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Direito Econômico e Concorrencial

Direito Econômico e Concorrencial

4. A Interação do Trinômio Estado, Mercado e Empresa

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O Direito Econômico, ao se ocupar do funcionamento dos mercados e do modo que estes, funcionando de forma ótima, promovam o bem-estar econômico-social, acaba confirmando a disciplina jurídica que se dedica à interação do trinômio Estado-Mercado-Empresa.

Essa necessária relação entre Direito e Economia ganha ainda maior destaque a partir de 1937, quando Ronald Coase inaugura A Nova Economia Institucional. Conforme explica Elizabeth Farina (ZYLBERSZTAJN; SZTAJN (org.), 2005, p. XIII), ao demonstrar a empresa como uma estrutura de governança e um nexo de contratos, sistematiza-se a relação entre Direito e Economia na base da Teoria das Organizações. A abordagem econômica de Coase aproxima os conceitos de mercado e empresa de suas dimensões jurídicas.

Essa nova abordagem ao pensar a atividade econômica é aprofundada por Douglass North ao relacionar instituições e desenvolvimento econômico. Conforme observa Paulo Furquim de Azevedo (p. 35):

“O principal papel das instituições – entendidas como as ‘regras do jogo’, formais e informais, que ‘estruturam a interação social, econômica e política’ (NORTH, 1991: 97) – é restringir as ações humanas. O exercício desse papel pode reduzir o custo das interações entre os seres humanos, constituindo um elemento relevante à eficiência econômica e ao desenvolvimento.”

A interação entre o conjunto desses três elementos, Estado-Mercado-Empresa, revela-se a ação mútua entre esse trinômio com trocas e influências recíprocas.

4.1 A atuação do Estado no domínio econômico

O Estado pode atuar de várias formas no domínio econômico, diretamente, como agente econômico, controlando e fiscalizando a atuação de entes particulares, ou, ainda, em parceria com a iniciativa privada. A atuação do Estado pode ser mais intensa quando o Estado é o próprio agente de um setor da economia, muitas vezes até como monopolista, e menos direta quando o Estado deixa a atividade econômica ser explorada pelo agente privado e reserva-se o poder de fiscalização. Pode, também, estar ausente da economia, nos moldes do liberalismo smithiano, em que o próprio mercado regularia a economia, mas esse modelo, comprovadamente pela história, não é eficaz, fazendo-se necessária a atuação do Estado no domínio econômico.

A intervenção indireta ou normativa do Estado na ordem econômica, explica Marçal Justen Filho (2005, p. 456), “consiste no exercício pelo estado de sua competência legislativa e regulamentar para disciplinar o exercício de atividades econômicas, desempenhadas na órbita pública ou privada. Seu fundamento constitucional direto está no art. 174”.

Já a intervenção direta do Estado na ordem econômica, prossegue Marçal Justen Filho (2005, p. 457), “é o desenvolvimento por meio de uma entidade administrativa de atividades de natureza econômica, em competição com os particulares ou mediante atuação exclusiva”.

Pode-se, ainda, pôr a intervenção direta do Estado na ordem econômica como a prestação de um serviço público, nos termos do art. 175 da Constituição, ou, ainda, como exploração da atividade econômica, observando o disposto nos arts. 173 e 177 da Constituição. De qualquer forma, seja serviço público, seja atividade econômica, trata-se do Estado diretamente exercendo uma atividade de natureza econômica.

Diante das transformações jurídico-econômicas e sociais, pode-se cogitar uma categoria talvez mais adequada à realidade e não contemplada explicitamente pela Constituição, a do serviço de interesse coletivo ou, ainda, serviço de utilidade pública. Tal categoria, posta entre serviço público e atividade econômica, abrangeria as atividades com características a ambos os conceitos e com regimes jurídicos não exclusivos do direito público ou privado. Aplicar-se-ia o regime jurídico de direito privado com forte observância aos princípios restritivos da autonomia privada, por meio da intensa fiscalização estatal em defesa dos usuários. Trata-se, portanto, de serviços que são de utilidade pública, ou seja, de toda a sociedade, seja na satisfação de interesses individuais, seja na satisfação de interesses coletivos, e ainda fundamentais para o desenvolvimento da atividade econômica nos mercados.

