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28 de Maio de 2024
  • 1º Grau
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TJES • REINTEGRAÇÃO / MANUTENÇÃO DE POSSE • Esbulho • XXXXX-26.2021.8.08.0015 • Órgão julgador Conceição da Barra - 1ª Vara do Tribunal de Justiça do Estado do Espírito Santo - Inteiro Teor

Detalhes

Processo

Órgão Julgador

Órgão julgador Conceição da Barra - 1ª Vara

Assuntos

Esbulho, Turbação, Ameaça (10445)

Partes

Documentos anexos

Inteiro Teora8c70d012540c71c51dacc3f502d62966c8bddb9.pdf
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30/05/2022

Número: XXXXX-26.2021.8.08.0015

Classe: REINTEGRAÇÃO / MANUTENÇÃO DE POSSE

Órgão julgador: Conceição da Barra - 1a Vara

Última distribuição : 08/03/2021

Valor da causa: R$ 100.000,00

Assuntos: Esbulho / Turbação / Ameaça

Segredo de justiça? NÃO

Justiça gratuita? NÃO

Pedido de liminar ou antecipação de tutela? SIM

Partes Procurador/Terceiro vinculado SUZANO PAPEL E CELULOSE S.A. (AUTOR) LEANDRO HENRIQUE MOSELLO LIMA (ADVOGADO) JOSÉ DOS SANTOS GUIMARÃES (REU) MARCOS CESAR MORAES DA SILVA (ADVOGADO) REGINALDO DAS GRACA BRESSIANI (REU)

FLODIAS SOARES DOS SANTOS MEDEIROS (REU) FERNANDA FEU BARROS (ADVOGADO)

NEDSON ALVES MARTINS FILHO (ADVOGADO) AGNALDO BARBOSA (REU)

DOMINGOS DE JESUS MORAES (REU) NEDSON ALVES MARTINS FILHO (ADVOGADO) VALMIRO ALVES VIEIRA (REQUERIDO) MARCELO VIEIRA GONCALVES (ADVOGADO) MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO ESPIRITO SANTO

(CUSTOS LEGIS)

Documentos

Id. Data da Documento Tipo

Assinatura

13903 03/05/2022 14:09 sentença MPF X FIBRIA SUZANO Documento de comprovação

279

Poder Judiciário

JUSTIÇA FEDERAL

Seção Judiciária do Espírito Santo

1a Vara Federal de São Mateus

Rua Coronel Constantino Cunha, 1334 - Bairro: Fátima - CEP: 29933-530 - Fone: (27) 3313-7115 - www.jfes.jus.br - whatsapp (27) 99254-4418 - Email: 01vf-smt@jfes.jus.br

AÇÃO CIVIL PÚBLICA Nº XXXXX-61.2013.4.02.5003/ES

AUTOR : MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL

AUTOR : INCRA-INSTITUTO NACIONAL DE COLONIZACAO E REFORMA AGRARIA

RÉU : ARACRUZ FLORESTAL S A

RÉU : BANCO NACIONAL DE DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO SOCIAL - BNDES

RÉU : ESTADO DO ESPÍRITO SANTO

SENTENÇA

O MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL e o INSTITUTO NACIONAL DE COLONIZAÇÃO E REFORMA AGRÁRIA ajuízam a presente ação civil pública em face do FIBRIA S/A, ESTADO DO ESPÍRITO SANTO E DO BANCO NACIONAL DE DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO E SOCIAL-BNDES, porque objetiva liminarmente determinar ao BNDES que suspenda qualquer operação de financiamento direto, indireto ou misto em favor da FIBRIA Celulose desenvolvida nos Municípios de Conceição da Barra e São Mateus, no Estado do Espírito Santo, enquanto a questão estiver pendente perante o Poder Judiciário; determinar a indisponibilidade dos imóveis arrolados no tópico 2.2 , com a expedição de ofício aos Cartórios de Registro de Imóveis de São Mateus e Conceição da Barra para que façam constar o ônus nas respectivas matrículas.

Ao final requer: que seja declarada a nulidade dos títulos de domínio de terras devolutas outorgadas, mediante fraude pelo Estado do Espírito Santo à FIBRIA S/A; condenação do Estado do Espírito Santo, consoante determina o art. 68 do ADCT e Lei estadual 5623, a titular as terras devolutas que reverteram ao patrimônio público estadual em virtude da declaração de nulidade, ocupadas tradicionalmente por remanescentes das comunidades de quilombos; condenar a FIBRIA S/A a reparar os danos morais coletivos causados às comunidades quilombolas no valor de R$ 1.000.000,00 (um milhão de reais) ou em outro valor a ser arbitrado.

Reitera o pedido para que as verbas compensatórias sejam destinadas às próprias comunidades quilombolas atingidas pelas razões expostas ao final; subsidiariamente requer a destinação do valor da indenização por danos morais coletivos ao Fundo de Direitos Difusos.

Alega que nos idos de 2002 foi criada pela Assembleia Legislativa do Estado através da resolução 2028/2002 a CPI da Aracruz que constatou varias irregularidades. Relata que os empregados da Aracruz fizeram declarações falsas perante o Departamento de Terras e colonização do Estado do Espírito Santo DTC, órgão responsável pela regularização fundiária, visando a indevida obtenção de títulos de terras devolutas para a empresa; que os referidos funcionários da Aracruz sequer sabiam onde ficavam as terras cuja legitimação de posse requereram perante o órgão fundiário estadual e não possuíam nenhuma intenção de explorar o imóvel , nem de permanecer com seu domínio; que a pedido da Aracruz se limitavam a assinar os documentos previamente preparado pela empresa , inclusive sem Recber nenhum valor como contraprestação pela utilização de seus nomes.

Narra que, após a legitimação da posse das terras devolutas com a titulação, elas eram transferidas imediatamente às empresas do Grupo Aracruz Celulose e que, na maioria dos casos, o período em que permaneciam na empresa não excedia sem mesmo uma semana. Afirmando que os registro imobiliários a de transferência de domínio dos empregados para as empresas do Grupo Aracruz

Alega que a Lei estadual nº 617/51 que entrou em vigor no dia 22 de janeiro de 1952, definiu, no art. 1º que seria considerado terras devolutas aquelas que passaram para o domínio patrimonial do Estado com a Constituição Republicana , em 24 de fevereiro de 1889 e não se incorporaram ao domínio particular em nenhum dos caso especificados no art. 2º. Conforme o art ,8 da Lei estadual, desde que não estivessem reservadas, as terras devolutas poderiam ser vendida ou concedidas pelo Estado do Espírito Santo (art. 8º). Assim, o art. 37 previu os seguintes requisitos para a concessão gratuita de terra ao domínio particular: não ser proprietário rural nem urbano; ocupar a terra por dez ano ininterruptos. Tornar a terra produtiva por seu trabalho; fixar moradia habitual na área; que a terra tivesse limite de vinte e cinco hectares.

Aduz que o processo de aquisição se iniciaria por um requerimento dirigido ao Secretário de Agricultura Terras e Colonização acompanhado de atestado de bom procedimento, prova de ser o requerente maior de idade, prova da nacionalidade, prova de ser o requerente lavrador ou criadora ou de se dedicar a atividades agropecuárias. Anos depois em 16 de novembro de 1967 foi publicada a Lei Delegada a Lei Estadual nº 16 que tinha por objetivo regular os direitos e obrigações concernentes aos imóveis rurais do Estado do Espírito Santo ao estatuto das terras públicas de sua propriedade e aos projetos de colonização.

A Lei delegada nº 16/67, no art. 5º, declarava que eram terras do estado , entre outras, as terras devolutas , entendidas como tais as descritas no art. 9º da mesma lei e impôs no art. 12 as condições para legitimação da posse sobre terras devolutas. Afirma que a legislação vigente à época dos fatos exigia daquele que pleiteava o cumprimento de determinados requisitos que foram ilicitamente burlados pelo Grupo Aracruz, através de fraude.

Relata que os requerimentos de legitimação de posse pelos funcionários da Aracruz ocorrem entre os anos de 1973 a 1975 , época em que esteve em vigor a Lei Delegada 16/67.

Acrescenta que os funcionários da Aracruz que pleitearam as terras não possuíam qualquer relação com a terra; sequer sabiam a localização das áreas , muito menos eram agricultores ou habitavam o imóvel pleiteado. Mesmo assim, tais empregados da Aracruz firmaram declaração falsa de que cumpriam os requisitos necessários, conforme previamente arquitetado e determinado pelo Grupo Aracruz a fim de que esta obtivesse ilegalmente a titulação de terras devolutas de forma gratuita .

Afirma que conforme trecho do depoimento da testemunha Orildo Antônio Bertolini quando questionada sobre o desembolso de alguma quantia para o pagamento das taxas exigidas para a obtenção da escritura declarou que não pagou nada.

