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16 de Junho de 2024
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    Especialista analisa decisão do STF que beneficia pessoas com deficiência

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    O Supremo Tribunal Federal (STF) julgou constitucionais as normas do Estatuto da Pessoa com Deficiência que estabelecem a obrigatoriedade de as escolas privadas promoverem a inserção de pessoas com deficiência no ensino regular e prover as medidas de adaptação necessárias sem que o ônus financeiro seja repassado às mensalidades, anuidades e matrículas.

    O julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 5357 aconteceu em 9 de junho. Em entrevista, a advogada Cláudia Grabois Dischon, presidente da Comissão da Pessoa com Deficiência do Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM), explica que a decisão é de extrema relevância para mais de 45 milhões de brasileiros com alguma deficiência. Para ela, as pessoas com deficiência não podem ser consideradas ônus social e nem os seus direitos serem relativizados, sob pena de vivermos em uma sociedade que hierarquiza seres humanos.

    A decisão, para ela, ajuda a diminuir o preconceito, pois a convivência e o olhar para o outro como um igual possibilita romper as barreiras interpostas pela cultura da exclusão. “Se dissermos aqui que precisamos de uma revolução cultural para transformar a sociedade e remover conceitos que discriminam, excluem, machucam, deixam sequelas e têm o poder de provocar doenças e matar em vida, a decisão do STF é de grande valia para a inclusão de pessoas com deficiência na sociedade, por reafirmar valores humanos, o direito de pertencer à sociedade e o direito a vida.” Leia na íntegra:

    Qual é a importância da decisão?

    Impor a pessoas com deficiência normas diferenciadas e o?nus pela condic?a?o, o?nus para a humanidade e violac?a?o de preceitos fundamentais, ensejaria uma grave violac?a?o aos Direitos Humanos a toda a sociedade, novamente denotando a releva?ncia da mate?ria, qualitativa e quantitativamente. As pessoas com deficiência não podem ser consideradas ônus social e tampouco podem os seus direitos serem relativizados, sob pena de vivermos em uma sociedade que hierarquiza seres humanos, de acordo com a sua condição, que escolhe aqueles que podem ou não pertencer.

    Incontroverso que a discussa?o da ADI 5.357 foi de extrema releva?ncia para 45,6 milho?es de brasileiros com alguma deficie?ncia (25% por cento da populac?a?o), conforme Censo 2010/IBGE, que já passaram ou passara?o por estabelecimentos de ensino – pu?blicos e privados – e, faticamente, toda a sociedade, que, em toda sua pluralidade, e? composta por pessoas com e sem deficie?ncia e com caracteri?sticas diversas para ale?m desta condição, em diversos aspectos. A decisão, em consonância com o nosso arcabouço jurídico, é uma vitória para brasileiros com e sem deficiência, inclusive já usada como referência por operadores do direito de outros países.

    No meu entendimento, já tínhamos legislação suficiente para pleitear esta igualdade de direitos, considerando os arts. 205, 206, 208, 209 da CRFB, o art. DA LDB, o art. 24 da Convenção sobre os Direitos da Pessoa com Deficiência e os demais artigos de conteúdo, mesmo antes da Lei Brasileira de Inclusão. No entanto, ao vedar expressamente a cobrança de taxas extras, além de qualquer outro ônus financeiro diferenciado aos demais estudantes, a LBI acabou por trazer ao Supremo Tribunal Federal o dever de decidir se as pessoas com deficiência são cidadãs de primeira ou de segunda categoria. O STF decidiu pela equiparação de condições e igualdade de direitos, o STF decidiu pelo direito à vida, à existência e pelo direito ao exercício da cidadania.

    A Ac?a?o Direta de Inconstitucionalidade, ora matéria vencida, impugnava na?o apenas o § 1º do art. 28 e o caput do art. 30 da Lei 13.146/2015, mas a condic?a?o do Estado Brasileiro como um Estado Democra?tico de Direito, hostilizando, dentre outros, (i) o princi?pio do na?o retrocesso social; (ii) o direito a? vida; (iii) o princi?pio da solidariedade; (iv) o princi?pio da isonomia; (v) o princi?pio da protec?a?o integral da crianc?a e do adolescente (CRFB/88, art. 227); (vi) o princi?pio da garantia de um padra?o de qualidade para o ensino (art. 206, VII, da CRFB/88); (vii) bem como o princi?pio da dignidade da pessoa humana (art. , III, CRFB/88). O STF decidiu pela vida e dignidade da pessoa humana.