Para Marçal Justem Filho (2005, p. 459), “enquadra-se nessa categoria a hipótese de ‘serviço público sob regime de direito privado’”, e “somente podem ser submetidas ao regime intermediário algumas atividades, aquelas que possam ser desempenhadas sem risco de comprometimento dos direitos fundamentais”.

Cada vez mais, contudo, fica difícil imaginar algum serviço, mesmo que fundamental ou essencial, que não possa ser executado pela iniciativa privada, ainda que convivendo com a atuação direta do Estado, por exemplo, a saúde, a segurança e até mesmo o Judiciário (resolução de controvérsias), em que, guardadas as proporções, encontra-se a iniciativa privada desempenhando tais funções. Evidentemente, na maioria desses serviços, ainda que prestados pela iniciativa privada, o Estado tem essencial função na regulação e fiscalização.

Ainda no que se refere às formas de atuação do Estado no domínio econômico, mas sempre sobre a perspectiva da atuação direta ou indireta, escreve Eros Grau (2003, p. 28) que:

“No desempenho do seu novo papel, o Estado, ao atuar como agente de implementação de políticas públicas, enriquece suas funções de integração, de modernização e de legitimação capitalista.

Essa sua atuação, contudo, não conduz à substituição do sistema capitalista por outro. Pois é justamente a fim de impedir tal substituição (...) que o Estado é chamado a atuar sobre e no domínio econômico.”

Alessandro Octaviani destaca que a clássica tipologia trabalhada por Geraldo Vidigal e Washington Peluso e, posteriormente, sistematizada por Eros Grau (2003, p. 127), descreve a atuação do Estado no domínio econômico, subdividindo-se em atuação por absorção e atuação por participação, e atuação do Estado sobre o domínio econômico, subdividindo-se em atuação por direção e atuação por indução. Exemplificativamente, escreve Octaviani (2012, p. 10 e 11):

“O Estado atuou e atua no domínio econômico por participação no próprio caso das seguradoras requerentes [BB Seguros Participações S.A. e Mapfre Vera Cruz Seguradora S.A.] vinculadas ao Banco do Brasil, sociedade de economia mista, que atua com outras em ambiente concorrencial; o Estado atuou no domínio econômico por quase um século, até menos de cinco anos passados, por absorção, com o monopólio das atividades ressecuritárias por parte do IRB – Instituto de Resseguros do Brasil; o Estado atua sobre o domínio econômico por indução quando elimina encargos tributários de seguradoras que expandam sua teia do chamado microsseguro, seguros destinados aos setores da população recém incluídos no mercado consumidor graças aos programas de renda mínima implementados durante a última década; o Estado atua sobre o domínio econômico por direção quando determina, para os atores do sistema nacional de seguro, conteúdos contratuais, comportamentos empresariais e modelos de concorrência adequados para o cumprimento dos fins constitucionais” (inseriram-se colchetes).

Eros Grau (2003, p. 126) assinala, ainda, que quando a análise do tema diz respeito à atuação do Estado em relação à esfera do privado, o vocábulo intervenção é mais adequado, pois indica a atuação em área de outrem. Explica-se tal distinção, uma vez que ao Estado caberia atuar no domínio público, enquanto à iniciativa privada, no domínio privado.

O Estado, então, intervém no domínio econômico por absorção, quando controla como monopolista os meios de produção de determinado setor da atividade econômica, ou intervém no domínio econômico por participação, controlando parte dos meios de produção de determinado setor da atividade econômica em regime de competição com agentes privados. Portanto, quando o Estado intervém no domínio econômico, ele, Estado, atua como agente econômico.

O Estado também intervém sobre o domínio econômico por direção, estabelecendo o comportamento dos agentes da atividade econômica, ou intervém sobre o domínio econômico por indução, manipulando o funcionamento dos mercados em conformidade com o definido em lei. Logo, quando o Estado intervém sobre o domínio econômico, ele, Estado, é o regulador da atividade econômica do mercado.