Acrescenta ter ficado claro que a Aracruz utilizou seus funcionários como "laranjas" para obter a titulação de grandes extensões de terra pública em completa violação à legislação vigente à época.

Narra que em todos os casos o período de vínculo de emprego dos requerentes com a Aracruz coincide com as datas de protocolo dos pedidos de legitimação referidos e que os ex-funcionários da Aracruz afirmavam possuir formação universitária e profissão diversa da de agricultor.

Assevera que: algumas das terras devolutas fraudulentamente tituladas em favor do grupo Aracruz são objeto de procedimentos administrativos perante o INCRA visando à regularização de terras quilombolas; que ocorrendo a conclusão dos estudos pelo INCRA que identificam e delimitam a terra quilombola será viável a sobreposição entre terra quilombola e terra devoluta fraudulentamente titulada.

Sustenta que o BNDES, desde a fundação da Aracruz Celulose em 1972, vem apoiando financeiramente a expansão da empresa, tendo celebrado com a mesma desde 1978 até o ano de 2002, 15contratos de financiamento mediante abertura de crédito através dos quais liberou recursos no valor total de um bilhão , cento e quinze milhões e trinta mil, quatrocentos e trinta e oito dólares americanos, por contrato e por ano.

Afirma que no Estado do Espírito Santo a legitimação das terras devolutas se deu com o advento da Lei estadual 252 de 12 de outubro de 1949 e que a referida lei estadual não permitia a cessão de áreas localizadas dentro de uma faixa de cinco quilômetros para cada lado das rodovias.

Posteriormente foi editada a Lei estadual nº 617/51 que entrou em vigor no dia 22 de janeiro de 1952, definiu, no art. 1º que seria considerado terras devolutas aquelas que passaram para o domínio patrimonial do Estado com a Constituição Republicana , em 24 de fevereiro de 1889 e não se incorporaram ao domínio particular em nenhum dos caso especificados no art. 2º. Conforme o art. 8º da Lei estadual, desde que não estivessem reservadas, as terras devolutas poderiam ser vendida ou concedidas pelo Estado do Espírito Santo (art. 8º). Assim, o art. 37 previu os seguintes requisitos para a concessão gratuita de terra ao domínio particular: não ser proprietário rural nem urbano; ocupar a terra por dez ano ininterruptos. Tornar a terra produtiva por seu trabalho; fixar moradia habitual na área; que a terra tivesse limite de vinte e cinco hectares.

Aduz que o processo de aquisição se iniciaria por um requerimento dirigido ao Secretário de Agricultura Terras e Colonização acompanhado de atestado de bom procedimento, prova de ser o requerente maior de idade, prova da nacionalidade, prova de ser o requerente lavrador ou criadora ou de se dedicar a atividades agropecuárias. Anos depois em 16 de novembro de 1967 foi publicada a Lei Delegada a Lei Estadual nº 16 que tinha por objetivo regular os direitos e obrigações concernentes aos imóveis rurais do Estado do Espírito Santo ao estatuto das terras públicas de sua propriedade e aos projetos de colonização.

A lei delegada nº 16/67, no art. 5º, declarava que eram terras do estado , entre outras, as terras devolutas , entendidas como tais as descritas no art. 9º da mesma lei e impôs no art. 12 as condições para legitimação da posse sobre terras devolutas. Afirma que a legislação vigente à época dos fatos exigia daquele que pleiteava o cumprimento de determinados requisitos que foram ilicitamente burlados pelo Grupo Aracruz, através de fraude.

Relata que os requerimentos de legitimação de posse pelos funcionários da Aracruz ocorrem entre os anos de 1973 a 1975 , época em que esteve em vigor a Lei Delegada 16/67.

Afirma que a empresa Aracruz Celulose, atual Fibria, no intuito de adquirir as terras devolutas pertencentes ao Estado do Espírito Santo, em conluio com seus funcionários usados como "testas de ferro" fraudou a lei vigente a época dos fatos e, por que motivo, os títulos conferidos primeiramente aos funcionários da Aracruz Celulose e, posteriormente, transferidos a mesma empresa são nulos de pleno direito. Isso porque o vício atinge de forma fulminante a validade do ato administrativos de legitimação da posse.

Sobre a prescrição, afirma que a pretensão de declaração de nulidade dos títulos dominiais encontra-se resguardada pela imprescritibilidade, haja vista tratar-se de ação declaratória, não havendo prazo para declarar a existência ou inexistência de uma relação jurídica e que reconhecer a possibilidade de qualquer tipo de prescrição sobre a pretensão contra grilagem de terras públicas é admitir a prescrição aquisitiva sobre estas. Ressalta que se o transcurso do tempo em face da Administração não permite a prescrição aquisitiva dos bens públicos por particulares, da mesma forma, não pode convalidar atos nulos de transferência de domínio de terra públicas praticados de má-fé por particulares.

Acrescenta que não pode ser criado óbice à concretização do direito fundamental de acesso pelas comunidades quilombolas à terra tradicional. Afirma que, no âmbito estadual, e para regulamentar o art. 68 do ADCT, o Estado do Espírito Santo, publicou em 10 de março de 1998 a Lei estadual nº 5623 que obriga o poder executivo a emitir títulos aos remanescentes de quilombos que comprovarem a ocupação das terras devolutas.

Afirma que reconhecida a ocupação quilombola em terras devolutas do Estado do Espírito Santo, impõe-se ao Poder executivo estadual a emissão dos títulos de domínio em favor das respectivas comunidades quilombolas, conforme o art. 3º da lei estadual 5623.

Quanto ao BNDES, afirma que concedeu financiamentos advindos de recursos públicos federais e que foram destinados ao fomento de atividade desenvolvida em terra pública que, não fosse a titulação fraudulenta ocorrida, seria destinadas à concretização de direitos fundamentais dos quilombolas, conforme o art. 68 do ADCT. E que, assim, procedendo estaria o BNDES contribuindo com a citada violação de direitos.

Quanto ao dano moral coletivo, afirma que este prescinde de dor, sentimento ou abalo psicológico sofrido pelas comunidades quilombolas, manifestando-se no prejuízo experimentados pelo grupo como um todo.

No evento 5,é deferida a antecipação de tutela para: determinar ao BNDES a suspensão de qualquer operação de financiamento direto, indireto ou misto em favor da Fibria S/A para plantio de eucalipto ou produção de celulose nos Municípios de São Mateus-ES e Conceição da Barra-ES, bem como (2) determinar a indisponibilidade dos imóveis transferidos ao Grupo Aracruz / Fibria S/A por Dirceu Felício, Edgard Campinhos Junior, Fernando José Agra, Giácomo Recla Bozi, Orildo Antônio Bertolini, Ivan de Andrade Amorim, Sérgio Antônio Forechi, Alcides Felício de Souza, Gumercindo Felício, Joerval Abrahão Vargas, José Antônio Cutini e Valtair Calheiros, conforme item 2.2 da inicial. Determinada, ainda, a intimação do INCRA e da Fundação Cultural Palmares para se manifestar sobre eventual interesse em ingressar na lide.

No evento 48, certidão informando que a Fundação Cultural Palmares não se manifestou sobre o despacho do evento 5.

No evento 51, despacho deferindo o ingresso do INCRA no feito.

No evento 53, contestação da FIBRIA alega, preliminarmente, a inépcia da inicial, falta de interesse de agir, ilegitimidade dos autores e impossibilidade jurídica do pedido de mera expectativa de direito .

No mérito, afirma não se tratar de terras devolutas , mas de terras possuídas e que nenhuma legitimação foi outorgada à FIBRIA ou a sua antecessora Aracruz, mas sim a terceiros . Assevera que a terra somente poderia ser reconhecida como devoluta após a competente ação discriminatória para então passar a ostentar a natureza de terra pública . Que as áreas em questão eram áreas ocupadas e efetivamente exploradas e que não poderia ser classificadas como terras devolutas.

Afirma haver necessidade de iniciação dos procedimentos de titulação pelo INCRA e que a ação civil pública tem como causas de pedir meras expectativas de direito: quilombolas que sequer foram reconhecidos e terras devolutas sequer discriminadas , o que conduz à impossibilidade jurídica do pedido, falta de interesse processual e ilegitimidade da parte autora.

Aduz, ainda, a prescrição porque a ação pretende discutir fatos ocorridos na década de 70 . Afirmando que a FIBRIA é terceira de boa-fé e que adquiriu os imóveis sem qualquer impedimento. Afirma não se tratar de ação declaratória, mas sim de caráter desconstitutivo ou constitutivo negativo, o que reforça a tese da prescrição.

Sustenta que não se pode confundir o instituto da legitimação com a concessão e que a Lei estadual mencionada Lei 617/51 trata apenas do processo de concessão e de venda de terras reconhecidamente públicas, não disciplinando o instituto da legitimação. Reafirma não ser a desconstituição das legitimações de posse que fara preservar os possíveis direitos das comunidades quilombolas, razão da inutilidade da presente demanda, pois não é por meio desta ação que se poderá titular o direito.

