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2 de Maio de 2024

Direito sucessório brasileiro: o legislador foi justo e equitativo ao tratar da sucessão do cônjuge e do companheiro no Código Civil de 2002?

Publicado por Sabryna Medeiros
ano passado

Direito sucessório brasileiro: o legislador foi justo e equitativo ao tratar da sucessão do cônjuge e do companheiro no Código Civil de 2002?

            Sabryna Maria Oliveira Medeiros de Paula

OBJETIVO

 O presente trabalho concentra-se na pesquisa e análise das normas previstas na Constituição Federal, no novo Código Civil e das decisões jurisprudenciais considerando o novo tratamento dado ao cônjuge e ao companheiro inaugurado pelo Código Civil de 2002 e a evolução jurisprudencial, contrastando os direitos que são reservados ao cônjuge e aqueles que são reservados ao companheiro.

METODOLOGIA

 A metodologia utilizada na elaboração deste trabalho foi a pesquisa qualitativa descritiva utilizando pesquisas bibliográficas e documentais em artigos, jurisprudências e na literatura que trata sobre a temática abordada neste trabalho.

SUMÁRIO

  1. Introdução

  2. Herdeiros legitimários ou reservatários

  3. A legítima

  4. O cônjuge sempre é considerado herdeiro?

  5. Em que condições o CCB permite a concorrência do cônjuge com os descendentes, na sucessão legítima?

  6. A cota legal

  7. A concorrência do cônjuge com os ascendentes do de cujus

  8. Em que hipótese o direito brasileiro considera o cônjuge herdeiro, independente de qualquer regime de bens?

  9. A sucessão do companheiro

  10. O companheiro concorre de alguma forma com os outros herdeiros?

  11. Considerações finais

  1. INTRODUÇÃO

 O presente artigo busca expor o tratamento dado ao cônjuge e o tratamento dado ao companheiro na atual sistemática brasileira do direito sucessório, apontando as suas semelhanças e diferenças. Além disso, por meio da pesquisa em várias doutrinas e discussões nos tribunais brasileiros, será construída uma linha de raciocínio para fundamentar a necessidade de ser dado tratamento igualitário ao cônjuge e ao companheiro em se tratando de direito sucessório, com base na nova ordem constitucional e nos novos moldes familiares da contemporaneidade.

2. HERDEIROS LEGITIMÁRIOS OU RESERVATÁRIOS

     Para Carlos Roberto Gonçalves, herdeiro legítimo é o indivíduo indicado na lei como sucessor nos casos de sucessão legal, a quem se transmite a totalidade ou quota-parte da herança. Entre os herdeiros legítimos, há os necessários, também denominados legitimários ou reservatários, e há os facultativos. Herdeiro necessário, no atual Código Civil, são os descendentes, os ascendentes e o cônjuge ( CC, art. 1.845). Tais herdeiros não podem ser excluídos da herança, salvo por declaração judicial de ato de indignidade ou de deserdação. Eles possuem direito a uma quota-parte da herança, da qual não podem ser privados.

     Enquanto para Rolf Madaleno, os herdeiros reservatários, obrigatórios ou legitimários são os descendentes, ascendentes, o cônjuge e o companheiro (CC, art. 1.845 e STF – RE 646.721/RS e RE 878.694/MG). O autor defende a inclusão do companheiro como herdeiro necessário mesmo que no texto original do Código Civil vigente, o legislador não tenha incluído no rol de herdeiros necessários o companheiro sobrevivente da união estável. Ele considera tal ato como uma omissão, uma anomalia que foi corrigida pelo Supremo Tribunal Federal, ao declarar a inconstitucionalidade do art. 1.790 do Código Civil por via dos Recursos Extraordinários 646.721/RS e 878.694/MG.

