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30 de Maio de 2024

Um caso envolvendo a aplicação da lei brasileira para o delito cometido no exterior

Publicado por Rogério Tadeu Romano
há 11 meses

UM CASO ENVOLVENDO A APLICAÇÃO DA LEI BRASILEIRA PARA DELITO COMETIDO NO EXTERIOR

Rogério Tadeu Romano

I – O FATO

Observo fato de relevância no direito penal que foi objeto de reportagem no site de notícias do jornal O Globo, em 20.6.23:

“Cecília Haddad foi morta em 28 de abril de 2018 e teve o corpo jogado no rio Lane Cove, em Sidney. Testemunhas afirmaram à polícia que a administradora de empresas e o engenheiro tinham tido um relacionamento e que ela não queria continuar com ele.

De acordo com um documento apresentado no Tribunal do Júri, Mario Marcelo dos Santos Santoro é acusado de homicídio qualificado, já que Cecília Haddad sofreu lesões corporais por motivo torpe (não aceitação pelo denunciado da livre vontade da vítima, que optou pelo término do relacionamento) e com asfixia (esganadura). E ainda porque ela era uma mulher vítima de violência doméstica e familiar. O documento destaca ainda que o acusado teria ocultado o cadáver da vítima, para garantir que o crime ficasse impune.”

II – A EXTRATERRITORIALIDADE NA APLICAÇÃO DA LEI PENAL BRASILEIRA

O crime, portanto, foi cometido na Austrália, mas a responsabilização no âmbito penal se dá na Justiça Brasileira.

Aplica-se a chamada extraterritorialidade da lei penal, aplicando-se a lei penal brasileira.

Em síntese, entendemos que as espécies de extraterritorialidade são três:

- incondicionada

- condicionada

- hipercondicionada

Tem-se o artigo 7 do CP:

Art. 7º - Ficam sujeitos à lei brasileira, embora cometidos no estrangeiro: (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 1984)

I - os crimes: (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)

a) contra a vida ou a liberdade do Presidente da República; (Incluído pela Lei nº 7.209, de 1984)

b) contra o patrimônio ou a fé pública da União, do Distrito Federal, de Estado, de Território, de Município, de empresa pública, sociedade de economia mista, autarquia ou fundação instituída pelo Poder Público; (Incluído pela Lei nº 7.209, de 1984)

c) contra a administração pública, por quem está a seu serviço; (Incluído pela Lei nº 7.209, de 1984)

d) de genocídio, quando o agente for brasileiro ou domiciliado no Brasil; (Incluído pela Lei nº 7.209, de 1984)

II - os crimes: (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)

a) que, por tratado ou convenção, o Brasil se obrigou a reprimir; (Incluído pela Lei nº 7.209, de 1984)

b) praticados por brasileiro; (Incluído pela Lei nº 7.209, de 1984)

c) praticados em aeronaves ou embarcações brasileiras, mercantes ou de propriedade privada, quando em território estrangeiro e aí não sejam julgados. (Incluído pela Lei nº 7.209, de 1984)

§ 1º - Nos casos do inciso I, o agente é punido segundo a lei brasileira, ainda que absolvido ou condenado no estrangeiro. (Incluído pela Lei nº 7.209, de 1984)

§ 2º - Nos casos do inciso II, a aplicação da lei brasileira depende do concurso das seguintes condições: (Incluído pela Lei nº 7.209, de 1984)

a) entrar o agente no território nacional; (Incluído pela Lei nº 7.209, de 1984)

b) ser o fato punível também no país em que foi praticado; (Incluído pela Lei nº 7.209, de 1984)

c) estar o crime incluído entre aqueles pelos quais a lei brasileira autoriza a extradição; (Incluído pela Lei nº 7.209, de 1984)

d) não ter sido o agente absolvido no estrangeiro ou não ter aí cumprido a pena; (Incluído pela Lei nº 7.209, de 1984)

e) não ter sido o agente perdoado no estrangeiro ou, por outro motivo, não estar extinta a punibilidade, segundo a lei mais favorável. (Incluído pela Lei nº 7.209, de 1984)

§ 3º - A lei brasileira aplica-se também ao crime cometido por estrangeiro contra brasileiro fora do Brasil, se, reunidas as condições previstas no parágrafo anterior: (Incluído pela Lei nº 7.209, de 1984)

a) não foi pedida ou foi negada a extradição; (Incluído pela Lei nº 7.209, de 1984)

b) houve requisição do Ministro da Justiça. (Incluído pela Lei nº 7.209, de 1984)

Pena cumprida no estrangeiro (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)