Acrescenta que não houve simulação , mas sim uma sucessão da posse e a legitimação em nome das pessoas que a sucederam e que nunca houve nos negócios realizados qualquer intenção de fraudar a lei.

No evento 54, contestação do BNDES alegando preliminarmente: a inexistência de pretensão definitiva em face do BNDES; a ilegitimidade passiva para a demanda, haja vista não ser titular de fato da relação jurídica material e que a causa de pedir não indica qualquer fundamento de fato ou de direito para justificar a presença do BNDES na relação processual.

Alega, ainda: a ausência de interesse jurídico (interesse-necessidade) de promover a demanda em face do BNDES; a inépcia da petição inicial devido à falta de identificação de elementos necessários à caracterização da comunidade quilombola; ausência de relação lógica entre a causa de pedir e o pedido.

No mérito, alega, em síntese, que não há vinculação das operações de financiamento a terras públicas fraudulentamente tituladas e o território quilombola. Afirma que os financiamentos florestais à FIBRIA não se enquadram naquilo que se convencionou chamar "programas" e que o BNDES sempre exigiu a comprovação do licenciamento ambiental para a contratação; não havendo qualquer comprovação nos autos de que o BNDES tenha conhecimento da existência de terras públicas supostamente tituladas à FIBRIA.

Aduz a inadmissibilidade de prolação de sentença fundada em prova emprestada colhida em CPI, já que não participou deste procedimento.

Diz que há necessidade de investigação histórica acerca da existência de quilombo nas terras objeto da presente demanda.

Por fim, afirma não possuir qualquer responsabilidade na concessão dos financiamentos porque seguiu a legislação de regência.

No evento 55, contestação do Estado do Espírito Santo sustenta, em síntese a inexistência de culpa do IDAF, uma vez que não se vislumbra a existência de conluio no órgão para a concessão das legitimações. Em síntese, aduz que que segue as normas estaduais 6557/2001 e 9769/2011 e a IN 06/2013 do IDAF e que as legitimações de terras foram regularmente realizadas e caso tenha ocorrido conluio para beneficiar determinada empresa , isto não ocorreu com a sua participação.

No evento 56, o BNDES informa a interposição de agravo de instrumento.

No evento 57, a Fibria Celulose informa a interposição de agravo de instrumento.

No evento 68, manifestação do MPF pela rejeição da preliminares e pelo regular prosseguimento do feito.

No evento 77, embargos de declaração da Fibria S/A.

No evento 79, Ofícios do E.TRF-2a Região informando que foi negado provimento aos agravos de instrumento do BNDES e da FIBRIA.

No evento 85, manifestação do INCRA pugnando para que seja negado provimento aos embargos de declaração interpostos.

No evento 87, decisão que rejeita todas as defesas processuais arguidas; acolhe os embargos de declaração opostos para aclarar a decisão proferida nos termos da presente fundamentação e determina às partes que especifiquem provas.

No evento 97, o MPF requer: a) expedição de carta precatória para a oitiva dos ex-empregados da ré: 1 - IVAN DE ANDRADE AMORIM, RG nº 220929/SSP-ES, residente à Rua Napoleão Nunes Ribeiro dos Santos, 89, Centro, Aracruz-ES, CEP 29.190- 026, tel: (27) 3256-2811; 2 - ORILDO ANTONIO BERTOLINI, RG nº 370530/SSP-ES, residente à Rua Padre Luiz Parenzi, 234, Centro, Aracruz-ES, CEP XXXXX-058, tel: (27) 99723-0893; 3 - SÉRGIO ANTONNIO FORECHI, RG Nº 9559/SSP-ES, residente à Rua Carmem Maria Scarpatti, 04, Jequitiba, Aracruz-ES, CEP XXXXX-024, tel: (27) 3256-1160; b) seja oficiado ao INCRA para que indique em relação aos imóveis abaixo listados, se estão inseridos em território pretendido em processo de demarcação e titulação de terras quilombolas nos municípios de São Mateus e Conceição da Barra; c) requer a oitiva de CLAUDENTINA TRINDADE ALVES; VALDENTORA DOS SANTOS e JORGE BLANDINO a fim de demonstrar o dano moral coletivo às comunidades quilombolas da região.

No evento 98, o INCRA reitera o pedido de deferimento de produção de prova pericial , a fim de que se possa determinar se as áreas de remanescentes de quilombos foram invadidas, bem como para que se possa apurar a extensão das invasões.

No evento 108, embargos de declaração da Fibria Celulose.

No evento 109, o BNDES interpõe agravo retido.

No evento 110, manifestação do BNDES informando que não pretende produzir provas.

No evento 113, o Estado do Espírito Santo informa que não possui provas a produzir.

No evento 121, manifestação do MPF arguindo a existência de erro material porque os três imóveis rurais legitimados em nome do ex-funcionário da Aracruz Celulose José Antônio Cutini não restaram descritos em todas as oportunidades em que a petição inicial discrimina os terrenos legitimados. Manifesta-se pelo indeferimento da prova pericial requerida pelo INCRA arguindo que é evidente o motivo da suposta discrepância no número das matrículas. A diferença se dá porque o ofício do INCRA 1045/2013/SR/20 considerou a numeração dos termos de registro da transmissão do Estado do Espírito Santo para o requerente da legitimação de posse, ao passo que a tabela do MPF listou os números dos termos de registro da transmissão do suposto posseiro para a empresa Vera Cruz AgroFlorestal (como descrito no topo da coluna correspondente). Logo, apesar da utilização de números registrais em momentos de transmissão distintos, trata-se dos mesmos imóveis. Diz entender desnecessária a prova pericial pleiteada pelo INCRA bastando que a Superintendência Regional do INCRA-ES indique, com relação aos imóveis acima listados, se estão inseridos em território pretendido em processo de demarcação e titulação de terras quilombolas nos municípios de São Mateus e Conceição da Barra. Oferece contrarrazões ao agravo retido do BNDES.

No evento 123, decisão que indefere a inversão do ônus da prova; indefere a prova pericial requerida pelo INCRA; defere a correção do erro material requerida pelo MPF; acolhe em parte os embargos de declaração da FIBRIA; defere a oitiva de testemunhas arroladas pelo MPF.

No evento 134, o MPF Informa a interposição de agravo de instrumento.

No evento 137, o INCRA requer a juntada de informações técnicas: ""tabela produzida pela equipe técnica da SR (20) ES com informações atualizadas sobre os imóveis que estão localizados dentro dos territórios quilombolas, conforme solicita o MPF".

No evento 143, a FIBRIA requer a produção de prova pericial e testemunhal.

No evento 162, decisão indeferindo a produção de prova pericial e deferindo a prova testemunhal.

No evento 185, a FIBRIA requer que as restrições impostas ao financiamento do BNDES sejam restritos aos imóveis objeto desta ação.

No evento 197, o MPF se manifesta pelo indeferimento do pedido da FIBRIA.

No evento 199, decisão ressaltando que tendo em vista o provimento do agravo de instrumento pelo E.TRF-2a Região, razão pela qual a inversão do ônus da prova norteará o julgamento desta ação. Defere: o requerimento de fls. 1903/1907 para restringir a antecipação de tutela concedida às fls. 958/960, determinando que o BNDES mantenha suspensa qualquer operação de financiamento direto, indireto ou misto em favor da Fibria S/A para plantio de eucalipto ou produção de celulose nos Municípios de São Mateus-ES e Conceição da Barra-ES, especificamente quanto aos imóveis transferidos ao Grupo Aracruz / Fibria S/A por Dirceu Felício, Edgard Campinhos Junior, Fernando José Agra, Giácomo Recla Bozi, Orildo Antônio Bertolini, Ivan de Andrade Amorim, Sérgio Antônio Forechi, Alcides Felício de Souza, Gumercindo Felício, Joerval Abrahão Vargas, José Antônio Cutini e Valtair Calheiros, conforme item 2.2 da petição inicial .

No evento 253, assentada da audiência de oitiva da testemunha da FIBRIA Benedito Braulino.

No evento 266, juntada da carta precatória da Comarca de Aracruz onde se realizou a oitiva das testemunhas: Ivan de Andrade Amorim, Orildo Antonio Bertolini, Sergio Antonio Forechi, Angelita Brunoro, Jocival Luiz Domingos.

No evento 299, juntada da carta precatória cumprida na Comarca da Justiça Estadual de Conceição da Barra/ES para oitiva das testemunhas arroladas pelo MPF: Claudentina Trindade Alves, Valdentora dos Santos e Jorge Blandino.