     O posicionamento do Supremo Tribunal Federal repercutiu também nas Cortes Estaduais. Confira-se decisum proferido pelo Tribunal de Justiça de Minas Gerais: “Conforme entendimento do Supremo Tribunal Federal, no julgamento dos Recursos Extraordinários 646.721-RS e 878/694/MG, com repercussão geral reconhecida, ‘é inconstitucional a distinção de regimes sucessórios entre cônjuges e companheiros prevista no art. 1.790 do CC/2002, devendo ser aplicado, tanto nas hipóteses de casamento quanto nas de união estável, o regime do art. 1.829 do CC/2002’. Havendo bens particulares da falecida, resta claro que o companheiro sobrevivente tem direito à herança, em concorrência com os descendentes desta, conforme se infere do art. 1.829, I, do Código Civil”. O questionamento feito pelos doutrinadores é se as teses de repercussão geral lançadas teriam por objetivo apenas excluir do ordenamento jurídico o art. 1.790 do CC e aplicar o art. 1.829 do CC apenas para fins sucessórios. Ou, se a equiparação seria plena para todos os fins sucessórios. Sob esse viés, o STF teria equiparado o companheiro à qualidade de herdeiro necessário ao lado do cônjuge?

     Segundo Rodrigo Da Cunha Pereira, “se equiparar cônjuge e companheiro em todas as premissas, incluindo o de ser herdeiro necessário, estará tolhendo a liberdade das pessoas de escolherem esta ou aquela forma de família. Poderia, na verdade, sucumbir o instituto da união estável. Se em tudo é idêntica ao casamento, ela deixa de existir, e só passa a existir o casamento. Afinal, se a união estável em tudo se equipara ao casamento, tornou-se um casamento forçado. Respeitar as diferenças entre um instituto e o outro é o que há de mais saudável para um sistema jurídico”. Além disso, de acordo com o Enunciado 641 da VIII Jornada de Direito Civil do Conselho da Justiça Federal: “A decisão do Supremo Tribunal que declarou a inconstitucionalidade do art. 1.790 do Código Civil não importa equiparação absoluta entre o casamento e a união estável. Estendem-se à união estável apenas as regras aplicáveis ao casamento que tenham por fundamento a solidariedade familiar. Por outro lado, é constitucional a distinção entre os regimes, quando baseada na solenidade do ato jurídico que funda o casamento, ausente na união estável”. Diante do exposto, tendo em vista a ausência de previsão expressa no Código Civil, pode-se perceber que há quem não considere o companheiro como herdeiro necessário, enquanto há quem o inclua nessa categoria por conta do posicionamento do STF.

    3. A LEGÍTIMA

    Nesse sentido, a legítima é a parte da herança que a lei reserva somente aos herdeiros necessários e que corresponde a metade dos bens do de cujus. Tal reserva encontra sua origem na defesa dos interesses da família, ou, como escreve Caio Mário da Silva Pereira, “para assegurar a certos herdeiros proteção contra as influências da idade, das afeições mal dirigidas, e até paixões impuras que assaltem o disponente na quadra avançada de sua vida”.

    Exemplificando: Maria, solteira, com duas filhas (Roberta e Ana), falece. Maria deixa uma herança de um milhão de reais. Além disso, fez um testamento designando quinhentos mil reais à sua irmã, Sofia. Dessa forma, a legítima, que é a parte de que Maria não pode dispor de seu patrimônio, por estar reservada a seus herdeiros necessários, é de quinhentos mil reais. Sendo assim, Roberta e Ana receberão duzentos e cinquenta mil reais cada uma. Enquanto Sofia, que não é herdeira necessária, portanto, não possui direito à legítima, mas que foi contemplada no testamento com a quantidade disponível do patrimônio de Maria, herdará quinhentos mil reais.

    4. O CÔNJUGE É SEMPRE CONSIDERADO HERDEIRO?

       O cônjuge nem sempre é considerado herdeiro, segundo os critérios elencados no artigo 1.830, CC. Tal artigo não reconhece direito sucessório ao cônjuge sobrevivente se, ao tempo da morte do outro, estava separado de fato há mais de dois anos, salvo prova, neste caso, de que essa convivência se tornara impossível sem culpa do sobrevivente. Acredito que esses critérios não estão coerentes com a sistemática do direito civil brasileiro e com a nova ordem constitucional. A exigência de que inexista culpa na separação de fato e o prazo de dois anos não me parece oportuna.