Outra forma de atuação dos Estados que se deve notar é a qual optamos designar atuação por eleição. Nesta, o Estado elege a grande empresa que atuará como uma global player e receberá apoios institucionais e legais, além do imprescindível financiamento público, para enfrentar suas rivais no mercado nacional (muitas vezes até tornando esse mercado inviável para concorrentes), mas, sobretudo, na concorrência global. Criam-se, assim, as “campeãs nacionais”, grandes empresas concentradas, dependentes da influência política para consolidá-las internamente e para viabilizar o seu ingresso nos mercados internacionais. Na história recente do País destacam-se os financiamentos do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social – BNDES –, que viabilizaram: (i) a compra da Brasil Telecom pela Oi/Telemar; (ii) a compra da Aracruz pela Votorantim; (iii) a compra do Bertin pelo JBS; (iv) a compra da Sadia pela Perdigão; e (v) a compra da Biosintética pela Aché, além da atuação da Petrobras que subsidiou a consolidação da petroquímica com a compra da Quattor pela Braskem (Odebrecht).

Cumpre também observar a atuação por participação, as conhecidas Parcerias Público-Privadas – PPPs nas quais se celebram acordos negociais de interesse geral e de caráter continuado, entre o Estado (Administração Pública) e agentes privados (responsáveis pela consecução do objeto contratual), a fim de tornar viável o desenvolvimento socioeconômico pretendido.

De todo modo, percebe-se que o Estado desempenha uma relevante atuação no domínio econômico, seja de forma direta, enquanto agente econômico (atuação direta), seja de forma indireta, enquanto agente normativo e regulador das atividades econômicas nos mercados (atuação indireta), seja, ainda, por eleição, quando elege a grande empresa nacional que atuará nos mercados (atuação por eleição), seja, também, em parceria com a iniciativa privada para tornar viáveis projetos de desenvolvimento socioeconômico (atuação por participação).

4.2 A empresa e o direito econômico

A compreensão atual do Direito exige a reflexão acerca da moderna economia de empresa cuja base está na própria liberdade da pessoa, que se exprime no campo econômico e, consequentemente, os seus reflexos para a sociedade e para o Estado acabam legitimando a atuação da própria empresa. Tal abordagem ganha relevância na medida em que a empresa se revelava instrumento dos mais importantes na transformação econômica social e os juristas passaram a se ocupar com o tema. No início, o fator decisivo de produção era a terra e, posteriormente, o capital. Já a moderna economia de empresa tem no próprio homem o fator decisivo de produção, cujo saber científico é revelado na sua capacidade de conhecimento, a sua organização solidária e a sua habilidade de entender e satisfazer as necessidades humanas.

A firma, como a empresa é designada comumente na Ciência Econômica, é uma organização (ou unidade de produção) para a qual convergem os recursos disponíveis para produzir bens e serviços que atendem às necessidades do consumo, empregando o indivíduo ou um grupo de pessoas (KRUGMAN; WELLS, 2007, p. 26; ROSSETTI, 2003, p. 163). A empresa também tem a sua racionalidade e continuamente deve fazer escolhas, tomar decisões, de modo que opere maximizando seus lucros (STIGLITZ; WALSH, 2003, p. 24).

Até meados do século XX, a empresa era tida como mera organizadora das coisas para a produção, mas, com o tempo, passa a ser vista de forma mais abrangente pelo jurista na medida em que o Estado atuava no domínio econômico, resultando na chamada “teoria da empresa”. Além da atividade profissionalmente organizada para a produção e circulação de bens ou serviços, incluem-se no conceito atual de empresa todos os direitos e obrigações decorrentes de sua atividade na sociedade, seja nos aspectos comerciais (hoje empresariais), fiscais, previdenciários, trabalhistas, ambientais, penais, cíveis, concorrenciais, constitucionais e administrativos, dentre outros.

Conforme escreve Fábio Ulhoa Coelho (2003, v. 1, p. 18):

“(...) a teoria da empresa é, sem dúvida, um novo modelo de disciplina privada da economia, mais adequado à realidade do capitalismo superior. Mas através dela não se supera, totalmente, um certo tratamento diferenciado das atividades econômicas. O acento da diferenciação deixa de ser posto no gênero da atividade e passa para a medida de sua importância econômica. Por isso é mais apropriado entender a elaboração da teoria da empresa como o núcleo de um sistema novo de disciplina privada da atividade econômica e não como expressão da unificação dos direitos comercial e civil.”