No evento 309, razões finais do MPF na qual pugna pelo julgamento de total procedência da ações civil pública em epígrafe , com a confirmação da tutela antecipada concedida nas decisões de fls. 958/960 e 1948/1949 e sua complementação com a determinação da proibição de renovação dos plantios de eucalipto ou de desenvolvimento de qualquer nova atividade econômica sobre os imóveis objeto desta ação.

No evento 310, alegações finais do INCRA.

No evento 311 alegações finais da FIBRIA S/A.

No evento 317, alegações finais do Estado do Espírito Santo pugnando pela improcedência dos pedidos.

No evento 321, alegações finais do BNDES requerendo a reapreciação da preliminares e a improcedência dos pedidos formulados.

É o Relatório. DECIDO.

Pretende o MPF a declaração de nulidade dos títulos de domínio de 30 imóveis outorgados pelo Estado do Espírito Santo à Aracruz Celulose, atual Fibria S/A, mediante o emprego de fraude, a fim de revertê-los ao patrimônio público estadual. E demonstrada a ocupação quilombola sobre algumas dessas terras, pretende a titulação em conformidade com a legislação e em cumprimento ao mandamento constitucional vigente.

Assevera que a fraude na legitimação de posse de terras devolutas foi constatada pela CPI da Aracruz Nos idos do ano de 2002, foi instaurada CPI na Assembleia Legislativa do Estrado do Espírito Santo, criada pela Resolução 2020/2002 (fl. 94) para apurar questões ligada ao licenciamento irregular da expansão das indústrias e irregularidades no licenciamento de plantios envolvendo a presença da Aracruz Celulose, atualmente FIBRIA. Apurou-se a ocupação irregular em terras devolutas habitadas por descendentes de escravos (quilombolas) em São Mateus e Conceição DA Barra.

A fraude teria ocorrido com base no conluio entre as empresas do Grupo Aracruz Celulose e seus funcionários. Os empregados da Aracruz, a pedido desta, fizeram declarações falsas perante o Departamento de Terras e Colonização do Estado do Espírito Santo -DTC, órgão responsável pela regularização fundiária à época.

No que tange ao arcabouço normativo atinente ao tema em questão, mister ressaltar a Lei do estadual 5623/98 e a Lei 617/1951.

O art. 8º da Lei 617/51 dispõe (evento 1-outros 183):

Art. 8º - As terras devolutas não reservadas poderão ser vendidas ou concedidas mediante as condições expressas nesta lei .

(..)

Capítulo V

Art. 46-O processo para aquisição de terrenos devolutos iniciar-se-á por uma petição dirigida ao Secretário de Agricultura , Terras e Colonização por intermédio da coletoria do respetivo município ou diretamente quando se tratar de terreno no município da Capital.

Art. 47-Apresentado o requerimento, acompanhado de atestado de bom procedimento, passado por autoridade pública, prova de ser o requerente maior de idade e sendo mulher de ter o encargo de chefe de família, prova de nacionalidade e de ser o requerente lavrador ou criador, ou de se dedicar a atividades agropecuárias , o coletor deverá protocolá-la em livro próprio, depois de efetuado pelo requerente o pagamento das importâncias a que se refere o art. 19.

ART. 106- Não satisfeita quaisquer das obrigações estabelecidas nesta lei, a concessão será considerada rescindida e caduca, mediante decreto do Poder Executivo. Art. 109-Incursa em caducidade a concessão, devolve-se a terra ao domínio e posse do Estado.

Art. 111- A caducidade acarretará a perda da posse das terras ocupadas, ressalvado aos ocupantes o direito a indenização das benfeitorias úteis e necessárias nela existentes.

A Lei estadual nº 5623/98 (evento 1-outros 184), que reconhece a propriedade definitiva das terras ocupadas por remanescentes das comunidades dos quilombos, em atendimento ao art. 68 do ADCT, assim prevê:

"Art. 1º- Fica reconhecida a propriedade definitiva das terras devolutas ocupadas por remanescentes das comunidades dos quilombos no território do Estado do Espírito Santo, obedecido ao disposto nas Leis nº 4383 e 4758.

Parágrafo único- Fica o Poder Executivo obrigado a emitir os títulos respectivos aos proprietários remanescentes de quilombos que comprovarem a ocupação das terras devolutas, a que se refere o caput deste artigo.

Art. 2º- A comprovação exigida no parágrafo único do artigo 1º será feita por declaração conjunta emitida por qualquer autoridade dos Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário legalmente constituído e por uma organização de comunidades rurais ou ambientalista legalizadas que se responsabilizarão , perante a lei sobre as informações prestadas.

§ 1º- constarão obrigatoriamente na referida declaração:

I-Histórico da ocupação do local baseado em testemunho de seus moradores, recompondo a cadeia sucessória.

II- Delimitação da sua área ocupada, incluindo locais de moradia, locais para uso de substância e locais de preservação ambiental, discriminando as áreas pertencentes a cada titular, para fins de emissão de títulos de propriedade.

§ 2º Uma vez protocolada em órgão do Poder Executivo estadual responsável pela política agrária, a referida declaração pelos efeitos desta lei, passa a ter valor legal e imediato como documento comprobatório da propriedade da área, até ser substituída pelo documento definitivo a ser emitidos pelo Poder Executivo.

Fulcra o MPF a sua pretensão na existência de fraude na legitimação de posse das terras devolutas constata na "CPI da Aracruz"; na imediata transferência de domínio ao Grupo Aracruz das terras devolutas; da ocupação tradicional quilombola em áreas fraudulentamente tituladas; do financiamento de atividade desenvolvida em terra pública fraudulentamente titulada e em território quilombola.

De imediato, cumpre ressaltar que a lei estadual 617/51 estabeleceu explicitamente, no seu art. 8º, que as terras devolutas não reservadas poderiam ser vendidas ou concedidas mediante as condições expressas nesta lei . Condições que se encontram previstas nos artigos 46 e 47 da referida legislação.

É consabido que as terras devolutas se inserem na classificação de bens dominicais sendo indisponíveis.

Conforme explica Maria Sylvia Zanella Di Pietro, as terras devolutas , quanto à titularidade, passaram por diferentes fases: no período colonial, pertenciam a Portugal; na época imperial, pertencia, à Coroa; com a proclamação da República, a Constituição de1891 transferiu-as para o Estado, reservando para a União apenas as indispensáveis para a defesa das fronteiras , fortificações, construções militares e estradas de ferro federais (art. 34). O art. 225, § 5º da Constituição de 1988 trouxe uma inovação ao estabelecer que são indisponíveis as terras devolutas ou arrecadadas pelos Estados por ações discriminatória, necessárias à proteção dos ecossistemas naturais.

Continua, dizendo que o dispositivo constitucional mencionou terras devolutas e terras arrecadadas pelos Estados por ações discriminatórias. Ressalta que: "Continua válido o conceito residual de terras devolutas como sendo todas as terras existentes no território brasileiro que não se incorporaram legitimamente ao domínio particular, bem como as já incorporadas ao patrimônio público, porém não afetadas a qualquer uso público. A primeira parte do conceito abrange as terras que ainda não foram objeto de processo discriminatório; corresponde ao sentido originário da expressão ligado ao sentido etimológico de devoluto: vago, sem dono. A segunda pare compreende as terras que já foram incorporadas ao patrimônio público." [1]

Dessume-se, portanto, que o conceito de terras devolutas não está necessariamente ligado à ação discriminatória e não deixou de ser um conceito residual, as terras são consideradas devolutas porque não constam como propriedade particular e, como bem salientado pela doutrina acima referida, existe a presunção em favor da propriedade pública devido à origem das terras no Brasil.

Ademais, a Lei Delegada estadual nº 16/ 67 (evento 1-outros 184) no art. 5º consigna que:

"São terras do Estado:

(...)

III- as terras devolutas.

Art. 9º- São terras devolutas:

1. As que passaram para o domínio patrimonial do Estado na conformidade do art. da Constituição Federal de 24/02/1891 e não se incorporaram ao domínio particular."

Desta sorte, resta afastada a alegação da FIBRIA de que as terras não são devolutas. Além disso, é de se ver que nos procedimentos administrativos anexados à inicial para a aquisição das terras, no que tange à informação sobre o terreno requerido , consta a pergunta se o terreno é devoluto, sendo dada resposta positiva pelo Departamento de Terras e Colonização do Estado, órgão vinculado à Secretaria de Agricultura do Estado do Espírito Santo, como por exemplo, pode-se ver no requerimento juntado no evento 1-outros 5- fl.14.

Alega a FIBRIA haver necessidade de iniciação dos procedimentos de titulação pelo INCRA e que os quilombolas sequer foram reconhecidos.

O direito de propriedade dos remanescentes de quilombos sobre suas terras é um direito constitucional fundamental, necessário para assegurar existência digna, livre e igual. O direito à posse das áreas ocupadas por remanescentes de quilombo possui natureza indivisível e coletiva, como se infere do art. 17 do Decreto 4.887/03, que estabelece que o título de propriedade respectivo deve ser "coletivo, pró-indiviso, com obrigatória inserção de cláusula de inalienabilidade e de impenhorabilidade".