       Enquanto o livro IV do Código Civil, que trata do Direito de Família, valorizou o elemento existencial do casamento, mitigou a culpa, enfatizou o trato e o afeto nas relações de parentesco, o livro que trata do Direito das Sucessões, evidenciou um retrocesso ao permitir, no artigo 1.830 do Código Civil, que o cônjuge separado de fato concorra à herança, inclusive nas sucessões abertas após dois anos da separação fática, bastando, nesta hipótese, demonstrar que “não deu causa à separação”. Assim, com a separação de fato, demonstra-se que findou o pressuposto do casamento, que é o afeto entre o casal. Não havendo mais comunhão de vida e de espíritos, deveria ser afastada a razão da sucessão hereditária do cônjuge. Não deveria haver a necessidade de se aguardar dois anos de separação de fato, como está na lei, para o padecimento do direito sucessório do cônjuge sobrevivente.

       A nova ordem constitucional de 1988 já autorizava, em respeito à pessoa humana e a valores existenciais, a concessão do divórcio direto ainda que não implementado o prazo bienal do § 6º, do artigo 226º da CF/88, em sua redação original, antes da modificação introduzida pela Emenda Constitucional 66/2010, de forma que ninguém pode ser obrigado a permanecer casado ou vinculado ao instituto matrimonial. A Emenda Constitucional apenas colocou em dúvida tal situação. Além disso, a discussão da culpa passou a não ser mais um requisito para a dissolução do casamento.

       Rolf Madaleno comenta: “Não mais pode interessar ao direito, como em retrocesso faz o artigo 1.830 do novo Código Civil, tentar demonstrar que o sobrevivente não foi culpado pela separação de fato. Importa o fato da separação, e não a sua causa, pois a autoria culposa não refaz os vínculos e nem restaura a coabitação, mote exclusivo da hígida comunicação de bens. A prova judicial de o cônjuge sobrevivente haver sido inocentemente abandonado pelo autor da herança ou sair pesquisando qualquer causa subjetiva da separação fatual, para caçar culpa de uma decisão unilateral é, mais uma vez, andar na contramão do direito familista brasileiro, que, desde a Lei do Divórcio de 1977, já havia vencido estes ranços culturais.”

       Nesse sentido, quando não há mais a comunhão de vida, evidenciada pela ruptura da vida em comum com ânimo definitivo, deveria ser suficiente para afastar o direito sucessório do cônjuge separado de fato, independentemente de prazos ou da atribuição de culpas. O Direito Sucessório deveria evoluir tanto quanto os demais ramos do direito privado, com destaque nas relações familiares. Na brilhante observação de Gustavo Tepedino, “o momento é de construção interpretativa e é preciso retirar do elemento normativo todas as suas potencialidades, compatibilizando-o, a todo custo, com a Constituição da República”, exigindo dos operadores do direito “um comportamento atento e permanentemente crítico em face do Código Civil para que, procurando lhe conferir a máxima eficácia social, não se percam de vista os valores consagrados no ordenamento civil-constitucional”.

      5. EM QUE CONDIÇÕES O CCB PERMITE A CONCORRÊNCIA DO CÔNJUGE COM OS DESCENDENTES, NA SUCESSÃO LEGÍTIMA?

         O cônjuge sobrevivente está em terceiro lugar na ordem de vocação hereditária, porém ele passa a concorrer em igualdade de condições com os descendentes do falecido, exceto quando já tenha direito à meação em face do regime de bens do casamento. Na falta de descendentes, ele concorre com os ascendentes. Por ser herdeiro necessário, tem direito à legítima, assim como os descendentes e ascendentes do de cujus, ressalvadas as hipóteses de indignidade e deserdação. Dessa forma, a concorrência é o direito que o cônjuge tem de partilhar, em igualdade de condições com os descendentes ou com os ascendentes parte da herança.

         O art. 1.829 do CC, estabelece que em primeiro lugar, na sucessão hereditária, estão os descendentes, porém “em concorrência com o cônjuge sobrevivente, salvo se casado este com o falecido no regime da comunhão universal, ou no da separação obrigatória de bens (art. 1.641); ou se, no regime da comunhão parcial, o autor da herança não houver deixado bens particulares”. Dessa forma, é importante destacar que essa concorrência com os descendentes pode ou não acontecer, a depender do regime de bens do casamento.

