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8 de Junho de 2024
  • 1º Grau
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TJSP • Ação Popular • XXXXX-87.2011.8.26.0019 • 4 do Tribunal de Justiça de São Paulo - Inteiro Teor

Tribunal de Justiça de São Paulo
há 9 anos

Detalhes

Processo

Órgão Julgador

4

Juiz

Fabio Rodrigues Fazuoli

Partes

Documentos anexos

Inteiro Teore5fbd47a86aa2b086324b095e49aed5a.pdf
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SENTENÇA

Processo nº: XXXXX-87.2011.8.26.0019

Classe - Assunto: Ação Popular

Requerente: Antônio Mentor de Mello Sobrinho

Requerido: Diego de Nadai e outros

Número de Ordem: 1812/2011.

VISTOS ETC...

I

ANTÔNIO MENTOR DE MELLO SOBRINHO propôs a presente ação popular contra (1) DIEGO DE NADAI, então Prefeito Municipal, (2) RUMOALDO JOSÉ KOKOL, diretor geral do DAE, (3) ANTÔNIO SÉRGIO BAPTISTA ADVOGADOS ASSOCIADOS, (4) PENTEADO & ROMANINI AUDITORES INDEPENDENTES LTDA, (5) KPMG FINANCIAL RISK & ACTUARIAL SERVICES LTDA, (6) MUNICÍPIO DE AMERICANA e o 7) DEPARTAMENTO DE ÁGUA E ESGOTO DE AMERICANA (DAE), e alegou, em síntese, que se engendrou criação de um Fundo de Investimento em Direitos Creditórios (FIDC), para levantamento de recursos financeiros, mediante antecipação de receitas e comprometimento dos recebíveis futuros dessa autarquia (tarifas de fornecimento de água e do serviço de coleta de esgoto pagas pelos usuários), o que caracteriza operação de crédito de no mínimo R$ 55.000.000,00 (cinquenta e cinco milhões), com violação do artigo 29, III, da Lei de Responsabilidade Fiscal, considerando o

Processo nº: XXXXX-87.2011.8.26.0019 - p. 1

limite para despesas de capital de R$ 12.015.000,00, para o exercício de 2011, sem lei específica, com comprometimento do patrimônio público e da segurança jurídica. Além disso, haveria transferência do dinheiro do DAE para o Município, mediante indenização de todos os bens imóveis e móveis, equipamentos, que, desde 1966, foram transferidos para constituição do originário "Serviço Autônomo de Água e Esgoto de Americana" (SAAE), depois alterado para Departamento de Água e Esgoto (1973), incorporando todo o patrimônio; a indenização também se consumaria por meio de Lei Municipal nº 5.254, de 05.10.2011, também inconstitucional.

Para tanto, adotaram-se os seguintes passos: 1º) contratação da corré PENTEADO & ROMANINI, para realização de todo o inventário físico dos bens do almoxarifado e dos ativos físicos imobilizados do DAE; 2º) contratação do corréu ANTONIO SERVIÇO BAPTISTA ADVOGADOS, sem licitação, para prestação de "serviços técnicos especializados" de "consultoria jurídica", para "estruturar e coordenar a colocação" de "Cotas Seniores e Mezzanino" no Fundo; 3º) contratação da corré KPMG para serviço de "auditoria em fundos de investimento empresas de água e esgoto"; 4º) introdução, pelo Município, do artigo 9º na Lei Municipal 5.230, de 12.08.2011, que tratava de "depósitos judiciais", de autorização para criação de Fundos de Investimento em Direitos Creditórios (FIDC), "lastreados em recebíveis originados de contratos e de tarifas de serviços"; portanto, com emprego de artifício inconstitucional; a matéria não pode ser tratada de forma anômala e inadequadamente em dispositivo de lei que regula outra matéria; e (5º) passo: aprovação da Lei Municipal nº 5.254, de 05.10.2011, para autorizar o corréu DAE indenizar o Município pelos "bens móveis e imóveis transferidos ao patrimônio da autarquia por força do art. 9º da Lei 1258, de 20.11.1973".

A operação implica a antecipação de receita com

deságio e, ainda, a comissão de 8% pela contratação do referido escritório de advocacia. Salientou a inconstitucionalidade das duas leis, porque a antecipação de receita de tal forma complexa implicará "operação de crédito" sujeita ao limite definido pela Lei de Responsabilidade Fiscal. Os atos são nulos em razão da inexistência de motivos e por desvio de finalidade.

Com base nisso, o autor pleiteou a procedência da ação para: a) declaração de inconstitucionalidade da Lei 5254/2011 e do artigo 9º da Lei Municipal nº 5.230/2011; b) anulação e todos os atos já executados e de outros eventuais e futuros relacionados à constituição do Fundo de Investimento em Direitos Creditórios "FIDC", especificamente: b.1) do contrato celebrado com a corré Penteado; b.2) do contrato celebrado com o corréu Antonio Sergio Baptista; b.3) do contrato celebrado com a corré KPMG Financial; e (c) condenação dos réus na indenização por perdas e danos causados ao erário, como responsáveis e beneficiários de seus efeitos, compreensivos das despesas processuais e dos honorários advocatício; requereu, ainda: a concessão de liminar para suspensão imediata de quaisquer pagamentos e subsequente comunicação da liminar ao Tribunal de Contas do Estado e à Comissão de Valores Mobiliários; protestou pela produção de outras provas e instruiu a petição inicial com documentos.

Deferiu-se parcialmente a liminar requerida para (a) suspender o efeito concreto da Lei Municipal52544/11 e vedar quaisquer pagamentos, pelo DAE e pelo Município, da referida indenização do primeiro ao segundo, por meio dos "recebíveis", ou da comissão de 8% em favor Antonio Sergio Baptista Advogados Associados; b) suspender pagamento de indenização ao DAE por meio de transferência de "recebíveis" originados de tarifas e de serviços, bem como da comissão de 8% em favor de Antonio Sergio Baptista Advogados Associados; c) suspender e vedar vendas de cotas do "FDIC" oriundas ou decorrentes de "pagamentos" ou de "transferências" de "recebíveis" do DAE (fls.

94/98).