Trata-se de direito protegido independentemente da titulação das terras, porquanto é reconhecido diretamente pela Constituição Federal.

Nesse sentido, decidiu o E. STF na ADI XXXXX/DF:

(...)

"4- O art. 68 do ADCT assegura o direito dos remanescentes das comunidades dos quilombos de ver reconhecida pelo Estado a propriedade sobre as terras que histórica e tradicionalmente ocupam direito fundamental de grupo étnico-racial minoritário dotado de eficácia plena e aplicação imediata. Nele definidos o titular (remanescentes das comunidades dos quilombos), o objeto (terras por eles ocupadas), o conteúdo (direito de propriedade), a condição (ocupação tradicional), o sujeito passivo (Estado) e a obrigação específica (emissão de títulos), mostra-se apto o art. 68 do ADCT a produzir todos os seus efeitos, independentemente de integração legislativa."

Sobre o processo de titulação, cumpre frisar que o procedimento administrativo discriminatório objetiva a identificação, o reconhecimento, a delimitação, a demarcação e a titulação definitiva das terras ocupadas por remanescentes das comunidades dos quilombos, conforme prevê o art. do Decreto nº 4887/2003. De sorte que o procedimento tem por fim precípuo a medição e demarcação das terras, não podendo ser considerado requisito para o exercício ou para o resguardo dos direitos das referidas comunidades.

No que tange às terras objeto da demanda, o INCRA informou no evento 137-outros 136 o nome das pessoas que receberam a terra do Estado, a matrícula do imóvel e o território quilombola que abrange o imóvel.

Outrossim, vale ressaltar que, nos termos do que restou decidido pelo E. STF na ADI XXXXX/DF, o art. 68 do ADCT está apto a produzir todos os seus efeitos, independentemente de integração legislativa. Destarte, se não depende nem mesmo de integração legislativa, não se pode dizer que depende do término do procedimento administrativo a cargo do INCRA. Isso porque, o direito está protegido independentemente da titulação das terras, porquanto é reconhecido diretamente pela Constituição Federal.

No que concerne à nulidade dos títulos de domínio, tendo em vista a fraude ocorrida na transferência das terras, aduziu o MPF que as pessoas físicas que se beneficiaram da transferência eram todas funcionárias de empresas do grupo Aracruz Celulose à época , conforme registros do Cadastro Nacional de Informações Sociais do INSS (evento 1-out 43) e que as referidas pessoas transmitiram a propriedade para as empresas do grupo econômico da empregadora poucos dias depois de obterem o título do Estado do Espírito Santo.

No evento 309, o MPF em alegações finais, descreve os imóveis sobre os quais recaem as consequências da presente ação. Destarte, as transferências fraudulentas teriam ocorrido com as seguintes envolvidos: Dirceu Felicio nº de registro 12109 e 12110; Edgar Capinhos Junior nº de registro 12116;Fernando Jose Agra nº de registro12935 e nº 16870; Giacomo Recka Bozi nº de registro 12117 e 12854; Orildo Antonio Bertolini nº de registro 15957; Ivande Andrade Amorim nº de registro 12940 e 16873; Sergio Antonio Forechi nº de registro 12104; Alcides Felicio de Souza nº de registro 12105 e 12106; Gumercindo Felicio nº de registro 12107 e 12108; Joerval Abrahão Vargas nº de registro 12118; Jose Antonio Cutini nº de registro 12114 e 12113 e 12115; Valtair Calheiros nº de registro 16883 e 12948.

Asseverando que as referidas pessoas eram todas funcionárias das empresas do Grupo Aracruz, conforme as informações obtidas no Cadastro Nacional de Informações Sociais do INSS. Os vínculos trabalhistas com a Aracruz Florestal ocorreram nos períodos em que foram efetivadas as transferências das propriedades, como mencionado na petição inicial e comprovados pelo CNIS dos empregados juntados no evento 1-outros 43-fls. 01/17 e pelos instrumentos de transferência juntados no evento 1-outros 44 e 45.

Sobre a cadeia dominial referente à transmissão dos imóveis, as certidões do registro de imóveis juntadas no evento 1-outros 44 e 45 comprovam as transferências feitas para as pessoas mencionadas pelo MPF no evento 309 e acima mencionadas.

Ressalte-se que nas referidas certidões consta a informação de que o imóvel foi adquirido pelas referidas pessoas (então funcionários da ré) do Estado do Espírito Santo, nos idos do ano 1975 e posteriormente transferidos à Vera Cruz Florestal, atual FIBRIA.

Sobre os depoimentos colhidos em audiência, ressalto os seguintes:

Ivan de Andrade Amorim, ex-funcionário da ré (evento 189-video 1-dos autos em apenso):

"Que não tem relação com a Fibria; que foi funcionário da antiga Aracruz Florestal; que foi admitido em 1974 e lá permaneceu de 18 a 19 anos; que por último sua função era coordenador de legalização de terras; que entrou como escriturário, acha que escriturário 1, escriturário 2, depois foi promovido a coordenador de legalização; que hoje é proprietário rural, mas na época não exercia atividade agrícola ou agropecuária; que na época" emprestou o nome "para requerer a propriedade de terras devolutas do estado do Espírito Santo; que pode esclarecer como isso se deu: a empresa precisava legalizar algumas áreas devolutas, porque às vezes a área que ela comprava nem sempre era devoluta, às vezes dentro daquela compra que ela fazia, havia uma parte legítima e uma parte de posse, então uma compra aqui e outra compra ali, essas áreas devolutas elas iam acrescentando, aumentando, então, no seu caso, por exemplo, era tido como funcionário de confiança, a empresa o procurou e o depoente prontamente cedeu seu nome para que essas terras, algumas áreas, porque outros funcionários também emprestaram o nome, assim essa terra foi legalizada junto ao governo do estado, da época; que foi passada escritura para o seu nome, sendo o estado que liberava a escritura; que assinava o requerimento de legalização e dava entrada no governo do estado, e o estado, depois daquela tramitação, liberava a escritura já no seu nome; que dali transferia para o nome da empresa; que sobre a forma de transferência, sabe que essas áreas, acha que foi uma ou duas, porque a empresa dividiu, para não utilizar somente um funcionário, ela distribuiu essas áreas entre outros funcionários também de confiança, então no seu nome acha que foi uma área ou duas, não mais do que isso; que a escritura que o estado; liberava não era doação, na época era compra e venda; que não se recorda se era de imediato que se passada essa escritura para o nome da empresa; que como já tem mais de 20 anos a 30 anos, não sabe por quanto tempo essa terra ficou no seu nome, mas pode garantir que elas foram transferidas à Aracruz, a empresa da época; que sabiam o que tinha nas terras e onde estavam localizadas porque quando assinava o requerimento tinha a planta, via a planta e sabia o local; que não tem muita lembrança sobre a documentação, não sabendo se assinava uma procuração, mas acha que era somente uma procuração, dali outras pessoas ou outro departamento cuidava da formação do processo e depois da entrada no governo do estado; que a empresa solicitava aos funcionários pra entrar com o requerimento junto ao órgão público; que cedeu o nome, como outros colegas também cederam, tendo ciência do motivo, primeiramente para a segurança jurídica da empresa, e depois era uma época que a empresa fazia empréstimo junto ao BNDES, e que a empresa estava se implantando e precisava de recursos, e pra fazer os projetos junto ao IBDF a área tinha que ser legítima e por isso tiveram que fazer essa titulação; que na época o limite da empresa era de 1000 hectares, então o que passava disso ela não podia mais titular em seu nome e a empresa tinha necessidade desses títulos pra fazer empréstimos e montar projetos de empréstimo junto ao IBDF; que não confirmaria se as áreas legitimadas em seu nome foram no Córrego Danta em Conceição da Barra de 44 hectares e uma área no Córrego do Sapato em São Mateus de 480 hectares porque teria que ver a escritura; mas que pode confirmar que cedeu realmente o seu nome, mas que não pode garantir se foi uma ou duas, e nem o local; que não recebeu nada por isso, a empresa não ofereceu porque eram funcionários tidos como de confiança, procurou os funcionários de confiança para prestar esse serviço pra ela, fazer essa titulação, mas nunca ofereceu e ninguém pediu; que nunca tomou conhecimento de alguém que tivesse emprestado o nome e tivesse cobrado alguma coisa da empresa; que prefere não mencionar o nome dos outros funcionários que também emprestaram o nome, para não cometer equívocos porque se passou muito tempo; que confirma que as áreas que foram tituladas em seu nome, a Aracruz havia adquirido a posse de terceiros; que deixa claro que a empresa em momento algum ocupou terra abandonada/desocupada, era sempre comprando de terceiros: posse ocupada por terceiros; que as áreas que a Aracruz comprou a posse e titulou em seu nome eram todas áreas ocupadas; que quanto a exploração das áreas pelos ocupantes, em São Mateus, por exemplo, a cultura predominante na área era pecuária, café plantação de cereais, não passava disso, porque eram áreas pequenas; que quando a empresa comprava a terra de um vizinho, o outro se empolgava e oferecia a terra dele também; que eles espontaneamente procuravam a empresa e empresa negociava com eles; que as compras da empresa sempre foram" ad mensuram ", a empresa fechava o negócio, dava um sinal, e retomava essas terras e no pagamento final o vendedor tinha acesso a planta, medição e o pagamento era feito de acordo com a área que fosse encontrada na medição; que na época não tinha conhecimento de comunidades quilombolas nessas regiões; que ouviu falar a respeito da existência de comunidades quilombolas em São Mateus depois de muito tempo e até se assustou"aqui em