Nesse sentido, aprofunda-se a definição de empresa apontada por Amador Paes de Almeida (2004, p. 23), para assim conceituar empresa a organização econômica destinada à produção e circulação de bens ou serviços, sujeita de direitos e obrigações decorrentes de sua atuação nos mercados e junto da sociedade. A atividade é seu elemento funcional, a que se acrescentam outros elementos: o subjetivo (o empresário), o objetivo (o estabelecimento) e o corporativo (os empregados). Seus direitos e obrigações decorrem de Lei, em conformidade com a ideologia constitucionalmente adotada e a política econômica definida.

Com efeito, o objetivo da empresa não se restringe ao lucro, algo legítimo e que reflete o bom funcionamento da empresa que soube utilizar adequadamente os fatores produtivos na satisfação das necessidades humanas, “mas sim a própria existência da empresa como comunidade de homens que, de diverso modo, procura a satisfação das suas necessidades fundamentais e constituem um grupo especial ao serviço de toda a sociedade” (Centesimus annus, p. 67).

O legislador também se ocupou dessa nova face da empresa na Lei nº 11.101, de 9 de fevereiro de 2005, que regula a recuperação judicial, a extrajudicial e a falência do empresário e da sociedade empresária, ao estabelecer, no art. 47, que “a recuperação judicial tem por objetivo viabilizar a superação da situação de crise econômico-financeira do devedor, a fim de permitir a manutenção da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores e dos interesses dos credores, promovendo, assim, a preservação da empresa, sua função social e o estímulo à atividade econômica”. E, mesmo no caso de falência, conforme dispõe o art. 75, ao promover o afastamento do devedor de suas atividades, essa lei “visa a preservar e otimizar a utilização produtiva dos bens, ativos e recursos produtivos, inclusive os intangíveis, da empresa”.

O Direito Econômico é o ramo do Direito em que a análise da empresa guarda demasiada importância, tendo em vista o estreito binômio empresa/poder econômico. Nesse sentido, a partir da Revolução Industrial, a concentração do poder econômico acentua-se sobremaneira e a expansão do capitalismo ocorre apoiada na estrutura societária da grande empresa, geralmente adotando a figura de sociedade anônima.

Analisar as sociedades empresárias à luz do Direito hodierno faz-se necessário a partir da compreensão do poder decisório. Enquanto nas sociedades de pessoas o poder é naturalmente a manifestação da vontade dos sócios, na sociedade anônima moderna, conforme assinala Fábio Konder Comparato (2005, p. IX) o “elemento dinâmico, que põe em marcha o mecanismo societário e empresarial, é um poder que se exerce indiretamente entre os sócios, através dos órgãos impostos pela lei: é o controle”. Assim, importante a lição de John Kenneth Galbraith (1983, p. 13) acerca das sociedades anônimas e sua evolução recente, já que antes se tratava de projeções de seus próprios proprietários, que as dirigiam; hoje, na maioria das vezes, os dirigentes são desconhecidos e não se confundem com os proprietários das ações, ainda mais desconhecidos.

A sociedade anônima, portanto, desponta como meio hábil de se concentrar o poder econômico por meio de ações, ao mesmo tempo que se desvincula a propriedade dos capitais e a responsabilidade pessoal, permitindo, inclusive, a atuação do Estado como agente econômico em competição com a iniciativa privada, algo que Comparato (2005, p. XVI) definiu como “o autêntico direito constitucional da atividade econômica, no setor privado”.

Questiona-se, então, se a empresa deve ser tomada como “sujeito” do direito, ou seja, o Direito Econômico, pela teoria da empresa, ocupar-se-ia do agente econômico, regulamentando-lhe o ato jurídico, ou se a empresa deve ser tomada como “objeto” do direito, caso em que o Direito Econômico regulamentaria a atividade econômica, sendo a empresa a atividade praticada pelo empresário.

Resume Washington Peluso Albino de Souza (2003, p. 293):

“Tomada por qualquer dessas posições, seja como ‘atividade’, seja como ‘sujeito’, portanto, é fácil perceber como a ‘empresa’ tem significação fundamental para a nossa disciplina [Direito Econômico]. Como ‘sujeito’, é o principal instrumento de dinamização da própria vida econômica, na sociedade atual caracterizada pelo emprego de sofisticada tecnologia e de ‘concentração’ cada vez mais intensa de capitais. Como ‘atividade’, deixa de oferecer a necessária consistência para o trato jurídico em termos de atribuição de responsabilidade, especialmente nas formas atuais das multinacionais, ou mesmo das globais, sob a forma de sociedades por ações, ao comparecer a um só tempo nas Bolsas de Valores dos mais diversos países em transações rápidas dos geralmente desconhecidos proprietários de suas ações, enquanto ali figuram pelo seu nome, seu patrimônio e seu prestígio próprio” (inseriu-se colchete).

