29 de Maio de 2024
- 2º Grau
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Publicado por Tribunal de Justiça de Minas Gerais
Detalhes
Processo
Órgão Julgador
5ª CÂMARA CÍVEL
Publicação
Julgamento
Relator
Des.(a) Wander Marotta
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Inteiro Teor
EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL. MANDADO DE SEGURANÇA. REPASSE DE DUODÉCIMOS. CÂMARA MUNICIPAL DE VIRGINÓPOLIS. BASE DE CÁLCULO. EXCLUSÃO DA VERBA DO FUNDEB: POSSIBILIDADE. DESTINAÇÃO ESPECÍFICA. ORDEM DENEGADA. RECURSO DESPROVIDO.
- Conforme entendimento do colendo STJ, "as verbas que compõem o FUNDEB não estão compreendidas nas receitas tributárias, nem nas transferências que pertencem aos municípios, nos termos dos arts. 153, § 5º, 158 e 159 da CF/88. Logo, devem ser excluídas da base de cálculo dos duodécimos repassados pela União às Casas Legislativas Municipais, nos moldes do art. 29-A, da CF/88" (RMS XXXXX/MG).
- Verificando-se que a transferência do FUNDEB não se caracteriza como receita pública, por possuir destinação específica, não possui a impetrante direito líquido e certo a ser amparado.
APELAÇÃO CÍVEL Nº 1.0718.18.000508-1/001 - COMARCA DE VIRGINÓPOLIS - APELANTE (S): CÂMARA MUNICIPAL DE VIRGINÓPOLIS - APELADO (A)(S): PREFEITO MUNICIPAL DE VIRGINÓPOLIS - INTERESSADO (S): MUNICIPIO DE VIRGINÓPOLIS
A C Ó R D Ã O
Vistos etc., acorda, em Turma, a 5ª CÂMARA CÍVEL do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, na conformidade da ata dos julgamentos, em NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO.
DES. WANDER MAROTTA
RELATOR.
DES. WANDER MAROTTA (RELATOR)
V O T O
Trata-se de recurso de apelação interposto pela CÂMARA MUNICIPAL DE VIRGINÓPOLIS contra a r. sentença de fls. 116/118, que, nos autos de mandado de segurança impetrado contra ato praticado pelo ILMO. PREFEITO DE VIRGINÓPOLIS, denegou a ordem.
Acentua que a Constituição Federal determina o percentual do repasse de recursos ao Poder Legislativo, assinalando que a transferência deve ser contabilizada com base na receita bruta, sem deduções. Defende ter o direito líquido e certo ao recebimento dos duodécimos financeiro-orçamentários equivalentes a 7% (sete por cento) do total da receita tributária e das transferências previstas nos artigos 153, § 5º, 158 e 159, da CF, do Município de Virginópolis, sem a dedução das verbas que compõem o FUNDEB. Afirma que não se pretende que valores vinculados à Educação sejam repassados à Câmara, mas apenas que os recursos, sejam eles vinculados ou não, integrem a base de cálculo para fins de repasse ao Poder Legislativo. Assevera que o pleito tem amparo na Nota Técnica do Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais, datada de 27/2/2018, que enfatizou que as contribuições feitas para a formação do Fundeb não serão deduzidas da base de cálculo dos duodécimos. Requer, assim, a reforma da r. sentença para que seja concedida a ordem (fls. 120/129).
Em contrarrazões, o apelado requer o desprovimento do recurso (fls. 132/140).
Foram os autos à douta P.G.J., que opinou pelo desprovimento do recurso (fls. 147/150).
É o relatório.
Conheço do recurso, estando presentes os seus pressupostos de admissibilidade.
O mandado de segurança, como se sabe, visa proteger direito subjetivo individual, líquido e certo, que deve ser comprovado documentalmente e de plano. Tal como leciona CARLOS MÁRIO DA SILVA VELOSO ("in" Do Mandado de Segurança e Institutos Afins na Constituição de 1988; apud Mandados de Segurança e Injunção - coordenação: SÁLVIO DE FIGUEIREDO TEIXEIRA; São Paulo: Saraiva Ed., 1990, p. 81):
"... O conceito, portanto, de direito líquido e certo, ensina Celso Barbi, lição que é, também, de Lopes da Costa e Sálvio de Figueiredo Teixeira, é processual. Quando acontecer um fato que der origem a um direito subjetivo, esse direito, apesar de realmente existente, só será líquido e certo se o fato for indiscutível, isto é, provado documentalmente e de forma satisfatória. Se a demonstração da existência do fato depender de outros meios de prova, o direito subjetivo surgido dele existirá, mas não será líquido e certo, para efeito de mandado de segurança. Nesse caso, sua proteção só poderá ser obtida por outra via processual."