Na hipótese da extraterritorialidade incondicionada, a lei brasileira se aplica de maneira imediata, sem qualquer condição. As hipóteses estão previstas no artigo 7º, inciso I, cujas alíneas a, b e c representam o princípio da defesa, real ou de proteção; enquanto que a alínea d é expressão do princípio da justiça universal. O inciso II do artigo 7º prevê a extraterritorialidade condicionada, pois a lei brasileira será aplicada mediante observância das condições impostas pelas alíneas a a d, do 2º; são condições objetivas de punibilidade, pois na ausência de qualquer delas o fato não é punível no Brasil. Por fim, a extraterritorialidade hipercondicionada, prevista no 3º do mesmo artigo 7º, é assim denominada porque para sua incidência, o fato deve reunir não só as condições exigidas no 2º, mas ainda não ter sido pedida extradição do estrangeiro (isso porque ele precisa estar no Brasil) e haver requisição do Ministro da Justiça.

Na lição de Júlio Fabbrini Mirabete (Manual de Direito Penal, volume I, 7ª edição, pág. 76) a expressão “deveria produzir-se o resultado”, refere-se às hipóteses de tentativa. Aplicar-se-á a lei brasileira ao crime tentado cuja conduta tenha sido praticada fora dos limites territoriais (ou do território, por extensão), desde que o impedimento da consumação se tenha dado no país. Não será aplicada a lei brasileira, porém, aos casos de interrupção da execução, e antecipação involuntária da consumação ocorridos fora do Brasil ainda que a intenção do agente fosse obter o resultado no território nacional.

A doutrina brasileira já externou posição no sentido de que “infeliz, foi o legislador, porém, ao não se referir, como na lei anterior ao resultado parcial”(artigo 4º). É possível que a ação ocorra fora do território e que o agente não pretenda que o resultado se produza no país, neste ocorra parte do resultado, e esta não possa ser confundida com “todo” o resultado, o dispositivo não abrangeria essa hipótese. Entretanto, a ilação que se tem é que melhor consultaria aos interesses nacionais a interpretação de que parte do resultado é também resultado, aplicando-se a lei brasileira no caso do resultado parcial no Brasil.

Tem-se a territorialidade absoluta que é aquela que dispõe que só a lei brasileira aplica-se sempre ao crime cometido no território nacional.

Mas há a territorialidade temperada na medidas em que, de modo geral, aplica-se a lei brasileira ao crime cometido no Brasil, regra que não é absoluta, ressalvado os Tratados e Convenções Internacionais, quando excepcionalmente poderá a lei estrangeira ser aplicada a delitos cometidos total ou parcialmente em território nacional. Denomina-se este princípio de intraterritorialidade, quando a lei estrangeira é aplicada no território nacional, de fora para dentro do país.

O Brasil adotou o Princípio da Territorialidade Temperada (art. 5 - CP).

A regra no direito penal brasileiro é a territorialidade. A exceção se dá com a extraterritorialidade que se dá com relação a aplicação de lei brasileira a delitos praticados no estrangeiro.

São exceções ao princípio da territorialidade.

Há a chamada extraterritorialidade condicionada. Dela diverge a extraterritorialidade incondicionada sempre que se faça aplicação do princípio da defesa, onde a nacionalidade e a natureza do bem jurídico ofendido pela ação delituosa desenvolvida no estrangeiro é que justificam a aplicação da lei pátria. São os casos dos crimes praticados no exterior contra o Presidente da República, contra o patrimônio ou a fé pública da União ou contra a Administração Pública, a teor do artigo , inciso I, do Código Penal, na redação dada pela Lei 7.209/84.

Tem-se a extraterritorialidade condicionada, da leitura do artigo 7º, inciso II, daquele diploma legal. São esses os pressupostos:

a) entrar o agente no território nacional; (Incluído pela Lei nº 7.209, de 1984), não importando que seja breve ou longa, a passeio, a trabalho, legal ou clandestina;

b) ser o fato punível também no país em que foi praticado; (Incluído pela Lei nº 7.209, de 1984)

c) estar o crime incluído entre aqueles pelos quais a lei brasileira autoriza a extradição; (Incluído pela Lei nº 7.209, de 1984)

d) não ter sido o agente absolvido no estrangeiro ou não ter aí cumprido a pena; (Incluído pela Lei nº 7.209, de 1984)

e) não ter sido o agente perdoado no estrangeiro ou, por outro motivo, não estar extinta a punibilidade, segundo a lei mais favorável. (Incluído pela Lei nº 7.209, de 1984). Caso o agente tenha sido perdoado ou tenha ocorrido outras das causas de extinção da punibilidade previstas no artigo 107 do CP, ou estando o agente ao abrigo do dispositivo da lei estrangeira que consigna outras hipóteses de causas extintas ou lhes dá amplitude, não é possível a aplicação da lei nacional.