    Como a decisão impacta a vida das pessoas com deficiência e seus familiares? A decisão contribui para diminuir o preconceito e favorecer uma verdadeira inclusão das pessoas com deficiências?

    No meu entendimento, ajuda a diminuir o preconceito, pois a convivência e o olhar para o outro como um igual possibilita romper as barreiras interpostas pela cultura da exclusão. Se dissermos aqui que precisamos de uma revolução cultural para transformar a sociedade e remover conceitos que discriminam, excluem, machucam, deixam sequelas e têm o poder de provocar doenças e matar em vida, a decisão do STF é de grande valia para a inclusão de pessoas com deficiência na sociedade, por reafirmar valores humanos, o direito de pertencer à sociedade e o direito à vida.

    O Exmo. Ministro Fachin, em seu voto, fez uma ode ao direito à diversidade em momento que estamos carentes de respeito e de legitimação das diferenças. Ganham pessoas com e sem deficiência.

    Quanto as instituições de ensino, elas precisam investir em formação continuada de professores e em recursos de acessibilidade, mas isso desde a Carta Magna de 1988. E investir em acessibilidade atitudinal e desenho universal, estes sim, conceitos mais recentes, é bom para todas as pessoas que compõem a comunidade escolar. Inclusão é todo dia, assim como o acolhimento das pessoas com deficiência nas instituições de ensino, no paradigma do direito, impacta todas as populações historicamente excluídas e discriminadas, positivamente. Educação inclusiva é política de estado, mas cabe a cada um (a) fazer o seu papel; precisamos nos irmanar para construir a verdadeira inclusão social, em todos os espaços da sociedade para pessoas com e sem deficiência, sem restrições.

    Pela decisão, governo e sociedade acolhem a diversidade humana, no caso, as pessoas com deficiência, sendo a deficiência apenas uma das características. A decisão é mais um marco legal que as pessoas com deficiência tem agora em ser poder; educação é direito fundamental, inalienável e indisponível, e o exercício do direito à educação é imprescindível para o exercício dos demais direitos.

    Você acredita que esta decisão reforça o cumprimento do Estatuto da Pessoa com Deficiência em sua integralidade?

    Em seu voto, o Exmo. Ministro Relator Edson Fachin afirmou: “Em suma: à escola não é dado escolher, segregar, separar, mas é seu dever ensinar, incluir, conviver” e “O ensino privado não deve privar os estudantes – com e sem deficiência – da construção diária de uma sociedade inclusiva e acolhedora, transmudando-se em verdadeiro local de exclusão, ao arrepio da ordem constitucional vigente.”

    No meu entendimento, reforça o cumprimento em sua integralidade, pois o estatuto trata de trazer as pessoas com deficiência para o centro do direito, como sujeitos de direito e parte integrante do sociedade, composta pela diversidade humana e, de forma alguma, segregadas pelo poder público ou setores privados. 1

    Na decisão, o ministro relator e o pleno do Supremo Tribunal Federal se colocam contra o preconceito, a discriminação e a exclusão social a que pessoas com deficiência foram submetidas por um longo período. A escola, como espelho da sociedade, tem importante papel a cumprir, com reflexos a curto, médio e longo prazo em toda a sociedade, no que diz respeito às liberdades individuais e ao exercício dos direitos fundamentais assegurados às pessoas com deficiência.

    Por fim, o debate travado recentemente com a CONFENEN não é novo, mas a chegada ao STF em meados de 2015 foi recebida pelo meio jurídico atento ao tema com certa inquietação, mas também como a oportunidade de "situar" a pessoa com deficiência como "igual na diferença", com características e e especificidades que demandam políticas públicas e transformação da sociedade e do estado, sob a égide da Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, conhecida também como tratado revolucionário de direitos humanos das pessoas com deficiência. A decisão terá reflexos positivos na sociedade como um todo, considerando também a importância do acesso à educação para a inserção no mercado de trabalho.