A empresa, enquanto sujeito da política econômica, tem o seu reconhecimento, incentivos, regulamentos, fiscalizações, limitações e até punições estabelecidas pelo Direito. Nesse sentido, o entendimento de Washington Peluso Albino de Souza (2003, p. 293), segundo o qual:

“Apesar da importância das duas posições conceituais de ‘empresa’, entretanto, adotaremos aquela que a toma por ‘sujeito’ do ato jurídico-político-econômico. Ficamos com a sua feição mais moderna, respaldada pela maior frequência desse sentido, registrada na legislação, apesar das poucas exceções, nas quais ainda é caracterizada como ‘atividade’.

(...)

Precisamente porque, e até onde, a empresa se integra na Política Econômica como seu ‘sujeito’, o Direito Econômico preocupa-se com a sua atuação, vai traçar-lhe normas de conduta, vai impor-lhe incentivos, obstáculos e limitações, bem como cogita do seu próprio destino, quando quaisquer medidas venham prejudicá-las.”

Como bem observa o próprio Washington Peluso Albino de Souza (SOUZA; CLARK, 2008, p. 23), porém, “a empresa como ‘sujeito’ ou como ‘objeto’ de direito, importa nas ideias de Estado e de Mercado, porém a sua clara conceituação é indispensável para a necessária segurança e seu tratamento”.

Assim, sobretudo diante da realidade da economia de mercado, em especial a partir dos seus desdobramentos no século XX, conclui-se que ora a empresa é sujeito de direito, ora é objeto de direito. Oportuna a análise de Francesco Galgano (1995, p. 4) segundo o qual, às vezes, um empreendedor compra uma empresa apenas para vendê-la, de modo que o lucro não é buscado na administração da empresa, mas na diferença entre o preço de venda e compra. Portanto, a economia pós-industrial torna-se uma economia na qual a empresa deixa de ser um sujeito e torna-se um objeto mercado, de modo que o capital de risco utilizado nessas transações acaba tendo as feições de sujeito, enquanto a empresa se torna um mero valor de troca.

Conclui-se que, na economia pós-industrial, o Direito Econômico deve tomar a empresa enquanto sujeito, quando ela possui uma postura ativa dentro da economia de mercado, ou seja, um agente econômico. Mas também deve reconhecer a empresa enquanto objeto quando sua situação é passiva, tal qual em situações em que a empresa é alvo de uma aquisição.

Tal situação fica bem expressa ao verificar que a Lei de Concorrência (Lei nº 12.529/2011) dispõe, em seu art. 90, que se realiza um ato de concentração quando: (I) duas ou mais empresas anteriormente independentes se fundem; (ii) uma ou mais empresas adquirem, direta ou indiretamente, por compra ou permuta de ações, quotas, títulos ou valores mobiliários conversíveis em ações, ou ativos, tangíveis ou intangíveis, por via contratual ou por qualquer outro meio ou forma, o controle ou partes de uma ou outras empresas; (iii) uma ou mais empresas incorporam outra ou outras empresas; ou (iv) duas ou mais empresas celebram contrato associativo, consórcio ou joint venture.

Nesse sentido, o Regimento Interno do CADE – RICADE (Resolução nº 22, de 19 de junho de 2019), corrobora o entendimento de se reconhecer a empresa tanto como sujeito quanto com objeto, ao dispor, em seu art. 109, § 1º, que o pedido de aprovação de atos de concentração deverá ser endereçado ao CADE e o requerimento será apresentado, sempre que possível, em conjunto: (i) nas aquisições de controle ou de participação societária, pelo adquirente e pela empresa-objeto; (ii) nas fusões, pelas sociedades que se fusionam; e (iii), nos demais casos, pelas partes contratantes.

No Brasil, a teoria da empresa foi adotada pelo Código Civil de 2002, mais especificamente em seu Livro II, “Do Direito de Empresa”, em contrapartida à teoria dos atos do comércio presente no Código Comercial de 1850.