Pretende a impetrante que a autoridade impetrada abstenha-se de deduzir da base de cálculo dos duodécimos devidos ao Legislativo Municipal os valores da contribuição para a formação do FUNDEB, bem como que compute a incidência do percentual constitucional de 7% (sete por cento) sobre as respectivas receitas do exercício anterior, limitado ao previsto na LOA (art. 29-A, III, da CR), mediante a complementação de duodécimos subsequentes. Requer, ainda, que a autoridade repasse a diferença do duodécimo do mês de fevereiro de 2018, no valor de R$ 17.545,52 (dezessete mil quinhentos e quarenta e cinco reais e cinquenta e dois centavos).
A Constituição Federal, ao dispor sobre os duodécimos a serem repassados, assim estabeleceu em seu artigo 168:
"Art. 168. Os recursos correspondentes às dotações orçamentárias, compreendidos os créditos suplementares e especiais, destinados aos órgãos dos Poderes Legislativo e Judiciário, do Ministério Público e da Defensoria Pública, ser-lhes-ão entregues até o dia 20 de cada mês, em duodécimos, na forma da lei complementar a que se refere o art. 165, § 9º."
Os repasses previstos na norma supracitada devem ser efetuados observando-se a norma do art. 29-A, inciso I, da Carta Magna, "in verbis":
"Art. 29-A. O total da despesa do Poder Legislativo Municipal, incluídos os subsídios dos Vereadores e excluídos os gastos com inativos, não poderá ultrapassar os seguintes percentuais, relativos ao somatório da receita tributária e das transferências previstas no § 5o do art. 153 e nos arts. 158 e 159, efetivamente realizado no exercício anterior:
I - 7% (sete por cento) para Municípios com população de até 100.000 (cem mil) habitantes;"
Retira-se desses dispositivos constitucionais que os repasses realizam-se em duodécimos e com base no total estimado para o exercício anual, observada a previsão na Lei Orçamentária, assinalando-se que a ausência de repasse implica violação da norma constitucional e lesão à autonomia financeira do Poder Legislativo Municipal.
Na espécie, contudo, a impetrante insurge-se contra ato do Prefeito que decotou da base de cálculo dos duodécimos repassados à Câmara, os valores relativos ao Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação - FUNDEB, o que gerou a redução do montante recebido pelo Legislativo Municipal.
A Lei nº 11.494/2007, que regulamenta o FUNDEB, prevê, em seu art. 2º, que esse Fundo destina-se "à manutenção e ao desenvolvimento da educação básica pública e à valorização dos trabalhadores em educação, incluindo sua condigna remuneração".
Assim, possui o FUNDEB destinação específica, de modo que não pode ser incluído na base de cálculo dos duodécimos repassados às Câmaras Municipais, sob pena de violação ao disposto no art. 8º, parágrafo único, da Lei de Responsabilidade Fiscal, a estabelecer que:
"Art. 8o Até trinta dias após a publicação dos orçamentos, nos termos em que dispuser a lei de diretrizes orçamentárias e observado o disposto na alínea c do inciso I do art. 4o, o Poder Executivo estabelecerá a programação financeira e o cronograma de execução mensal de desembolso.