    Quais pontos do Estatuto ainda geram controvérsia? Por quê?

    No meu entendimento, a maior controvérsia está no instituto da curatela, considerando que o NCPC e a LBI conflitam no que diz respeito à curatela e à interdição, que sequer consta na LBI, tendo em vista que o CPC passou a vigorar em data posterior, o estatuto restou prejudicado. As interdições, que seguem acontecendo, com poucas exceções, se baseiam apenas em laudos médicos, contrariando a CDPD e a LBI, os tribunais de justiça ainda não criaram equipe multidisciplinar e pouco se versa sobra a tomada de decisão apoiada .

    Pela LBI, a capacidade legal da pessoa com deficiência intelectual e TEA, por exemplo, não podem ser determinada por laudo medico ou por decisão da família tão somente, cabe à pessoa com deficiência, no exercício de direito fundamental e por sua escolha e tomada de decisão apoiada ou não, protagonizar o processo, com todos os recursos de acessibilidade que se fizerem necessários.

    Fato é que as interdições em sua maioria ainda têm como base os laudos médicos, contrariando a LBI. No entanto, o instituto da Curatela tende a seguir Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, que tem status de norma Constitucional, ratificada com quorum qualificado e promulgada sem ressalvas e, por este motivo, o PLS 757/15 tem o desafio de consensuar a LBI e o CPC, tornando imprescindível nos tribunais a criação e presença de equipe multidisciplinar para a curatela e para a tomada de decisão apoiada, principalmente

    No que diz respeito a comunidade jurídica, a pessoas com deficiência e famílias, pairam ainda dúvidas quanto ao instituto da curatela e aos dispositivos e procedimentos adotados pela LBI, trata-se realmente de mudança de paradigma e urge debater o tema com profundidade. Seguimos aqui o conceito de deficiência determinado pela Convenção (CDPD), recebida na forma do § 3º do art. da CRFB, com status de norma constitucional, sendo o mesmo conceito expresso na integra na Lei Brasileira de Inclusão/Estatuto.

    Para que esteja de acordo com a CDPD e a LBI, em tese, o juiz apenas em rara exceção poderia ultrapassar os efeitos da curatela para temática extrapatrimonial e sempre fundamentado em laudo biopsicossocial.

    Contudo, acredito que ainda teremos um longo caminho a trilhar e que pessoas com deficiência e as suas famílias precisam ter acesso à informação adequada e acessível, para que sejam, de fato, conhecedores de seus direitos e protagonistas de suas próprias vidas.

    Quais foram os principais avanços obtidos pelas pessoas com deficiência com o Estatuto?

    Destaco como principal avanço a criminalização da discriminação, incluindo a falta de acessibilidade como discriminação bem como a negativa de acesso a direitos ou serviços sob esta justificativa, tanto no setor público quanto no privado. Mas os avanços são muitos, inclusive a demanda das famílias para o não pagamento de taxas extras nas escolas, agora atendida. A CDPD, a CRFB e a LDB atendiam a população com deficiência que estuda em instituição de ensino privado, no entanto, a LBI veda expressamente a cobrança.

    Em relação aos direitos da criança e do adolescente, a LBI enfatiza a proteção integral e prioridade absoluta, o exercício dos direitos e obrigações do estado e das famílias, considerando a maior vulnerabilidade, inclusive. Ponto este que deve ser abraçado pelo direito de família, no meu entendimento, com vias a conscientizar para o dever de cuidar, de assegurar o convívio familiar e a igualdade parental em caso de divórcio, e de evitar o abandono afetivo por um dos genitores, práticas ainda "naturalizadas" pela sociedade, quando se trata de crianças com deficiência.

    Frisa-se aqui que o direito de ter uma família é fundamental e a LBI soma-se à Lei 12.955/14 com o objetivo de tentar assegurar à criança com deficiência este direito com prioridade, acompanhado dos cuidados e afetos que fazem parte do contexto familiar.

