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3 de Maio de 2024

A necessidade da observância do princípio do contraditório e ampla defesa na aplicação pelo empregador da resolução contratual por justa causa.

ano passado

O artigo da Constituição Federal elenca um rol de direitos e garantias individuais, e coletivos denominados como direitos e garantias fundamentais.

Em especial no artigo 5º, inciso LV prevê o princípio do contraditório e ampla defesa sob a expressão aos “ acusados em geral”.

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

LV - aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes;


Além disso, o artigo , § 1º da Constituição Federal afirma que as normas de direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata.

Voltando à questão do princípio do contraditório, este teve como um dos seus fundamentos a limitação do exercício de um poder, face o caráter democrático necessário a quem detém e utiliza o poder.

Fredie Didier citando o princípio do contraditório, a luz do processo em sua obra afirma que:

“O princípio do contraditório é reflexo do princípio democrático na estruturação do processo. Democracia é participação, e a participação no processo opera-se pela efetivação da garantia do contraditório. O princípio do contraditório deve ser visto como exigência para o exercício democrático de um poder”. (JUNIOR. DIDIER. Fredie. Curso de Direito Processual Civil: introdução ao direito processual civil, parte geral do processo de conhecimento. 20 ed. Salvador: Jus Podivm, 2018, p.105-106).


Em sendo o princípio do contraditório e ampla defesa direito fundamental, sua aplicação não se resume na relação com o Estado, em sua eficácia vertical, mas também de aplica nas relações privadas, face a eficácia horizontal dos direitos fundamentais, de aplicação direta e imediata, sem a necessidade de elaboração de lei infraconstitucional para sua concretização.

Trago precedente do Supremo Tribunal Federal que declarou a invalidade da exclusão de membro da sociedade sem que pudesse exercer sua defesa, violando o princípio do devido processo legal, bem como do contraditório e ampla defesa.

EMENTA: SOCIEDADE CIVIL SEM FINS LUCRATIVOS. UNIÃO BRASILEIRA DE COMPOSITORES. EXCLUSÃO DE SÓCIO SEM GARANTIA DA AMPLA DEFESA E DO CONTRADITÓRIO. EFICÁCIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS NAS RELAÇÕES PRIVADAS. RECURSO DESPROVIDO. I. EFICÁCIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS NAS RELAÇÕES PRIVADAS. As violações a direitos fundamentais não ocorrem somente no âmbito das relações entre o cidadão e o Estado, mas igualmente nas relações travadas entre pessoas físicas e jurídicas de direito privado. Assim, os direitos fundamentais assegurados pela Constituição vinculam diretamente não apenas os poderes públicos, estando direcionados também à proteção dos particulares em face dos poderes privados. II. OS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS COMO LIMITES À AUTONOMIA PRIVADA DAS ASSOCIAÇÕES. A ordem jurídico-constitucional brasileira não conferiu a qualquer associação civil a possibilidade de agir à revelia dos princípios inscritos nas leis e, em especial, dos postulados que têm por fundamento direto o próprio texto da Constituição da Republica, notadamente em tema de proteção às liberdades e garantias fundamentais. O espaço de autonomia privada garantido pela Constituição às associações não está imune à incidência dos princípios constitucionais que asseguram o respeito aos direitos fundamentais de seus associados. A autonomia privada, que encontra claras limitações de ordem jurídica, não pode ser exercida em detrimento ou com desrespeito aos direitos e garantias de terceiros, especialmente aqueles positivados em sede constitucional, pois a autonomia da vontade não confere aos particulares, no domínio de sua incidência e atuação, o poder de transgredir ou de ignorar as restrições postas e definidas pela própria Constituição, cuja eficácia e força normativa também se impõem, aos particulares, no âmbito de suas relações privadas, em tema de liberdades fundamentais. III. SOCIEDADE CIVIL SEM FINS LUCRATIVOS. ENTIDADE QUE INTEGRA ESPAÇO PÚBLICO, AINDA QUE NÃO-ESTATAL. ATIVIDADE DE CARÁTER PÚBLICO. EXCLUSÃO DE SÓCIO SEM GARANTIA DO DEVIDO PROCESSO LEGAL.APLICAÇÃO DIRETA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS À AMPLA DEFESA E AO CONTRADITÓRIO. As associações privadas que exercem função predominante em determinado âmbito econômico e/ou social, mantendo seus associados em relações de dependência econômica e/ou social, integram o que se pode denominar de espaço público, ainda que não-estatal. A União Brasileira de Compositores - UBC, sociedade civil sem fins lucrativos, integra a estrutura do ECAD e, portanto, assume posição privilegiada para determinar a extensão do gozo e fruição dos direitos autorais de seus associados. A exclusão de sócio do quadro social da UBC, sem qualquer garantia de ampla defesa, do contraditório, ou do devido processo constitucional, onera consideravelmente o recorrido, o qual fica impossibilitado de perceber os direitos autorais relativos à execução de suas obras. A vedação das garantias constitucionais do devido processo legal acaba por restringir a própria liberdade de exercício profissional do sócio. O caráter público da atividade exercida pela sociedade e a dependência do vínculo associativo para o exercício profissional de seus sócios legitimam, no caso concreto, a aplicação direta dos direitos fundamentais concernentes ao devido processo legal, ao contraditório e à ampla defesa (art. , LIV e LV, CF/88). IV. RECURSO EXTRAORDINÁRIO DESPROVIDO.

