei 13.105/2015

CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. Lei 8.078/1990.

CÓDIGO CIVIL. Lei 10.406/2002

REQUIÃO, Rubens.

REsp 1036398/RS, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 16/12/2008, DJe 03/02/2009. Destaques nossos.

RMS 12.872/SP, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 24/06/2002, DJ 16/12/2002 p. 306

STJ, 3•. T., REsp n. 1.236.916, rei. Min. Nancy Andrighi, j. Em 22.10.2013, publicado em 28.10.2013

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6 Comentários

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Conseguimos a desconsideracao inversa da personalidade juridica ainda no Código de Processo Civil anterior.

Acesse http://blogs.oglobo.globo.com/ancelmo/post/socios-da-balassiano-engenharia-terao-de-pagar-50-ex-mulher-do-fundador.html

http://www1.tjrj.jus.br/gedcacheweb/default.aspx?UZIP=1&GEDID=0004AAB0AAB2FE55A0A50226F23FC207CD03C50441591318&USER= continuar lendo

Parabéns Dr.
Anteriormente, apenas uma construção jurisprudencial, mas, agora, com a regulamentação expressa no NCPC está sem dúvida melhor. continuar lendo

Por favor, Dra. Natália, com o pelo domínio do assunto que VS tem, peco respeito ao leitor e escrever um texto mais curto e defender o que é correto.
No estado de direito, não existe desconsideração da personalidade jurídica sem caminhar pelo processo criminal, nem existe desconsideração inversa. No caso ultimo, executa se a participação do criminoso na capital da sociedade, sem efeito ao funcionamento da sociedade e sem efeito aos demais sócios.
Por exemplo, tanta divida que a União tem, não se deve executar os ativos da Petrobras, mas sim executar ações que a união tem de capital social da Petrobras. continuar lendo

Taavi Siuko Olá. Agradeço a oportunidade de debate.
Quero informar que a publicação concentrou-se nos aspectos processuais do instituto. Consistiu em uma releitura dos ensinamento do ilustre Fredie Didier. As análises foram feitas de acordo com o NCPC que estabelece o regramento processual do instituto. Não foram desconsideradas hipóteses de cabimento na esfera criminal, aliás, não foram realizadas análises mais profundas (que o tema merece) para não nos alongarmos mais no texto. Boa leitura. continuar lendo

Com a devida vênia, Sr. Siuko, existe sim a desconsideração inversa agora positivada na lei apontada pela Dra. Mas antes disso, o que havia era um construção dos estudiosos (que nós juristas chamamos de doutrina) e do conjunto das decisões judiciais (que chamamos de jurisprudência). Portanto, de um ceto tempo para ca, a desconsideração inversa passou a existir como medida de justiça ao abuso da personalidade jurídica pelos seus administradores.

Vencida esta etapa, vamos à esfera penal: como a desconsideração acontece para salvaguardar a pessoa jurídica de abusos, ou ainda, no caso da desconsideração inversa, proteger o credor de fraude, esta deveria ser tipificada, ou seja, descrita em lei penal para que fosse considerada crime, o que ao meu ver, ainda não existe. Assim, a desconsideração da personalidade jurídica, seja convencional ou inversa, em raríssimos casos - como casos de lei consumerista ou em caso de dano ambiental - poderia alcançar um viés punitivo dentro da esfera penal.

Espero ter sido contundente e ter respondido ao seu questionamento. uma boa noite! continuar lendo

Uma lei genial. Sò pode sair da nossa casa dos nobres parlamentares onde, obvio, ninguém tem formação em direito !!
A Petrobras tem 725.447 acionistas. Qualquer um deles pode ver seus bens saqueados pelo juiz qualquer pelo sistema BacenJud em titulo de cobrança das bilionárias dividas da empresa.
Basta o juiz obter os números de cpf dos acionistas, vascular as contas e escolher a sua vitima.
E oposto, dividas de qualquer um dos 725.447 acionistas pode ser saqueados das contas de Petrobras via sistema BacenJud, eventualmente sem ninguém e nunca perceber.
Todo tranquilo, pois não há controle nenhum na aplicação de "desconsideração", nem do uso de BacenJud.
E mais, pelo menos a justiça de trabalho pratica "desconsideração" em serie, primeiro da empresa devedor, em seguida seus acionista, e seus procuradores, advogados ou vizinhos, pois "nada impede que não sejam acionistas" também, em seguida acionistas dos acionista e acionistas dos acionistas dos acionistas ate Adão e Eva alias ate que se encontra saldo nas contas.
Invertendo no meio, o fulano tal é acionista numa outra empresa, faça desconsideração inversa dela e logo todos os seres humanas serão responsáveis de qualquer divida. continuar lendo