São Mateus existe comunidade quilombola?", mas na época que a empresa fez essas compras não haviam essas comunidades; que conhece o sr. Benedito Braulino, vulgarmente chamado de" Pelé ", ele era o indivíduo que aqui em São Mateus, era muito conhecido na região, e visitava as comunidades e facilitava o acesso dos vendedores até a empresa; que o papel do" Pelé "era exatamente facilitar esse contato; que eram pessoas humildes que nem sabiam onde funcionavam o escritório, então a função dele era de orientar e até conduzir essas pessoas ao escritório da empresa em São Mateus; que acha que Benedito Braulino se não era de sua época era de um pouco antes mas não pode precisar quando ele foi admitido na empresa; que foi ou de sua época ou um pouco antes; que entrou em 74; que se tivesse que nominar alguém que conhecesse bastante a região onde a terra foi adquirida, em São Mateus, não poderia nomear alguém, o contato era com Pelé e tinha um tenente chamado Merçon; que sua área de atuação era mais em Aracruz, ia esporadicamente a São Mateus para ajudar o tenente Merçon que cuidava da parte de legalização; que tinha um" tal "de Rampinelli, ele era de Aracruz e morava em São Mateus, trabalhou na empresa muito tempo, mas não sabe o nome completo; que essas pessoas que cederam o nome para a empresa não foram forçadas; que a empresa sempre agiu com lisura em comprar transações imobiliárias; que os funcionários tidos como de confiança eram procurados, não foram todos que a empresa procurou; que os tidos como de confiança, cederam o nome, igual ele fez, sem qualquer recompensa ou interesse; que o estado tinha conhecimento dessa estrutura de aquisição porque tramitava em departamento de terra; que essas legalizações não foram feitas dentro da empresa, os processos correram dentro da Secretaria de Agricultura do Espírito Santo; que se recorda o que constava nos recibos de compra e venda dessas áreas, foi uma área que ele trabalhou e era ele quem confeccionava os recibos e que também ajudou o Tenente Merçon nisso; que a empresa sempre emitia um recibo de pagamento inicial, a empresa nunca comprou terra" ad corpus ", ela fechava o negócio, adiantava, dava um sinal de negócio, retomava no prazo de 30 dias, e quando fazia o retombamento, o indivíduo voltava à empresa, que apresentava a planta para o indivíduo; que está muito à vontade para falar, pois não possui mais nenhum vínculo com a empresa, nem com a ex Floresta, nem com a Celulose e muito menos com a Fibria; que pode garantir que todas as compras que a empresa fazia eram feitas com lisura, com pagamento inicial, sinal de negócio, vinha o retombamento, em seguida efetivava por completo o pagamento; que nas terras possuíam posseiros ocupando de boa-fé, pacificamente as terras, se não a empresa não comprava; que a empresa sempre colocava no recibo o tempo que o posseiro estava na terra; que a empresa não tinha interesse em fazer compras" litigiosas ", pois sabia que era um problema para ela lá na frente; que tem absoluta certeza que quando era uma coisa duvidosa a empresa não comprava; que o posseiro tinha a posse de 20/30 anos lá, pacífico; que era devoluta porque não é titulada; que esclarece" nós somos advogados, nós sabemos "que o estado sempre era detentor do domínio, se o indivíduo não tinha escritura legítima, o estado era o detentor do domínio, mas a posse era do indivíduo que estava transferindo para a empresa; que frisa que as posses eram mansas e pacíficas, pois a empresa não tinha interesse em comprar área complicada, porque senão depois se envolveria em processos judiciais; que confirma que disse na CPI que titulou a terra para a empresa, Vera Cruz, Aracruz Celulose; que, inclusive, as terras que a empresa comprava, quando possuíam benfeitorias existentes, eram retiradas, a empresa dava até um prazo para os posseiros saírem da terra; que sobre por que a empresa precisava dos funcionário para titular, se fazia tudo com muita lisura, disse que a empresa tinha uma cota de 1000 hectares para titular, na época, o estado a todo vapor, iniciando em Aracruz e São Mateus, precisava de recurso para tocar o projeto dela, e para tocar os projetos precisava de escritura; que às vezes comprava uma área de 50 hectares, se tinham 30 hectares legítimos e 20 de posse, os posseiros só vendiam tudo, então a empresa precisava titular essas terras, porque tinha o limite de 1000 hectares, não podia mais continuar; que se recorda do instrumento que foi feito o negócio jurídico e que só assinou uma procuração particular para instruir o processo de legalização; que tem plena certeza de ter assinado um instrumento particular de procuração e, depois, o procurador agilizou a tramitação no estado; que a escritura outorgada pelo estado era de compra e venda e dele para a Celulose tinha que outorgar a escritura de compra e venda também."

Nos termos do depoimento da referida testemunha, embora não esteja relacionada nestes autos como um daqueles que se pretende a anulação da terra, é possível aferir toda a dinâmica da atuação da ré para a aquisição das terras. Isso porque, é de clareza meridiana o procedimento utilizado: a empresa escolhia funcionários tidos como de confiança para que pleiteassem as terras, sendo que os ditos funcionários "emprestavam seu nome" para que a empresa pudesse "legalizar" as terras; sendo que também foi comprovada a outorga de documentos assinados para a empresa.

Corroborando tudo que foi aqui explanado, o depoimento da testemunha Benedito Braulino (evento 187-vídeo 1 dos autos em apenso):

"Que trabalhou na empresa Aracruz de 68 a 93; Que ficava no escritório e seu chefe imediato ficava em Vitória, era Ageu Furtado de Almeida, sendo que os posseiros viriam ao escritório da empresa tentar negociar as suas posses; Que conhece as áreas que foram adquiridas pela Aracruz; Que os posseiros tinham geralmente casinhas cobertas de palha, uns pés de mandioca, uns pés de cana, atividades para se manter na terra; Que não houve resistência, os próprios posseiros vieram até o escritório da empresa oferecer as posses para a empresa comprar; Que naquela época não tinha comunidades quilombolas, pois as comunidades quilombolas, a seu ver, foram criadas depois de um Decreto do Presidente Lula; Que não tinha a comunidade organizada como a atual, aqui tinha um posseiro, aqui dois ou três, dali a 10km outro posseiro e não tinha aquela organização de comunidades remanescente de quilombolas; Que a maior parte dos ancestrais dos remanescentes vieram de Prado-BA e outros daqui mesmo da região; Que os que eram daqui eram da região que chamava antiga Sapê do Norte, mas morava um aqui e outro a 5 ou 10 km, outro a 20 km, não tinha assim uma organização pra se tratar comunidade quilombola; Que a Aracruz comprou as posses dos proprietários e selecionou vários funcionários, se não se engana 51 funcionários, para requerer as posses que ela tinha comprado na mão dos proprietários e que quando a escritura saiu pelo estado e foi registrado no registro de imóveis, os funcionários transferiram para a empresa, porque a área não era deles, era da empresa; Que quando a empresa comprava ela perguntava pros posseiros:"você mora na área há quanto tempo? ah, nós moramos na área há mais de 20 a 30 anos, veio do meu avô, veio do meu pai", assim ela comprava a posse, pagava a posse aos proprietários e selecionou os funcionários para requerer no nome deles; Que não vendeu nenhuma posse para a empresa, que requereu no seu nome e transferiu para a empresa, ou seja, a terra que a empresa comprava foi requerida no seu nome e transferida para a empresa; Que antes de 68 tinha um boteco, vendia banana, feijão, farinha, abóbora; Que a Aracruz comprou a posse dos proprietários rurais e selecionou umas pessoas pra requerer as terras e transferir para a empresa; Que na época morava no Porto, rua 7, nº 424; Que os posseiros viviam na região, cultivavam as terras, plantavam mandioca, cana, tinha pé de jaqueira, mangueira, eles viviam da terra; Que eles procuravam a empresa, tinha dia que quando abria o escritório tinha 7 a 8 pessoas esperando pra negociar sua posse; Que a região era muito pobre e eles não tinham condições, as casas eram de palha, como apareceu a empresa que tinha interesse de adquirir algumas áreas na região, eles achavam que era bom negócio e procuravam a empresa para poder vender; Que essas pessoas algumas se mudaram pro Pará, outras ficaram na região, mas é aquela coisa, as pessoas não sabem administrar o dinheiro e foi acabando o dinheiro; Que a empresa estava adquirindo terra na região, então eles pensaram que na época como tinha acionista estrangeiro, talvez não conseguissem a escritura no nome dela pelo estado, então selecionaram algumas pessoas para requerer e passar pro nome deles; Que sabia que a empresa tinha comprado a posse dos agricultores; Que algumas pessoas [funcionários] nem sabiam onde estava as terras, mas a maioria sabia porque tinha a planta que localizava; Que nunca trabalhou nessa terra, que a Aracruz comprava o direito de posse dos proprietários; Que não teve violência, só vendiam as pessoas que tinham interesse em negociar sua posse, tanto que até hoje existem posses no meio dos maciços florestais."