         Segundo a doutrina de Carlos Roberto Gonçalves, o cônjuge sobrevivente deixa de herdar em concorrência com os descendentes: a) se judicialmente separado do de cujus; b) se, separado de fato há mais de dois anos, não provar que a convivência se tornou insuportável sem culpa sua ( CC, art. 1.830); c) se casado pelo regime da comunhão universal de bens; d) se casado pelo regime da separação obrigatória de bens; e) se, casado pelo regime da comunhão parcial, o autor da herança não houver deixado bens particulares.

         Dessa maneira, pelo CC, na ordem de vocação hereditária, o cônjuge sobrevivente somente concorrerá com os descendentes: a) quando casado no regime da separação convencional; b) quando casado no regime da comunhão parcial e o de cujus possuía bens particulares; c) quando casado no regime da participação final dos aquestos.

         A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça consolidou-se, nesse sentido, em razão do entendimento manifestado pela 2ª Seção: “O cônjuge, qualquer que seja o regime de bens adotado pelo casal, é herdeiro necessário (art. 1.845 do Código Civil). No regime de separação convencional de bens, o cônjuge sobrevivente concorre com os descendentes do falecido. A lei afasta a concorrência apenas quanto ao regime da separação legal de bens prevista no art. 1.641 do Código Civil”. Nota-se que o regime da participação final nos aquestos é de natureza híbrida, sendo assim, separação na constância do casamento, e comunhão parcial após a sua dissolução. Havendo bens particulares, haverá a concorrência com os descendentes.

        6. A COTA LEGAL

           A cota legal é aquela prevista no art. 1.832 do Código Civil, que estabelece a forma de cálculo da quota devida ao cônjuge, em concurso com descendentes. Dessa forma, quando o cônjuge concorrer com os descendentes, este receberá quinhão igual ao dos que sucederem por cabeça, não podendo a sua quota ser inferior à quarta parte da herança, se o cônjuge for ascendente dos herdeiros com os quais concorrer.

           Dessa maneira, se os descendentes forem do falecido e do sobrevivente, simultaneamente, a quota do cônjuge não poderá ser inferior à quarta parte da herança.

           Exemplificando, se o casal tinha três filhos, com o falecimento do marido, a herança será dividida, em partes iguais, entre a viúva e os filhos. De tal sorte que o cônjuge e cada um dos filhos receberá 25% da herança. Em outra hipótese, se o de cujus deixou quatro filhos, e havendo de ser reservado um quarto da herança para o cônjuge sobrevivente, este receberá quinhão maior, repartindo-se os três quartos restantes entre os quatro filhos. A repartição da herança por cabeça não prevalecerá em tal situação.

           É importante destacar que a reserva da quarta parte trata-se apenas sobre os bens particulares, excluindo-se a meação do cônjuge. Como assevera Mário Luiz Delgado Régis, “não existe reserva da quarta parte no tocante aos bens comuns”.

           Em se tratando de descendentes exclusivos do de cujus, como na hipótese da existência somente de filhos de casamento anterior, o cônjuge sobrevivente não terá direito à quarta parte da herança. O que vai ser garantido ao cônjuge será o quinhão igual ao que couber a cada um dos filhos.

           Segundo Paulo Lobo, não será aplicada a garantia à quota mínima de um quarto ao cônjuge no caso em discussão, tendo em vista que tal quota apenas pode ser garantida quando os descendentes sucessíveis forem exclusivamente comuns.

           Por fim, observa Mário Luiz Delgado Régis: “Quanto ao art. 1.832, deve-se considerar que, na concorrência com os descendentes, só existirá o direito do cônjuge à reserva da quarta parte da herança quando todos os descendentes forem comuns; e que, nas hipóteses de filiação híbrida, o quinhão do cônjuge e dos filhos, quanto aos bens particulares do de cujus, deve ser rigorosamente igual”.