( RE 201819, Relator (a): ELLEN GRACIE, Relator (a) p/ Acórdão: GILMAR MENDES, Segunda Turma, julgado em 11/10/2005, DJ 27-10-2006 PP-00064 EMENT VOL-02253-04 PP-00577 RTJ VOL-00209-02 PP-00821)


O empregador, no que tange a relação de emprego, exerce o que comumente a doutrina denomina de poder diretivo, quem tem como fundamento o artigo da CLT na expressão de que o empregador dirige a prestação pessoal de serviço.

Uma das facetas do poder diretivo é o poder disciplinar que confere ao empregador a possibilidade de aplicação de penalidade, como advertência (escrita ou verbal), suspensão contratual (limitado a 30 dias) e resolução contratual por ato faltoso do empregado, comumente chamado de dispensa por justa causa.

No exercício do poder diretivo, em particular o poder disciplinar, o empregador aplica a penalidade, advertência, suspensão e justa causa ao empregado de forma unilateral, sem qualquer participação do empregado, que na grande maioria das vezes sequer é ouvido, tomando conhecimento apenas no momento da resolução contratual.

Tendo em vista que o artigo da Constituição Federal afirma que vivemos em um Estado democrático de direito, e ainda face a eficácia horizontal dos direitos fundamentais, em especial o contraditório e ampla defesa, imperioso que o empregado, acusado da prática de ato faltoso que implique na resolução contratual por justa causa, seja ouvido previamente.

Realmente não há na legislação qualquer disposição que fixe um procedimento prévio para apuração da justa causa, senão a previsão do inquérito para apuração de falta grave no caso de imputação de falta grave ao empregado detentor de estabilidade sindical, artigo 853 da CLT.

Há previsão também em leis esparsas da necessidade de um procedimento prévio, que é o inquérito para apuração de falta grave, como nos casos de empregado eleito diretor de cooperativa (artigo 55 da Lei 5.762/71), o membro do conselho curador do FGTS representante dos trabalhadores (artigo , § 9º da Lei 8.036/90) e o membro dos Conselho Nacional da Previdência Social representante dos trabalhadores (artigo , § 7º da Lei 8.213/91).

Destaco ainda que pelo princípio do reconhecimento dos acordos e convenções coletivas, artigo , inciso XXVI da Constituição Federal, os instrumentos coletivos poderão conter procedimento a ser observado no caso de aplicação pelo empregador da penalidade justa causa ao empregado.

Portanto, via de regra, o empregado que não detém qualquer estabilidade, se vê sem qualquer garantia de contraditório e ampla defesa no momento em que o empregador aplica a penalidade de justa causa para término contratual.