Os réus, Diego de Nadai e Romualdo José Kokol, interpuseram o Agravo de Instrumento nº XXXXX-74.2012.8.26.0000 (fls. 117/120), e o Município de Americana, o Agravo de Instrumento nº 0024822-39.2012.8.26.000 (fls. 319/321), aos quais não se atribuiu efeito suspensivo . Em seguida, os agravantes desistiram dos recursos, o que foi homologado (fls. 680/684 e 814/889).

A liminar foi mantida pelas decisões interlocutórias posteriores (fls. 687/692 e fls. 1027/1028) em face da reiteração de sua revogação.

Os réus foram citados e ofereceram CONTESTAÇÕES:

DIEGO DE NADAI E ROMUALDO JOSÉ KOKOL : arguiram preliminarmente: a) inépcia da petição inicial (não especificação dos atos administrativos que se pretende anular); b) impossibilidade jurídica do pedido de prévio do mérito do ato administrativo; c) inadequação da ação popular para declaração de inconstitucionalidade de lei, único pedido inferido da petição inicial; houve ajuizamento também de ação direta de inconstitucionalidade da Lei Municipal nº 5.230/2011 (autos nº 0272022- 92.2011.8.26.0000), cuja liminar foi negada. No mérito, sustentaram, em resumo: os recursos provenientes do FDIC não seriam empregados para a alegada indenização do DAE em favor do Município; para evitar-se dúvida e suposição a respeito disso houve, em 30.01.2012, revogação da Lei Municipal nº 5.254/2011, a qual previa aquela obrigação de indenizar, fato que causou a perda de objeto de parte da demanda e afastamento da maioria dos argumentos do autor; o FDIC foi estruturado para obtenção de recursos destinados ao financiamento do incremento dos serviços de fornecimento de água potável e tratamento de esgoto, para atendimento da obrigação assumida pelo Município no Termo de Ajustamento de Conduta perante o Ministério Público, mediante convênios federais ( PAC II) que exigem contrapartidas em prazos determinados, de forma legal e economicamente mais viável; a lei específica para autorização de sua formação não precisa ser exclusiva sobre a matéria; a operação do FDIC não implica antecipação e receita orçamentária (ARO), o que é vedado pelo artigo 38 da Lei de Responsabilidade Fiscal; a contabilização se dá como "excesso de arrecadação"; os recebíveis do DAE podem compor o rol dos "direitos e títulos representativos de créditos de natureza diversa assim reconhecidos pela CVM", conforme interpretação do artigo 2º, I, da Instrução 356/2001, da CVM, com redação dada pela Instrução 393/2001; a Lei Municipal 5.230/2001 prevê a autorização para criação do FDIC ; as modalidades de negócio considerados operações financeiras são definidas pelo artigo 29 da Lei de Responsabilidade Fiscal, cujo limite orçamentário não pode ser superado; pelo FDIC , os direitos creditórios não são vendidos, permanecem sob a titularidade do DAE; e eles não são usados como garantia, mas apenas como lastro para demonstrar o poder econômico para "amortização das quantias levantadas junto ao fundo" (cf. fl. 409); as cotas lançadas pelo Fundo não se confundem com ações e, por isso, não serão negociadas no mercado financeiro nem estarão sujeitas à oscilação de mercado. Amparados nesses argumentos, propugnaram e improcedência da ação e a revogação da liminar; protestaram por outras provas e anexaram documentos (fls. 361/420).

MUNICÍPIO DE AMERICANA : preliminar de falta de interesse processual por inadequação da ação popular para declaração de inconstitucionalidade de lei. No mérito : a constitucionalidade formal e material da Lei Municipal nº 5.230/2011; a legalidade e inexistência de ato lesivo ao patrimônio público do FDIC ; superveniente revogação da Lei Municipal nº 5.254/2011 (que previa indenização do DAE em favor do Município); o FDIC tem por objetivo o interesse público, consistente na manutenção do investimento e manutenção da rede de fornecimento de água e de coleta de esgoto, mediante convênios com a União. Amparado nesses argumentos, propugnou a improcedência da ação e atribuição de litigância de má-fé ao autor (fls. 597/619).

[Indeferiu-se o pedido de revogação da liminar por força da decisão interlocutória de fls. 687/692].

O DAE DEPARTAMENTO DE ÁGUA E ESGOTO DE AMERICANA: preliminares: a) nulidade do processo por irregularidade da representação processual; b) inépcia da petição inicial (falta de pedido de anulação do ato administrativo; e (c) incompetência absoluta da Justiça Estadual. No mérito: os recursos do FDIC serão destinados aos investimentos na infraestrutura de saneamento básico, conforme convênios do PAC II com prazo determinado para a contrapartida da autarquia; não há intenção de transferências de recursos do DAE ao Município; apesar disso, sobreveio revogação da Lei nº 5.54/2011 (a finalidade exclusiva era a adequação da contabilidade pública aos padrões internacionais); o FDIC é legal, conforme Resoluções do Banco Central e da Comissão de Valores Mobiliários (CVM); sua operação não implica adiantamento de receita no mesmo período (anual) fiscal para supressão de insuficiência de Caixa; não há transferência dos direitos sobre os recebíveis ao Fundo, pois apenas o fluxo de caixa do DAE é utilizado apenas como lastro; e não configura empréstimo de qualquer natureza, pois tem forma de contabilidade diversa e não são atingidos pelos limites da Constituição Federal e da Lei de Responsabilidade Fiscal. Amparado nesses argumentos, propugnou a improcedência da ação, requereu a revogação da liminar e anexou documentos (fls. 693/721);

ANTONIO SERGIO BAPTISTA ADVOGADOS ASSOCIADOS S/C LTDA: preliminar: impossibilidade jurídica do pedido por inadequação da ação popular para declaração de inconstitucionalidade de lei. No mérito: perda de objeto quanto à inconstitucionalidade da Lei Municipal nº 5.254/2011 em razão de sua revogação pela Câmara Municipal; legalidade do FDIC , cuja operação não caracteriza antecipação de receita orçamentária nem transferência da propriedade dos créditos do DAE, o que o afasta das limitações da Constituição Federal e da Lei de Responsabilidade Fiscal; a razoabilidade dos honorários de 10% para a hipótese de êxito, apesar de não ter ocorrido pagamento algum a título de sua remuneração; os serviços foram prestados e não houve lesão alguma ao patrimônio público. Amparado nesses argumentos, propugnou a improcedência da ação e protestou por outras provas (fls. 754/773).

