Página 1321 da Judicial - 1ª Instância - Interior - Parte II do Diário de Justiça do Estado de São Paulo (DJSP) de 26 de Junho de 2017

Processo 100XXXX-77.2017.8.26.0318 - Procedimento Comum - Erro Médico - Rayza Valeria Cordeiro - Nelson Cavalheiro Garavazzo - - Irmandade da Santa Ca de Misericordia de Leme - - Prefeitura Municipal de Leme - Vistos.Não existem irregularidades a sanar, pois as partes são legítimas, estão bem representadas e litigam com interesse. Dou o feito por saneado. Defiro à ré Santa Casa os benefícios da Justiça Gratuita, anotando-se.Inexiste inépcia da inicial como se alega na contestação do Município de Leme, pois foram observados todos os requisitos do artigo 319 do Código de Processo Civil de 2015 pela parte autora.Além disso, é possível aos réus exercerem seu direito de defesa em sua plenitude, pois têm condição de saber exatamente quais são os fatos e a responsabilidade que lhes é atribuída pelo evento lesivo descrito na inicial. Não é possível revogar os benefícios da Gratuidade Processual à requerente, como quer o Município réu.Isto porque a requerente é pessoa que declarou ser de prendas domésticas (do lar). Não tem outras rendas.Tanto assim que realizou o procedimento que lhe teria trazido danos à sua integridade física através do Sistema Único de Saúde, ou seja, através do serviço público gratuito fornecido pelo Estado. Fosse ela abastada ou não detentora da condição de miserabilidade jurídica, e teria realizado o procedimento em hospital particular, através de plano de saúde custeado por ela.De mais a mais, o fato de estar sendo patrocinada por advogadas constituídas não é incompatível com a gratuidade processual, tanto que hoje reza especificamente a respeito do assunto o artigo 99, § 4º, do Código de Processo Civil de 2015 que ‘a assistência do requerente por advogado particular não impede a concessão da gratuidade da justiça.’Portanto, mantenho a gratuidade processual em favor da ora requerente. As preliminares de ilegitimidade passiva também não vingam.Em relação à Santa Casa de Leme, pelo fato de o médico que realizou o procedimento cirúrgico na requerente ter sido indicado pelo Sistema Único de Saúde e também porque ele usou as instalações da requerida para os trabalhos.Com efeito, a ficha de internação de página 34 deixa claro que a profissional que se declarou responsável iria fazer o procedimento através do Sistema Único de Saúde. Assim, o procedimento foi feito na Santa Casa através do Convênio mantido entre a Secretaria e o Município.É o de caso julgado pelo Superior Tribunal de Justiça reiteradamente invocado, que teve como relator o Ministro ARI PARGENDLER:”Quem se compromete a prestar assistência médica por meio de profissionais que indica é responsável pelos serviços que estes prestam. Recurso especial não conhecido.” (REsp 138.059) Como estamos diante de relação de consumo, onde a parte autora usou dos serviços e equipamentos contratados e prestados pela Santa Casa, como agente do SUS, como sua destinatária final (artigo do CDC) e esta, assim como o Município, gestor principal da saúde no âmbito municipal, atuaram como fornecedores (artigo do CDC), todos aqueles que concorreram ou de alguma forma participaram da conduta danosa respondem solidariamente pela reparação dos prejuízos de ordem moral ou material causados ao ofendido ou seus herdeiros em caso de falecimento, tudo nos termos dos artigos , parágrafo único, 25, § 1º, do mesmo Código de Defesa do Consumidor (CDC), 943 e 948 do atual Código Civil.Ora, é inequívoco que o hospital cedeu suas instalações para a cirurgia e que foram usados equipamentos e materiais no ato.Não interfere nesta conclusão o fato de a responsabilidade do médico ser subjetiva ou dependente da prova de culpa no caso concreto (artigo 14, § 4º, do CDC) e a do nosocômio ser objetiva (artigo 14, caput, do CDC). Além disso, a Santa Casa poderia, em tese, cobrar pelos medicamentos usados na realização do ato cirúrgico do SUS, o que torna evidente que houve relação jurídica de consumo entre ela e a autora. Então, correta a inclusão da Santa Casa no pólo passivo da demanda, para responder por eventuais danos sofridos pela parte autora em virtude da cirurgia por apontado erro médico por procedimento realizado nas dependências daquela. A respeito, já decidiu o Egrégio TJSP que: “DANO MORAL Erro médico Tratamento inadequado que culminou com a amputação da perna do paciente Compensação de culpa inexistente Dano caracterizado Responsabilidade solidária entre o médico e o hospital (...) (Apelação Cível n. 407.297-4/6-00 José Bonifácio 8ª Câmara de Direito Privado - Relator: Des. Caetano