Parágrafo único. Os recursos legalmente vinculados a finalidade específica serão utilizados exclusivamente para atender ao objeto de sua vinculação, ainda que em exercício diverso daquele em que ocorrer o ingresso." (destaquei)
O colendo Superior Tribunal de Justiça, quando do julgamento do recurso ordinário em Mandado de Segurança, RMS XXXXX/MG, assim decidiu:
"CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO DE MINAS GERAIS. ANULAÇÃO. CONTRIBUIÇÕES DO MUNICÍPIO AO FUNDEB. REPASSE DE RECURSOS. PODER EXECUTIVO FEDERAL. CÂMARA DE VEREADORES. ART. 29-A DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. EXCLUSÃO DA BASE DE CÁLCULO. 1. As verbas que compõem o FUNDEB não estão compreendidas nas receitas tributárias, nem nas transferências que pertencem aos municípios, nos termos dos arts. 153, § 5º, 158 e 159 da CF/88. Logo, devem ser excluídas da base de cálculo dos duodécimos repassados pela União às Casas Legislativas Municipais, nos moldes do art. 29-A, da CF/88. 2. A expressão"efetivamente realizada", constante do art. 29-A do Texto Constitucional, significa a receita que foi arrecadada e incorporada ao patrimônio do Município no exercício anterior. Não se consideram, portanto, para fins de apuração dessa quantia, os valores que devam ser arrecadados no corrente exercício, tais como a complementação do FUNDEB. 3. Além disso, os recursos do FUNDEB, independentemente da origem, não podem ser utilizados para fins diversos de suas destinações constitucional e legalmente definidas - art. 60, caput, e I, da CF/88 e 8º, parágrafo único, da Lei Complementar n. 101/00 - isto é, a educação básica e a remuneração dos trabalhadores da educação, o que reforça a compreensão de que devem ser excluídos do cálculo do repasse previsto no art. 29-A da CF/88. 4. No caso, a mitigação do enunciado da Súmula 102 do Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais desbordou da melhor interpretação a ser conferida aos normativos constitucionais e infraconstitucionais aplicáveis à matéria, o que justifica a anulação do acórdão proferido na Consulta n. 837.614/TCE/MG. 5. Recurso ordinário em mandado de segurança a que se dá provimento." (RMS XXXXX/MG, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, Rel. p/ Acórdão Ministro OG FERNANDES, SEGUNDA TURMA, julgado em 03/11/2015, DJe 12/02/2016 - destaquei).
No mesmo sentido, é o entendimento deste Tribunal de Justiça, inclusive desta 5ª Câmara Cível:
"REEXAME NECESSÁRIO - APELAÇÃO CÍVEL - MANDADO DE SEGURANÇA - REPASSE DO DUODÉCIMO PELO MUNICÍPIO À CÂMARA MUNICIPAL - BASE DE CÁLCULO - EXCLUSÃO DA VERBA DESTINADA AO FUNDEB - POSSIBILIDADE - DESTINAÇÃO ESPECÍFICA - SENTENÇA REFORMADA - SEGURANÇA DENEGADA.
- De acordo com a legislação que regulamenta o FUNDEB observa-se que o fundo foi criado com o objetivo de manter e desenvolver da educação básica pública e à valorização dos trabalhadores em educação, incluindo sua merecida remuneração.
- Como o FUNDEB possui destinação específica estipulada pela Lei nº 11.494/2007, há óbice para que o mesmo possa integrar a base de cálculo dos duodécimos que devem ser repassados às Câmaras Municipais nos termos do artigo 29-A da Constituição Federal." (TJMG - Ap Cível/Rem Necessária XXXXX-6/004, Rel (a). Des (a). Belizário de Lacerda, julgamento em 30/4/2019, publicado em 8/5/2019).
"REEXAME NECESSÁRIO - MANDADO DE SEGURANÇA - BASE DE CÁLCULO DO REPASSE DO DUODÉCIMO PELO MUNICÍPIO À CÂMARA MUNICIPAL - EXCLUSÃO DA VERBA DO FUNDEB - POSSIBILIDADE - DESTINAÇÃO ESPECÍFICA - SENTENÇA REFORMADA - SEGURANÇA DENEGADA.
- A Lei nº 11.494/2007, que regulamenta o FUNDEB, prevê em seu art. 2º, que o fundo se destina"à manutenção e ao desenvolvimento da educação básica pública e à valorização dos trabalhadores em educação, incluindo sua condigna remuneração (...)".
- Possuindo o FUNDEB destinação específica, não pode tal fundo ser incluído na base de cálculo dos duodécimos repassados às Câmaras Municipais, sob pena de violação do disposto no art. 8º, parágrafo único, da Lei de Responsabilidade Fiscal. Precedentes do STJ e do TJMG.
- Sentença reformada no reexame necessário." (TJMG - Remessa Necessária-Cv XXXXX-5/002, Rel (a). Des (a). Luís Carlos Gambogi, julgamento em 28/2/2019, publicado em 8/3/2019).
Assim, verificando-se que a transferência do FUNDEB não se caracteriza como receita pública, por possuir destinação específica, não possui a impetrante direito líquido e certo a ser amparado, não merecendo reforma a r. sentença que denegou a ordem.
Ante o exposto, NEGO PROVIMENTO AO RECURSO.
Custas pela apelante, isenta nos termos da Lei nº 14.939/03.
DES. CARLOS LEVENHAGEN - De acordo com o (a) Relator (a).
JD. CONVOCADO JOSÉ EUSTÁQUIO LUCAS PEREIRA - De acordo com o (a) Relator (a).
SÚMULA: "NEGARAM PROVIMENTO AO RECURSO"