O art. 982 do Código Civil considera sociedade empresária aquela cujo objeto é o exercício da atividade própria do empresário sujeito a registro, sendo sociedades simples as demais. Nesse sentido, remete-se ao art. 966 do Código Civil, que considera empresário quem exerce profissionalmente atividade econômica organizada para a produção ou circulação de bens ou de serviços. Complementarmente, ensina Armando Luiz Rovai (2007, p. 7):

“As Sociedades Empresárias, por sua vez, englobam o gênero de sociedades que se vinculam ao Registro Público de Empresas Mercantis (que está a cargo das Juntas Comerciais), conforme dispõe o art. 1.150 do Código Civil, e podem adotar os seguintes tipos: (1) Sociedades em Nome Coletivo; (2) Sociedades em Comandita Simples; (3) Sociedades Limitadas; (4) Sociedades Anônimas; (5) Sociedades em Comandita por Ações; (6) Sociedades Cooperativas; (7) Sociedades Coligadas. O modo de organização de cada uma delas também é regido de acordo com as regras aplicáveis, contidas no Código Civil de 2002.”

Ainda no que se refere às sociedades empresárias, aos 11 de julho de 2011, a Lei nº 12.441 acrescentou o inciso VI ao art. 44, incluiu o art. 980-A ao Livro II da Parte Especial e alterou o parágrafo único do art. 1.033, todos do Código Civil, para instituir a Empresa Individual de Responsabilidade Limitada (Eireli), constituída por uma única pessoa titular da totalidade do capital social, devidamente integralizado, que não será inferior a cem vezes o maior salário mínimo vigente no País. Para Rovai e Del Masso (2011), a Eireli “surge como uma boa solução para a desburocratização dos procedimentos negociais, auxiliando a formalização de empreendedores individuais, diferenciando-se da velha figura do Empresário Individual, quanto à limitação da responsabilidade, independentemente do sucesso do empreendimento”.

Cumpre, ainda, observar que, à luz da Lei nº 11.079/2004, que institui as normas gerais para licitação e contratação de Parceria Público-Privada (PPP) no âmbito da administração pública, para a celebração do contrato de PPP é necessária a constituição de Sociedade de Propósito Específico (SPE), incumbida de implantar e gerir o objeto da parceria. A SPE, nos termos do art. 9º da citada Lei, poderá revestir-se da forma de companhia aberta, com valores mobiliários admitidos à negociação no mercado; deverá obedecer a padrões de governança corporativa e adotar contabilidade e demonstrações financeiras padronizadas, estando vedado à Administração Pública ser a titular da maioria do capital votante da sociedade. A transferência do controle da SPE estará condicionada à autorização expressa da Administração Pública.

De todo modo, a ideologia da empresa já havia sido recepcionada na ordem jurídico-político-econômica da Constituição Federal de 1988 em seu Título VII, arts. 170, IV e IX, e 173, parágrafos.

Nesse contexto, o Estado estabelece a economia de mercado com a livre-concorrência e reserva à iniciativa privada a exploração da atividade econômica, podendo o Estado atuar nos casos de segurança nacional ou relevante interesse coletivo. Ainda assim, as empresas públicas que explorem atividade econômica sujeitam-se ao regime próprio das empresas privadas.

Outrossim, ao passo que legitima o agente privado como explorador da atividade econômica, o Estado imputa-se a responsabilidade de agente normativo e regulador da atividade econômica, exercendo as funções de fiscalização, incentivo e planejamento, sendo esse determinante para o setor público e indicativo para o setor privado.

4.3 Atividade econômico-privada dos entes públicos

A Constituição Federal de 1988 dispõe, no caput do art. 173, que a exploração da atividade econômica passa a ser desempenhada pelo agente privado, reservando ao Estado a exploração da atividade econômica nos casos de segurança nacional ou relevante interesse coletivo. Outrossim, definiu no § 1º do art. 173 que, nos casos em que o Estado atuar na exploração da atividade econômica, atuará como agente econômico revestido nas formas empresariais de empresa pública ou sociedade de economia mista.

Cumpre ressaltar que, à luz do art. 173, §§ 1º, 2º e 3º, tanto a empresa pública quanto a sociedade de economia mista estão sujeitas ao regime jurídico próprio das empresas privadas, inclusive quanto aos direitos e às obrigações civis, …

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18 de Maio de 2024
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