          7. A CONCORRÊNCIA DO CÔNJUGE COM OS ASCENDENTES DO DE CUJUS

             Segundo a doutrina de Carlos Roberto Gonçalves, os ascendentes ocupam a segunda classe dos sucessíveis ( CC, art. 1.828, II). E somente não havendo herdeiros da classe dos descendentes é que são chamados à sucessão os ascendentes, em possível concorrência com o cônjuge sobrevivente ( CC, art. 1.836). Nesse caso, a sucessão orienta-se por dois princípios: a) o grau mais próximo exclui o mais remoto, sem distinção de linhas; b) havendo igualdade em grau e diversidade em linha, os ascendentes da linha paterna herdam a metade, cabendo a outra aos da linha materna.

             Nesse sentido, o cônjuge concorre com os ascendentes sem qualquer limitação no tocante ao regime matrimonial de bens. Diferentemente do que sucede nos casos de concorrência com os descendentes, o cônjuge concorrerá com os ascendentes do falecido, seja qual for o regime.

             Além disso, é de suma importância destacar a regra do art. 1.852, verbis: “O direito de representação dá-se na linha reta descendente, mas nunca na ascendente”. O grau mais próximo exclui o mais remoto, sem distinção de linha. Não havendo descendentes, herdam os genitores do autor da herança, em partes iguais, por direito próprio. Se apenas um está vivo, recebe a totalidade da herança, ainda que estejam vivos os pais do genitor falecido (avós do de cujus). Se ambos faltarem, herdarão os avós da linha paterna e materna; na falta deles, os bisavós, e assim sucessivamente.

             A concorrência do cônjuge supérstite com os ascendentes dá-se nas proporções estabelecidas no art. 1.837 do Código Civil: “Concorrendo com ascendente em primeiro grau, ao cônjuge tocará um terço da herança; caber-lhe-á a metade desta se houver um só ascendente, ou se maior for aquele grau”.

             O cônjuge, portanto, terá direito: a) a um terço, se concorrer com os pais do falecido; b) à metade, se concorrer com um dos pais (por falta ou exclusão do outro); e c) também à metade, se concorrer com avós ou ascendentes de maior grau.

             Exemplificando, se houver pai, mãe e cônjuge como únicos herdeiros, em razão da ausência de descendentes, cada um herda 1/3 da herança. Por outro lado, se houver outra situação qualquer, ou seja, apenas um ascendente de primeiro grau (pai ou mãe) ou apenas ascendentes de maior grau (um avô, uma avó ou vários avôs e avós), o cônjuge tem direito à metade da herança.

             Então supondo que Roberta, casada e com pai e mãe vivos, falece deixando uma herança de três milhões de reais. O cônjuge, a mãe e o pai de Roberta herdarão um milhão de reais cada um. Porém, se ela falece deixando apenas o pai e o cônjuge, cada um receberá um milhão e quinhentos mil reais. Por fim, se Roberta falece deixando apenas um avô e o cônjuge, cada um receberá um milhão e quinhentos mil reais.

            8. EM QUE HIPÓTESE O DIREITO BRASILEIRO CONSIDERA O CÔNJUGE HERDEIRO, INDEPENDENTE DE QUALQUER REGIME DE BENS?

               Na hipótese do art. 1.829, III, do Código Civil, o cônjuge sobrevivente é considerado herdeiro necessário independentemente do regime de bens de seu casamento com o de cujus.

               Rolf Madaleno comenta que com o Código Civil de 2002, o cônjuge herdará o universo de todos os bens, independentemente do regime de casamento, quando ausentes descendentes ou ascendentes ( CC, art. 1.829, inc. III).

               A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça consolidou-se, nesse sentido, em razão do entendimento manifestado pela 2ª Seção: “O cônjuge, qualquer que seja o regime de bens adotado pelo casal, é herdeiro necessário (art. 1.845 do Código Civil).

               De acordo com Paulo Lobo, o Código Civil de 2002 elevou o cônjuge a herdeiro necessário em duas situações: a) quando não houver descendente nem ascendente; b) quando houver descendentes ou ascendentes, terá direito a concorrer com esses, em determinadas circunstâncias.