    A LBI, por exemplo, versa sobre o direito ao exercício dos direitos sexuais e reprodutivos, que muitas vezes são negados às pessoas com deficiência, e este é mais um debate a ser feito, com o objetivo de trazer à baila as especificidades das pessoas com deficiência e os aspectos relacionados. Por exemplo, a curatela em momento algum poderá servir como instituto regulador do exercício da sexualidade, o que inclui o direito à identidade e orientação sexual.

    Poderia pontuar outros avanços, mas considero importante destacar que tantos os avanços expostos acima quanto os não mencionados foram consequência direta da ratificação da Convenção pelo Decreto Executivo 6949/09, o Estatuto/LBI foi adequado ao tratado e veio a servir como instrumento de regulamentação do tratado. Muitos debates aconteceram até que o texto da LBI fosse aprovado, a nova Lei foi totalmente adequada. Mesmo assim, para abrir o leque para os debates e estudos, no que diz respeito à curatela, tema que abordei acima, o Brasil recebeu recomendações do Comitê da ONU, como se a LBI restringisse direitos de pessoas com deficiência intelectual, por exemplo.

    Contudo, podemos destacar na LBI todo o rol de direitos fundamentais das pessoas com deficiência, do nascimento ao envelhecimento, em dispositivos que asseguram à pessoa com deficiência o direito ao exercício da cidadania em todos os espaços e setores da sociedade, em conformidade com o decreto supracitado.

    Quais medidas os pais de alunos com deficiência que enfrentarem problemas junto a escolas particulares podem tomar?

    É necessário que as famílias conheçam os seus direitos e que conheçam também os direitos de seus filhos e filhas com deficiência. Sugiro que comecem sempre com o diálogo e tentem aprofundar a parceria família escola. Caso não consigam sozinhos, sugiro que busquem auxílio com operadores do Direito, com o objetivo de evitar litígios, inclusive. No entanto, em caso de negativa expressa de matrícula e de oferta de recursos, incluindo recursos humanos, pessoas com deficiência ou responsáveis, em caso de crianças e adolescentes, podem se dirigir ao Ministério Público para denunciar o estabelecimento de ensino, podem provocar os conselhos de defesa de direitos para que se manifestem e podem registrar ocorrência na delegacia de polícia, por discriminação.

    Neste caso, é possível ajuizar ação para garantir o direito à educação com todos os recursos de acessibilidade necessários, ofertados pela instituição de ensino escolhida.

    Friso que desde 1989 é crime negar ou fazer cessar matrícula por motivo de deficiência, no entanto, a LBI modifica a Lei 7853/89 para agravar a punição para as escolas que negam ou interrompem a escolarização de pessoas com deficiência. Neste sentido, não é novidade para escolas, para conselhos de pessoas com deficiência, da criança e do adolescente e de direitos humanos, para o Ministério Público ou para delegados que se debruçaram sobre registros de ocorrência ao longo dos anos.

    E é bom que as famílias saibam que, muito embora a LBI traga esta obrigação, o art. 206 da CRFB e o art 7º da LBD indicavam que escolas deveriam ofertar recursos de acessibilidade, no entanto, avançamos.

    Pela primeira vez no Brasil, escolas privadas se organizam em conjunto para oferecer o atendimento educacional especializado complementar e/ou suplementar, de acordo com o nosso ordenamento jurídico e, da mesma forma que escolas se organizam, responsáveis precisam trabalhar em conjunto e até respeitar decisões dos estabelecimentos de ensino. Com a LBI, não são mais os responsáveis que decidem sobre o profissional de apoio ou mediador que será contratado, cabe à escola a organização da educação, o que pode gerar ansiedade e preocupação para as famílias.

    Neste primeiro momento trabalhar junto e com a escola privada é fundamental, pois a relação que antes era muitas vezes unilateral, do mediador com a família, por exemplo, agora passa a ser da escola com o mediador, lembrando que as escolas privadas seguem as normas da educação nacional e, também por isso, a ADI 5357 não logrou êxito.

    Pontuo a necessidade de reivindicar direitos de forma proativa e do bom senso por parte dos envolvidos. O diálogo, com conhecimento da legislação, sempre é a melhor alternativa, mas, se inviável, após exauridos todos os meios, incluindo a mediação, ajuizar ação pode ser o caminho para fazer valer a LBI.

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