PENTEADO & ROMANINI AUDITORES INDEPENDENTES LTDA: preliminar: a) falta do requisito essencial da ação popular, consistente na existência de lesividade ao patrimônio público, considerando a contratação da contestante por meio de licitação e adoção do menor preço; b) perda de objeto quanto ao pedido de inconstitucionalidade da Lei Municipal nº 5.254/2011 em decorrência de sua revogação pela Câmara Municipal. No mérito: inexistência de ato lesivo, porque houve realização de todo o serviço contratado: inventário físico dos bens do imobilizado e do estoque do DAE; o serviço não tinha pressuposto algum "criar valores", mas apenas a contagem física dos bens; assim, não apresentou base alguma para obtenção de recursos pela Administração; e também não se comprovou o ato lesivo relacionado ao serviço prestado. Escudada nesses argumentos, defendeu a improcedência da ação e protestou por outras provas (fls. 781/800).

KPMG FINANCIAL RISK & ACTUARIAL SERVICES LTDA: preliminar: a) inépcia da petição inicial por falta causa de pedir em relação à participação dela contestante e da especificação de qual teria sido o benefício patrimonial dela em relação à constituição do FDIC; b) sua ilegitimidade passiva, porque não participou dos atos administrativos do FDIC e apenas fora contratada, mediante licitação, para prestação de serviços específicos de "processamento de informações sobre características de recebíveis", o que foi realizado a contento e no prazo estipulado. No mérito: realizou integralmente o serviço a que fora contratada; não participou de forma alguma dos atos administrativos relacionados à criação do FDIC e não obteve benefício algum disso decorrente. Amparada nesses argumentos, propugnou a improcedência da ação (fls. 902/914).

Na réplica, o autor refutou as questões preliminares e as demais alegadas pelos réus (fls. 976/985).

O corréu DAE requereu a revogação da liminar (fls. 991/1008), o que foi indeferido pela decisão interlocutória de fl. 1027/1028, como dito acima.

Em seguida, o corréu DAE interpôs o Agravo de Instrumento nº 0147386-20/2012 (fls. 1032/1063), ao qual foi negado provimento por força do v. acórdão de fls. 1137/1143.

Pelo despacho de fl. 1133, determinou-se às partes manifestação sobre (a) a negativa de provimento ao referido agravo e (b) a procedência da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 0272022- 92.2011.8.26.0000 para reconhecer a inconstitucionalidade da Lei Municipal n5.23030/2011, cujo artig9º9º tratava da autorização para instituição do FDIC (acórdão de fls. 1148/1162), bem como acerca da (c) insistência na produção de outras provas.

As partes e o Ministério Público manifestaram-se por inexistência de outras provas, com exceção do corréu DAE requereu produção de prova pericial.

Indeferiu-se a perícia, assinou-se às partes o prazo para alegações finais (fls. 1260).

O autor e os réus PENTEADO & ROMANINI, KPMG, ANTONIO SERGIO BAPTISTA ADVOGADOS ASSOCIADOS e PENTEADO & ROMANINI ofereceram memoriais e reiteraram suas manifestações anteriores (fls. 1266/1272, 1277/1285, 1286/1301 e 1302/1306).

Por fim, o Ministério Público opinou pelo afastamento das preliminares, reconhecimento da perda de objeto quanto ao pedido de declaração de inconstitucionalidade das duas leis municipais questionadas e procedência da ação para anulação de todos os atos relacionados à criação e instituição do FDIC , dos contratos celebrados com os outros réus, condenação destes ao ressarcimento do que receberam pelos serviços, bem como condenação de todos os réus ao ressarcimento ao erário dos eventuais outras verbas recebidas que guardem relação com o referido Fundo (fls. 1323/1343).

É O RELATÓRIO.

DECIDO.

II

Impõe-se, in casu, o julgamento antecipado da lide, com fundamento no artigo 330, inciso I, do Código de Processo Civil, porquanto versa sobre matéria de direito e acerca de fatos cuja demonstração independe de outras provas.

Inicialmente, afasto as questões preliminares.

A competência para conhecer e julgar a ação popular é deste Juízo , considerando as normas de organização judiciária da Justiça

Estadual, especificamente, no caso, o interesse do Município, como ente político, e do Departamento de Água e Esgoto de Americana, como autarquia municipal, por força do que dispõe expressamente o artigo , caput, da Lei 4.717/1965. A atuação do Tribunal de Contas do Estado de São Paulo, como órgão incumbido da apreciação das contas do Município, não interfere no ato administrativo objeto do pedido formulado na presente ação popular nem constitui critério definidor ou modificativo da competência.

A petição inicial contém todos os requisitos legais e não é inepta. Com efeito, da narração da causa de pedir (ilegalidade e lesividade do ato administrativo) decorre logicamente o pedido de anulação e ressarcimento dos danos respectivos.

O pedido inicial é juridicamente possível , porque a anulação de ato ilegal e lesivo está previsto na Constituição Federal e na referida lei de regência da ação popular.

A corré KPMG FINANCIAL RISK & ACTUARIAL SERVICES LTDA tem legitimidade ad causam, tal como os demais réus, porque lhe é atribuída, na petição inicial, participação como prestador de serviço relacionado ao ato administrativo questionado. Aplica-se a "teoria da asserção" para inferência dessa condição da ação.

O autor tem interesse processual , porque a ação popular é adequada para a pretensão de anulação de ato a que se atribui ilegalidade e lesividade e reparação das perdas e danos consequentes. A inconstitucionalidade das duas leis municipais especificadas diz respeito aos seus efeitos concretos e, no âmbito desta demanda, é admitida de forma incidental (controle difuso), como questão prejudicial ao mérito, portanto integrante da causa de pedir e não do pedido propriamente dito. A perda subsequente do interesse processual, por revogação de uma das leis e pela declaração de inconstitucionalidade da outra (por meio de ação direta), implicará apenas a perda de objeto da declaração incidental a respeito e não a pretensão de anulação dos atos administrativos ilegais e a reparação dos respectivos danos, como se verá adiante na apreciação do mérito.