               Dessa forma, havendo o cônjuge com o qual conviva, o indivíduo não poderá dispor livremente seus bens, mediante liberalidades, a exemplo de doações e disposições testamentárias. Deve haver o respeito à legítima do cônjuge, como herdeiro necessário. E, dessa forma, o cônjuge figura em terceiro lugar na ordem de vocação hereditária, na falta de descendentes e ascendentes. Nesta situação, na ausência de testamento deixado pelo falecido, o cônjuge será o herdeiro universal. Por outro lado, se o de cujus tiver deixado testamento, serão válidas as disposições testamentárias em benefício de terceiros, contanto que não exceda o que corresponder à parte disponível, ou seja, no máximo a metade da herança.

               Paulo Lobo assevera que em relação à concorrência do cônjuge sobrevivente com os ascendentes, não há controvérsia, tendo em vista que a lei determinou que não dependesse do regime matrimonial de bens, e a quota de participação é fixa, de acordo com o grau na classe dos ascendentes que sobreviveram ao falecido. Decidiu o STJ, em caso de concorrência do cônjuge sobrevivente e ascendente, a nulidade do pacto antenupcial que excluir o cônjuge sobrevivente da sucessão do defunto, tendo em vista que a sucessão concorrente é imposta por lei; em momento algum o legislador condicionou a concorrência entre ascendentes e cônjuge ao regime de bens adotado no casamento; que o cônjuge sobrevivente terá direito, além da meação, caso haja, ao seu quinhão na herança do falecido. Diferentemente do que ocorre com os descendentes, a quota que é conferida ao cônjuge, quando este concorrer com ascendente, tem por base de cálculo todo o patrimônio deixado pelo defunto, incluindo a parte deste sobre os bens comuns e os particulares, adquiridos antes ou após o casamento.

              9. A SUCESSÃO DO COMPANHEIRO

                A sucessão do companheiro, a partir do Código Civil de 2002, foi regulada pelo artigo 1.790. Porém, os tribunais brasileiros dividiram-se entre sua constitucionalidade e sua inconstitucionalidade, questionando se seria correto estabelecer alguma hierarquia constitucional entre as formas de constituir família e se, existindo esta hierarquia familiar, poderiam ser estabelecidos direitos sucessórios diferentes para os companheiros sobreviventes em relação aos direitos sucessórios previstos para os cônjuges supérstites, como aduziu o Ministro Luís Roberto Barroso.

                 Sob esse viés, com o julgamento do tema 809 da repercussão geral, fixou-se a tese de que: “No sistema constitucional vigente, é inconstitucional a distinção de regimes sucessórios entre cônjuges e companheiros, devendo ser aplicado em ambos os casos, o regime estabelecido no art. 1.829 do CC/2002”.

                 Nesse sentido, o art. 1.790, do Código Civil, ao prever regimes sucessórios distintos para o casamento e para a união estável, foi declarado inconstitucional com o acórdão do RE 878.694/MG, que reconheceu de forma incidental a inconstitucionalidade de tal artigo, e decidiu pela aplicação, tanto nas hipóteses de casamento quanto nas de união estável, do regime do art. 1.829 do CC.

                 Dessa forma, também o convivente supérstite é coerdeiro do sucedido juntamente com os descendentes ou ascendentes do autor da herança.

                10. O COMPANHEIRO CONCORRE DE ALGUMA FORMA COM OS OUTROS HERDEIROS?

                   Sim, o companheiro concorre com os outros herdeiros. Após a declaração de inconstitucionalidade do art. 1.790 do Código Civil, o companheiro tem direito à metade da herança (mesma regra aplicada ao cônjuge), enquanto a outra metade fica com os filhos do defunto. Sob esse viés, o Ministro Luís Felipe Salomão, declara que, na ausência dos filhos, a herança será dividida com os ascendentes. Na ausência de descendentes e de ascendentes, o companheiro recebe a totalidade da herança. Já os colaterais, só herda se não houver nenhum dos demais parentes.

                  11. CONSIDERAÇÕES FINAIS

                   O legislador não foi justo e equitativo ao tratar da sucessão do cônjuge e do companheiro no Código Civil Brasileiro de 2002. Tal tratamento discrepante fere os princípios da igualdade e da vedação ao retrocesso. Prescreve o § 3º do art. 226 da Constituição de 1988 que, “para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento”.