Destarte, diante do conjunto probatório colacionado aos autos, dessume-se ter havido simulação nas declarações de vontade, bem como nos negócios jurídicos firmados entre a atual FIBRIA (antiga Vera Cruz) e seus funcionários, com o intuito de se apropriar de terras públicas.

A simulação, na definição de Bevilaqua é uma declaração enganosa da vontade, visando produzir efeito diverso do ostensivamente indicado. Negócio simulado é aquele que oferece aparência diversa do efetivo querer das partes. [2]

No caso, é patente o conluio existente entre os antigos funcionários da FIBRA que foram orientados pela então empregadora a requerer ao Estado do Espírito Santo os terrenos devolutos para fins de aquisição posterior, declarando no ato do requerimento que preenchiam todos os requisitos previstos na lei estadual nº 617, declarando a profissão de agricultor, quando, na verdade, eram funcionários da FIBRIA que, posteriormente, iriam transferir a propriedade para a empregadora.

No que concerne à simulação, prescreve o art. 167, § 1º do Código Civil/2002, repetindo a antiga previsão contida no art. 102 do Código Civil de 1916:

§ 1º Haverá simulação nos negócios jurídicos quando:

I-aparentarem conferir ou transmitir direitos a pessoas diversas daquelas às quais realmente se conferem ou transmite;

II- Contiverem declaração, confissão , condição ou cláusula não verdadeira;

Desta forma, é indene de dúvidas que as partes envolvidas na titulação de terras devolutas estaduais recorreram a um ato aparente diverso da realidade declarada, com o intuito de ludibriar o Poder Público estadual de molde a concretizar a transferência de propriedade, efetivamente, para a empresa ré. A simulação operou-se com a utilização de fraudes com a utilização de interpostas pessoas (funcionários da empresa).

Neste ponto, é de ver que a maioria das transferências realizadas pelos antigos funcionários, a título de compra e venda para a FIBRIA, foram feitas em pouco espaço de tempo (meses e até em poucos dias) entre a aquisição das terras pelos funcionários concedidas pelo Estado do Espírito Santo e a transferência efetiva no Registro de Imóveis em nome da ré.

Dito isso, não procede a alegação da FIBRIA no sentido de que as pessoas mencionadas nesta demanda, não foram ouvidas na CPI estadual (documento juntado à inicial) que investigou a transferência das terras e que, tal fato, inutilizaria a prova e, por conseguinte, faria cair por terra as alegações do órgão ministerial.

No caso, em se tratando de negócio por interposição de pessoas, a prova colhida nos presentes autos é suficiente para a comprovação da fraude perpetrada, sendo de grande valia toda a prova documental anexada à inicial, bem como a prova testemunha produzida.

Neste ponto, sublinhe-se que a própria lei estadual nº 617/51 (evento 1-outros 183) estabelece os requisitos para o processo de aquisição e medição de terras devolutas, prevendo no art. 46 que deveria ser apresentada uma petição dirigida ao Secretário de Agricultura, por intermédio da Coletoria do respectivo Município. O art. 47 da referida lei consigna expressamente, dentre outras condições, que o requerente deveria fazer prova de ser lavrador ou criador ou de se dedicar a atividades agropecuárias . (grifei)

Infere-se, portanto, que a lei exigia o preenchimento de determinadas condições pelo requerente para a concessão da terra devoluta. E mais, o art. 106 estabeleceu que: "Não satisfeita quaisquer das obrigações estabelecidas nesta lei, a concessão será considerada rescindida e caduca, mediante decreto do Poder Executivo". De forma que a própria lei determinou a consequência para a inobservância dos seus preceitos normativos.

Assim, considerando que a Lei estadual nº 5623/98, no seu art. 1º , parágrafo único, prevê que fica o Poder Executivo obrigado a emitir os títulos respectivos aos proprietários remanescentes de quilombos que comprovarem a ocupação das terras devolutas, há que se reconhecer a nulidade dos títulos emitidos pelo Estado do Espírito Santo à parte ré , devendo as partes retornar ao status quo ante , possibilitando que o Estado possa cumprir a obrigação prevista na referida legislação que nada mais fez que dar concretude ao mandamento constitucional inserido no art. 68 do ADCT.

Outrossim, ainda que se considere que os processos de identificação pelo INCRA ainda estejam em andamento ou ainda em fase de relatório antropológico, outros em fase de elaboração do Relatório Técnico de Identificação e Delimitação-RITD ou em fase de recurso administrativo, e não foram finalizados; mister salientar que o fato de os processos ainda não terem sido finalizados, não afasta a questão acerca da obrigação do Estado de efetivar a transferência das terras com a concessão dos títulos às comunidades quilombolas, tendo em vista que, como já dito, a não finalização dos processos administrativos não interfere na proteção constitucional destinada aos remanescentes das comunidades quilombolas (art. 68 do ADCT) e tampouco afasta a obrigação do Estado no cumprimento da Lei estadual nº 5623/98.

Há que ser ressaltado que como direito fundamental que é o art. 68 do ADCT guarda aplicabilidade imediata pois "Princípio é imperativo. Princípio está no mundo jurídico. Princípio é mais do que regra. Não teria sentido exigir complementação para um princípio que é mais do que uma regra e que contém a própria regra". (ARGIN _Arguição de inconstitucionalidade, processo nº XXXXX67522013404.0000, Data da decisão 19/12/2013, Corte Especial, TRF-4a Região, Desembargador Paulo Afonso Brum Vaz)

Sendo assim, sublinhe-se que, neste ponto, persiste a obrigação do Estado do Espírito Santo de cumprir o regramento estabelecido pela Lei estadual nº 5623/98, que reconhece a propriedade definitiva das terras ocupadas por remanescentes das comunidades dos quilombos, em atendimento ao art. 68 do ADCT e que prevê, ainda, no art. 1º a obrigação do Estado de emitir os títulos respectivos aos proprietários remanescentes de quilombos que comprovarem a ocupação das terras devolutas.

Sob outro giro, não se pode olvidar que a Administração Pública se norteia pelos princípios da legalidade, moralidade administrativa visando sempre atender ao interesse público que, no caso, não foi atendido, visto que a terra devoluta em vez de ser destinada a agricultores e pessoas que se dedicassem a atividades agropecuárias, nos termos previstos na legislação, foi transmitida à ré.

Destarte, infere-se que o pressuposto fático no qual se baseou a Administração para a prática do ato, na verdade, e não existiu, porquanto restou comprovado o artifício utilizado para a titulação das terras devolutas pertencentes ao Estado do Espírito Santo.

Assim procede o pedido do MPF para que seja declarada a nulidade dos títulos de domínio de terras devolutas arrolados nas alegações finais (evento 309) que foram outorgadas, mediante fraude pelo Estado do Espírito Santo à FIBRIA S/A; bem como condenar o Estado do Espírito Santo, consoante determina o art. 68 do ADCT e Lei estadual 5623, a titular as terras devolutas que reverteram ao patrimônio público estadual em virtude da declaração de nulidade, ocupadas tradicionalmente por remanescentes das comunidades de quilombos.

Em relação ao pedido direcionado ao réu BNDES, como afirmou o réu na contestação (evento 25) foram concedidos vários financiamentos à FIBRIA, com a liberação de recursos para programa de manutenção e modernização da capacidade produtiva da empresa.

A alegação do BNDES no sentido de que não há qualquer vinculação das operações de financiamento às terras fraudulentamente tituladas e o território quilombola, não se sustenta. A liberação dos financiamentos ocorreu e a alegação do BNDES de que exige previamente à contratação de seus financiamentos o licenciamento ambiental, não interfere no tema decidido na presente demanda. Isso porque, até mesmo em terra obtida de maneira fraudulenta pode ter sido concedido o licenciamento ambiental.