Lagrasta 05.12.07 - V.U. - Voto n. 15.427)” (grifos meus) Também é de ser afastada a tese da ilegitimidade passiva pelo Município por tais motivos, eis que a municipalidade é quem é a responsável pelo atendimento da população em geral através do SUS, para dar efetividade ao direito constitucional à saúde previsto no artigo 196 da Constituição Federal.Isso foi reconhecido até mesmo pelo Então Ilustríssimo Senhor Prefeito de Leme, Paulo Roberto Blascke, ao editar o Decreto Municipal nº 6.335 de 31/07/2013, o qual dispôs sobre a intervenção feita pelo Município à Irmandade da Santa Casa de Misericórdia de Leme, pois as duas primeiras motivações elencadas pelo Alcaide para baixar o referido ato administrativo foram as seguintes:”Considerando estar o Município de Leme sob a égide da Gestão Plena do Sistema Municipal de Saúde e ainda a responsabilidade frente à descentralização instituída pelo Sistema Único de Saúde SUS para atendimento médico-hospitalar da população em geral e a obrigatoriedade do Município em prestar, com a cooperação técnica e financeira da União e do Estado, serviços de atendimento à saúde da população; Considerando que a saúde é um direito de todos e dever do Estado, competindo ao Município garantir esse direito mediante acesso universal e igualitário às ações e serviços atinentes, em todos os níveis, bem como atendimento integral ao indivíduo, abrangendo a promoção, preservação e recuperação da saúde;” Inviável, pelos mesmos motivos, o chamamento ao processo da Fazenda Estadual e da União, o que equivaleria a introduzir fundamento jurídico novo na demanda. Mais não é preciso dizer para que seja firmada a responsabilidade, em tese, do Município pelos eventuais danos sofridos pela requerente em virtude dos fatos descritos na inicial. Por outro lado, em princípio, a culpa médica, que hoje decorre dos art. 951 do Código Civil e do § 4º do art. 14 do Código de Defesa do Consumidor, depende da verificação de culpa:”A responsabilidade do médico pressupõe o estabelecimento do nexo causal entre causa e efeito da alegada falta médica, tendo em vista que, embora se trate de responsabilidade contratual cuja obrigação gerada é de meio , é subjetiva, devendo ser comprovada ainda a culpa do profissional.” (STJ, REsp 1.078.057, publ. in Revista Jurisprudência Mineira apud THEOTONIO NEGRÃO, Código Civil, 32ª ed., pág. 361) No presente caso, o médico que realizou o atendimento na paciente, ora autora, está sendo demandado.M Desse modo, desde que provada a culpa médica na forma do art. 951 do Código Civil e do § 4º do art. 14 do CDC, havendo, no caso, devido à incidência deste último Código, a inversão do ônus da prova (CDC, § 3º, I, do art. 14). Confira-se o que escreve NEGRÃO, citando precedentes do STJ:”’A responsabilidade do hospital é objetiva quanto à atividade de seu profissional plantonista (CDC, art. 14), de modo que dispensada demonstração da culpa do hospital relativamente a atos lesivos decorrentes de culpa de médico integrante de seu corpo clínico deatendimento’ (STJ-3ª T., REsp 696.284, Min. Sidnei Beneti, j. 3.12.09). ‘Demanda indenizatória proposta pelo marido de paciente morta em clínica médica, alegando defeito na prestação dos serviços médicos. A regra geral do art. 14, caput, do CDC, é a responsabilidade objetiva dos fornecedores pelos danos causados aos consumidores. A exceção prevista no § 4º do art. 14 do CDC, imputando-lhes responsabilidade subjetiva, é restrita aos profissionais liberais. Impossibilidade de interpretação extensiva de regra de exceção. O ônus da prova da inexistência de defeito na prestação dos serviços médicos é da clínica recorrida por imposição legal (inversão ope legis). Inteligência do art. 14, § 3º, I, do CDC’ (STJ-3ª T., Resp 986.648, Min. Paulo Sanseverino, j. 10.5.11, maioria, DJ 2.3.12).” (negritos meus) Confira-se Miguel Kfouri Neto, em “Culpa Médica e Ônus da Prova”, Editora Revista dos Tribunais, 2002, página 195:”Ao hospital aplicamse as regras da responsabilidade objetiva: somente se eximirá do dever de indenizar, caso comprove culpa exclusiva da vítima, caso fortuito ou circunstância que arrede, vez por todas, o nexo de causalidade. O médico responde por culpa, em qualquer das suas modalidades.” Portanto, na esteira de tais ensinamentos, e diante da existência de relação de consumo, determino a inversão do ônus da prova, nos termos do artigo , inciso VIII, do CDC. Fixo como pontos controvertidos a existência de nexo causal entre a imperícia ou negligência por parte do médico Nelson Cavalheiro Garavazzo no episódio, se seu procedimento

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