Note-se que alguns argumentos empregados para suscitação dessas preliminares dizem respeito ao mérito da demanda, notadamente a existência de ilegalidade e lesividade no ato administrativo sobre a deliberação e criação do Fundo de Investimentos em Direitos Creditórios, ou responsabilidade efetiva do agente político e do diretor, enquanto administradores, e dos corréus contratados para realização dos serviços respectivos. Nesse campo processual das condições e pressupostos processuais, é inadmissível antecipação do exame de questões inerentes ao próprio mérito.

Não se vislumbra, também, irregularidade na representação processual do autor , pois os dois advogados estão habilitados pela Ordem dos Advogados do Brasil e investidos de poderes outorgados pelo constituinte. A questão da incompatibilidade entre esse patrocínio e eventuais funções, cargos ou atividades de assessoria (na Assembleia Legislativa e no Município) que eventualmente exerçam desborda do objeto desta demanda, ressalvado o questionamento, no âmbito administrativo e funcional, perante aquele órgão (OAB). Ademais, mesmo que houvesse alguma irregularidade, ela seria sanada e não configuraria nulidade do processo.

No mérito, a ação é parcialmente procedente.

No curso do processo, sobrevieram fatos a revogação da Lei Municipal nº 5.254/2011 e o reconhecimento da inconstitucionalidade da Lei Municipal nº 5.230/2011 (Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 0272022- 92.2011.8.26.0000 ) , os quais causaram a perda de objeto da declaração incidenter tantum a respeito. A apreciação disso seria feito como questão prejudicial ao mérito, em controle difuso de constitucionalidade.

A inconstitucionalidade alegada, conta, agora, com reconhecimento concentrado por meio da referida ação direta.

Ademais, a Lei 5.254/2011, que criava o direito de indenização em benefício do corréu DAE, deixou de existir no direito positivado por força de sua revogação pela Câmara Municipal. Em consequência, ocorreu a perda de objeto do reconhecimento incidental de sua inconstitucionalidade para o fim de afastar a concretização daquela indenização.

Os atos praticados, no âmbito administrativo do Município e do DAE, com finalidade de criação e instituição do Fundo de Investimento em Direitos Creditórios (integrado pelos recebíveis dessa autarquia), eram baseados em lei inconstitucional (nº 5.230/2011) vigente até a procedência da ADI e violaram o artigo 167, inciso III, da Constituição Federal, e do artigo 32, inciso V, da Lei de Responsabilidade Fiscal, no que se refere à extrapolação do limite de despesas de capital para operações de crédito naquele exercício de 2011.

A ilegalidade e lesividade do FDIC foram admitidas, em cognição sumária, na própria decisão inicial concessiva da liminar (fls. 94/98) e nas outras duas seguintes que a mantiveram ao indeferir os pedidos reiterados de revogação da medida (fls. 687/692 e 1027/1028), porque, em síntese, a operação implicaria indiscutível transferência da titularidade dos recebíveis ao Fundo que seria concretamente instituído pelo DAE e, apesar do surgimento de pessoa jurídica autônoma (o próprio FDIC ), as cotas, vendidas aos investidores "qualificados" (e não negociadas em mercado aberto), permitiriam a antecipação da receita, mas, depois, seriam pagas pelo fluxo do caixa do DAE e acrescidas de juros; portanto, com efetiva incidência de encargo financeiro típico de operação de crédito. Haveria, ainda, extrapolação do limite constitucional e da Lei de Responsabilidade Fiscal relativo à despesa de capital naquele exercício.

Agora, no exame final do mérito, são reproduzidos os teores das referidas decisões interlocutórias, para conformação e integração da fundamentação desta sentença:

"1) Em face da plausibilidade do direito invocado e do periculum in mora, DEFIRO PARCIALMENTE A LIMINAR PLEITEADA para: a) suspender o efeito concreto da Lei Municipal nº 5.254, de 05.10.2011, no que se refere (a.1) à possibilidade de o Departamento de Água e Esgoto valer-se da"autorização"concedida pelo artigo 1º para" indenizar à Prefeitura Municipal no valor correspondente aos bens móveis e imóveis transferidos ao patrimônio da autarquia por força do art. 9º da Lei 1.258, de 20 de novembro de 1973 (...)", e, ainda, (a.2) suspender ou vedar a instauração de processo administrativo próprio para apuração do"montante da indenização", pelo Município ou pela própria Autarquia; b) suspender e vedar quaisquer pagamentos, pelo DAE e pelo Município, seja da referida indenização do primeiro ao segundo, por transferência de" recebíveis originados de contratos e de tarifas de serviços"- e do respectivo lançamento contábil, - seja da comissão de 8% em favor de ANTONIO SÉRGIO BAPTISTA ADVOGADOS ASSOCIADOS, pela montagem e comercialização de cotas do" Fundo de Investimento de Direitos Creditícios"(FIDC); c) suspender e vedar vendas de eventuais cotas do FIDC oriundas ou decorrentes de" pagamento "ou de" transferência "de" recebíveis" do DAE (taxas e tarifas de serviços públicos de fornecimento de água e de coleta de esgotos e de outras receitas dessa autarquia). Fundamenta-se esta medida no artigo 5, § 4º, da Lei 4.717/1965, para a proteção e defesa do patrimônio público.

1.1) Com efeito, - e sem prejuízo algum do ulterior julgamento do mérito, - a" administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência (...)", como prescreve o artigo 37, caput, da Constituição Federal. Assim, dentre outras, avulta, - especificamente ou como consequência (direta ou indireta) de todas, - a proteção ampla e integral do patrimônio público (" bens e direitos de valor econômico, artístico, estético, histórico ou turístico"- art. 1º, § 1º, da Lei 4.717/1965) .

1.2) O SERVIÇO AUTÔNOMO DE ÁGUA E ESGOTO ("SAAE") fora criado como autarquia pela Lei Municipal7666, de 06 de outubro de 1966, medianteconstituiçãoo de patrimônio formado por" todos os imóveis, móveis, instalações, materiais e outros valores próprios do Município, atualmente empregados, destinados e utilizados nos sistemas públicos de água e esgotos sanitários, os quais serão incorporados sem quaisquer ônus ou compensações pecuniários e independentes de qualquer formalidade" (art. 5º).

1.2.1) Posteriormente, pela Lei Municipal 1.258, de 20 de novembro de 1973, - que deu nova estrutura ao SAAE, - houve, no artigo 9º, definição de que" O patrimônio do DAE se constitui de todos os bens, instalações, direitos, etc., que integravam o acerto do SAAE".