Estamos diante de regras de direito material com relação a aplicação da lei penal no espaço.

III – A COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL PARA INSTRUIR E JULGAR O CRIME

Segundo o que se lê do site do STJ, a Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) determinou a remessa para a Justiça Federal da ação penal contra o engenheiro Mário Marcelo Ferreira dos Santos Santoro, acusado de matar e ocultar o corpo de sua ex-companheira – brasileira como ele – na cidade de Sidney, na Austrália. Ele está preso preventivamente no Brasil desde 2018, ano em que ocorreu o crime, após supostamente ter fugido do território australiano.

Para o colegiado, a competência da Justiça Federal decorre – entre outros fundamentos – do fato de que a transferência do procedimento criminal para o Brasil, em razão da impossibilidade de extradição de brasileiro nato, deve ser considerada uma forma de cooperação internacional passiva.

Além do reconhecimento da incompetência da Justiça estadual do Rio de Janeiro para a análise da ação penal, a defesa pediu que o engenheiro pudesse aguardar o julgamento em liberdade. Entretanto, como esse pedido não foi submetido ao Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ) no primeiro habeas corpus, a turma considerou que o STJ não poderia decidir a respeito, sob pena de supressão de instância. O colegiado, porém, determinou que o juiz federal analise com prioridade o pedido de relaxamento da prisão.

É competente a Justiça Federal para instrução e julgamento.

Em recente julgado ( CC n. 167.770/ES), a Terceira Seção do STJ entendeu que compete à Justiça Federal o processamento e o julgamento da ação penal que versa sobre crime praticado no exterior, o qual tenha sido transferido para a jurisdição brasileira, por negativa de extradição, aplicável o art. 109, IV, da CF ( CC n. 154.656/MG, Ministro Ribeiro Dantas, Terceira Seção, DJe 3/5/2018)- ( RHC n. 88.432/AP, Ministro Nefi Cordeiro, Sexta Turma, DJe 8/3/2019).

Retiro conclusões do CC 167770 / ES, relator ministro Reynaldo Soares da Fonseca, DJe de 5 de dezembro de 2019:

“A mera existência de acordo ou tratado internacional de extradição vigente no Brasil, por si só, não atrai a competência da Justiça Federal para julgar ação penal na qual brasileiro é acusado do cometimento de crime no exterior, visto que a competência federal definida no art. 109, V, da CF demanda, também que seja verificável a transnacionalidade do delito, seja dizer, a constatação de que o crime teve iniciada a execução em um país estrangeiro e seu resultado ocorreu ou deveria ter ocorrido no Brasil, ou vice-versa.

Se o delito praticado por brasileiro teve início e consumação em Estado estrangeiro, inviável o estabelecimento da competência federal para o seu julgamento com base no art. 109, V, da CF.

Isso não obstante, é possível estabelecer a competência extraterritorial criminal para o julgamento de delito cometido por brasileiro no exterior, com amparo no art. 109, IV, da CF, que descreve a competência federal para o julgamento de infrações penais praticadas em detrimento de bens, serviços ou interesse da União.

O interesse da União na persecução penal de delitos praticados por brasileiro no exterior advém da atribuição constitucional da União para representar a Nação nas relações com Estados estrangeiros (arts. 21, I, e 84, VII e VIII, da CF) e para cumprir tratados internacionais, competência essa da qual derivam, entre outros aspectos, algumas regras da cooperação jurídica internacional passiva (que tem lugar quando um Estado Requerido recebe de outro,

Requerente, um pedido de cooperação), como, por exemplo, a competência desta Corte para a homologação de sentenças estrangeiras e para a concessão de exequatur, e a competência da Justiça Federal para execução de cargas rogatórias (art. 109, X, CF),como se tem de precedentes do STJ.

Em síntese: a) compete à União manter relações com estados estrangeiros e cumprir os tratados firmados, fixando-se a sua responsabilidade na persecutio criminis nas hipóteses de crimes praticados por brasileiros no exterior, na qual haja incidência da norma interna, e não seja possível a extradição, segundo dispõem os arts , 21, I, e 84, VII e VIII, da Constituição Federal ( RHC 97.535/RS, Rel. Ministro FELIX FISCHER, Quinta Turma, julgado em 26/6/2018, DJe 1º/8/2018); b) compete à Justiça Federal o processamento e o julgamento da ação penal que versa sobre crime praticado no exterior, o qual tenha sido transferida para a jurisdição brasileira, por negativa de extradição, aplicável o art. 109, IV, da CF ( CC 154.656/MG, Rel. Ministro RIBEIRO DANTAS, Terceira Seção, julgado em 25/4/2018, DJe 3/5/2018).”

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