Frise-se que o pedido julgado procedente na presente demanda não se refere à eventual irregularidade na formação dos contratos e também não se está dizendo que houve conivência do Banco com a titulação de terras. O pedido acolhido se dirige à proibição para que sejam concedidos financiamentos para o desenvolvimento de atividades em terras públicas obtidas fraudulentamente.

Desta sorte, também procede o pedido para que não mais sejam concedidos financiamentos que tenham por objeto os imóveis referidos na presente ação, uma vez que a instituição conta com recursos públicos. Assim, por se tratar de concessão de financiamentos com recursos públicos para desenvolvimento de atividades em terras devolutas estaduais adquiridas de forma fraudulenta, vale ressaltar, como salientado no julgamento do agravo de instrumento XXXXX20144020000 interposto contra a decisão liminar proferida, que o reconhecimento da fraude na obtenção das terras invalida, por via reflexa qualquer financiamento obtido com instituição financeira oficial, cujos investimentos são realizados com recursos públicos, como é o caso do BNDES.

Quanto ao pedido feito pelo MPF nas alegações finais no evento 309, no qual pretende a complementação da tutela antecipada com o pedido de "proibição de renovação de plantios de eucalipto ou de desenvolvimento de qualquer nova atividade econômica sobre os imóveis objeto desta ação", é de ver que tal pedido feito em alegações finais, mostra-se intempestivo a esta altura da marcha processual.

Ao contrário do que defende o MPF não se trata de um pedido antecipatório de efeitos práticos da tutela e que, por tal motivo, não representaria inovação da lide. No entendimento desse Juízo, há inovação do pedido, o que se mostra incabível neste momento processual.

Quanto às medidas executórias decorrentes do cumprimento do provimento liminar e da sentença condenatória, deverão ser pleiteados no momento oportuno, com os requerimentos que o autor entender cabíveis e necessários para o integral cumprimento da tutela jurisdicional concedida.

DO PEDIDO DE DANO MORAL COLETIVO

Considerando que o art. , inc. V, da Constituição Federal não restringe a possibilidade de indenização por danos morais à esfera individual, a jurisprudência consolidou entendimento no sentido de ser possível a condenação por danos morais coletivos em sede de Ação Coletiva, na hipótese de violação de valores e interesses fundamentais de um grupo, de uma comunidade ou de toda a coletividade.

Assim, o "dano moral coletivo é a lesão na esfera moral de uma comunidade, isto é, a violação de direito transindividual de ordem coletiva, valores de uma sociedade atingidos do ponto de vista jurídico, de forma a envolver não apenas a dor psíquica, mas qualquer abalo negativo à moral da coletividade" (STJ, AgRg no REsp XXXXX/RS, Rel. Ministra ASSUSETE MAGALHÃES, SEGUNDA TURMA, julgado em 27/09/2016, DJe 13/10/2016).

No caso dos autos, infere-se que houve lesão na esfera moral da coletividade, sobretudo por se tratar de direito individual indisponível da comunidade quilombola à titulação das terras que foi obstado pela irregular transferência de terras ocorrida.

A título ilustrativo, confira-se:

CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. POLÍCIA MILITAR DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL. USO EXCESSIVO E IMOTIVADO DE FORÇA POLICIAL. COMUNIDADE REMANESCENTE DO QUILOMBO FAMÍLIA SILVA. DANOS MORAIS COLETIVOS. CARACTERIZADOS. INDENIZAÇÃO.

- A Carta de 1988, seguindo a linha de sua antecessora, estabeleceu como baliza principiológica a responsabilidade objetiva do Estado, adotando a teoria do risco administrativo. Consequência da opção do constituinte pode-se dizer que, de regra os pressupostos dar responsabilidade civil do Estado são: a) ação ou omissão humana; b) dano injusto ou antijurídico sofrido por terceiro; c) nexo de causalidade entre a ação ou omissão e o dano experimentado por terceiro.

- A jurisprudência dos tribunais pátrios consolidou entendimento segundo o qual a possibilidade de indenização por dano moral, prevista no art. , inciso V, da Constituição Federal, não se restringe a hipóteses de violação à esfera individual, sendo plenamente viável a caracterização da lesão extrapatrimonial coletiva, quando a avaliação direcionar-se-á a valores e interesses fundamentais de um grupo, ou seja, à defesa do patrimônio imaterial de determinada coletividade. Precedentes do STJ e deste Tribunal.

- In casu, estão caracterizados a conduta estatal (violência promovida pelos policiais contra membros da "Família Silva"), dano antijurídico (lesão à honra e à dignidade da comunidade, posto estar latente o preconceito social e de raça) e o nexo de causalidade entre ambos (efetivamente a abordagem policial gerou toda essa situação de consequências jurídicas nefastas ao patrimônio imaterial), requisitos que configuram o dever do Estado do Rio Grande do Sul de, exemplarmente, reparar o dano coletivo sofrido por Quilombo historicamente esquecido das mais básicas políticas estatais (como saneamento e assistência social) e que tardiamente obteve o reconhecimento formal das áreas de sua propriedade.

- Deverá o valor da indenização ser utilizado com acompanhamento e fiscalização do Ministério Público Federal e prestação de contas ao juízo federal, tudo em prol preferencialmente da Comunidade Quilombola.

- O quantum indenizatório deve ser definido atendendo critérios de moderação, prudência e às peculiaridades do caso, inclusive à repercussão econômica da indenização, que deve apenas reparar o dano e não representar enriquecimento sem causa aos lesados. Tais aspectos foram bem observados na valoração do dano estabelecida pelo juízo singular. ( AC XXXXX20144047114, 4a Turma, TRF-4a Região, Data da decisão 10/08/2016)

Portanto, verifica-se, de forma clara e irrefutável, prova do efetivo dano moral sofrido pela coletividade de forma a atingir valores e interesse fundamentais atingindo o patrimônio imaterial da coletividade.

No caso, considerando as circunstâncias fáticas no contexto em que ocorreram as transferências irregulares; a repercussão do dano, bem como a condição econômica da ré FIBRIA, entendo razoável o valor de dano moral coletivo pleiteado pelo MPF.

Assim , procede o pedido do autor para condenação da FIBRIA S/A ao pagamento de danos morais coletivos no valor de R$ 1.000.000,00 (um milhão de reais). Acolho o pedido subsidiário feito pelo MPF destinando o valor da indenização ao Fundo de Direitos Difusos.

Ante o exposto, confirmo as liminares deferidas e JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTES OS PEDIDOS, na forma do art. 487, I do CPC para:

a) DECLARAR, nos termos da fundamentação supra, a nulidade dos títulos de domínio de terras devolutas arrolados pelo MPF (evento 309) que foram outorgadas, mediante fraude pelo Estado do Espírito Santo à FIBRIA S/A;

b) CONDENAR o Estado do Espírito Santo, consoante determina o art. 68 do ADCT e Lei estadual 5623, a titular as terras devolutas que reverteram ao patrimônio público estadual em virtude da declaração de nulidade, ocupadas tradicionalmente por remanescentes das comunidades de quilombos.

c) CONDENAR o BNDES a não conceder financiamentos à FIBRIA S/A destinados ao desenvolvimento de atividades nas terras públicas objeto da presente demanda.

d) CONDENAR a FIBRIA S/A ao pagamento de danos morais coletivos no valor de R$ 1.000.000,00 (um milhão de reais), com incidência de juros de mora e correção monetária a conta da data desta sentença, com base no Manual de Cálculos da Justiça Federal, valor este que deverá ser destinado ao Fundo de Direitos Difusos.

Dê-se ciência à FIBRIA para que informe a esse Juízo sobre qualquer averbação de georreferenciamento que vise desmembrar as matrículas referentes aos imóveis objeto da presente demanda.

Sem custas, ante o que dispõe o art. 18 da Lei nº 7.347/85.

Por critério de simetria, não cabe a condenação da parte vencida em ação civil pública ao pagamento de honorários advocatícios"( REsp nº 1.346.571/PR, Rel. Min. Eliana Calmon, DJe de 17.09.2013), pois"se o Ministério Público não paga os honorários, também não deve recebê-los"( REsp nº 1.099.573/RJ, Rel. Min. Castro Meira, DJe 19.05.2010). Sem honorários advocatícios.

Intimem-se.

Documento eletrônico assinado por NIVALDO LUIZ DIAS, Juiz Federal , na forma do artigo , inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 2a Região nº 17, de 26 de março de 2018. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico https://eproc.jfes.jus.br, mediante o preenchimento do código verificador 500001371376v3 e do código CRC d4095f32 .

Informações adicionais da assinatura:

Signatário (a): NIVALDO LUIZ DIAS

Data e Hora: 25/10/2021, às 20:54:23

XXXXX-61.2013.4.02.5003 500001371376 .V3

Disponível em: https://www.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/tj-es/1518561944/inteiro-teor-1518561949