1.3) Portanto, independentemente da criação do FIDC, não se mostra, neste momento inicial de cognição provisória, constitucional nem legalmente possível considerar o patrimônio consolidado do DAE, - incorporado sem ônus por lei específica (com atendimento da exigência do artigo 37, inciso XIX, da Constitucional Federal), - como gerador de débito ou dívida em benefício do próprio Município.

1.3.1) Há de prevalecer, sempre, a garantia absoluta e eficaz do patrimônio público - como o em questão, existente desde a criação da autarquia, ainda sob nome diverso ( SAAE ), - sem possibilidade de ser transformado em débito, dívida ou causador de indenização, apenas por força de lei posterior (nº 5.254, de 05.10.2011). Em outras palavras, pelo nosso ordenamento jurídico, os bens são considerados públicos conforme sua natureza e de acordo com a Constituição Federal a e as leis de regência. Eles existem, e este é o pressuposto para o reconhecimento legal de sua integração ao patrimônio público. De igual forma, os débitos públicos precisam ter como pressuposto a existência material, a causa, o fato gerador, para serem, então, assim considerados, também conforme e de acordo com o ordenamento jurídico. E se desde 1966 os bens e equipamentos - já existentes, públicos e integrantes da administração direta - passaram a formar o patrimônio da SAAE, assim o foram declarados, sem ônus, débito, mesmo porque a mera incorporação deles à formação da autarquia (ente da administração indireta, pessoa jurídica pública autônoma) consumou apenas separação do conjunto até então formado e mantido de forma centralizada. O fenômeno da criação do SAAE não implicou aquisição de outros bens, não gerou por isso despesa ao Município na ocasião. Logo, nesta fase inicial do processo, é temerário ou pouco prudente que, mesmo em face da disposição formal da Lei Municipal 5.254/2011, o patrimônio originariamente incorporador do atual DAE seja considerado gerador do débito respectivo; ou, também, como se tivesse sido adquirido e não pago no passado; ou, ainda, como se fosse possível a instituição, pelo Poder Público, de espécie de" autarquia pública com caráter oneroso".

1.3.2) Há outra questão relevante: a dimensão do patrimônio que integraria o que se pretende como" indenização ": o originário (atualizado e com o abatimento da depreciação), ou o atual? Neste ponto, haveria risco de apuração inadequada e precipitada do valor da indenização baseada no patrimônio atual, o qual, por razoável presunção, pode ter aumentado também em função das aplicações em infraestrutura, maquinários, instrumentos e sistemas, conforme a lei orçamentária e de acordo com as receitas da própria autarquia.

1.3.3) Cumpre salientar ainda que, em face da autonomia da Autarquia, se consumada a transformação de seus" recebíveis" para pagamento da referida indenização, haveria risco de perda ou redução considerável de suas receitas e, por consequência, risco de prejuízo de difícil reparação no que se refere aos investimentos na ampliação e manutenção de seus equipamentos e dos serviços de fornecimento de água e de coleta de esgotos.

1.4) Isto basta para fundamentar a concessão parcial da liminar, sem prejuízo, como afirmado, do ulterior e acurado julgamento final do mérito, também em relação a outras questões e fundamentos jurídicos, notadamente os relacionados à criação e utilização do FIDC e eventual descumprimento do artigo 167, inciso III, da Constituição Federal (vedação de" realização de operações de créditos que excedam o montante das despesas de capital, ressalvadas as autorizadas mediante créditos suplementares ou especiais com finalidade precisa, aprovados pelo Poder Legislativo por maioria absoluta" ), e da Lei de Responsabilidade Fiscal (Lei Complementar 101, de 04.05.2000).

1.5) A suspensão liminar dos atos e respectivos efeitos supra especificados tem por finalidade única e específica a proteção imediata do patrimônio público, porém sem risco de irreversibilidade, caso sobrevenha solução diversa dessa lide no julgamento final.

2) Defiro a exibição de cópias dos processos administrativos, no prazo de 10 dias, como requerido no item" 59" de fl. 29.

3) Indefiro, por ora, a providência de comunicação ao Tribunal de Contas do Estado e à Comissão de Valores Mobiliários (CVM), requerida no item" 57" de fl. 29, considerando a competência da Câmara Municipal para a fiscalização, por controle externo, da Administração Direta e Indireta (artigo 50, da Lei Orgânica do Município de Americana), bem como o objeto restrito e delimitado da liminar ora concedida.

4) Intimem-se as duas autoridades ora demandadas (o Prefeito Municipal e o Diretor-Geral do DAE) para cumprimento imediato da liminar; e, também, citem-se todos os réus (especificados no item" 60" fls. 30/31), para oferecimento de contestação no prazo legal de vinte (20) dias. Os réus domiciliados em outras Comarcas poderão ser citados pelo correio"

Manteve-se a liminar diante do pedido de revogação formulado a fls. 282/228 e reiterado a fls. 361/420:

"1) Em face do pedido de revogação (fl. 282/288), - reiterado na contestação de fls. 361/420, - mantenho a liminar concedida (fl. 94/98) pelos seus próprios fundamentos pertinentes, que ora mantenho para vedar a instituição do Fundo de Investimento de Direitos Creditícios (FIDC) pelo Departamento de Água e Esgoto de Americana ( DAE) ou cessão dos seus créditos (recebíveis) para fundo eventualmente já criado e aprovado , ressalvado o ulterior julgamento definitivo do mérito.

1.1) Com efeito, não obstante a superação do fundamento inicialmente utilizado (indenização em benefício do DAE) - em face da superveniência da revogação da Lei Municipal 5.254, de 05.10.2011, - a medida deve sem mantida pela razão do risco de dano irreparável ao patrimônio público inerente à própria essência do pretendido FIDC.

1.1.1) Neste momento processual - ainda não concluída a fase postulatória - não se pode admitir, com segurança absoluta, que a criação do Fundo, tal como preconizado, não constitua operação de crédito nem esteja sujeito à limitação do artigo 167, inciso III, da Constituição Federal:

Art. 167. São vedados:

(...)