Trago as lições do Ministro e professor Maurício Godinho Delgado em sua obra a respeito da necessidade de oitiva do empregado, antes mesmo da imputação da justa causa, a fim de legitimar o exercício do poder diretivo, senão vejamos:

“É que não prevê a legislação ordinária qualquer procedimento especial para aferição de faltas e aplicação de penas no contexto intraempresarial (excetuadas a situação do estável, conforme mencionado). Muito menos prevê mecanismos de coparticipação (e corresponsabilização) no instante de aplicação de penalidades no âmbito empregatício. Pelo padrão normativo atual, o empregador avalia unilateralmente, a conduta obreira e atribui a pena ao trabalhador, sem a necessidade de observância de um mínimo procedimento que assegure a defesa ao apenado, sem a necessidade de consulta a um órgão coletivo interno a empresa (que na verdade raramente existe no cotidiano empresarial do País).

Embora esse modelo legal celetista pareça defasado em face da relevância que a Constituição de 1988 dá ao Direito Coletivo e aos direitos individuais da pessoa humana, não tem a doutrina e a jurisprudência pátrias dominante, ainda, apontado na direção da suplantação efetiva desse aspecto unilateralista do modelo da CLT. Muito menos o legislador sequer movimentou-se no sistema de aplicação das penalidades trabalhistas do Direito brasileiro à realidade do ingresso no terceiro milênio.

É bem verdade que a Constituição de 1988, em sua elevada sabedoria, criou sistema eficaz de aperfeiçoamento dos poderes diretivo, regulamentar, fiscalizatório e disciplinar pelo empregador no Brasil, independentemente de serem instituídos ou não mecanismos internos de participação obreira nos estabelecimentos e empresas do País. Esse eficaz sistema constitucional é composto pela tutela aos direitos individuais da personalidade do trabalhador no ambiente laborativo, que foi estruturada pela própria Constituição. Ou seja, desponta como tão incisiva, abrangente e forte essa nova tutela constitucional, a ser efetivada pelas instituições componentes do sistema trabalhista brasileiro (Ministério Público do Trabalho, Ministério do Trabalho- Auditoria Fiscal Trabalhista- Justiça do Trabalho, além dos sindicatos), que as empresas instituições e demais empregadores brasileiros seguramente terão de adaptar a meios e práticas mais democráticos do exercício do poder empregatício, sob pena de sofrerem irreprimíveis restrições por parte da instituições de suporte do Direito do Trabalho”. (DELGADO. Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho. 17 ed. São Paulo: LTr, 2018, p.1414).


Luciano Martinez, Juiz do Trabalho e professor, de forma brilhante em sua obra afirma, sob a fundamentação da eficácia horizontal dos direitos fundamentais, que o empregado tem o direito de ser ouvido, nem que seja de forma oral

“Sem dúvida, trata-se de um direito atribuído ao empregado, tal qual aquele oferecido a qualquer acusado, de ser ouvido sobre o assunto que motivou a sua dispensa e de apresentar provas capazes de convencer o empregador da inexistência do fato que motivaria a sanção. Não existindo o instrumento regulamentar patronal , haveria de admitir-se em favor do empregado, no mínimo, o direito de apresentar suas razões contra qualquer acusação que lhe foram dirigidas mediante o contraditório fundado na oralidade”. (MARTINEZ. Luciano. Curso de Direito do Trabalho. 13 ed. São Paulo: Saraivajur, 2022, p.837)


A eficácia normativa da Constituição Federal as relações jurídicas privadas, em especial na relação de emprego, obriga o empregador a ouvir o empregado no momento da imputação da penalidade justa causa, sob pena de violação do devido processo legal privado, e do princípio do contraditório e ampla defesa.

Portanto sendo assegurado pela Constitucional que o acusados em geral tem direito ao contraditório e ampla defesa, e que a vinculação dos direitos fundamentais não está apenas em relação aos poderes públicos, mas também se aplica à relação privada, em especial a relação de emprego onde o empregador detém o poder diretivo privado, o empregado deve ser ouvido antes mesmo da resolução contratual por justa causa.

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