                   Com a Constituição, houve a pluralização da família, com a proteção às plurais formas de constituição de família, dignos da proteção do Estado, antes garantida apenas àqueles que conferissem matrimônio. Concordo com a passagem do voto do relator Ministro Luís Roberto Barroso, quando inicia afirmando que:

                  “[...] Se o papel de qualquer entidade familiar constitucionalmente protegida é contribuir para o desenvolvimento da dignidade e da personalidade dos indivíduos, será arbitrária toda diferenciação de regime jurídico que busque inferiorizar um tipo de família em relação a outro, diminuindo o nível de proteção estatal aos indivíduos somente pelo fato de não estarem casados”.

                   Contudo, o CC de 2002 tratou de modo diferente os companheiros com relação ao direito constitucional à herança, ao estabelecer regras diferentes para os companheiros no art. 1.790 do Código Civil em comparação aos direitos sucessórios concedidos aos cônjuges pelo art. 1.829 do mesmo diploma civil.

                   Nesse sentido, os bens particulares estão incluídos para o cônjuge e excluídos para o companheiro, para o qual o dispositivo reserva apenas os adquiridos onerosamente; além disso, o reconhecimento explícito do cônjuge como herdeiro necessário, evidenciando a omissão ao não tratar do companheiro; a ordem de vocação hereditária, tendo em vista que o cônjuge está em terceiro lugar após as classes dos descendentes e ascendentes, enquanto o companheiro está após todos os herdeiros colaterais até quarto grau; no que tange à sucessão concorrente, são díspares as quotas atribuídas ao cônjuge e ao companheiro quando concorrerem com descendentes e ascendentes, além de diferentes as bases de cálculo sobre a herança.

                   Sob esse viés, o modelo adotado pelo Código Civil para o companheiro difere inteiramente do que estabeleceu para o cônjuge e do que regularam as leis de 1994 e 1996. Essa desqualificação do companheiro evidencia um retrocesso, no que diz respeito à aquisição de direitos do companheiro, porquanto reduz seus direitos sucessórios em relação à Lei n. 8.971, de 1994. Como diz Giselda Maria Fernandes Novaes Hironaka (2007, p. 58), “a lei não está imitando a vida, nem se apresenta em consonância com a realidade social, quando decide que uma pessoa que manteve a mais íntima relação com o falecido fique atrás de parentes colaterais dele”;

                   Diz Luiz Edson Fachin (2011, p. 256) que “a norma viola os princípios da dignidade da pessoa humana e da igualdade (isonomia), uma vez que, por meio da diferenciação entre os efeitos sucessórios da união estável e do casamento, dá menos (ou mais) condições (reais) de desenvolvimento a determinada pessoa tão somente pela escolha da entidade familiar, que deveria ser livre e desvinculada de quaisquer aspectos patrimoniais, implicando negar a própria condição existencial de sujeitos concretos.”

                   Por fim, tal tratamento dado ao companheiro no CC de 2002 é conflitante com os princípios da igualdade, da liberdade e da não discriminação. Acrescente-se que o artigo viola o princípio de vedação do retrocesso, em matéria de aquisição de direitos, porquanto reduz os direitos sucessórios do companheiro conferidos pela Lei n. 8.971, de 1994, conforme entendimento perfilhado pelo Supremo Tribunal Federal.

                  REFERÊNCIAS

                  GRIMALDI, Arthur. Sucessão do cônjuge e do companheiro à luz do novo código civil. Jusbrasil. 11/2018.

                  OTERO, Marcelo Truzzi. Os artigos 1.829, I e 1.830 do código civil a partir da legalidade constitucional. Anais do IX Congresso Brasileiro do Direito de Família. 11/2013.

                  MADALENO, Rolf. Sucessão Legítima. – 2. ed. – Rio de Janeiro: Forense, 2020.

                  LÔBO, Paulo Direito civil : sucessões – 3. ed. – São Paulo : Saraiva, 2016.

                  GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro. São Paulo: Saraiva. Edição 15.

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                  1 Comentário

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                  Excelente reflexão.
                  Parabéns Sabryna. continuar lendo