III - a realização de operações de créditos que excedam o montante das despesas de capital, ressalvadas as autorizadas mediante créditos suplementares ou especiais com finalidade precisa, aprovados pelo Poder Legislativo por maioria absoluta;

1.1.2) De igual forma, é inadmissível a exclusão da instituição do Fundo da categoria das"operações de crédito", definidas pelo artigo 29, inciso III, da Lei de Responsabilidade Fiscal (Lei

Complementar nº 101/2000), mesmo que seja como" operação assemelhada" :

Art. 29. Para os efeitos desta Lei Complementar, são adotadas as seguintes definições:

(...)

III - operação de crédito: compromisso financeiro assumido em razão de mútuo, abertura de crédito, emissão e aceite de título, aquisição financiada de bens, recebimento antecipado de valores provenientes da venda a termo de bens e serviços , arrendamento mercantil e outras operações assemelhadas, inclusive com o uso de derivativos financeiros; (grifos nossos em negrito).

1.1.3) A propósito, o Fundo de Investimento em Direitos Creditórios, além das limitações constitucionais e legais, deve atender às normas regulamentares da Resolução nº 2907/2001, do Conselho Monetário Nacional, e das Instruções nº 356/2001 e 393/2003, da Comissão de Valores Mobiliários, notadamente no que se refere (a) aos conceitos de"cessão de direitos creditórios" com manutenção dos elementos restantes da relação obrigacional, (c) de" fundo fechado", (d) "cedente", " espécies e classes de cotas (seniores e subordinadas) e (f) "amortização" (Instrução 356/2001, art. 2º).

1.1.4) Os investidores, ainda que qualificados, devem ficar garantidos, seja pela cessão dos créditos (recebíveis) - sem alteração da natureza da obrigação originária, no caso dos recebíveis do DAE, - ou de outra forma, conforme as regras de regência. Com efeito, não se concebe a instituição de um Fundo sem a necessária segurança aos investidores, independentemente da nomenclatura utilizada.

1.1.4.1) Observe-se até mesmo a Cláusula 1 do contrato celebrado entre o DAE e "Antonio Sergio Baptista Advogados Associados" indica o "objetivo de aquisição de direitos creditórios", portanto, operação de crédito caracterizadora de verdadeira antecipação de receita (fl. 80).

1.1.5) A respeito dos lançamentos contábeis pode-se afirmar a aparente inadequação do registro do produto da venda das cotas como "excesso de receita" para posterior dedução em contrapartida (resgate ou amortização), sem especificação da origem da entrada. Note-se que o "fundo deve ter escrituração contábil própria" , conforme as "disposições do Plano Contábil das Instituições do Sistema Financeiro Nacional COSIF, editado pelo Banco Central do Brasil" (artigos 42 e 44, da Instrução CVM 356).

1.1.5.1) Ainda do ponto de vista contábil, o

recebimento pelo DAE de recursos do FUNDO deve ser classificado como:

a) antecipação de receita; ou (b) adiantamento de contas a receber; ou (c) outras obrigações passivas. A "antecipação de receita" é conta passiva que caracteriza faturamento certo. O "adiantamento de contas a receber" constitui conta redutora de ativo realizável a curto prazo. E "outras obrigações passivas" são caracterizadas por empréstimos tomados de terceiros (operações de crédito em geral). Portanto, não é adequado o lançamento como "excesso de receita" em conta de resultado operacional do DAE.

1.1.6) O custo financeiro, seja em forma de juros, deságio ou outro mecanismo estipulado conforme o grau de risco apurado, implica a essência da operação de crédito inerente ao funcionamento do Fundo.

1.1.7) A propósito disso, o FUNDO DE INVESTIMENTO EM DIREITOS CREDITÓRIOS ASTRA SANEAMENTO, constituído por PLANNER CORRETORA DE VALORES S.A. (Administradora) em 05.12.2011 (Instrumento de fls. 393/394), prevê em seu Regulamento - registrado no 2º Oficial de Registro de Títulos e Documentos e Civil de Pessoa Jurídica da Capital-SP, Microfilme nº 3478334 (fls. 455/521) - a (i) aquisição dos "Direitos Creditórios" (artigo 26), (ii) a possibilidade de integração por mais de um ente da mesma espécie, seja Município ou Departamento autárquico de serviço de água e esgoto, (iii) a responsabilidade dos Cedentes pela "originação, existência e correta formalização, pela liquidez e certeza dos Direitos Creditórios Cedidos, nos termos deste Regulamento e do Contrato de Cessão" (artigo 26, parágrafo 1º, fl. 477), (iv) aquisição das cotas subordinadas apenas pelos cedentes, proporcionais às cotas seniores (artigo 37, fl. 482), (v) fórmula de cálculo, (vi) juros (pela Taxa DI - "Depósito Interfinanceiro de um dia ' over extra-grupo', expressa na forma percentual ao ano, base 252 (duzentos e cinquenta e dois) dias úteis, calculada e divulgada pela CETIP" - Anexo I Definições fl. 510).

1.1.7.1) A operação implica necessariamente o "Contrato de Cessão" (minuta não encartada com a contestação), também definido no referido Anexo I do Regulamento como:

"é o Contrato de Cessão e Aquisição de direitos Creditórios Futuros e Outras Avenças, a ser celebrado entre cada Cedente e o Fundo, com a interveniência da Administradora, Gestora, Banco Arrecadador e Banco Centralizador, e o Custodiante" fl. 503.

2) Os três Compromissos de transferência de recursos pela União assinados em 31.08.2011 (fls. 522/542) não estão formalmente vinculados à pretendida instituição (ou participação) no referido Fundo, sem contar que, neles, o Compromissário é o Município de

Americana, - enquanto o DAE, "Interveniente Executor", - e as obrigações são próprias e especificadas, dentre as quais a inclusão no orçamento anual respectivo da contrapartida do Compromissário, regras sobre autorização do início da liberação dos recursos (pela União), fiscalização, auditoria, execução financeira conforme as obras e obrigações convencionadas, durante o tempo de vigência e até o encerramento em 31 de agosto de 2013, ressalvada eventual prorrogação mediante Termo Aditivo (Cláusula 16a cfr. fl. 527).

2.1) Esses Compromissos, resguardado o mérito dos atos administrativos respectivos, não constituem motivo jurídico para afastar os limites da Constituição e da Lei de Responsabilidade Fiscal.

3) Portanto, - em cognição sumária, ainda nesta fase processual postulatória, - impõe-se o reconhecimento da natureza de operação de crédito atribuída ao FIDC e sua sujeição às limitações da Constituição Federal e da Lei de Responsabilidade Fiscal.

4) Por outro lado, as questões preliminares serão apreciadas após a conclusão do prazo de resposta e da manifestação do Ministério Público; porém, ressalte-se, desde já, que esta ação popular tem por objeto específico atos concretos dos réus que poderiam causar prejuízo ao patrimônio público e também aos demais princípios (constitucionais e legais) da Administração Pública, se efetivados mesmo com base na Lei Municipal cuja constitucionalidade é alvo de ação própria. A liminar concedida, e ora mantida (artigo , § 4º, da Lei 4.717/65), tem por finalidade prevenir prejuízo ao patrimônio público e violação das limitações da Constituição Federal e da Lei de Responsabilidade Fiscal."(fls. 687/692).

Sobreveio a outra decisão interlocutória de manutenção da liminar originária:

"1) INDEFIRO o pedido de revogação formulado pelo corréu DEPARTAMENTO DE ÁGUA E ESGOTO DE AMERICANA ("DAE") a fls. 991/1008 e mantenho a liminar concedida (fls. 94/98) também pelos fundamentos da decisão interlocutória de fls. 687/692, que ora reafirmo e passam a integrar apresente.

1.1) Com efeito, os argumentos ora invocados não alteram a consideração da pretendida cessão dos créditos do DAE como operação de crédito, sobretudo em razão do inerente custo financeiro.

1.2) O inciso II do artigo 37 da Lei de Responsabilidade fiscal tem por essência a vedação de antecipação de receita de empresa controlada pelo Poder Público ao próprio ente controlador:

Art. 37. Equiparam-se a operações de crédito e estão vedados:

I (...).

II - recebimento antecipado de valores de empresa em que o Poder Público detenha, direta ou indiretamente, a maioria do capital social com direito a voto, salvo lucros e dividendos, na forma da legislação;

(...).

1.2.1) Entretanto, isso tem pertinência somente em relação à legalidade (ou admissão) do repasse do dinheiro do ao Município conforme os limites orçamentários e normas de regência, mediante análise no âmbito e momentos adequados. No caso, a questão essencial diz respeito à própria instituição do DE INVESTIMENTO EM DIREITOS CREDITÓRIOS, portanto a fato anterior à destinação do numerário."fls. 1027/1028.

A lesividade do ato administrativo era imanente à própria instituição do FDIC , na medida em que, além de violar os limites constitucionais e legais de despesa de capital para aquele exercício, implicaria dano ao patrimônio da autarquia, uma vez que o resgate constante ou periódico das cotas pelos investidores implicaria destinação (parcial e sem determinação) do fluxo da receita proveniente dos pagamentos mensais das tarifas feitos pelos usuários e, consequentemente, redução de receita (entenda-se, numerário corrente) para manutenção dos custos da manutenção do serviço de água e de coleta de esgotos.

Em outras palavras, o pagamento mensal dos juros implicaria redução de verba para manutenção regular do fornecimento e das manutenções dos equipamentos. O prejuízo patrimonial seria inquestionável e com risco de agravamento em razão da essencialidade do serviço e do gradativo aumento do" déficit "para aquele exercício e aos subsequentes, certamente com crescente custo financeiro ao erário público.

E não se argumente que o dinheiro antecipado pelos

investidores propiciaria os investimentos em infraestrutura de saneamento, pois isto não alteraria a essência de operação de crédito do sistema de antecipação dos recebíveis. E, em consequência, haveria o encargo financeiro, a obrigação de pagar ao longo do tempo os juros quando do resgate das cotas do Fundo. Isto tudo, apesar do esforço semântico dos réus em atribuir outros conceitos (v.g." garantia "," lastro "," inexistência de cessão de crédito "," manutenção da titularidade em favor do DAE "), geraria, sim, despesa de capital, ou seja, obrigação de pagar juros aos investidores.

A intensificação do dano somente não se consumou em razão da concessão da liminar para vedar a constituição do FDIC e a venda efetiva de suas cotas.

A lesividade deve ser compreendida de forma ampla, por ato de improbidade, inerentemente prejudicial, de outras violações dos princípios informadores da administração pública (legalidade, impessoalidade, moralidade e eficiência) previstos no artigo 37, da Constituição Federal, para que seja evitada, cessada ou reparada (se consumada).

A liminar, no caso, garantiu efetividade ao provimento jurisdicional, que ora se reafirma nesta sentença. Implicou, em sua eficácia, verdadeira tutela inibitória para afastar a intensificação do dano ao patrimônio público, que poderia atingir patamar de difícil (ou até mesmo impossível) reparação.

A necessária amplitude à ação popular, para proteção da legalidade e da moralidade administrativa tem sido enfatizada pela jurisprudência do Tribunal de Justiça de São Paulo , a exemplo do seguinte acórdão, que, ressalvada sua peculiaridade fática, aproveita ao presente caso pela essência pertinente de sua fundamentação:

Ementa: AÇÃO POPULAR. NULIDADE DE CONTRATO. DISPENSA IRREGULAR DE LICITAÇÃO. CARNAVAL. COLINA. Ato administrativo impugnado. Constituição de uma comissão integrada por membros nomeados pelo prefeito, com delegação de poderes para contratar, assumir obrigações, ordenar despesas, efetuar pagamentos em nome do Município. Celebração de contratos e realização de pagamentos por serviços supostamente prestados pela corré. Ilegalidade configurada. Inexistência de autorização legal para criação ou constituição de comissão para prática de atos mediante delegação de poderes. Hipótese de ofensa aos princípios administrativos. Ocorrência de dano ao erário. Ausência de licitação. Contrato celebrado entre a empresa Phan e a prestadora de serviços musicais. Inaplicabilidade do art. 25, III, da Lei 8.666/93. Nulidade do contrato reconhecida. CABIMENTO DA AÇÃO POPULAR. Desnecessidade da comprovação efetiva e concreta da lesão econômica que será objeto de futura liquidação de sentença. A ação popular tem por objeto a proteção da moralidade administrativa, ainda que inexistente o dano material ao patrimônio público. A repercussão danosa tanto pode ser efetiva quanto legalmente presumida. Interpretar de maneira diversa significa esvaziar o propósito da ação popular e restringir a hipótese de controle jurisdicional somente para as ações de improbidade administrativa, restringindo, inclusive, o campo de legitimidade ativa para buscar o acesso à justiça. Prevalência da ação popular como verdadeira forma de participação popular para invocar o controle jurisdicional para proteção da moralidade administrativa. [grifos em negrito ]. Precedentes do Superior Tribunal de Justiça. RESSARCIMENTO AO ERÁRIO . Cabimento. Aplicação do artigo 59,"caput", e parágrafo único da Lei n. 8.666/93. A declaração de nulidade do contrato administrativo retroage para afastar os efeitos jurídicos que, ordinariamente, deveria produzir, além de

Processo nº: XXXXX-87.2011.8.26.0019 - p. 22

desconstituir os já produzidos. A nulidade não inibe o reconhecimento do direito à remuneração pelo serviço prestado e, de outro, a necessidade de averiguação do preço justo. Indispensável assegurar o pagamento pelo serviço que efetivamente houver executado até a data em que ela for declarada e por outros prejuízos regularmente comprovados, contanto que não lhe seja imputável, promovendo-se a responsabilidade de quem lhe deu causa. Hipótese em que houve a prestação dos serviços. Precedentes do STJ. Necessidade de arbitramento da indenização em fase de liquidação de sentença. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. (XXXXX-39.2007.8.26.0142 Apelação / Contratos Administrativos; Relator (a): José Maria Câmara Junior; Comarca: Colina; Órgão julgador: 9a Câmara de Direito Público; Data do julgamento: 27/08/2014; Data de registro: 28/08/2014).

Além disso, e como consequência dos atos administrativos deliberados para criação e instituição do FDIC , houve despesa com os serviços prestados pelas corrés ANTONIO SERGIO BAPTISTA ADVOGADOS ASSOCIADOS e KPMG FINANCIAL RISK & ACTUARIAL SERVICES, cujos contratos foram celebrados de forma válida o primeiro com dispensa de licitação por se tratar de assessoria profissional especializada, e o segundo, mediante concorrência e devem ser respeitados para garantia de recebimento do preço correspondente ao trabalho concretamente realizado. ]

Entretanto, essas despesas serão ressarcidas pelos corréus administradores, o então Prefeito Municipal DIEGO DE NADAI e o Diretor do DAE, RUMUALDO JOSÉ KOKOL, responsáveis solidários pelo engendramento da deliberação, organização e deliberação administrativa acerca da instituição do FDIC.

Por outro lado, o serviço de verificação e inventário dos bens móveis e móveis do DAE, realizado anteriormente pela corré PENTEADO & AUDITORES INDEPENDENTES LTDA, também contratada regularmente por meio de licitação, tivera finalidade específica e não guarda vinculação comprovada com a instituição do FDIC . Logo, a remuneração paga não pode ser considerada dano indenização pelos réus administradores.

Portanto, os contratos dessas três empresas (prestadores de serviços), considerados de per si, e ressalvada a inclusão dos valores pagos pelos dois primeiros acima citados como dano a ser reparado pelos réus administradores, são legais, válidos e eficazes. Com efeito, os prestadores de serviços foram apenas contratados e não concorreram para a prévia deliberação administrativa a respeito da criação do FDIC . Não há comprovação de que participaram dolosamente nem de que obtiveram vantagens ilícitas. Apenas tornaram-se credores da remuneração respectiva pelos serviços prestados.

Ressalve-se, entretanto, a discussão dos contratos, suas obrigações, extinção e acertamentos entre cada contratada e a Administração, por meio de ações próprias.

Os dois réus condenados suportarão, com exclusividade, as despesas processuais e os honorários do advogado do autor, com fundamento no artigo 12, da Lei 4.717/1965. O autor, por sua vez, não terá responsabilidade alguma pelos ônus da sucumbência, porque não agira de má-fé nem se trata de lide temerária, por força do que dispõe o artigo 5º, LXXIII, da CF, e o artigo 13, da referida Lei.

III

DIANTE DO EXPOSTO e do mais que dos autos consta, mantenho a liminar concedida e:

a) declaro extinto o pedido de declaração incidenter tantum da inconstitucionalidade da Lei Municipal nº 5.254/2011 e do artigo 9º, da Lei Municipal nº 5.230/2011, formulado no item a de fl. 25, sem resolução do mérito, por perda intercorrente do interesse processual, com fundamento no artigo 267, inciso VI, do Código de Processo Civil;

b) JULGAR PARCIALMENTE PROCEDENTE A PRESENTE AÇÃO para (a) anular apenas os atos administrativos, praticados pelo Município de Americana e pelo Departamento de Água e Esgoto de Americana, destinados à deliberação, elaboração e instituição do Fundo de Investimento em Direitos Creditórios dessa autarquia (especificado na petição inicial), porém sem atingir a validade e eficácia dos contratos administrativos celebrados com os corréus contratados, conforme fundamentação supra, bem como para (b) condenar os corréus DIEGO DE NADAI e RUMUALDO JOSÉ KOKOL, então Prefeito Municipal e Diretor-Geral do referido DAE, solidariamente responsáveis, ao pagamento de indenização para reparar os danos materiais ao erário público, consistentes na despesa concretamente suportada pelo Município e pelo Departamento de Água e Esgoto de Americana para remunerar os serviços prestados pelos contratados ANTÔNIO SÉRGIO BAPTISTA ADVOGADOS ASSOCIADOS e PENTEADO & ROMANINI AUDITORES INDEPENDENTES LTDA, mediante apuração do valor em ulterior fase de liquidação de sentença, acrescido de correção monetária desde o desembolso e de juros de mora de 1% ao mês a contar da citação. Imponho aos dois referidos réus (ora condenados) as despesas processuais e os honorários do advogado do autor, que fixo em 15% do valor da condenação. O autor, por sua vez, não se sujeita, no caso, a qualquer ônus de sucumbência (artigo 5º, LXXIII, da Constituição Federal, e o artigo 13, da Lei nº 4.717/1965).

P. R. I.

Americana, 29 de novembro de 2015.

Elói Estevão Troly

Juiz de Direito

ASSINADO DIGITALMENTE CONFORME A LEI Nº 11.419/2006. IMPRESSÃO À MARGEM DIREITA

Processo nº: XXXXX-87.2011.8.26.0019 - p. 26

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